Você está na página 1de 12

Roteiro de trabalho

A Flauta Mágica
A Flauta Mágica talvez seja a ópera que mais interesse desperta no público, adulto ou
infantil. Por causa de suas qualidades musicais e das várias chaves de leitura possíveis, é
uma obra que tem forte apelo e que pode ser percebida de diversas maneiras. Estreada
em 1791 no Meater auf der Wieden em Viena, espaço destinado a obras em alemão, de
teor mais leve e popular, a ópera foi composta quase que concomitantemente à Clemenza
di Tito, uma ópera séria italiana. É importante assim reconhecer não apenas o fato de que
Mozart estava escrevendo duas grandes obras teatrais ao mesmo tempo, mas, também, que
cada uma seguia convenções próprias de seu gênero dramático-musical.

• A Clemenza, uma ópera séria, em italiano, sobre um libreto de P. Metastasio, adaptado


por
C. Mazzolà.

• A Flauta, aquilo que em alemão se chama Singspiel (peça cantada ou peça com canto).

Desde o século XVII, a ópera italiana alcançou os territórios de língua alemã, com uma
história rica e conturbada. Mais especificamente, a partir de 1782, o novo imperador
Leopoldo II passa a dar grande estímulo ao Singspiel e a obra de Mozart deve ser lida
dentro deste filão.

Naquele momento, o Singspiel é uma obra teatral com partes recitadas e partes cantadas
acompanhadas por uma orquestra. Em geral, na escuta da Flauta, há uma tendência a
deixar de lado toda a parte falada, já que a música é extremamente saborosa. Mas o
conjunto do espetáculo só adquire seu sentido pleno através da escuta de toda a obra, não
só porque assim a trama fica completa, mas, também, porque a passagem da fala para o
canto, problemática para alguns, dá um sentido ainda mais dramático para a parte
musical.

Schikaneder, autor do libreto, era ator, compositor, cantor e diretor do Meater auf der
Wieden. O texto da Flauta é uma combinação de várias tradições: uma parte do libreto
deriva do Sethos do Abade Terrason (Paris, 1731); outra, do conto de fadas Lulu, oder
die Zauberflöte, de A. J. Liebeskind, publicado no Dschinnistan de Wieland, em 1789.
Além dessas fontes mais diretas, o libreto traz também elementos maçônicos (Mozart e
Schikaneder eram maçons, assim como tantos outros artistas e literatos no século XVII),
como o ritual de iniciação, a alquimia e os símbolos egípcios. Mas existem diversos
elementos não-maçônicos como, por exemplo,

1
Roteiro de trabalho
A Flauta Mágica
Mágica
Monostatos, Papageno, Papagena e a Rainha da Noite, além dos instrument oss mágicos.
mágicos.
Percebe-se que o texto da Flauta Mágica combina uma variedade de experiências literárias e
literárias
e público e
culturais do século XVIII, criando uma obra que vem despertando interesse do público e
o peso
estudiosos desde sua estreia. A ópera pode ser vista como uma tentativa de escapar do peso
dos dos
modelos clássicos, além do fascínio provocado pelo espírito ‘natural’ e não sofisticado
sticado da
da
literatura popular. Certamente, o maior responsável por esse interesse foi a música
de de
Mozart. Sem ela, talvez se daria pouca importância ao libreto e mesmo à trama deMozart.
ágicFlauta
Mágica. a

Como sempre em suas obras, Mozart conseguiu coordenar vários elementos dedições ições
tra distintas na Flauta. Para alguns, o tema principal do Singspiel seria a a,, assim
própria músic assim
representada: Papageno (Schikaneder), Pamina (a ópera alemã), a Rainha da Noite (a (a ópera
ópera
eri).
italiana), Tamino (o músico alemão – Mozart), Sarastro (José II), Monostatos (Sali ri).
Claro Claro
ivos
que outras associações já foram feitas e certamente aí reside um dos principais mot
vos do fascínio pela ópera. do

mundo
Desde sua estreia, a ópera teve grande sucesso em Viena, depois espalhando-se pelo
mundo
germânico e também pelo resto da Europa, muitas vezes traduzida para outrasuas.as.
líng Goethe pensou em escrever uma sequência, que jamais foi terminada nemnte te
totalme musicada. Mas a Flauta é o tipo de ópera que nunca saiu do repertório,
que sempre ns, filmes
e
encontrou e encontra um público ávido e fascinado e que inspira grandes montagens,
filmes e até mesmo uma produção em quadrinhos.

Sugestões de atividades

Objetivo: identificar os diversos registros vocais usados na ópera

s. . Na
Mozart sempre exigiu muito das vozes dos cantores para quem escreveu suas ópera
Na
Flauta Mágica, dois personagens têm vozes que estão nos pontos extremos da nsão
são vocal:
exte a Rainha da Noite (soprano coloratura) e Sarastro (baixo profundo). vocal:
1) Veja as duas árias:

• Rainha da Noite http://www.youtube.com/watch?


v=UXOYcd6KZ0E&feature=related (a ária propriamente dita começa
em 2’11”)

Tradicionalmente, as óperas dividem-se em partes que podem ser faladas ou próximas da


fala (trechos recitativos) e partes mais musicais (árias, duetos, tercetos, coros etc.). A
ária é um momento em que um cantor, sozinho, canta. É, assim, um solilóquio, em que
uma personagem, transportada por seus afetos, canta para mostrar suas paixões.

É também o momento em que o cantor vai mostrar todas as suas habilidades como, por

2
Roteiro de trabalho A Flauta Mágica

exemplo, a rapidez na execução de notas ou a capacidade de atingir notas extremas


capacidade
agudas).ou
(graves E,agudas).
ainda, deE,sustentar
ainda, deuma nota por
sustentar uma muito
nota por muito tempo ou de cantar forte e
temp
assim
diante.por
Desse
diante.
modo,
Desse
na visão
modo,donacompositor,
visão do compositor,
dos dos cantore , do público e
cantores
também dos críticos
e dos teóricos, a ária eé dos teóricos,daa ária
o elemento óperaé odeelemento
maior da ópera de maior destaque.
dest
• Ária de
de Sarastro
Sarastrocomcom coro
coro
http://www.youtube.com/watch?v=K_IaJDqz2Zo
http://www.youtube.com/watch?v=K_IaJDqz2Zo

Note como a escrita vocal para a Rainha da Nite iteééágil


ágil ela
e ela
No
alcança notas muitas agudas, num momento m e que
em que apersonagem
pe sonagem
emanifesta sua raiva ilustração
manifesta (ilustração adapágina ). aá Já
página 17). o canto
o cantoe de
Sarastro
Sarastro
( d 17 J d
é grave, solene eento,lento,numa
numainvocação
invocação
lreligiosa
religiosa aa Isis
Isis eOsiris
siris
e(representação
representação na página 23).
n página
23
NãoNãoééaatoatoaque
que ssextremos
extremos vocais
vocais
oestejamassociados
estejam os a dois personagens
sonagens
associad extremos:
também pe seres
os: seresmá gicos
icos (ou
má (ou
quase), de caráter místico e eligioso e
er
que, do ponto de vista vocal, são
vocal
representados através de uma voz que está totalmente
da umfala da fala ordinária
distante
ordinária.

2) Compare
2) os registros
Compare vocais vocais
os registros (agudo,(agudo,
médio e médio
grave) às
e grave) às características das
personagens

A distância da fala ordinária é um dos pontos fortes da ópera. Mas no caso de A


óp
mágic ,mágica,
Flauta tudo estátudo
muito
estábem
muitodemarcado: Tamino Tamino
bem demarcado: e e Pamina, o jovem casal, os
passam
heróis
a Pami
por passam
que diversaspor
provações,
diversassão respectivamente
provações, um
são respectivamente um tenor e um
te
numa região
soprano, que vocal
cantamnem
numatão região
aguda,vocal
nem tão
nemgrave. E as nem tão grave. E as árias
tão aguda,
ári
líricos:são os momentos mais líricos
deles

Ária de Tamino
Tamino:
http://www.youtube.com/watch?v=WcQ9NSdAyXE

Ária de Pamina:
http://www.youtube.com/watch?v=F3y7UMeC41Y&feature=related

3) Explore situações em que A flauta mágica já foi utilizada

A ária da Rainha da Noite contém uma daquelas melodias tão conhecidas que já foi
aproveitada em várias situações. No mundo da propaganda, apareceu em roupagem pop
no anúncio do Kadett Chevrolet (1995), na voz de Edson Cordeiro:
3
Roteiro de trabalho A Flauta Mágica

http://www.y
http://www.youtube.com/watch?v=uy3meCahY_Y

E em versão cinematográfica de Kenneth Branagh, onde o maravilhoso se torna ainda


cexplícito:
mais http http://www.youtube.com/watch?v=i_FCYzv383o
explícito:

Objetivo: compreender a mistura dos gêneros sério/cômico e seus efeitos no drama musical
Objetivo:

Uma longa queixa com relação à ópera do século XVII é que os gêneros sério e cômico
qu
estavam mistu
estavam misturados, o que contradizia as recomendações dos teóricos do teatro desde a
Antiguidade. Sucessivas mudanças na ópera italiana conduziram a uma separação,
Antiguidade.
criando dois espetáculos distintos, com convenções próprias: a chamada ópera séria, com
temas históricos e personagens heroicos, e a ópera cômica ou bufa, com situações mais
próximas do cotidiano e personagens com características acentuadas, que funcionavam
como uma crítica à vida social.

Contudo, percebe-se ao longo do século XVIII o interesse de alguns libretistas e


compositores em escapar da rigidez de tal divisão, mesclando novamente personagens
sérios e cômicos.
Note-se que a presença dos personagens cômicos relativiza a seriedade da ação
heroica e confere uma dimensão que nos parece mais humana para o que está
acontecendo em cena.

Na Flauta há também um casal de personagens cômicas (Papageno e Papagena). Na


verdade,
Papagena surge apenas no final da
obra e é Papageno que acaba
acompanhando o jovem herói
Tamino através de sua jornada.
Papageno é um caçador de pássaros,
um homem da natureza, diferente de
Tamino, que é um ser que passa por
privações para atingir a iluminação.
Desse modo, Papageno tem um
canto mais “popular”, mais afável e
também grandes melodias, como no
dueto com Pamina:

http://www.youtube.com/watch?v=mO-h1sPcsKQ
4
Roteiro de trabalho A Flauta Mágica

É importante notar o quanto a escrita vocal aqui é diferente, mais simples, além de ser
um canto estrófico que se repete com poucas variações. Em quase toda a Flauta existem
máximas morais, já que os heróis, através de vários enganos e dúvidas, devem encontrar
o caminho da iluminação. Tal proposta assemelha-se muito aos contos de fadas, gênero
literário de grande sucesso a partir do século XVIII e que tantas repercussões teve no
mundo artístico.

• Sugira aos estudantes que façam o resumo do enredo da Flauta Mágica (jovem casal
que não se conhece tem de passar por várias provações, com uma rainha que parece
ajudar, mas no fundo atrapalha, e um velho sábio que fala algo que ninguém entende).
Depois, sugira que façam a comparação com outros contos de fadas.

• Incentive os alunos a pesquisar sobre óperas sérias e óperas cômicas. Depois, ajude-os a
compará-las com A Flauta Mágica.

Objetivo: compreender como a música pode representar o sobrenatural

A Flauta é uma ópera que combina diversos componentes


do maravilhoso: elementos ousados, sobrenaturais, mas
sempre dentro da fronteira do verossímil. Logo no início
da ópera, Tamino aparece sendo perseguido por uma
gigantesca serpente para finalmente ser salvo pelas três
damas, preparando a chegada da Rainha da Noite. Em
geral, a manifestação do sobrenatural é precedida por uma
manifestação natural violenta; no caso do início da Flauta,
uma tempestade. A música tem a grande capacidade
de representar as violências da natureza, mas, numa
ópera, também é preciso utilizar recursos cênicos.

Cenários, partes essenciais em montagens de ópera, para a Flauta são os mais variados.
Existe o grande exemplo de Karl Friedrich Shinkel (1781-1841), pintor e arquiteto
alemão que, entre outros projetos, desenhou cenários para uma produção da ópera de
Mozart em 1815. O conhecido guache para a cena da entrada da Rainha da Noite pode ser
visto na Web Gallery of Art (http://www.wga.hu/html_m/s/schinkel/magic_fl.html ).

Stage set for Mozart's Magic Flute


1815
Gouache, 463 x 616 mm
Staatliche Museen,
Berlin
5
Roteiro de trabalho A Flauta Mágica

1) Mostre várias representações de uma mesma cena e sugira que a classe compare as
diferentes maneiras de representá-las.

• No conhecido filme de Ingmar Bergman:


http://www.youtube.com/watch?v=fPwCCGogdBE

• Como teatro de marionetes:


http://www.youtube.com/watch?v=wBLKpoM_ajs&feature=related

• Na transposição e adaptação que Kenneth Branagh fez para o cinema, atualizando a


trama da ópera para a Primeira Guerra Mundial: http://www.youtube.com/watch?
v=HuOEdkJdU0Y&feature=related

• Comparar como essa mesma cena acontece nos quadrinhos (páginas 10 e 11).

Objetivo: conhecer a simbologia da flauta

A flauta e sua vasta simbologia tem uma longa história em diversas culturas. No caso da
Flauta Mágica, é o som do instrumento musical que ajuda Tamino a superar as diversas
provações por que passa. Na história da humanidade, instrumentos de sopro estiveram
sempre presentes. Veja-se, por exemplo, a recente descoberta na Alemanha de um
instrumento paleolítico, noticiada pela revista Nature (24/06/2009 -
http://www.nature.com/nature/journal/v460/n7256/full/nature08169.html) e divulgada
pela Agência Fapesp (http://agencia.fapesp.br/10685).

No mundo ocidental, há um longo percurso iconográfico das flautas (de pã, doce ou
transversal). Podemos também pensar em um exemplo mais próximo, em terras
brasileiras (veja reportagem do Instituto Socioambiental:
http://g1.globo.com/platb/natureza-isa/category/povos-indigenas).

No mundo grego, temos o episódio de Pã e a Sirinx e também o do duelo entre Apolo e


Mársias, que é um dos exemplos mais constantes nas representações artísticas, onde a
flauta está presente. Mársias é o inventor da flauta de dois tubos e, acreditando no poder
do som produzido por ela, desafia o deus Apolo (também ele músico, que tocava uma
lira). Como é de se esperar, o deus vence a disputa e destroça seu rival.

Veja exemplos

Representação de Pietro Perugino:


http://www.gutenberg.org/files/28420/28420-h/images/img013.jpg

6
Roteiro de trabalho A Flauta
Mágica
Representação de Jusepe de Ribera:
http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/r/ribera/2/apollo1.html

No apogeu do uso da flauta doce, entre os séculos XV e XVII, há várias representações


de grupos de flautistas, mostrando a variedade dos tipos de instrumento, seu uso na vida
social, nas festividades, em cenas religiosas etc.

S. Ganassi:
http://www.recorderhomepage.net/inline/ganassi.jpg

Pere Vall:
http://www.recorderhomepage.net/inline/vall_st_peter_4.jpg

As flautas (e outros instrumentos musicais) também são comuns em naturezas mortas,


sobretudo como um dos elementos que fazem parte da vida humana e que, ao mesmo
tempo, reflete a passagem do tempo, a presença da morte e a inconstância e a futilidade
de tudo o que é passageiro (vanitas):

Pieter de Ring:
http://www.wga.hu/art/r/ring/stillife.jpg

Pieter van Roestraten:


http://www.recorderhomepage.net/inline/roestraten_vanitas_flageolet.jpg

Se desde o episódio de Pã e Sirinx, assim como no de Apolo e Mársias, a música aparece


ligada a temas de morte e transformação, em A Flauta Mágica o instrumento também está
ligado a um tipo de morte e transformação, que é o da iniciação. Se deixarmos de lado a
inspiração nos rituais maçônicos, na ópera, Tamino e Pamina devem morrer, no sentido de
deixar para trás a vida para que encontrem a verdade e possam viver o amor em sua
plenitude. A flauta e a música são as grandes companheiras do herói.

Depois de conhecer a simbologia da flauta, proponha:

• O estudo da história e dos tipos deste instrumento musical

• A escuta de gravações dos diferentes tipos de flauta

• Pesquisas sobre a flauta de outros povos como da Turquia (flauta ney ou nay) e do Japão
(shakuhachi)

• Compare o som a flauta com a voz humana

Texto: Paulo M. Kühl, Colaboração: Maria Cristina M. Pereira


Bucci
www.scipione.com.br/operaemquadrinhos
7

Você também pode gostar