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Reações adversas a cosméticos

Marlus CHORILLI1,2
Maria Virgínia SCARPA2,3
Marcos Antônio CORRÊA3

1. Curso de Farmácia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Rodovia do
Açúcar, km 146, CEP 13400-901, Piracicaba, SP.
2. Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, UNESP, Rodovia
Araraquara-Jaú, km 1, 14801-902, Araraquara, SP.
3. Departamento de Fármacos e Medicamentos, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, UNESP, Rodovia Araraquara-Jaú,
km 1, 14801-902, Araraquara, SP.

Autor responsável: M. Chorilli.


E-mail: chorilli@fcfar.unesp.br

Introdução pode ser definida como intolerância local que se


restringe à área de contato direto com o produto,
Os produtos cosméticos podem ser definidos como podendo corresponder a reações de desconforto
preparações constituídas por substâncias naturais ou sin- menores, mas também a reações mais ou menos
téticas, de uso externo nas diversas partes do corpo hu- agudas, variando sua intensidade, desde ardor,
mano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais coceira e pinicação podendo chegar à corrosão e
externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, destruição do tecido (BRASIL, 2003).
com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, perfu- • Reações alérgicas ou sensibilizantes: dermatite
má-los, alterar sua aparência, corrigir odores corporais e alérgica de contato (ex: princípios ativos, veí-
ou protegê-los ou mantê-los em bom estado. culos, conservantes) ou granuloma alérgico (ex:
De acordo com os artigos 3º e 26º da Lei 6.360/76 zircônio). A sensibilização corresponde a uma
e 3º, 49º e 50º do Decreto 79.094/77, os cosméticos alergia, que é uma reação de efeito imediato (de
podem ser enquadrados em quatro categorias: produtos contato ou urticária) ou tardio (hipersensibilida-
de higiene, cosmético, perfume e produto de uso infantil. de). Ela envolve mecanismos imunológicos e pode
Pelo grau de risco que oferecem são classificados em grau aparecer em outra área, diferente da área de apli-
1 (produtos com risco mínimo) e grau 2 (aqueles com cação, podendo se manifestar por eritema, edema
risco potencial), visando a finalidade do uso do produto, e secreção com formação de crostas (VIGLIOGLIA
áreas do corpo abrangidas, modo de usar e cuidados a & RUBIN, 1991). O risco de alergia pode decorrer
serem observados quando de sua utilização (LEONARDI & tanto em função das matérias-primas quanto do
MATHEUS, 2004; BRASIL, 2003; BRASIL, 2000; BRASIL, produto final. A reação é basicamente atribuída
1976). a algum componente cuja reatividade pode ser
Segundo KLIGMAN & WOODING (1967), todas as desencadeada ou potencializada pela fórmula do
substâncias podem causar danos a qualquer pessoa em produto acabado (BRASIL, 2003).
determinadas circunstâncias. Baseado neste fato seja • Dermatites por fotossensibilização: fototoxia ou fo-
qual for o produto a ser aplicado na pele, ele poderá toalergia. São reações adversas que ocorrem após
interferir no ecossistema cutâneo e modificar sua bio- exposição combinada de certos componentes à luz
química e a fisiologia em maior ou menor grau. Tal in- (VIGLIOGLIA & RUBIN, 1991).
teração entre a pele e os produtos nela aplicados pode • Reações sistêmicas: por inalação (ex: fragrâncias)
ser benéfica ou nociva, dependendo do tipo de manifes- ou por absorção percutânea (ex: persulfato de
tação, após curtos ou longos períodos de sua utilização amônio). São reações resultantes da passagem de
(NUNES, 2000). quaisquer substâncias do produto para a circula-
Apesar de não desejável, há relatos na literatura de ção sangüínea, diretamente por via oral, inalató-
reações adversas a cosméticos (LACHAPELLE, 1994; GROOT ria, transcutânea ou transmucosa, metabolizadas
et al., 1988). VIGLIOGLIA & RUBIN (1991) dividem as re- ou não (BRASIL, 2003).
ações adversas a cosméticos em: • Reações físicas e outras: por oclusão (ex: foliculite
• Reações irritativas: imediatas (ex: hidróxido de só- por óleos).
dio) ou acumulativa (ex: tensoativos). A irritação • Ação carcinogênica.

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Para MARKS (1990), as reações adversas a cosmé- ocorre aumento de queratinócitos, e na derme, infiltração
ticos variam desde reações como queimadura, coceira ou de leucócitos e de plasma, contribuindo para o aumento
pele seca, até reações mais significativas caracterizadas na espessura da pele. Depois de uma ou duas semanas,
por vermelhidão e bolhas. dependendo do grau de inflamação inicial, a aparência da
pele retorna ao normal.
Reações irritativas A inflamação progride para a regeneração ou reparo.
A regeneração se caracteriza pela presença dos mesmos
As reações irritativas são definidas como dermatites elementos teciduais existentes antes do dano tecidual. Já
provocadas por agressão física ou química, desconside- o reparo se caracteriza pela modificação dos tecidos ori-
rando-se o mecanismo alérgico ou imunológico. Tais re- ginais com formação de cicatriz tecidual (WILKINSON &
ações dependem fundamentalmente da concentração do MOORE, 1982).
agente agressor, do tempo de ação, biodisponibilidade As mudanças na pele irritada são induzidas por ações
química e local do corpo em que o produto é aplicado tóxicas físicas e químicas do agente irritante e pelos me-
(BASKETTER, 1980). Na maioria dos casos, as reações irri- diadores farmacológicos liberados ou ativados na resposta
tativas não dependem de fatores genéticos ou individuais inflamatória. Assim, os agentes irritantes podem extrair
(DRAELOS, 1999). lipídios do estrato córneo, prejudicar a função barreira, e
HERNANDEZ & MERCIER-FRESNEL (1999) apontam danificar ou matar alguns queratinócitos.
como principais agentes químicos irritantes determinados Estas mudanças são um efeito direto da substân-
ácidos e bases fortes, álcoois, fósforo, xampus, sabonetes cia aplicada. Durante a resposta inflamatória, enzimas
e cremes depilatórios. Já dentre os agentes físicos cita- lisossomais proteolíticas e outras enzimas de leucócitos
dos, tem-se raios ultravioleta, radiações ionizantes, calor, infiltrantes e células epidermais agredidas degradam ele-
frio, fricções e coceiras repetidas. mentos teciduais e ativam outros sistemas farmacologica-
As reações irritativas podem ser do tipo imediata ou mente ativos, como o sistema complemento e as cininas.
acumulativa. No caso da irritação imediata ou primária, Estes mediadores atraem mais leucócitos e também libe-
observa-se os sinais quando o usuário aplica as formula- ram outras substâncias, como por exemplo, histamina.
ções por tempo demasiado na pele. É o que ocorre com A cascata complexa de eventos inflamatórios resulta
depilatórios. Já no caso de reações irritativas por acumu- em maiores mudanças teciduais que aquelas induzidas di-
lação ou secundárias aparecem injúrias subclínicas decor- retamente por substâncias tóxicas (WILKINSON & MOORE,
rentes de freqüentes aplicações de cosméticos, como, por 1982). As principais mudanças no estrato córneo após a
exemplo, os antiacnéicos (VIGLIOGLIA & RUBIN, 1991). aplicação de substâncias irritantes são: remoção de lipí-
WILKINSON & MOORE (1982) definem substâncias dios, remoção de substâncias celulares solúveis e de água,
irritantes como aquelas que induzem inflamação, ou seja, desnaturação de proteínas, vacuolação, maceração, des-
substâncias não-corrosivas e formulações que, por contato camação, mudanças no conteúdo de enzimas, hiperque-
imediato, prolongado ou repetido com a pele ou membra- ratose (aumento transitório no número de corneócitos) e
nas mucosas, causam inflamação. Uma substância irritan- paraqueratose (situação em que o material nuclear con-
te primária induz uma resposta inflamatória no primeiro densado é retido pelos corneócitos).
contato com a pele, embora o contato possa durar várias Tais alterações na função fisiológica, como por exem-
horas. Já uma substância irritante secundária é uma subs- plo, a perda da função de barreira ou das propriedades de
tância que em primeiro contato com a pele é praticamente retenção de água, prejudicam a resistência à penetração
inofensiva, mas após repetidas aplicações induz inflama- por microrganismos ou substâncias do ambiente, além de
ção, a qual torna-se progressivamente mais severa. levar à diminuição de plasticidade ou elasticidade, po-
Segundo WILKINSON & MOORE (1982), inflamação é dendo levar a finas rupturas e descamação (WILKINSON &
o termo utilizado para todas as mudanças que ocorrem no MOORE, 1982).
tecido vivo quando este é lesado. Seus principais sinais Na derme, as principais conseqüências da inflamação
clínicos são vermelhidão, calor, dor e inchaço. Todavia, são: eritema, edema, adesão e infiltração de leucócitos,
nem todas as lesões apresentam estes quatro sinais. Irri- deposição de fibrina e trombose, degradação de tecidos,
tações brandas, como as decorrentes do uso de algumas proliferação capilar, fibrose e cicatriz (WILKINSON & MO-
formulações cosméticas, podem resultar em vermelhidão ORE, 1982).
e leve coceira. Tais lesões usualmente progridem para um DRAELOS (1999) explica que em casos de reações irri-
leve aumento da espessura da pele decorrente do excesso tativas, nenhum produto cosmético ou itens de tratamento
de novas camadas formadas como parte da hiperplasia re- pessoal devem ser utilizados até que a dermatite tenha
ativa, as quais posteriormente descamam. A vermelhidão, sido resolvida, visto que como a pele encontra-se danifica-
por sua vez, é uma manifestação do aumento do fluxo san- da devido às reações irritativas, qualquer produto cosméti-
güíneo para os vasos superficiais dilatados. Na epiderme, co que venha a ser aplicado pode produzir irritação.

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Reações alérgicas cessária a presença de um antígeno, que é a substância
que estimulará a formação do anticorpo. Os antígenos que
A diferenciação de reações irritantes de reações induzem alergia são freqüentemente chamados de alérge-
alérgicas clinicamente pode ser difícil, mas a distinção nos, os quais apresentam como característica principal a
é importante para que haja um tratamento adequado do especificidade (WILKINSON & MOORE, 1982).
paciente (DRAELOS, 1999). A sensibilização antigênica resulta de uma série
Tanto nas reações irritantes quanto nas reações complexa de eventos em que antígenos (por exemplo,
alérgicas pode haver a presença de placas eritematosas; derivados de uma preparação cosmética que pode pene-
entretanto, em casos de reações alérgicas, há maior quan- trar pela pele, membranas mucosas da boca ou do trato
tidade de vesiculação (DRAELOS, 1999). respiratório) entram no corpo. Os antígenos são identi-
A reação alérgica, conhecida como dermatite alér- ficados por macrófagos, ou pelas células de Langerhans
gica de contato, é um fenômeno imunológico que envol- da epiderme, e o estímulo para especificidade à estrutura
ve células processadoras de antígenos e que apresentam química do antígeno é transferido para as células linfói-
antígenos sem relação com a condição do estrato córneo des, as quais ativam os linfócitos T e B. Os linfócitos B
protetor. Isto nos leva a supor que a única forma de evitar sintetizam imunogobulinas (anticorpos) que permanecem
a dermatite alérgica de contato é evitar a exposição ao ligados à membrana celular. Eles são os precursores das
alérgeno (DRAELOS, 1999). células plasmáticas que sintetizam o anticorpo liberado
ADAMS & MAIBACH (1985) publicaram um estudo no sangue (WILKINSON & MOORE, 1982).
relatando as principais causas de dermatite alérgica de Há quatro tipos de reações alérgicas: tipo I – ime-
contato. De acordo com os dados apresentados por es- diata ou anafilática; tipo II – citotóxica; tipo III – por
tes pesquisadores, produtos de tratamento da pele foram imunocomplexos circulantes; tipo IV – hipersensibilida-
responsáveis por 28% das causas de dermatite alérgica, de tardia. Destas, somente duas são de importância nas
seguido por produtos de tratamento do cabelo (24%), respostas a cosméticos – hipersensibilidade tardia, que é
cosméticos faciais (11%), cosméticos para unha (8%) e manifestada pela dermatite alérgica de contato ou ecze-
produtos de fragrância (7%). Dentre as substâncias res- ma, e a sensibilidade anafilática, que é manifestada em
ponsáveis pelas dermatites alérgicas, as mais freqüentes várias formas de eritema, edema e de urticária alérgica de
foram fragrâncias, conservantes, p-fenilenediamina (com- contato (WILKINSON & MOORE, 1982).
ponente de solução de ondulação permanente), lanolina, A hipersensibilidade tardia é também designada
tioglicolato de gliceril (componente de solução de ondu- como resposta imune celular, porque a resposta clínica é
lação permanente), propilenoglicol, resina de toluenossul- mediada pelos linfócitos T na ausência de anticorpo espe-
fonamida/formaldeído (componente de esmalte de unha) cífico, embora anticorpos possam ser formados juntamen-
e filtros solares. te com os linfócitos ativados no mesmo antígeno. Assim,
A reação alérgica pode ser de efeito imediato (de não há a participação de imunoglobulinas (WILKINSON &
contato ou urticária) ou tardia (hipersensibilidade) (BRA- MOORE, 1982). Na hipersensibilidade tardia podem ocorrer
SIL, 2003). erupções eritematosas e púrpuras (HARRIS, 2001). Dentre
A urticária de contato pode ser uma reação imuno- as substâncias presentes em cosméticos que podem origi-
lógica ou não-imunológica aos cosméticos, caracterizada nar sensibilidade tardia têm-se os ingredientes de perfu-
pelo desenvolvimento de uma resposta inespecífica a uma mes (WILKINSON & MOORE, 1982).
substância química aplicada topicamente. Os principais Já na sensibilidade anafilática, também conhecida
sintomas são coceira, queimação, podendo até mesmo como reação alérgica imediata, observa-se sinais com mi-
ocorrer urticária generalizada e anafilaxia. A urticária não nutos de exposição ao antígeno. Esta resposta é mediada
imunológica é a mais comum e é induzida pela liberação pelos anticorpos IgE que conseguem ligar-se com mastó-
direta de histamina. As principais substâncias empregadas citos e leucócitos (WILKINSON & MOORE, 1982). É carac-
em cosméticos que podem causar urticária de contato não terizada por reação inflamatória aguda, podendo ocorrer
imunológica são: ácido acético, bálsamo-do-peru, ácido urticária, edema angioneurótico, edema de laringe e cho-
benzóico, ácido cinâmico, aldeído cinâmico, benzoato de que anafilático (HARRIS, 2001).
sódio e ácido sórbico. Já as substâncias que podem ser HARRIS (2001) cita vários exemplos de agentes sensi-
responsáveis por casos de urticária de contato imunológi- bilizantes presentes em cosméticos. Em fragrâncias, têm-se
ca são: monômero acrílico, álcoois, amônia, ácido benzói- várias substâncias sensibilizantes, como álcool e aldeído ci-
co, benzofenona, dietiltoluamida, mentol, parabenzenos, nâmico, álcool alfa-amil-cinâmico, hidroxicitronelal, euge-
polietilenoglicol, polissorbato 60, ácido salicílico e sulfe- nol, isoeugenol e geraniol; em tinturas de cabelo, as mais
to de sódio (DRAELOS, 1999). comuns são o parafenileno diamina e derivados; na classe de
Já a hipersensibilidade é uma resposta imunológica conservantes, antioxidantes e antissépticos, têm-se o for-
na qual há a formação de anticorpos. Para isso, é ne- maldeído e formalina, os parabenos e poliquaternos; dentre

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os veículos, a lanolina e o propilenoglicol; na categoria de próprios ingredientes. Portanto, é importante prever este
cosméticos para unhas, as substâncias sensibilizantes mais tipo de risco para os produtos que eventualmente possam
comuns são resina de paratoluenosulfonamida e acrilatos e ser ingeridos ou inalados, ou aqueles destinados a uma
em protetores solares, o ácido p-aminobenzóico (PABA). população em particular (crianças, gestantes, etc). Assim,
a maioria das informações necessárias na avaliação do ris-
Reações fototóxicas e fotoalérgicas co potencial de um produto cosmético resulta do conhe-
cimento dos ingredientes que compõem a formulação. São
Determinadas substâncias que são inócuas e até eles que podem ser os responsáveis por qualquer efeito
mesmo bem toleradas podem tornar-se prejudiciais quando sistêmico e por boa parte do risco alergênico. Contudo, a
ativadas pela luz, podendo levar a fenômenos fototóxicos fórmula do produto acabado pode interferir, à medida que
(ou seja, inflamação induzida pela luz) ou fotoalérgicos facilita a absorção total ou parcial dos componentes, sen-
(onde o estímulo antigênico é ativado pela luz). A energia do responsável, também, por possíveis sinergismos, resul-
para ativar tais substâncias é derivada de radiações nos tantes da associação de matérias-primas (BRASIL, 2003).
comprimentos de onda de 300 a 800 nm (WILKINSON & Tem-se descrito na literatura vários exemplos de cos-
MOORE, 1982). méticos que podem causar reações sistêmicas. Substâncias
Reações fototóxicas podem ser definidas como rea- presentes em branqueadores capilares, como o persulfato
ções inflamatórias induzidas por comprimentos de onda de amônio, podem causar reações generalizadas do tipo
de luz que serão bem tolerados se a pele não estiver sus- eritema facial, edema e desmaios. Já substâncias presen-
ceptível à substância química ativada pela luz (WILKIN- tes em tinturas capilares, como a parafenilendiamina, se
SON & MOORE, 1982). Para DRAELOS (1999), as reações absorvidas por via percutânea, podem ligar-se à hemo-
fototóxicas geralmente aparecem como uma queimadura globina do sangue formando metahemoglobina, levando à
de sol que pode ser seguida de hiperpigmentação e des- produção de cianoses, estado tóxico geral e manifestações
camação, sendo originadas de substâncias de baixo peso neurológicas (VIGLIOGLIA & RUBIN, 1991).
molecular, as quais possuem estruturas altamente resso-
nantes que absorvem radiação ultravioleta A (UVA). Já Reações físicas
reações fotoalérgicas são reações imunológicas mediadas
por linfócitos, como os casos de hipersensibilidade tar- Determinados cosméticos que apresentam ação des-
dia, ou por anticorpos mediando mudanças anafiláticas. pigmentante podem levar à reações adversas. Há relatos
Não há razão para acreditar que estas alergias diferem na literatura de que a utilização de hidroquinona, despig-
das respostas alérgicas que não são dependentes da luz mentante muito empregado em formulações cosméticas,
(WILKINSON & MOORE, 1982). pode levar ao aparecimento de lesões vitiliginosas locais
Segundo DRAELOS (1999), as reações fotoalérgicas (VIGLIOGLIA & RUBIN, 1991).
são menos comuns e são caracterizadas por eritema, edema VIGLIOGLIA & RUBIN (1991) apontam para o fato de
e vesiculação. Os fotoalérgenos, por sua vez, apresentam que certos veículos, principalmente os de natureza oleosa,
algumas peculiaridades, como solubilidade em lipídios de podem levar à erupções acneiformes por ação mecânica ou
baixo peso molecular e presença de estruturas altamente bioquímica, as quais são caracterizadas pelo aparecimento
ressonantes que absorvem energia sobre ampla variação de de comedões, pápulas e pústulas. Além disso, tais autores
comprimento de onda, mas predominantemente sobre UVA. citam que, em determinadas situações, a utilização de de-
Como exemplos de substâncias utilizadas em cosmé- sodorantes contendo álcool podem ocasionar dermatites
ticos que induzem fototoxicidade ou fotoalergia, têm-se na zona periaxilar, já que este veículo apresenta natureza
os derivados PABA presentes em protetores solares, bitio- secante.
nol e hexaclorofeno presentes em desodorantes, e deter-
minadas substâncias bacteriostáticas, como a tetracloro- Ação carcinogênica
salicilanilida. Além disso, fragrâncias que contém óleos
essenciais de algumas plantas, como, por exemplo, ber- Uma vez que a cosmetologia tem por finalidade pre-
gamot, são potentes fontes de fototoxinas (WILKINSON & parar produtos destinados a serem aplicados sobre a pele,
MOORE, 1982). a indústria cosmética aparece como uma fonte potencial
de tóxicos ambientais cujo poder mutágeno e cancerígeno
Reações sistêmicas deve ser avaliado (LACHAPELLE, 1994).
Segundo LACHAPELLE (1994) e PRUNIÉRAS (1994),
Maior atenção deve ser dada às reações sistêmicas, de cada 10 corantes presentes em preparações cosméticas
que são avaliadas a partir dos dados relativos às matérias como batons, três se mostraram mutágenos nos testes de
primas. Não se conhecem efeitos toxicológicos sistêmi- Ames, que é um teste in vivo utilizado para predizer ação
cos em produtos acabados que não sejam causados pelos carcinogênica

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Testes empregados em ca. Já os testes de fototoxicidade, realizados também em
reações adversas a cosméticos cobaias albinas e na maioria das vezes realizados somente
com matérias-primas, expõem a pele à matéria-prima tes-
Apesar de todas estas reações adversas a produtos te e em seguida às radiações UVA e UVB (ROMANOWSKI &
cosméticos citadas neste artigo, é fundamental que estas SCHUELLER, 1996).
sejam evitadas ou pelo menos mantidas dentro de padrões
aceitáveis. Para tanto, é primordial que estudos de tole- Testes de sensibilização cutânea
rância a cosméticos sejam realizados antes de se lançar
no mercado novas formulações. É uma questão ética re- Pode-se empregar o método de maximização, no
lacionada a todos os responsáveis pelos diferentes ramos qual se utiliza cerca de 20 cobaias, que são consideradas
profissionais implicados na elaboração e comercialização o modelo de eleição para estudos de alergia de contato.
de cosméticos. Assim, apesar de uma avaliação rigorosa Este teste comporta duas etapas: uma fase de indução da
prévia destes riscos no caso de uma determinada prepara- sensibilização e outra de revelação (LACHAPELLE, 1994).
ção, efeitos de irritação ou de alergia podem sobrevir em Procedimento: aplicam-se inicialmente 6 injeções
indivíduos predispostos (LACHAPELLE, 1994). intradérmicas, 3 de cada lado do pescoço, a saber: 2 com
Nos últimos tempos, muitos dos testes empregados adjuvante completo de Freund (substância que tem por
para verificação de reações adversas a cosméticos estão função principal exacerbar a resposta imune), 2 com a
deixando de serem realizados em animais e estão sendo substância teste numa concentração de 5% sem o adju-
adotadas metodologias in vitro. Todavia, estas ainda estão vante e 2 com a substância teste emulsionada a 5% no
longe de mimetizar o que ocorre in vivo. Assim, mesmo adjuvante completo de Freund. Uma semana mais tarde,
diante de grandes resistências político-sociais, muitos raspam-se as regiões em que as injeções foram aplicadas.
destes testes ainda são realizados em animais (LACHA- Se a substância teste não for irritante, aplica-se na região
PELLE, 1994). Dentre os testes utilizados, tem-se: lauril sulfato de sódio a 10% em vaselina, com o objeti-
vo de provocar uma irritação leve localmente e, após 24
Teste para irritação cutânea horas, aplica-se a substância teste no local. A fase de
revelação se realiza 14 dias após a fase tópica e aplica-se
Geralmente, é realizado em coelhos.. Neste teste, a maior dose não irritante. Depois de 24 horas, a pele é
mede-se a irritação cutânea com o auxílio de um teste examinada para observação de reações alérgicas. A inten-
epicutâneo feito sobre a pele abrasada e sobre a pele sidade da resposta é quantificada na hora da remoção da
intacta de no mínimo seis coelhos albinos raspados na banda e 48 horas depois (BRASIL, 2003; DRAELOS, 1999;
antevéspera da prova. O procedimento para este teste é LACHAPELLE, 1994).
o seguinte: sobre a pele de cada animal, realizam-se três
incisões paralelas de três cm de comprimento com uma Potencial carcinogênico
agulha de injeção hipodérmica de forma apenas a abrasar
a camada córnea. Os testes para determinar se o produto provoca cân-
Sobre cada superfície a testar, aplica-se 0,5 mL (para cer são semelhantes aos testes do potencial mutagêni-
líquidos) ou 0,5 g (para semi-sólidos) das formulações a co (teste de Ames), porém sua duração é muito maior.
serem testadas, recobrindo-se a área de aplicação com Recomenda-se a realização dos testes conhecidos como
uma gaze. Após 24 e 72 horas, avalia-se as reações ob- “doses heróicas”, já que seria necessário grande número
servadas, de forma a obter o índice de irritação cutânea, de animais no teste para detectar potencial carcinogênico
seguindo a escala de Draize, que classificou os produtos em níveis reais.
irritantes em: discretamente irritantes (índice inferior ou Assim, administram-se doses muito grandes a pe-
igual a 2), moderadamente irritantes (índice compreendi- quenos números de animais. Para algumas substâncias, o
do entre 2 e 5) e muito irritantes (índice igual ou superior câncer provocado por grandes doses também seria provo-
a 6) (LACHAPELLE, 1994; DRAIZE et al., 1944). cado por doses menores, sugerindo que as doses poderiam
ser extrapoladas com esse método. Todavia, apenas dados
Fotossensibilidade e fototoxicidade relativos a doses elevadas têm sido legalmente aceitos
(ROMANOWSKI & SCHUELLER, 1996).
Os testes fotoalergênicos baseiam-se em testes oclu-
sivos repetidos realizados em cobaias albinas utilizando
radiação UV durante a fase inicial de exposição. As co- Considerações finais
baias são expostas à radiação diariamente por 3 semanas.
Após período de 14 dias é realizada mais uma exposição. As reações adversas provocadas pelo uso (ou mau
O procedimento seguinte é a avaliação da reação alérgi- uso) de produtos cosméticos são de extrema importância

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para formuladores e profissionais da área de cosméticos, DRAELOS, Z.D. Cosméticos em dermatologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Re-
os quais devem buscar a utilização de matérias-primas e vinter, 1999. 329p., p.279-288.
formulações cada vez menos agressivas à pele.
DRAIZE, J.H.; WOODARD, G.L.; CALVARY, H.O. Methods for the study of
Com o objetivo de garantir a segurança dos usuários irritation and toxicity of substances applied topically to the skin
dos produtos cosméticos, os testes para verificação de re- and mucous membranes. J. Pharmacol. Exp. Ther., v.82, p.377,
ações adversas devem ser realizados, de forma a garantir 1944.
ao consumidor um produto seguro. Todavia, mesmo diante
GROOT, A.C.; BRUYNZEEL, D.P.; BOS, J.D.; VAN DER MEEREN, L.M.; VAN
dos testes, não se deve deixar de considerar a suscepti-
JOOST, T.; JAGTMAN, B.A.; WEYLAND, J.W. The allergens in cosme-
bilidade individual a determinados componentes da for- tics. Arch. Dermatol., v.124, p.1525-1529, 1988.
mulação.
Este artigo assume sua importância ao detalhar HARRIS, M. Hipoalergênicos: mito ou realidade? Revista Racine, v.61,
sobre as reações adversas a cosméticos e ressaltar so- p.12-16, 2001.
bre a grande responsabilidade dos profissionais da área HERNANDEZ, M.; MERCIER-FRESNEL, M.M. Manual de Cosmetologia.
de cosméticos, que não devem se furtar à realização de 3.ed. Rio de Janeiro: Revinter, 1999. 353p., p.133-137.
testes de reações adversas ao lançar seus produtos no
mercado. KLIGMAN, A.M.; WOODING, W.M. A method of the measurement and
evaluation of irritation human skin. J. Invest. Dermatol., v.49,
p.78, 1967.

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