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A Presença dos Conceitos de “Luta por Redistribuição e Luta por

Reconhecimento” de Nancy Fraser no Filme Selma

Lucas Romualdo Pinto Soares


Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Ouro Preto
lucas.rps@aluno.ufop.edu.br

Resumo

O objetivo deste artigo é aplicar a relação entre lutas de reconhecimento e lutas de


redistribuição segundo Nancy Fraser na análise do filme Selma

Palavras-chave

Martin Luther King; Fraser; Filme; Direitos.

1. A luta pelos direitos civis dos negros retratada no filme

O filme “Selma, uma luta pela igualdade” retrata a luta de Martin Luther King
Jr. Pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, com foco nas marchas de Selma a
Montgomery de 1965.
Martin Luther King Jr. (1929-1968) foi um ativista político americano. Tornou-
se um dos mais importantes líderes do movimento dos direitos civis dos negros nos
Estados Unidos, possuía uma metodologia de não violência, como retratado no filme.
Ele liderou em 1955 o boicote aos ônibus de Montgomery, seus esforços
levaram à Marcha sobre Washington de 1963, onde ele fez seu discurso "I Have a
Dream".
Em 14 de outubro de 1964 King recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo combate à
desigualdade racial através da não violência.
Em 1965 Martin Luther King auxiliou a organização das marchas de Selma a
Montgomery, que buscavam o direito de voto para os negros norte-americanos, que é
retratada no filme.
No início do filme podemos notar que embora a segregação racial fosse proibida,
e que os negros norte-americanos poderiam obter o direito ao voto, essa liberdade não
era verdadeira, quando ao tentar se candidatar para receber seu direito ao voto, Annie
Lee Copper tem seu pedido negado e é humilhada em decorrência de sua cor. Assim,
por ter conseguido notoriedade ao receber o prêmio Nobel da paz em 1964, Martin
Luther King tenta convencer o Presidente Johnson a criar uma lei que conceda o direito
a voto ao povo negro, para que este obtenha mais liberdade e igualdade, mas o
Presidente nega o pedido alegando que há pautas mais importantes a se tratar no
momento.
Assim, motivado pela recusa do Presidente e com o assassinato de 5 garotas
negras em um atentado em uma igreja, Martin vai para Selma, uma cidade no Alabama,
onde fica claro que a segregação ainda existe.  Ele faz um discurso convidando os

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negros para “lutarem” pelos seus direitos, e os convida para protestarem pacificamente;
tendo em vista que mais de 50% de Selma era de população negra e que, nenhum deles,
tinha o direito de votar, e recebe o apoio da população da cidade.
É organizada então uma marcha até o tribunal de Selma onde há uma barreira
policial para obriga-los a entrar pelos fundos, o povo se senta e espera, com o
argumento de Martin Luther King de que a segregação acabou por isso eles possuem o
direito de entrar pela frente, A polícia reage agressivamente e leva algumas pessoas para
a cadeia, entre elas Martin Luther King. Com ele na cadeia ocorre outra marcha, que por
ocorrer a noite, sofre uma repressão maior ainda da polícia que acaba matando um
jovem.
Motivado pela morte do jovem e por uma nova recusa do presidente ao pedido
da criação da lei, Martin então organiza uma marcha de Selma até Montgomery que
contava com um número expressivo de pessoas. Que ao chegar a ponte de Montgomery
se depararam com um forte esquema de defesa montado pela polícia do estado a mando
do governador do Alabama George Wallace, além de um número grande de moradores
da cidade que também não apoiavam os protestos dos negros e um grande número de
jornalista. Como ordenado pelo governador Wallace a polícia reprendeu com
veemência, o que foi mostrado nas televisões pelo alto número de jornalistas presentes,
e que, embora não mostrado no filme, ficou conhecido como Domingo Sangrento
(“Bloody Sunday”, em inglês) pela atitude desproporcional da polícia.
Após isso, o movimento ganhou ainda mais apoio, pois a audiência da tv quando
foi mostrada a ação policial, foi muito alta e gerou comoção por parte da população
americana, com isso foi organizada mais uma tentativa de realização da marcha agora
com participação de mais pessoas, e com parte dos participantes, da raça caucasiana. Ao
chegar ao fim da ponte a polícia abriu o caminho, mas Martin Luther King preferiu
voltar pra Selma, alegando que preferia não decepcionar as pessoas do que ter alguém
ferido ou morto.
Mesmo sem a conclusão da marcha, dois reverendos que estavam na cidade para
apoiar o movimento foram assassinados por moradores de Selma que apoiavam a
segregação.
Após o acontecimento um julgamento ocorreu e definiu que a marcha de Selma
a Montgomery deveria acontecer sem a interferência da polícia do Alabama e com o
apoio do exército federal, e com a definição judicial o Presidente Johnson demostrou
apoio ao movimento negro.
Ao chegar ao destino Martin, novamente, dá seu famoso discurso “I have a
dream”, encorajando os negros a não desistirem de seus direitos. Cinco meses depois, o
presidente Johnson assinou a lei do direito ao voto, de 1965, com Martin ao seu lado.
Em vários momentos do filme é possível ver a forte segregação presente no sul
dos Estados Unidos na época, tanto nas atitudes mais radicais e escancaradas como a
repressão ao movimento, a agressão a dois homens brancos alegando que eles, por
apoiarem o movimento de igualdade negro são “negros brancos” e que dever ser
tradados daquela forma por causa disso, ou quando o governador George Wallace se
apoia da tradição sulista para defender a segregação. Tanto nas atitudes mais simples
como as senhoras que escondem suas bolsas quando a marcha até o tribunal passa ou no
grande uso da bandeira confederada, que se caracterizavam por buscar a independência
durante a guerra civil americana por serem contra a abolição da escravidão.

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Figura 1 - Bandeira Confederada

2. O argumento de Nancy Fraser

Em seu texto “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era


pós-socialista”, Nancy Fraser apresenta uma relação entre as lutas por redistribuição e
as lutas por reconhecimento. Para isso Fraser apresenta os conceitos de injustiça
econômica e injustiça cultural, onde a primeira se apresenta no contexto da estrutura
política da sociedade e se evidencia em exemplos como a exploração, a marginalização
ou a privação, como descreve Fraser:

Seus exemplos incluem a exploração (ser expropriado do fruto do


próprio trabalho em benefício de outros); a marginalização econômica
(ser obrigado a um trabalho indesejável e mal pago, como também não
ter acesso a trabalho remunerado); e a privação (não ter acesso a um
padrão de vida material adequado).
(Fraser, 2001, p. 232)

Enquanto a injustiça cultural se mostra ocorrer nos padrões sociais de


representação, interpretação e comunicação, se demonstrando em atos de dominação
cultural, onde um indivíduo é submetido a padrões de uma cultura a qual não pertence,
atos de ocultamento, onde o indivíduo se torna invisível por causa de práticas
comunicativas da cultura, ou atos de desrespeito, onde o indivíduo tem sua cultura
estereotipada ou descaracterizada a fim de difama-la.
A partir do conceito das duas injustiças é apresentada os chamados “remédios”
para elas, sendo, no caso da injustiça econômica a restruturação do cenário político
econômico, chamada por Fraser de redistribuição. Onde o grupo injustiçado busca
extinguir as políticas econômicas que o tornam diferente dos demais, isso pode se
apresentar na sociedade por meio de uma reestruturação político-econômica, ou
envolvendo uma redistribuição de renda, ou a reorganização da divisão do trabalho,
controles democráticos do investimento ou a transformação de outras estruturas
econômicas básicas. Enquanto para a injustiça cultural seria a mudança cultural,
nomeada por Fraser como reconhecimento, para isso o grupo injustiçado busca uma
mudança cultural visando o destaque positivo para a sua variação cultural, que pode
ocorrer via a revalorização das identidades desrespeitadas e dos produtos culturais dos
grupos difamados. Ou envolvendo, também, o reconhecimento e a valorização positiva
da diversidade cultural. Mais radicalmente ainda, pode envolver uma transformação
abrangente dos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação, de modo
a transformar o sentido do eu de todas as pessoas.

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Assim as lutas por redistribuição e as lutas por reconhecimento aparentar ter
objetivos opostos visto que o grupo que luta por redistribuição procura se agrupar com a
sociedade e os grupos que lutam por reconhecimento buscam destacar sua cultura. Desta
forma pode-se notar um dilema visto que alguns grupos buscam tanto reconhecimento
quanto redistribuição.
Esse dilema pode ser visto em alguns grupos como o grupo das mulheres, que
sofrem tanto a injustiça econômica, onde uma estrutura de sociedade patriarcal institui
que mulheres possuam remuneração menor, ou exerçam funções inferiores que a de
homens, quanto a injustiça cultural por meio do androcentrismo, que é a construção
autorizada de normas que privilegiam os traços associados à masculinidade, dessa forma
o grupo composto pelas mulheres busca tanto se destacar da sociedade por suas
características culturais quanto se mesclar a ela por meio da igualdade em termos
monetários.
Outro grupo que esse paradigma pode ser visto é o grupo dos negros, que por
sua vez tem sua cultura difamada e estereotipada, onde a cultura negra é considerada
inferior ou onde um negro possui a imagem de ser inferior ou marginalizado, e está em
posição econômica inferior onde a estrutura do trabalho faz com que negros exerçam
funções de remuneração menor e consideradas inferiores. Essas características são fruto
do legado histórico do colonialismo e da escravidão, que elaborou categorizações raciais
para justificar formas novas e brutais de apropriação e exploração, constituindo
efetivamente os “negros” como uma casta econômico-política.
Além disso, Fraser apresenta o conceito de remédios afirmativos e remédios
transformativos, que ela mesma define como:

Por remédios afirmativos para a injustiça, entendo os remédios


voltados para corrigir efeitos desiguais de arranjos sociais sem abalar
a estrutura subjacente que os engendra. Por remédios transformativos,
em contraste, entendo os remédios voltados para corrigir efeitos
desiguais precisamente por meio da remodelação da estrutura gerativa
subjacente.
(Fraser, 2001, p. 237)

Assim pode-se dizer que os remédios transformativos são aqueles que causam
mudanças na estrutura enquanto os afirmativos não.

3. Os paradigmas “luta por redistribuição e luta por reconhecimento” de Nancy


Fraser no filme Selma

Como se pode notar na primeira seção do artigo o filme tem como foco principal
a luta dos negros, que se demontram como um grupo considerado inferior pela
sociedade sulista norte americana. Assim baseado no argumento de Fraser
anteriormente apresentado, esta seção busca identificar se a luta dos negros norte
americano se apresenta como luta por redistribuição ou luta por reconhecimento.
Fraser apresenta a luta por redistribuição e a luta por reconhecimento como:

Lutas de reconhecimento assumem com frequência a forma de chamar


a atenção para a presumida especificidade de algum grupo – ou
mesmo de criá-la performaticamente – e, portanto, afirmar seu valor,
(...), Lutas de redistribuição, em contraste, buscam com frequência
abolir os arranjos econômicos que embasam a especificidade do grupo
(Fraser, 2001, p. 232)

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Desta forma pode se dizer que a Luta por reconhecimento, visa o destaque de um
grupo por meio de sua cultura, ou seja, o grupo busca a exaltação de sua cultura a fim de
combater a difamação e os estereótipos da mesma.
Enquanto a Luta por redistribuição, visa a mudança de política a fim de tornar o
seu grupo próximo ao seu opressor.
No filme podemos notar que o grupo dos negros norte-americanos busca o fim
de leis como a lei da segregação, ou a inclusão de outras como a permissão para o voto
de negros. Por isso podemos notar que o grupo do filme está na luta por redistribuição
onde busca a maior liberdade e igualdade com os grupos das pessoas brancas.
Também pode-se analisar a questão do tipo do remédio, que no filme é a
abolição da lei que permitia a segregação e a implantação da lei de direito de voto para
o povo negro. Por isso pode-se notar que seria um exemplo de remédio transformativo,
visto que essas leis alterariam muito a estrutura da sociedade americana que era
tradicionalmente acostumada a viver com a falta de direitos para os negros.

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Referências bibliográficas

DuVernay, A. (Diretor). (2015). Selma: Uma Luta pela Igualdade [Filme


Cinematográfico].

Fraser, N. (2001). From redistribution to recognition? Dilemmas of justice in a


postsocialist age. (J. A. Simoes, Trad.) Londres: Routledge.

Lista de Ilustrações
Figura 1 - Bandeira Confederada...........................................................................3

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