Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
reacender os combates entre iguais e favorecer o desejo de comportamentos profissionais dos seus membros. Ela é aquikJ
transgressão das interdições... " (p. 55). que a instituição apresenta de si mesmo quando se lhe descrrwe
Ao verificar que as instituições, apesar de seu papel na as modalidades." (p. 112) Há a infra-estrutura imaginária
contenção de ansiedades (conforme demonstra E. Jac- composta pelos organi?.adores psíquicos e que "molda o
ques), podem não se colocar como anteparos suficientes, trabalho da instituição a partir de um jogo de afetos". E entre
diz Enriquez, é necessário admitir a presença de Tanatos as duas existe uma zona intermediária - a ideológico-
e assim perceber seu "papel essencial na vida da instituiçiW". teórica - que "capta as correntes do pensamento vinda de fo-
Enriquez propõe que no plano individual a aceitação ra, transforma-as em argumento e constitui as 'raziíes' pelas
da morte é justamente o que permite aos indivíduos qllllis este ou aquele tipo de funcionamento foi escolhido." (p.
"deimr sua marca no mundo, por menor e mais furtiva que 113) O autor utiliza-se deste referencial para estudar as
seja." (p. 77) No coletivo, pode haver nas instituições a ideologias educativas no período de pós-guerra, espe-
tentativa de negar a morte. Algumas de fato morrem, cialmente daquelas instituições ocupadas em reeduca-
mas as que podem "se aproximar do abismo e olhá-lo de ção, no acolhimento de crianças carentes.
frente ... conseguiram continuar abrindo, com mais humor e Fustier está de fato preocupado com o nível que ele
ironia, portanto, com mais lucidez, o caminho que traçaram denomina de infra-estrutura, que modelou estas insti-
para si..." (p. 79). tuições, no período citado, e as mudanças que se segui-
O trabalho de Franco Fornari "Por uma psicanálise ram a maio de 68.
das instituições", apesar de referido genericamente às Rene Roussillon escreve: "Espaços e práticas institu-
instituições, trata da família, enquanto instituição social cionais - quarto de despejo e o interstício". Aqui, dois
para servir como referência ao processo de constituição conceitos são estudados pelo autor: o de "quarto de des-
de classes sociais, numa discussão, no mínnno, polêmica pejo", que pode ser, nas instituições, o dia de uma reu-
e delicada. nião de síntese, de discussão de caso, isto é, um lugar
Na primeira parte do artigo, o autor retoma as con- que os "resíduos", o lixo, possam ser tratados. Roussil·
cepções clássicas de Freud, Bion e Jacques. Fornari adota lon está se referindo a instituições terapêuticas e I ou
o suposto básico destes últimos autores, de que as insti- educativas, onde, o papel do psicólogo, em geral, um
tuições se constituem em funções defensivas contra an- pouco à margem das instituições, serve como depositá-
gústias primárias e passa a estodar, então, uma institui- rio destes despejos.
ção particular, a família. Propõe o conceito de angústia Outro ponto abordado pelo autor é o dos interstícios:
genética, "a angústia da deterioração do produto da concep- "o interstício designa os lugares institucionais que são comuns
ção, traduzida, em cada mulher em trabalho de parto, pelo so- a todos, lugares de passagem (corredores, cantina, secretaria,
nho de que daria à luz uma criança defeituosa, doente, inca- pátio, salas dos enfermeiros, dos professores, entrada de gabine-
paz, monstruosa." (p. 95) É a essa angústia, originária, que te etc.)" (p. 180). É um lugar que não é ocupado propria-
a premonição de "criança messias", própria do grupo mente pelo tempo-trabalho e que pode ser um lugar fora
(acasarnento descrito para Bion, responderia, então, co- da instituição, o "bar da esquina", por exemplo. Nova-
mo idealização). Trata-se de um mecanismo de defesa mente tratando de instituições terapêuticas, Roussillon
contra a angústia genética. O autor examina este concei- levanta as funções dinâmicas que o interstício ocupa.
to na análise de três sonhos de gravidez, Em "O fam.ilialismo na abordagem 'analítica' da insti-
Na concepção de Fornari, "a constituíçiio da casta (se- tuição- a instituição ou o romance familiar dos analis-
cundariamente de classe} realiza fundamentalmente todos os tas", Jean Pierre Vida! discute, na primeira parte de seu
mecanismos defensivos implicados na posição esquizopara- artigo, suas críticas à concepção de Fornari - justamente
nóide (clivagem, idealização, identificação projetiva, controle apresentadas neste mesmo livro. Vida! se contrapõe à
sãdico, onipotente, negaçiin etc}. Os conflitos de classe, à medi- noção de angústia genética de Fornari e o texto do autor
da que remetem à canstituiçiio de um universo sodol mais /w- é uma retomada das formulações de R. Lefort, de D. An-
mogeneizado, implicariam fundamentalmente a passagem do zieu, de Laborde, de Bonnevil e de G. Mendel. A questão
objetivo parcial ao total e seriam entllo provocados sobretudo que está sendo tratada é a da proibição do incesto, como
pela posição depressiva. Historicamente, observa-se uma os- organizador dos grupos familiares e das comunidades.
cilação entre as duas posições" (p. 108). O autor propõe Os artigos apresentam uma linguagem peculiar, com
neste ensaio que a divisão de classes sociais está centra- conceitos psicanalíticos extremamente complexos, que
da (além de seus fundamentos econômicos) em meca- exigem do leitor um conhecimento do referencial teórico
nismos irracionais, à medida que estão baseados em ela- empregado. Mas, os textos são clássicos e podem ser de
borações paranóides dos conflitos. utilidade para pesquisadores e consultores de áreas va-
No artigo, "A infra-estrutura imaginária das institui- riadas: antropólogos, sociólogos, psicólogos sociais e pro-
ções - a respeito da infãncia desajustada", Paul Fustier fissionais da área de Recursos Humanos, que podem ter
coloca que a instituição é composta de três patamares: a a oportunidade de conhecer e expandir sua percepção de
superestrutura, constituída pelas "suas características for- muitos mecanismos de funcionamento de grupos, como,
mais, da sua m-grmização, dos gestos técnicos, do peifil e dos por exemplo, o significado dos "interstícios", que ocu-
126
11~[; RESENHAS
pam funções dinâmicas importantes nas organi711Çôes; pobres absolutamente inaceitável numa nação que, a des-
ou o conceito de aparelho psíquico grupal de R. Kaez, peito de um eventual declínio, ainda é a maior economia
mostrando aspectos inconscientes que estão investidos do mundo e que exibe, senão em todos, pelo menos na
na instituição e que podem produzir patologias instito~ maioria dos setores e ramos índices de produtividade e
cionais. O texto é útil também como uma revisão de ou~ de avanço tecnológico que a mantém na vanguarda.
tros autores, como Freud, Bion e Jacques, também clássi- É na cultura do contentamento que ocorrem a concen-
cos, no que se relere à psicodínâmica da constituição de tração da renda, a decadência da escola pública, um es-
grupos e que são revísitados pelos autores do livro. tado permanente deficitário e que hoje acumuia a maior
dívida pública da história do pals, precários serviços de
saúde, limitados serviços previdenciários, deterioração
da infra-estrutura rodoviária e ferroviária, Na cultura do
contentamento também prolifera uma politica externa
que se compraz no narcisismo do reconhecimento de
que a guerra fria terminou com a derrota do comunis-
mo, o fim da própria União Soviética e com a feliz con-
firmação de que os EUA, suas instituições políticas e seu
way of life são a única alternativa à humanidade. Os mili-
tares não foram eliminados, apesar do proclamado tér-
mino da bipolarização mundial, mas o establishment mi-
THE CULTURE OF litar prossegue vigoroso e no essencial intocado. Duran-
te a década de 80, quando cortes imensos ocorriam em
CONTENTMENT programas científicos e tecnológicos, em diversos pw-
gramas previdenciários, o orçamento militar não só se
manteve mas recebeu acréscimos, tanto sob Ronald Re-
de JOHN KENNETH GALBRAITH gan, como por intermédio de George Bush no Oriente
Boston: Houghton Mifflln Company, 1992. Médío contra o Iraque.
Se a cultura do contentamento traz muitas satisfações
por Carlos Osmar Bertero, Professor do Departamento de e um sentimento renovado de autoconfiança, por outro
Administração Geral e Recursos Humanos da EAESPIFGV.
lado ela bloqueia a visão e a percepção de todos os as-
pectos problemáticos da sociedade norte-americana, se
H
á já mais de dez anos um tópico freqüente em por nada, pelo menos para que se possa manter imper-
conversas e discussões é o "declínio" dos Esta- turbado o contentamento, Afinal, quem são os contentes
dos Unidos. Em tais colocações, o foco da "de- e satisfeitos? São muitos, o suficiente para dificultar
cadência seria sempre econômico, ilustrado pela perda qualquer mudança. São os que votam, num país onde o
de competitividade da economia daquele país. Simulta- voto é facultativo. Isto equivale a 50% do eleitorado nas
neamente nós temos a ascensão de países com econo- eleições ocorridas nos anos 80, Se considerarmos o bi-
mias mais eficientes e que se vêm mostrando mais com- partidarismo norte-americano, constatamos que Reagan
petentes exatamente no jogo que os americanos há mui- foi eleito e reeleito por pouco mais de 50% dos eleitores.
to jogam e que recomendam como prova de virtude eco- Como apenas 50% do colégio eleitoral compareceu às
nômica e tecnológica, a saber, a competitividade. urnas, temos que Reagan em ambas as eleições não foi
Embora não negando a existência de uma base econô- eleito por mais de 30% do eleitorado americano. Estes
mica nas dificuldades dos EU A, o professor J. K. Gal- são ínegaveimente parte dos contentes e satisfeitos.
braith acredita que o centro dos problemas do país situa- Integram ainda esta substancial parcela contente a
se no desenvolvimento que chegou à consolidação de classe alta e a classe média norte-americana. Toda esta
uma cultura de satisfação ou do contentamento. Isto sig- gente hoje equivale a cerca de 60% da população na me-
nifica uma aceitação por parte da sociedade dos benefí- lhor das hipóteses. Restam 40% que formam a "subclas-
cios do enriquecimento ou da afluência, para usar uma se" mencionada por Galbralth. São os negros, hispâni-
palavra conhecida no vocabulário de Galbraith. Todavia cos, integrantes de várias partes da América Central e
o drama e a dificuldade dos EUA é a satisfação obtida pe- do Sul, parte da África e até mesmo de alguns países da
la afluência e mantida por uma cultura do contentamento Ásia. Parcela importante da subclasse é formada por atr
não é de poucos nem de todos, mas de muitos. A. afluên- tigos integrantes da classe média que, por força das mu-
cia e o tipo de sociedade que se desenvolveu naquele pals danças em tecnologia e no perfil de qualificações de
nas últimas décadas estenderam os benefícios de um pa· mão-de-obra, terminaram por experimentar um descen-
drão de vida de invejável Primeiro Mundo a muitos, mas so sócio-econômico.
houve simultaneamente o desenvolvimento de uma Há pouca vontade, por parte dos que estão contentes,
"subclasse" (underclass) formada por uma quantidade de em lidar com a situação nacional para reintegrar à sacie-
127