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justamente através do sofrimento e da psicopatologia


que aí se desenvolvem. São três tipos particulares de so-
frimento que o autor examina neste artigo. O primeiro
diz respeito à própria fundação da instituição, quando as
instituições são insuficientes para sua função; em segun-
do lugar, o sofrimento pode estar relacionado à impossi-
A INSTITUIÇÃO bilidade na realização da tarefa primária e tarefas secun-
EAS INSTITUIÇÕES: dárias se colocam no lugar. Finalmente, pode haver um
distanciamento entre os objetivos institucionais e aquilo
ESTUDOS que se pede para os indivíduos realizarem.
PSICANALÍTICOS O segundo texto, de José Bleger, "O grupo como insti-
tuição e o grupo nas instituições", propõe que há entre os
grupos aquilo que ele denomina de sociabilidade sincré-
de R. KA~. J. BLEGER, E. ENRIQUES, F. FORNARI, tica, isto é, "um tipo de relação que, paradomlmente, é uma
P. FUSTIER, R. ROUSSILLON, J. P. VIDAL niio-relaÇÕIJ, ou seja, uma não individm~ÇÕD; este tipo de relaçiio
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991, 171 p. impííe-se como matriz ou como estrntura de base de todo o gru-
por Maria José Tonelll, Professora do Depanamento de po e persiste de maneira variáoel durante toda a vida" (p. 41).
Fundamentoo Sociais e Jurídicos da Administração da Para o autor, justamente o fundo de sincretismo é o que
EAESPIFGV. constitui e estabelece os laços mais estreitos entre os
membros do grupo. Ele explica, contrapondo-se a um
exemplo dado por Sartre, que numa fila de espera por um
instituíÇÕD e as ínstitui{ões: estudos psicanalfticos ônibus, onde, na concepção sartriana, o indivíduo está to-

A compõe-se de sete artigos que discutem o fun-


cionamento institucional, a partir do referen-
cial teórico da psicanálise. Analisa-se neste conjunto as
talmente isolado, que "a sociabilidade sincrética estti prlsente,
está depositada nas regras e nas normas que regem todos os in-
divíduos" (p. 45). Para Bleger, "podemos nos camportar COTIW
instituições terapêutica e familiar. Embora traduzidos indivíduos em interaçilo, à medida que participamos de regras e
para o português com uma certa distância das publica- de normas que slW mudas, mas que estão presentes e graças às
ções originais, os textos sáo valiosos, clássicos, no con- quais podemos entilo desenvolver outras regras de comporta-
texto do estudo, da pesquisa e mesmo da intervenção, mento. Para entrar em interaçiio, é preciso que haja um fundo
no trabalho com grupos, tendo em vista sua dinâmica comum de sociabilidade." (p. 45) O autor desenvolve, então,
intrinsicamente psicossocial. O estudo dos grupos e das três tipos de vínculos que os indivíduos podem estabele-
instituições sempre sofreram dificuldades: no prefácio cer com o grupo: o primeiro, que procura estabelecer sua
do livro, a profa. Arakcy M. Rodrigues as aponta tanto identidade através do grupo, num processo mais simbóli-
na Sociologia como na própria Psicanálise. Estes arti- co, e aí estes indivíduos terão um papel de estagnar o de-
gos, entretanto, produzidos por autores com formações senvolvimento do processo grupal; outro tipo constituido
diversas, mas que têm fortemente a Psicanálise como para personalidades psicopáticas, perversas e para as
seu pano de fundo teórico, dimensionam a relação in- quais a interação com o grupo pareçe não ter um papel
consciente e funcionamento grupal, reforçando a idéia não fundamental. O terceiro tipo constituldo pelo que o
freudiana de que toda Psicologia individual é ao mes- autor denomina de pessoas neuróticas ou normais, e que,
mo tempo social. ao participarem do grupo, podem se mostrar ativas.
O artigo de Rene Kaes, "Realidade psíquica e sofri- No artigo "O trabalho de morte nas instituições", Eu-
mento nas instituições", trata justamente das dificulda- gene Enriquez afirma que, em primeiro lugar, é preciso
des de se analisar as instituições quando se está engajado delimitar o campo de análise: "A família, a Igreja, o Estado
nelas. Esbarra-se em problemas que o autor qualifica de e os 'grupos' educatrvos e terapêuticos podem, com toda razão,
nardsicos, já que a singularidade de cada sujeito não po- ser considerados como instituíç!Jes, porque todos coloca:m o
de aparecer ao mesmo tempo que a instituição estrutura problema da alteridade, ou seja, da aceitaÇÕD de outro enquan-
a identidade de cada um de nós. Para poder realizar suas to sujeito pensante e aut6nomo par cada um dos atores sociais
funções especificas, as instituições nece!l!!itam e mobili- que mantém com ele relações afetivas e vfnculos intelectuais."
zam processos psíquicos. É sobre estes processos que (p. 53) Nesta medida, elas permitem que as pulsões se-
Kaes elabora o conceito de aparelho psíquico grupal. jam alocadas em favor do "bem comum". Enriquez en-
Nas suas palavras: "O conceito de aparellw psfquico de agru- fatiza a idéia freudiana, da necessidade das instituições
pamento permite pensar o agenciamento especifico iia realidade sem as quais não existiria civilização.
psfquica na relaçilo do indivíduo com o conjunto intersubjetivo Mas também a concepção freudiana é força atuante
no qual toma parte e ao qual dá consistência" (p. 11). Kaez de que as instituições estão fundadas sobre sua violên-
diz que é possível perceber os aspectos inconscientes da cia original, e que ela pede que os indivíduos renun-
realidade psíquica, que estão investidos na instituição, ciem à satisfação das pulsões, e ao fazer isso, "é capaz de

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 33(5):125-129 SetJOut 1993 125


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reacender os combates entre iguais e favorecer o desejo de comportamentos profissionais dos seus membros. Ela é aquikJ
transgressão das interdições... " (p. 55). que a instituição apresenta de si mesmo quando se lhe descrrwe
Ao verificar que as instituições, apesar de seu papel na as modalidades." (p. 112) Há a infra-estrutura imaginária
contenção de ansiedades (conforme demonstra E. Jac- composta pelos organi?.adores psíquicos e que "molda o
ques), podem não se colocar como anteparos suficientes, trabalho da instituição a partir de um jogo de afetos". E entre
diz Enriquez, é necessário admitir a presença de Tanatos as duas existe uma zona intermediária - a ideológico-
e assim perceber seu "papel essencial na vida da instituiçiW". teórica - que "capta as correntes do pensamento vinda de fo-
Enriquez propõe que no plano individual a aceitação ra, transforma-as em argumento e constitui as 'raziíes' pelas
da morte é justamente o que permite aos indivíduos qllllis este ou aquele tipo de funcionamento foi escolhido." (p.
"deimr sua marca no mundo, por menor e mais furtiva que 113) O autor utiliza-se deste referencial para estudar as
seja." (p. 77) No coletivo, pode haver nas instituições a ideologias educativas no período de pós-guerra, espe-
tentativa de negar a morte. Algumas de fato morrem, cialmente daquelas instituições ocupadas em reeduca-
mas as que podem "se aproximar do abismo e olhá-lo de ção, no acolhimento de crianças carentes.
frente ... conseguiram continuar abrindo, com mais humor e Fustier está de fato preocupado com o nível que ele
ironia, portanto, com mais lucidez, o caminho que traçaram denomina de infra-estrutura, que modelou estas insti-
para si..." (p. 79). tuições, no período citado, e as mudanças que se segui-
O trabalho de Franco Fornari "Por uma psicanálise ram a maio de 68.
das instituições", apesar de referido genericamente às Rene Roussillon escreve: "Espaços e práticas institu-
instituições, trata da família, enquanto instituição social cionais - quarto de despejo e o interstício". Aqui, dois
para servir como referência ao processo de constituição conceitos são estudados pelo autor: o de "quarto de des-
de classes sociais, numa discussão, no mínnno, polêmica pejo", que pode ser, nas instituições, o dia de uma reu-
e delicada. nião de síntese, de discussão de caso, isto é, um lugar
Na primeira parte do artigo, o autor retoma as con- que os "resíduos", o lixo, possam ser tratados. Roussil·
cepções clássicas de Freud, Bion e Jacques. Fornari adota lon está se referindo a instituições terapêuticas e I ou
o suposto básico destes últimos autores, de que as insti- educativas, onde, o papel do psicólogo, em geral, um
tuições se constituem em funções defensivas contra an- pouco à margem das instituições, serve como depositá-
gústias primárias e passa a estodar, então, uma institui- rio destes despejos.
ção particular, a família. Propõe o conceito de angústia Outro ponto abordado pelo autor é o dos interstícios:
genética, "a angústia da deterioração do produto da concep- "o interstício designa os lugares institucionais que são comuns
ção, traduzida, em cada mulher em trabalho de parto, pelo so- a todos, lugares de passagem (corredores, cantina, secretaria,
nho de que daria à luz uma criança defeituosa, doente, inca- pátio, salas dos enfermeiros, dos professores, entrada de gabine-
paz, monstruosa." (p. 95) É a essa angústia, originária, que te etc.)" (p. 180). É um lugar que não é ocupado propria-
a premonição de "criança messias", própria do grupo mente pelo tempo-trabalho e que pode ser um lugar fora
(acasarnento descrito para Bion, responderia, então, co- da instituição, o "bar da esquina", por exemplo. Nova-
mo idealização). Trata-se de um mecanismo de defesa mente tratando de instituições terapêuticas, Roussillon
contra a angústia genética. O autor examina este concei- levanta as funções dinâmicas que o interstício ocupa.
to na análise de três sonhos de gravidez, Em "O fam.ilialismo na abordagem 'analítica' da insti-
Na concepção de Fornari, "a constituíçiio da casta (se- tuição- a instituição ou o romance familiar dos analis-
cundariamente de classe} realiza fundamentalmente todos os tas", Jean Pierre Vida! discute, na primeira parte de seu
mecanismos defensivos implicados na posição esquizopara- artigo, suas críticas à concepção de Fornari - justamente
nóide (clivagem, idealização, identificação projetiva, controle apresentadas neste mesmo livro. Vida! se contrapõe à
sãdico, onipotente, negaçiin etc}. Os conflitos de classe, à medi- noção de angústia genética de Fornari e o texto do autor
da que remetem à canstituiçiio de um universo sodol mais /w- é uma retomada das formulações de R. Lefort, de D. An-
mogeneizado, implicariam fundamentalmente a passagem do zieu, de Laborde, de Bonnevil e de G. Mendel. A questão
objetivo parcial ao total e seriam entllo provocados sobretudo que está sendo tratada é a da proibição do incesto, como
pela posição depressiva. Historicamente, observa-se uma os- organizador dos grupos familiares e das comunidades.
cilação entre as duas posições" (p. 108). O autor propõe Os artigos apresentam uma linguagem peculiar, com
neste ensaio que a divisão de classes sociais está centra- conceitos psicanalíticos extremamente complexos, que
da (além de seus fundamentos econômicos) em meca- exigem do leitor um conhecimento do referencial teórico
nismos irracionais, à medida que estão baseados em ela- empregado. Mas, os textos são clássicos e podem ser de
borações paranóides dos conflitos. utilidade para pesquisadores e consultores de áreas va-
No artigo, "A infra-estrutura imaginária das institui- riadas: antropólogos, sociólogos, psicólogos sociais e pro-
ções - a respeito da infãncia desajustada", Paul Fustier fissionais da área de Recursos Humanos, que podem ter
coloca que a instituição é composta de três patamares: a a oportunidade de conhecer e expandir sua percepção de
superestrutura, constituída pelas "suas características for- muitos mecanismos de funcionamento de grupos, como,
mais, da sua m-grmização, dos gestos técnicos, do peifil e dos por exemplo, o significado dos "interstícios", que ocu-

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11~[; RESENHAS

pam funções dinâmicas importantes nas organi711Çôes; pobres absolutamente inaceitável numa nação que, a des-
ou o conceito de aparelho psíquico grupal de R. Kaez, peito de um eventual declínio, ainda é a maior economia
mostrando aspectos inconscientes que estão investidos do mundo e que exibe, senão em todos, pelo menos na
na instituição e que podem produzir patologias instito~ maioria dos setores e ramos índices de produtividade e
cionais. O texto é útil também como uma revisão de ou~ de avanço tecnológico que a mantém na vanguarda.
tros autores, como Freud, Bion e Jacques, também clássi- É na cultura do contentamento que ocorrem a concen-
cos, no que se relere à psicodínâmica da constituição de tração da renda, a decadência da escola pública, um es-
grupos e que são revísitados pelos autores do livro. tado permanente deficitário e que hoje acumuia a maior
dívida pública da história do pals, precários serviços de
saúde, limitados serviços previdenciários, deterioração
da infra-estrutura rodoviária e ferroviária, Na cultura do
contentamento também prolifera uma politica externa
que se compraz no narcisismo do reconhecimento de
que a guerra fria terminou com a derrota do comunis-
mo, o fim da própria União Soviética e com a feliz con-
firmação de que os EUA, suas instituições políticas e seu
way of life são a única alternativa à humanidade. Os mili-
tares não foram eliminados, apesar do proclamado tér-
mino da bipolarização mundial, mas o establishment mi-
THE CULTURE OF litar prossegue vigoroso e no essencial intocado. Duran-
te a década de 80, quando cortes imensos ocorriam em
CONTENTMENT programas científicos e tecnológicos, em diversos pw-
gramas previdenciários, o orçamento militar não só se
manteve mas recebeu acréscimos, tanto sob Ronald Re-
de JOHN KENNETH GALBRAITH gan, como por intermédio de George Bush no Oriente
Boston: Houghton Mifflln Company, 1992. Médío contra o Iraque.
Se a cultura do contentamento traz muitas satisfações
por Carlos Osmar Bertero, Professor do Departamento de e um sentimento renovado de autoconfiança, por outro
Administração Geral e Recursos Humanos da EAESPIFGV.
lado ela bloqueia a visão e a percepção de todos os as-
pectos problemáticos da sociedade norte-americana, se

H
á já mais de dez anos um tópico freqüente em por nada, pelo menos para que se possa manter imper-
conversas e discussões é o "declínio" dos Esta- turbado o contentamento, Afinal, quem são os contentes
dos Unidos. Em tais colocações, o foco da "de- e satisfeitos? São muitos, o suficiente para dificultar
cadência seria sempre econômico, ilustrado pela perda qualquer mudança. São os que votam, num país onde o
de competitividade da economia daquele país. Simulta- voto é facultativo. Isto equivale a 50% do eleitorado nas
neamente nós temos a ascensão de países com econo- eleições ocorridas nos anos 80, Se considerarmos o bi-
mias mais eficientes e que se vêm mostrando mais com- partidarismo norte-americano, constatamos que Reagan
petentes exatamente no jogo que os americanos há mui- foi eleito e reeleito por pouco mais de 50% dos eleitores.
to jogam e que recomendam como prova de virtude eco- Como apenas 50% do colégio eleitoral compareceu às
nômica e tecnológica, a saber, a competitividade. urnas, temos que Reagan em ambas as eleições não foi
Embora não negando a existência de uma base econô- eleito por mais de 30% do eleitorado americano. Estes
mica nas dificuldades dos EU A, o professor J. K. Gal- são ínegaveimente parte dos contentes e satisfeitos.
braith acredita que o centro dos problemas do país situa- Integram ainda esta substancial parcela contente a
se no desenvolvimento que chegou à consolidação de classe alta e a classe média norte-americana. Toda esta
uma cultura de satisfação ou do contentamento. Isto sig- gente hoje equivale a cerca de 60% da população na me-
nifica uma aceitação por parte da sociedade dos benefí- lhor das hipóteses. Restam 40% que formam a "subclas-
cios do enriquecimento ou da afluência, para usar uma se" mencionada por Galbralth. São os negros, hispâni-
palavra conhecida no vocabulário de Galbraith. Todavia cos, integrantes de várias partes da América Central e
o drama e a dificuldade dos EUA é a satisfação obtida pe- do Sul, parte da África e até mesmo de alguns países da
la afluência e mantida por uma cultura do contentamento Ásia. Parcela importante da subclasse é formada por atr
não é de poucos nem de todos, mas de muitos. A. afluên- tigos integrantes da classe média que, por força das mu-
cia e o tipo de sociedade que se desenvolveu naquele pals danças em tecnologia e no perfil de qualificações de
nas últimas décadas estenderam os benefícios de um pa· mão-de-obra, terminaram por experimentar um descen-
drão de vida de invejável Primeiro Mundo a muitos, mas so sócio-econômico.
houve simultaneamente o desenvolvimento de uma Há pouca vontade, por parte dos que estão contentes,
"subclasse" (underclass) formada por uma quantidade de em lidar com a situação nacional para reintegrar à sacie-

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