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Arco, lira e interrogação

Obra de Octavio Paz constrói a ideia de se pensar no mundo como um texto de páginas infinitas
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O editor do Rascunho recebeu esta resenha com prazo bem estourado. Razão foi que o autor mudou
de rumo diversas vezes — pecado recorrente, mas que talvez seja menos condenável por ter como
objeto da vez Octavio Paz. O poeta-crítico é um convite para que lidemos com nossas próprias
contradições e dúvidas, sejam elas coisa antiga ou inquietações surgidas durante a leitura de sua
obra. E nenhum dos seus trabalhos é mais pródigo em sugestões do que O arco e a lira,
recentemente devolvido às prateleiras numa parceria entre a Cosac Naify e a mexicana Fondo de
Cultura Económica, instituição editorial bastante conhecida dos pesquisadores brasileiros pelos
muitos livros de referência de seu catálogo, resultado de oito décadas de publicações.
A notícia era esperada há muito, principalmente entre professores e alunos dos cursos de Letras,
para quem o ensaio se tornou obrigatório, apesar das críticas que sempre amealhou pela suposta
falta de rigor e pelas recorrentes generalizações. Trinta anos se passaram desde a edição da Nova
Fronteira, traduzida por Olga Savary. O leitor que tiver os dois livros em mãos perceberá que, para
além das capas, existem outras diferenças: foram acrescentados índice onomástico (que torna ainda
mais fácil perceber os poetas negligenciados), a carta-análise de Julio Cortázar, um prólogo retirado
do primeiro volume das obras completas de Paz (La casa de la presencia: poesía e historia), a breve
seção Recapitulações e o texto A nova analogia: poesia e tecnologia (que havia saído por aqui no
Convergências: ensaios sobre arte e literatura, em 1991, pela Rocco).
Acréscimos igualmente bem-vindos seriam novas exegeses (explicações, comentários), que
cumprissem o papel de atualizar a reflexão sobre a recepção do mexicano entre acadêmicos e
críticos, sobre o acerto de seus vaticínios, seu diálogo com a poesia contemporânea. Ou, pelo
menos, a veiculação de outras análises que, embora não inéditas, pudessem enriquecer a jornada,
principalmente dos que chegassem à obra pela primeira vez. Para os interessados em buscar por
conta própria, há dois conhecidos e bons artigos, entre tantos: Relectura de El arco y la lira, de Emir
Rodríguez Monegal, e Octavio Paz: o mundo como texto, de Sebastião Uchoa Leite.
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Ser e movimento
No artigo publicado pela revista Iberoamericana (nº 74, 1971), Monegal faz uma análise das
mudanças ocorridas entre as duas versões mexicanas de O arco e a lira, de 1956 e 1967, ambas do
Fondo de Cultura Econômica. Antes de dissertar sobre algumas das modificações, ele adianta a tese:
para Octavio Paz, cada nova aventura poética ou crítica termina por transformá-lo sem
descaracterizá-lo.
Revisões importantes apareceram já na edição francesa do livro, como o sumiço das referências a
Sartre e a Camus, alinhada com a tendência depreciativa enfrentada pelo existencialismo, e a maior
relevância atribuída a Mallarmé. Do em redor que teria influenciado o autor, Monegal aponta a
ascendência do estruturalismo francês. Não menos importante é a valorização da cultura oriental,
que, se estava lá antes, passou a ser acompanhada de um ampliado conhecimento — no intervalo
das duas publicações, Octavio Paz viveu na França e na Índia.
Monegal registra ainda a substituição do epílogo original, de catorze páginas, por um longo ensaio,
Signos em rotação, que saíra na revista argentina Sur. No Brasil, consta da coletânea de mesmo
nome, publicada na coleção Debates, da Perspectiva. Aliás, é neste título que aparece como anexo o
texto de Sebastião Uchoa Leite, síntese de boa parte das virtudes e/ou fragilidades geralmente
apontadas na obra do mexicano.
Para Sebastião, na obra de Paz “dúvida, ambiguidade e contradição são aceitas como tais”, e “o
objeto parece às vezes inconsistente, sem peso, aéreo, difícil de ser apreendido pela linguagem
lógica da crítica”. O método utilizado é cercar o tema, desdobrando-o, ramificando-o em várias
direções, detendo-se para lançar novos questionamentos. Tudo escrito com nítida redundância —
que não se pode confundir com deslize ou hesitação. “Tudo é suspensivo e interrogante. Como se a
própria escritura os quisesse indicar seu caráter hipotético.”
Por todo o pensamento de Octavio Paz assoma a ideia da metáfora, conduzindo o leitor a pensar no
mundo como um texto de páginas infinitas, que pode ser lido aleatoriamente ou metodicamente.
Tudo é linguagem.
A análise levanta ainda um dos pontos discutíveis dentre as teses do livro: a sua crença de que, no
mundo moderno, a tecnologia substituiu a antiga “visão do mundo”. Posição que pode ser bem
conferida nesta nova edição de O arco e a lira, porque é justamente no acrescido A nova analogia
que Paz afirma:
O mundo como imagem desaparece e em seu lugar se levantam as realidades da técnica, frágeis
apesar de sua solidez já que estão condenadas a serem negadas por novas realidades.
Sebastião Uchoa Leite lembra que algumas criações poéticas vão além dessa redutora dicotomia,
pois incorporam o produto estético ao contexto tecnológico. Mas, explicita a discordância, não é
para colocar em dúvida as conclusões, “mas para reafirmar o método operatório de sua crítica:
partindo da criação poética particular, Paz transpõe sistematicamente o nível da análise para o
contexto histórico”.
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Suspenso no abismo
Para o poeta e crítico Octavio Paz, “o poema não é uma forma literária, mas o ponto de encontro
entre a poesia e o homem”. Unidade autossuficiente, que não se repete, e que sempre carrega “com
maior ou menor intensidade, toda a poesia”. O arco e a lira foi o esforço maior do mexicano para
compreender esse especialíssimo lugar de diferenças e reconciliações, empreitada que nasceu de
uma conferência proferida em 1942, quatro anos antes da publicação de O labirinto da solidão, seu
livro de estreia.
Dividido em três partes (O poema, A revelação poética e Poesia e história), esse tratado se propõe a
buscar respostas para três questões: há um dizer poético? O que dizem os poemas? E como se
comunica esse dizer? Segundo Paz, existe sim a “outra voz”, o dizer poético, onde opostos se
fundem, em que o homem se torna outro, para, depois, reconciliar-se consigo mesmo. “O homem é
a sua imagem: ele mesmo e aquele outro. Através da frase que é ritmo, que é imagem, o homem —
esse perpétuo chegar e ser — é. A poesia é entrar no ser.”
O ritmo (que é bem diferente de métrica) surge como essencial na reflexão. “O ritmo é metáfora
original e contém todas as outras.” Julio Cortázar considerou que aí reside a mais bela contribuição
do estudo, “a de que o ritmo é sentido de algo, e de que não é medida, e sim tempo original. É visão
do mundo, e imagem do mundo”.
A investigação desse fenômeno revelação que é a poesia leva a extensas enumerações, repletas de
semelhantes e de contrários. O arco e a lira começa com parágrafo que lança os dados, corre todos
os riscos, encosta o leitor contra a parede, obrigando-o a abraçar ou desistir do texto. E, mais
adiante, de modo resumido, chega à base de suas incansáveis descrições e definições, o caráter
essencial e total da poesia:
Ali, em pleno salto, o homem, suspenso no abismo, entre o isto e o aquilo, por um instante
fulgurante é isto e aquilo, o que foi e o que será, vida e morte, num ser-se que é um pleno ser, uma
plenitude presente. O homem já é tudo o que queria ser: rocha, mulher, ave, os outros homens e os
outros seres. É imagem, casamento dos opostos, poema dizendo-se a si mesmo. É, enfim, a imagem
do homem encarnado no homem.
O ensaio também não demora a apresentar ressalvas, alertas que soam como defesas antecipadas às
prováveis críticas, como ao repetir que suas afirmações não devem ser tomadas como mera teoria
ou especulação, pois fundadas no testemunho do encontro com poemas.
Nenhum esclarecimento ou justificativa, no entanto, evitaria que seu trabalho fosse questionado,
colocado na esfera dos empreendimentos “sem rigor”, “dispersos” e “inconsistentes”, onde são
frequentemente locados também Cortázar, Borges, Blanchot e outros, cuja permanência e renovado
fascínio — que pode nascer também da leitura antitética — são uma provocação: teria a crítica
posterior a eles oferecido realmente mais rigor, ou recaído na armadilha dos clichês e das trilhas
pasteurizadas que raramente resistem ao tempo ou a uma interrogação?
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"A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo,
a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de
libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito.
Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular.
Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo
desespero." - Octavio Paz.
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Octavio Paz (1914-1998) nasceu e faleceu na Cidade do México. Foi um dos mais importantes e
influentes poetas e ensaístas hispano-americanos, além de tradutor e diplomata. Passou a infância
nos Estados Unidos, experiência de alteridade que seria fundamental para o seu primeiro livro, O
labirinto da solidão, de 1950. Também foram publicados no Brasil Conjunções e disjunções (1969)
e A outra voz(1990), entre outros. Cristiano Ramos | http://rascunho.com.br/arco-lira-e-interrogacao/

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Comentário sobre a leitura de “O Arco e a Lira”, de Octavio Paz


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“Não sem justificado assombro as crianças descobrem um dia que um quilo de pedras pesa o mesmo que um
quilo de plumas...” (p. 121)
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A fronteira ente a prosa e a poesia torna-se mais tênue após o modernismo, que alargou e
problematizou as normatizações das formas estendendo as vias da prosa e do verso, possibilitando e
provocando novas possibilidades de enxergar e interpretar o poético. Em “O Arco e a Lira” Octavio
Paz discute esta questão - analisa mais detidamente o cenário da literatura espanhola, porém -
apresentando ao leitor aspectos que consistem uma tendência geral da literatura moderna. “Na
Espanha a ruptura com a poesia anterior é menos violenta. O primeiro a realizar a fusão entre
linguagem falada e imagem não é um poeta em verso, mas em prosa: o grande Ramón Gómez de La
Sernap” (p.115). A partir deste dado, Paz exemplifica e conclui: “A poesia moderna de nossa língua
é mais um exemplo das relações entre prosa e verso, ritmo e metro” (p. 117)
Ao pensar a relação verso e prosa, Paz nos propõe uma reflexão genealógica sobre a linguagem e
sua relação intrínseca com o ritmo, e desta forma, afirma que o ritmo não é exclusividade da poesia,
pois na prosa, assim como em toda linguagem verbal, há ritmo. Contudo, o ritmo da poesia se
apresenta de modo singular porque está articulado ao essencial de sua significação: a imagem. O
argumento central, que “ritmo e imagem são inseparáveis” (p. 118) na construção do poema, dirige
e fortalece uma profunda discussão acerca da potência da imagem diante dos limites da linguagem
verbal. “O valor das palavras reside no sentido que ocultam. Ora, esse sentido não é senão um
esforço para alcançar algo que não se pode realmente ser alcançado pelas palavras” (p. 128). Como
diria Drummond, “sob a pele do poema há cifras e códigos”, com a leitura de Octavio Paz podemos
compreender que essencialmente estas “cifras e códigos” do poema, de modo peculiar à prosa, são a
articulação minuciosa entre ritmo e imagem.
Logo, a imagem é compreendida como mecanismo capaz de abrigar em si contradições, realidades
distanciadas, apresentando-nos uma espécie de mosaico-caledoscópio de sentidos, sem a
necessidade de racionalizar uma síntese entre os opostos: tomar dois elementos distintos para
converte-los num terceiro. “Até para a dialética a potência da imagem resulta num desafio
enigmático (...) a imagem é uma frase em que a pluralidade de significados não desaparece” p.130).
Portanto, o autor afirma: “o sentido da imagem é a própria imagem (...) nada pode dizer o que (ela)
quer dizer”, por conseguinte, “sentido e imagem são a mesma coisa”. A imagem é um choque de
sentidos imaculados e potencializadores, capaz de conjugar instantaneamente o ambíguo e o
paradoxal, como no caso do pesado leve de “um quilo de pedras” ou do leve pesar de “um quilo de
plumas”. Independente do “quilo” a imagem da pedra é em si dureza e rigidez, enquanto as plumas
não deixam de ser maciez e delicadeza; por este motivo a lógica científica, racional, pragmática não
pertence à ordem da poesia. Estabelecendo esta argumentação, Paz busca provar o quanto “um
poema não tem mais sentido que suas imagens” (p. 133) e assim como o sentido da imagem é a
própria imagem, “o sentido do poema é o próprio poema” (p. 134), o que lhe garante uma
autonomia de expressividade; conferindo, deste, modo legitimidade à ideia de que todo poema é
auto-referencial, uma certa forma de metalinguagem. Se comparados lado à lado, poderia se falar
numa esfera intra-referencial que circunda o poema e numa esfera “extra-referencial” da prosa,
relacionada à engrenagem sistemática, coesa, conceitual que faz parte do processo de escrita e
leitura do texto em prosa.
Não obstante é importante destacar que “a realidade poética da imagem não pode aspirar à verdade.
O poema não diz o que é e sim o que poderia ser. Seu reino não é o do ser, mas o do “impossível
verossímil” de Aristóteles” (p. 120 – 121). Discussão extensa e antiga, já anunciada no livro X de
“A República”, de Platão, o qual evidencia o quanto ao poeta resta trabalhar com a incompletude de
um “terceiro nível de mimeses”, não por menos, o dilema da representação é mote central do fazer
poético. A tensão da palavra poética parece ser justamente sua sina em buscar traduzir-nos a
pluralidade e ambigüidade da experiência do real, ainda que tenha consciência do impossível de
fazê-lo. Essencialmente ritmo e imagem o poema é linguagem transgressora, pois ultrapassa as
fronteiras da própria palavra: “o poema é a linguagem em tensão: em extremo de ser e em ser até o
extremo” (p. 135); todavia, “o dizer poético diz o indizível” (p. 136). Magistral simbiose de ritmo e
imagem, no poema se “penetra surdamente no reino das palavras”; o poeta não descreve, não
representa, ele apresenta: “recria, revive nossa experiência do real” (p. 132). “Poesia, reino onde
nomear é ser. A imagem diz o indizível: as plumas leves são pedras pesadas. Há que retornar à
linguagem para ver como a linguagem pode dizer o que, por natureza, a linguagem parece incapaz
de dizer” (p. 129).
Sobretudo, Octavio Paz confronta o conceito formalista de medida silábica que muito simplificadamente regulava a
distância entre a prosa e o poema, refutando-o pela ideia de que a unidade rítmica é o núcleo do verso, ou seja, a
composição do texto poético pauta-se na cadência e fluência do ritmo articulado às imagens produzidas, e não apenas
na contagem das sílabas. Eis porque o autor esclarece que o método de associação poética dos modernistas é a
sinestesia. “Correspondência entre música e cores, ritmo e ideias, mundo de sensações que rimam com realidades
invisíveis” (p. 112). Roberta Villa – Acessado quarta, 1°/jun/2011 - O Blog dos Poetas Vivos [in Marcadores:
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“O Arco e a Lira”, Octavio Paz
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Introdução
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a
atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação
interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une.
Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao
vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração,
litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do
inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história: em seu seio resolvem-se
todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que
passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso;
fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras;
criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase,
logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho,
atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um
caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da
harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do
povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular c
minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora
exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova
da supérflua grandeza de toda obra humana!
Como não reconhecer em cada uma dessas fórmulas o poeta que as justifica e que, ao encarná-las,
lhes dá vida? Expressões de algo vivido e padecido, não temos outro remédio senão aderirmos a
elas - condenados a abandonar a primeira pela segunda e esta pela seguinte. Sua própria
autenticidade mostra que a experiência que justifica cada um desses conceitos os transcende. Será
preciso, portanto, interrogar os testemunhos diretos da experiência poética. A unidade da poesia só
pode ser apreendida através do trato desnudo com o poema.
Um poema é uma obra. A poesia se polariza, se congrega c se isola num produto humano: quadro,
canção, tragédia. O poético é poesia em estado amorfo; o poema é criação, poesia que se ergue. Só
no poema a poesia se recolhe e se revela plenamente. É lícito perguntar ao poema pelo ser da
poesia, se deixamos de concebê-lo como uma forma capaz de se encher com qualquer conteúdo. O
poema não é uma forma literária, mas o lugar de encontro entre a poesia e o homem.
O poema é um organismo verbal que contém, suscita ou emite poesia. Forma e substância são a
mesma coisa. Mal desviamos os olhos do poético para fixá-los no poema, aparece-nos a
multiplicidade de formas que assume esse ser que pensávamos único. Como nos apoderarmos da
poesia se cada poema se mostra como algo diferente e irredutível?
A forma mais alta da prosa é o discurso, no sentido estrito dessa palavra. No discurso as palavras
aspiram a se constituir em significado unívoco. Esse trabalho implica reflexão e análise. Ao mesmo
tempo introduz um ideal inatingível, já que a palavra se nega a ser mero conceito, significado sem
outra coisa mais. Cada palavra – à parte suas propriedades físicas - encerra uma pluralidade de
sentidos. Assim, a atividade do prosador se exerce contra a natureza própria da palavra.
A palavra, finalmente em liberdade, mostra todas as suas entranhas, todos os seus sentidos e
alusões, como um fruto maduro ou como um foguete no momento de explodir no céu. O poeta põe
em liberdade sua matéria. O prosador aprisiona-a.
O poema, sem deixar de ser palavra e história, transcende a história. Sob condição de examinar com
mais atenção em que consiste esse ultrapassar a história, podemos concluir que a plural idade de
poemas não nega, antes afirma, a unidade da poesia.
Cada poema é único. Em cada obra lateja, com maior ou menor intensidade, toda a poesia. Portanto,
a leitura de um só poema nos revelará, com maior certeza do que qualquer investigação histórica ou
filológica, o que é a poesia. Mas a experiência do poema - sua recriação através da leitura ou da
recitação - também ostenta uma desconcertante pluralidade e heterogenia. Quase sempre a leitura se
apresenta como a revelação de algo alheio à poesia propriamente dita.
Para alguns o poema é a experiência do abandono; para outros, do rigor. Cada leitor procura algo no
poema. E não é insólito que o encontre: já o trazia dentro de si.
Todos já fomos crianças. Todos já amamos. O amor é um estado de reunião e participação aberto
aos homens: no ato amoroso a consciência é como a onda que, vencido o obstáculo, antes de se
desmanchar, ergue-se numa plenitude na qual tudo - forma e movimento, impulso para cima e força
da gravidade - alcança um equilíbrio sem apoio, sustentado em si mesmo. Quietude do movimento.
E do mesmo modo que através de um corpo amado entrevemos uma vida mais plena, mais vida que
a vida, através do poema vislumbramos o raio fixo da poesia. Esse instante contém todos os
instantes. Sem deixar de fluir, o tempo se detém, repleto de si.
Objeto magnético, secreto lugar de encontro de forças contrárias, graças ao poema podemos chegar
à experiência poética. O poema é uma possibilidade aberta a todos os homens, qualquer que seja seu
temperamento, seu ânimo ou sua disposição. No entanto, o poema não é senão isto: possibilidade,
algo que só se anima ao contacto dc um leitor ou de um ouvinte. Há uma característica comum a
todos os poemas, sem a qual nunca seriam poesia: a participação. Cada vez que o leitor revive
realmente o poema, atinge um estado que podemos, na verdade, chamar de poético. A experiência
pode adotar esta ou aquela forma, mas é sempre um ir além de si, um romper os muros temporais,
para ser outro. Tal como a criação poética, a experiência do poema se dá na história, é história e, ao
mesmo tempo, nega a história.
O poema é mediação: graças a ele, o tempo original, pai dos tempos, encarna-se num momento. A
sucessão se converte em presente puro, manancial que se alimenta a si próprio e transmuta o
homem. A leitura do poema mostra grande semelhança com a criação poética. O poeta cria imagens,
poemas; o poema faz do leitor imagem, poesia.
E ainda guardamos viva a sensação de alguns minutos de tal maneira plenos que se transformaram
em tempo transbordado, maré alta que rompeu os diques da sucessão temporal. Pois o poema é via
de acesso ao tempo puro, imersão nas águas originais da existência. A poesia não é nada senão
tempo, ritmo perpetuamente criador.
“O Arco e a Lira” de Octavio Paz. Tradução de Olga Savary. Ed. Nova Fronteira, RJ, 1982. (Coleção
Logos) | http://goo.gl/U3hiIF | 11/mar/2010

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O poema - Octavio Paz


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Para Octavio Paz a poesia é a forma natural de convivência entre os homens. Sua crítica é um
diálogo aberto com o mundo, sendo seu desejo "a busca de identidade da natureza humana na
multiplicidade de signos". Segundo o poeta Sebastião Uchoa Leite, "a crítica de Octavio Paz é de
ordem antropológica e poética. Paz é poeta e crítico das civilizações, acreditando, ao contrário de
que as civilizações são mortais, na frase de Valéry, que mesmo as aparentemente mortas estão
vivas: os seus signos circulam nessa ars combinatoria do universo histórico. Como tudo é
linguagem, tudo significa". (comentário na orelha do livro O Arco e a Lira com tradução e
comentários de Olga Savary. - Editora Nova Fronteira, 1982)
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O RIO (Fragmento)
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A metade do poema sobressalta-me sempre um grande desamparo, tudo me abandona,


não há nada a meu lado, nem sequer esses olhos que por detrás
contemplam o que escrevo,
não há atrás nem adiante, a pena se rebela, não há começo nem
fim, tampouco muro que saltar,
é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito, o não dito
é indizível,
torres, terraços devastados, babil8nias, um mar de sal negro, um
reino cego,
Não,
deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de minhas pálpebras
uma espiga, um repuxo de sóis,
e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e a maré suba
em onda e a onda rompa o dique,
esperar até que o papel se cubra de astros e seja o poema um
bosque de palavras enlaçadas,
Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem
ninguém exceto o sangue,
nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito
e repetir a mesma palavra na metade do poema,
sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem
e não diz nada e me leva consigo.
(Trad. Haroldo de Campos)

ARCOS
A Silvina Ocampo

Quem canta nas ourelas do papel?


De bruços, inclinado sobre o rio
de imagens, me vejo, lento e só,
ao longe de mim mesmo: 6 letras puras,
constelação de signos, incisões.
na carne do tempo, ó escritura,
risca na água!

Vou entre verdores


enlaçados, adentro transparências,
entre ilhas avanço pelo rio,
pelo rio feliz que se desliza
e não transcorre, liso pensamento.
Me afasto de mim mesmo, me detenho
sem deter-me nessa margem, sigo
rio abaixo, entre arcos de enlaçadas
imagens, o rio pensativo.

Sigo, me espero além, vou-me ao encontro,


rio feliz que enlaça e desenlaça
um momento de sol entre dois olmos,
sobre a polida pedra se demora
e se desprende de si mesmo e segue,
rio abaixo, ao encontro de si mesmo.
1947 | (Trad. Haroldo de Campos)

DESTINO DO POETA

Palavras? Sim. De ar
e perdidas no ar.
Deixa que eu me perca entre palavras,
deixa que eu seja o ar entre esses lábios,
um sopro erramundo sem contornos,
breve aroma que no ar se desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.
(Trad. Haroldo de Campos)

ESCRITO COM TINTA VERDE

A tinta verde cria jardins, selvas, prados,


folhagens onde gorjeiam letras,
palavras que são árvores,
frases de verdes constelações.

Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram


como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como a hera à estátua,
como a tinta a esta página.

Braços, cintura, colo, seios,


fronte pura como o mar,
nuca de bosque no outono,
dentes que mordem um talo de grama.

Teu corpo se constela de signos verdes,


renovos num corpo de árvore.
Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.
(Trad. Haroldo de Campos)

IRMANDADE

Sou homem: duro pouco


e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.
(Trad. Antônio Moura)

VENTO, ÁGUA, PEDRA

A água perfura a pedra,


o vento dispersa a água,
a pedra detém ao vento.
Água, vento, pedra.

O vento esculpe a pedra,


a pedra é taça da água,
a água escapa e é vento.
Pedra, vento, água.

O vento em seus giros canta,


a água ao andar murmura,
a pedra imóvel se cala.
Vento, água, pedra.

Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.
(Trad. Antônio Moura)

CONVERSAR

Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.

O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.
A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.
(Trad. Antônio Moura)

ANTES DO COMEÇO

Ruídos confusos, claridade incerta.


Outro dia começa.
Um quarto em penumbra
e dois corpos estendidos.
Em minha fronte me perco
numa planície vazia.
E as horas afiam suas navalhas.
Mas a meu lado tu respiras;
íntima e longínqua
fluis e não te moves.
Inacessível se te penso,
com os olhos te apalpo,
te vejo com as mãos.
Os sonhos nos separam
e o sangue nos reúne:
Somos um rio que pulsa.
Sob tuas pálpebras amadurece
a semente do sol.
O mundo
No entanto, não é real,
o tempo duvida:
Só uma coisa é certa,
o calor da tua pele.
Em tua respiração escuto
as marés do ser,
a sílaba esquecida do Começo.
(Trad. Antônio Moura)

UM DESPERTAR

Estava emparedado dentro de um sonho,


Seus muros não tinham consistência
Nem peso: seu vazio era seu peso.
Os muros eram horas e as horas
Fixo e acumulado pesar.
O tempo dessas horas não era tempo.

Saltei por uma fenda: às quatro


Deste mundo. O quarto era meu quarto
E em cada coisa estava meu fantasma.
Eu não estava. Olhei pela janela:
Sob a luz elétrica nem uma viva alma.
Reflexos na vela, neve suja,
Casas e carros adormecidos, a insônia
De uma lâmpada, o carvalho que fala solitário,
O vento e suas navalhas, a escritura
Das constelações, ilegíveis.

Em si mesmas as coisas se abismavam


E meus olhos de carne as viam
Oprimidas de estar, realidades
Despojadas de seus nomes. Meus dois olhos
Eram almas penadas pelo mundo.
Na rua vazia a presença
Passava sem passar, desvanecida
Em suas formas, fixa em suas mudanças,
E em volta casas, carvalhos, neve, tempo.
Vida e morte fluíam confundidas.

Olhar desabitado, a presença


Com os olhos de nada me fitava:
Véu de reflexos sobre precipícios.
Olhei para dentro: o quarto era meu quarto
E eu não estava. A ele nada falta
- sempre fiel a si, jamais o mesmo -
ainda que nós já não estejamos... Fora
contudo indecisas, claridades:
a Alba entre confusos telhados.
E as constelações que se apagavam.
(Trad. Antônio Moura)

ÁRVORE ADENTRO

Cresceu em minha fronte uma árvore.


Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
Aproxima-te. Ouves?
(Trad. Antônio Moura)

ENTRE PARTIR E FICAR

Entre partir e ficar hesita o dia,


enamorado de sua transparência.

A tarde circular é uma baía:


em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,


tudo está perto e tudo é intocável.

Os papéis, o livro, o vaso, o lápis


repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete


a mesma e insistente sílaba de sangue.

A luz faz do muro indiferente


Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;


Não me vê, não me vejo em seu olhar.

Dissipa-se o instante. Sem mover-me,


eu permaneço e parto: sou uma pausa
(Trad. Antônio Moura)

EPITÁFIO SOBRE NENHUMA PEDRA

Mixcoac foi meu povoado: três sílabas noturnas,


um véu de sombra sobre um rosto solar.
Vinho Nossa Senhora, a Empoeirada Mãe.
Vinho que foi comido. Eu andava pelo mundo.
Minha casa foram minhas palavras, minha casa o ar.
(Trad. Antônio Moura)

ISTO E ISTO E ISTO

O surrealismo tem sido a maçã de fogo na árvore da sintaxe


O surrealismo tem sido a camélia de cinza entre os peitos da adolescente possuída pelo espectro de
Orestes
O surrealismo tem sido o prato de lentilhas que o olhar do filho pródigo transforma em festim
fumegante de rei canibal
O surrealismo tem sido o bálsamo de Ferrabrás que apaga os sinais do pecado original e o umbigo
da linguagem
O surrealismo tem sido a cusparada na hóstia e o cravo de dinamite no confessionário e o abre-te
sésamo das caixas de segurança e das grades dos manicômios
O surrealismo tem sido a chama ébria que guia os passos do sonâmbulo que caminha na ponta dos
pés sobre o fio de sombra que traça a folha da guilhotina no pescoço dos justiçados
O surrealismo tem sido o prego ardente na fronte do geômetra e o vento forte que à meia-noite
levanta o lençol das virgens
O surrealismo tem sido o pão selvagem que paralisa o ventre da Companhia de Jesus até que a
obriga a vomitar todos os seus gatos e seus diabos encarcerados
O surrealismo tem sido o punhado de sal que dissolve as velhas moedinhas do realismo socialista
O surrealismo tem sido a coroa de papelão do crítico sem cabeça e a víbora que desliza entre as
pernas da mulher do crítico
O surrealismo tem sido a lepra do ocidente cristão e o açoite de nove cordas que desenha o caminho
de saída para outras terras e outras línguas e outras almas sobre o lombo do nacionalismo
embrutecido e embrutecedor
O surrealismo tem sido o discurso da criança soterrada em cada homem e a aspersão de sílabas de
leite de leoas sobre os ossos calcinados de Giordano Bruno
O surrealismo tem sido as botas de sete léguas dos foragidos das prisões da razão dialética e a tocha
de Pulgarcito que corta os nós da trepadeira venenosa que cobre os muros das revoluções
petrificadas do século XX
O surrealismo tem sido isto e isto e isto
(Trad. Antônio Moura)

FRENTE AO MAR

Chove no mar.
Ao mar o que é do mar
e que as herdades sequem.

A onda não tem forma?


Num instante se esculpe,
no outro se desmorona
à que emerge, redonda.
Seu movimento é forma.

As ondas se retiram
- ancas, espáduas, nucas -
logo voltam as ondas
-peitos, bocas, espumas.

Morre de sede o mar.


Se retorce, sozinho,
em sua cama de rochas.
Morre de sede de ar.
(Trad. Haroldo de Campos)
de SEMENTES PARA UM HINO (1950-1954)

O dia abre sua mão


Três nuvens
E estas poucas palavras

PEDRA NATIVA
(Fragmento)

Como as pedras do Princípio


Como o princípio da Pedra
Como no Princípio pedra contra pedra
Os fastos da noite:
O poema ainda sem rosto
O bosque ainda sem árvores
Os cantos ainda sem nome

Mas a luz irrompe com passos de leopardo


E a palavra se levanta ondula cai
E é uma extensa ferida e puro silêncio sem mácula
(Trad. Haroldo de Campos)

http://www.culturapara.art.br/opoema/octaviopaz/octaviopaz.htm

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Auge da reflexão sobre a poesia: O arco e a lira


a

O livro central de Octavio Paz para compreender o México e suas questões políticas é O labirinto da
solidão (1959). Para se entender a poética de Paz, devemos recorrer a O arco e a lira, escrito em
1955 e reeditado em 1967. O arco e a lira procura explicar tanto a origem dos poemas quanto a
relação da história e do poeta com a poesia, bem como entender as origens e o significado da
inspiração. Nesse livro, além de narrar a sua ideia do que seja a poesia, Paz prenuncia temas sobre a
poesia e a história modernas, que serão abordados em seus livros seguintes principalmente em Os
filhos do barro (1974) e A outra voz (1990). Assim como O labirinto da solidão, O arco e a lira é um
livro que se desenvolveu com o passar do tempo.
A segunda edição, revisada, inclui um dos trabalhos mais conhecidos de Paz, Os signos em rotação,
um ensaio essencial para entender a literatura latino-americana, assim como, a própria tradição da
poesia moderna mundial. Em O arco e a lira, Octavio Paz une suas reflexões teóricas com suas
experiências pessoais para explicar a literatura pelo ponto de vista da poesia - poesia entendida
como fundação da própria sociedade. Paz se utiliza, para isso, de uma gama de conhecimentos que
embora opostos, são complementares: Oriente e Ocidente, Norte e Sul, Antiguidade e Modernidade,
numa exposição tanto pelo todo, universal, como pelas partes desses tópicos.
O arco e a lira, no entanto, é, provavelmente, o texto mais difícil de Paz: a vertiginosa configuração
dos eventos, histórias, poetas, tradições, que se transformam no que, mais tarde, Paz irá chamar de
"rotação dos signos" (configurações que são difíceis de apontar com precisão porque não existe uma
maneira de imobilizá-los em uma estrutura). Paz procura compreender tudo isso como um sistema
móvel, como se a poesia, a história e a sociedade girassem como um móbile (impulsionado por
forças aleatórias). O título do livro é uma referência a Heráclito, cujo reconhecimento da mudança e
do tempo Paz resgata com a intenção de retomar a tradição pré-socrática. Para Heráclito o universo
se encontra em estado de tensão, como as cordas do arco ou as da lira, e o homem é o ponto de
encontro desse embate cósmico. O arco (com suas conotações de caça 43 e guerra) e a lira (um
símbolo que remete à poesia) são metáforas de uma condição dialética que é resolvida por uma
metonímia que as unem: ambos, o arco e a lira, possuem cordas, e essas, nas duas instâncias, se
encontram em estado de tensão. Em uma, a corda é preparada para o caçador ou o guerreiro atirar
na sua presa ou no seu inimigo; na outra essa mesma corda diverte os ouvintes com sua bela
música. A imagem do arco e da lira, deste modo, traz a tensão dos opostos assim como a
possibilidade de um equilíbrio - sem repouso - que permite a convivência dos opostos.
O excesso de metáforas que se destinam a outras metáforas, e que estão sempre em um equilíbrio
precário, parece inibir o leitor a se engajar em uma leitura mais profunda do rico O arco e a lira,
fazendo com que o mais estudado seja o seu ensaio posterior e conclusivo: Os signos em rotação.
Cabe ressaltar que é arriscado focar a pesquisa do livro em apenas uma de suas partes. A questão
fundamental por trás de tudo de O arco e a lira é a experiência da escrita, e a forma de escrita que
Paz examina é a poesia, que é definida por ele nos mais amplos termos possíveis. O poético, para
Paz, é uma espécie de absoluto transcendental que só pode ser definido em relação a sua encarnação
no tempo - o poema. Por isso, a poesia é um gênero além dos gêneros, como algo indizível que só
pode ser apreendido pelo significado do fato histórico da sua encarnação em poemas.
É importante entender que a definição de poesia de Paz também se encarna e muda no tempo, assim
como os próprios poemas. Se compararmos as primeiras páginas das duas edições de O arco e a lira
podemos ver como a noção de poesia de Paz, mesmo sendo absoluta, é sujeita à mudança temporal.
Para Paz, o absoluto sempre dá início à contingência, e a contingência é onde o ato de escrever
precisa ser localizado. Na primeira edição Paz começa pela definição do adjetivo "poético" como
incapaz de ser fixado:
Não existe nada mais evasivo e indefinível do que o poético. A força de acompanhar os substantivos
contrários, este adjetivo parece vazio de conteúdo. [...] Flutua, sem que nada o sustente, à deriva, não vai
a lugar algum, exceto, é claro, ao encontro de si mesmo. O adjetivo o arranca de suas referências
habituais e o confronta consigo mesmo, com seu próprio ser, para que seja mais plenamente. 1
-----------

1
Octavio Paz, O arco e a lira (Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1956), p. 11. "Nada
más huidizo e indefinible que lo poético. A fuerza de acompañar a sustantivos adversarios, 44

Paz se aproxima da poesia pelo significado de um adjetivo, no qual se debruçam as dificuldades.


Para essa primeira "encarnação" de O arco e a lira, ele escolheu imobilizar um objeto que ele
mesmo define como esquivo. Não existe nada poético per se, Paz explica; mais propriamente, a
urgência de objetificar - de transformar algo em um objeto - revela as próprias distorções dos
poetas: o seu desejo de definir, fixar, significar e possuir o que se recusa a ser possuído. Essa
tentativa de aproximação é abandonada na segunda e definitiva edição do livro. A definição direta
do que é a poesia, o que inicia no terceiro parágrafo da primeira edição, é transformada no
parágrafo de abertura da segunda “encarnação" de O arco e a lira:
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a
atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A
poesia revela este mundo; cria outro. [...] Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração,
respiração, exercício muscular. [...] Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história: em seu
seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais
que passagem.2

A mudança de Paz, de uma tentativa de fundir o poético à definição da poesia, já mostra que ele se desviou
da indecisão para o concreto, que ele procurou expressar a experiência como poesia e, assim, permite que o
adjetivo "poético" possa conter a sua pluralidade de conteúdos. A poesia esta além das categorias de corpo
e alma, além do bem e do mal, além da benção, da consagração ou do sacrilégio. As duas primeiras páginas
da segunda edição de O arco e a lira, onde se encontra a sua definição da poesia, já são uma tentativa de
entender a poesia no seu trato com o poema, perguntando ao poema pelo ser da poesia. O poema é passível
de definição, exploração e exame, de um modo que "o poético" não é. O foco de Paz no poema por si só
permite a ele esclarecer as questões que o inquietou na escrita do livro: As três partes em que foi dividido
este livro se propõem a responder estas perguntas: há um dizer poético – o poema – irredutível a qualquer
outro este adjetivo parece vacío de contenido. [...] Flota, sin que nada lo sostenga; a la deriva, no va a
ninguna parte, salvo, acaso, al encuentro de sí mismo. El adjetivo lo arranca de sus referencias habituales y
lo enfrenta consigo, con su propio ser, para que sea más plenamente." Tradução por Fabio Neves. 2 Octavio
Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 15. 45 dizer? O que dizem os poemas? Como
se comunica o dizer poético? [...] Se é certo que em toda tentativa de compreender a poesia se introduzem
resíduos alheios a ela – filosóficos, morais ou outros -, também aquilo que é o caráter suspeito de toda
poética parece como que redimido quando se apóia na revelação que, em certo momento, durante algumas
horas, um poema nos proporcionou.3 Essa afirmação é a primeira de muitas que Paz irá fazer durante a sua
carreira como poeta. Ao distinguir a escrita teórica e crítica do exercício da crítica literária, ele desaloja o
desinteresse, e define a meditação crítica na literatura como trabalhos de crítica escrito por autores
criativos. Nesta direção, Paz defende um trabalho menos sistemático e, ao mesmo tempo, argumenta que o
seu trabalho é um tipo de testemunho, o trabalho de uma testemunha da poesia. Assim como o profissional
tem que se perguntar o que escrever é, Paz começa a advertência a sua primeira edição de O arco e a lira
com a seguinte afirmação: Escrever, talvez, não tenha outra justificativa senão tratar de responder a essa
pergunta que um dia nos fizemos e que, por não ter recebido resposta, não cessa de nos aguilhoar. Desde
que comecei a escrever poemas perguntei-me se realmente valia a pena fazê-lo; não seria melhor
transformar a vida em poesia do que fazer poesia com a vida? E a poesia não pode ter como objeto próprio,
mais que a criação de poemas, a de momentos poéticos? Será possível uma comunhão universal na poesia?
4 A questão que persegue Paz em O arco e a lira é permanentemente deslocada, permanentemente móvel,
entre o ser da poesia - essa que a poesia é - e como a poesia é na sociedade. Ele nunca desiste de desalojar
a poesia do tempo (Paz conclui a introdução pela afirmação de que "a poesia não é nada senão tempo,
ritmo perpetuamente criador"5 ) mesmo assim ele postula uma última questão que será resolvida pelo
recurso da escrita como um fenômeno e, por esse motivo, da poesia como sua encarnação no tempo. 3
Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 30-31. 4 Octavio Paz, O arco e a
lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 9. 5 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984), p. 31. 46 3.1. Estrutura do livro Paz divide O arco e a lira em três partes principais, além
de uma introdução, um epílogo e três apêndices. As três partes principais são dedicadas a O Poema, A
Revelação Poética e Poesia e História. As três primeiras partes em que se divide esse livro, sobre a essência
do quehacer6 poético, se propõem responder a três interrogações fundamentais: Há um dizer poético – o
poema – irredutível a qualquer outro dizer? O que dizem os poemas? Como se comunica o dizer poético? 7
Cada uma dessas três partes principais é dividida em capítulos, os quais são subdivididos em blocos. O
livro é organizado por divisões e subdivisões aparentemente lineares, no entanto, existe um sistema de
"rotações" e correspondências para a estrutura feita por Paz. 3.1.1. Introdução (Poesia e poema) Essa
primeira parte do livro, mesmo sendo de generalidades, desde o início apresenta a questão que se tratará ao
longo do livro: "...o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas
correspondências, ecos, da harmonia universal." 8 Já na introdução surge a pergunta nunca
satisfatoriamente respondida: o que é a poesia? Todas as reflexões de O arco e a lira são uma tentativa de
resposta. Diante da dificuldade de responder a enigmática pergunta, Octavio Paz sugere conhecer o ser da
poesia através do trato com o poema. 6 quehacer: "ocupação, trabalho, afazeres, ofício, tarefa." -
Dicionário Michaelis. 7 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 30. 8
Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 15. 47 Ao perguntariao poema pelo
ser da poesia, Octavio Paz faz uma distinção entre o "poema" - ou melhor, uma obra construída sobias leis
da métrica - e o poema que ele quer trabalhar ao longo de sua obra. O que torna poético o poema não é a
sua formailiterária - rimas, estrofes e metros - mas sim o fato de ele ter sido tocado pela poesia. Sendo
assim, nem sempre um soneto contém poesia. Paisagens, fatos e pessoas podem seripoéticos: sãoipoesia sem
ser poemas pois não são um produtoihumano. É preciso que o poeta conduza e transforme a corrente
poética em obra. O poema é uma obra e não uma forma literária, mas o encontro entre a poesia e o homem.
Ao desviar o olhariido poético para fixá-lo no poema, Octavio Paz nos lembra da suaiimultiplicidade de
formas que assume esse ser que anteriormente parecia ser único. E questionaiisobre a possibilidade
deiientendermos a poesia se cada poema se mostra como algo único e irredutível. Em sequencia eleiiirá
citar as diferentes formas e gêneros que a ciênciaida literatura procuraiclassificar, mas que são inúteis
quandoiqueremos empregá-los em tarefas mais sutis do que a simples ordenação. Paz faz mais umaicensura
à estilística, a sociologia, aipsicologia e outras disciplinasiliterárias que podem ser ótimas se quisermos
estudar uma obra, mas que não revelam nada acerca da natureza mais íntima da mesma. Mais uma
possibilidade de tentar resolver é a ideia de que a diversidade se oferece como filha da história. O critério
histórico, porém não resolve, antes multiplicaiios problemas. E ele cita exemplos de artistas que foram
contemporâneos e revela o abuso que seria colocá-los no mesmo plano, uniformizando paisagens ricas em
antagonismos e contrastes. E parece que a variação histórica perde terreno para algo mais sutil e
impalpável: a pessoa humana. Dessa forma, a biografia poderia fornecer a chave para a compreensão do
poema. Então Paz faz uma intervenção de um novo obstáculo e cita obras de um mesmo autor que são
distintas e até mesmo contraditórias. A história e a biografia podem ajudar na compreensão de um poema,
mas não podem, contudo, dizer o que é um poema. Uma nova empresa é feita tentando encontrar um traço
comum entre os poemas e Paz coloca em cena a questão da técnica, ao revelar que o traço comum entre os
poemas é serem obras, produtos humanos, como os quadros dos pintores 48 e as cadeiras dos carpinteiros.
Mas o poema é uma obra de um feitio estranho que não tem entre si uma relação de parentesco tão palpável
como os instrumentos de trabalho. A técnica e a criação, utensílio e poema são realidades distintas. A
técnica é repetição e a criação tem seu caráter único. Os poemas de palavras ou de cores ou sons não são
desprovidos de significação. Paz relembra que apesar do poema partir da palavra, ser significante, as
outras linguagens possuem uma intencionalidade e cita exemplos como a função dual do ritmo na antiga
civilização chinesa que recorre a termos musicais ao tentarem ser explicadas, assim como, a capacidade
evocativa das cores entre os astecas. Não há cores nem sons em si, tocados pela mão humana mudam de
natureza e penetram no mundo das obras. A partir daí, Octavio Paz relembra que tudo que o homem toca
traz uma significação por conta de sua intencionalidade. O homem vai "em direção a..." porque seu mundo
é o mundo do sentido. A contradição, a loucura, a confusão e a ambiguidade são toleradas, mas não a
carência de sentidos. Mas as obras não transcendem o homem nem por seus materiais nem por seus
significados, todas são "um para" e "um direção a" que desembocam em um homem concreto, que por sua
vez só alcança significação dentro de uma história precisa. História que define um estilo. 3.1.2. O Poema
Na primeira parte denominada O Poema, Paz diferencia verso e prosa, analisa a natureza do poema e
examina os seus componentes: a linguagem, o ritmo e a imagem. Paz inicia a primeira parte, dedicada ao
poema, pela demonstração da primeira atitude do homem diante da linguagem: uma atitude de confiança,
em que signo e objeto representavam a mesma coisa. Logo que os homens perceberam o abismo que se
abria entre as coisas e seus nomes, o pensamento procurou fixar um significado único e preciso para os
vocábulos. Octavio Paz ressalta que a partir desse episódio se inicia a batalha - que segue firme - entre as
49 ciências da linguagem e a linguagem porque as palavras se rebelam diante da definição. Ele ressalta que
a rebeldia das palavras reside na sua tensa relação com o homem. Ao se questionar sobre as fronteiras entre
a linguagem e o ser humano, Octavio Paz percebe que elas se mostram particularmente indecisas já que a
palavra é o próprio homem, pois somos feitos de palavras. Sem elas o homem é inapreensível. Somos
inseparáveis das palavras. As palavras são nossa única realidade e o único testemunho de nossa realidade
são as palavras. Não existe pensamento nem conhecimento sem a linguagem. A primeira atitude que temos
diante de uma realidade desconhecida é nomeá-la. O que ignoramos é o inominado. Somos o mundo das
palavras e elas o nosso, por isso, nós não conseguimos escapar da linguagem. Muitas são as hipóteses da
origem da fala, mas para Paz, parece não haver dúvida quanto à natureza primariamente mítica de todas as
palavras e formas de linguagem. Desde o princípio, a linguagem e o mito possuem uma correlação. Ambas
são expressões de uma tendência fundamental na formação de símbolos: o princípio radicalmente
metafórico que está no íntimo de toda função de simbolização. Linguagem e mito são vastas metáforas da
realidade. A essência da linguagem é simbólica porque consiste em representar um elemento da realidade
por outro, como ocorre com as metáforas. Uma crença comum a todos os poetas de todos os tempos é a de
que a linguagem é poesia em estado natural. Cada palavra ou grupo de palavras é uma metáfora. E, desse
modo, é um instrumento mágico, algo suscetível de transformar em outra coisa e de transmutar aquilo em
que toca. A palavra é um símbolo que emite símbolos. O homem é homem graças à linguagem, graças à
metáfora original que o fez outro e o separou do mundo natural. O homem é um ser que se criou ao criar a
linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si mesmo. 9 Paz volta a falar do abismo entre a
palavra e o objeto que obriga cada palavra a se converter em metáfora daquilo que designa. Esse abismo
surge tão logo o homem toma consciência de si e se separa do mundo natural. E a partir daí, constrói outro
mundo no interior de si mesmo. A palavra não é idêntica à 9 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1984), p. 41-42. 50 realidade que nomeia, porque entre o homem e as coisas - mais
especificamente, entre o homem e seu ser - se interpõe a consciência de si mesmo. A palavra é a ponte
através da qual o homem tenta superar a distância que o separa da realidade exterior. Mas essa distância
faz parte da natureza humana. Nessa aparente contradição se encontra o poema, um dos poucos recursos do
homem para ir mais além de si mesmo, ao encontro do que é profundo e original. Não existe um só poema
no qual não tenha ocorrido a intervenção de uma vontade criadora. Cada palavra esconde uma pluralidade
de significados disposta a emergir com um simples toque. Apesar do dinamismo e da riqueza de metáforas
da linguagem, a força criadora da palavra reside no homem que a pronuncia, aquele que põe a linguagem
em movimento. Paz desmente a crença na poesia como algo que escapa totalmente ao controle da vontade.
Os estados de passividade não implicam em uma abolição do querer. Pelo contrário, exigem o exercício de
uma vontade decidida a romper a dualidade entre objeto e sujeito. A passividade de uma zona da psique
provoca a atividade de outra e torna possível a vitória da imaginação ante as tendências analíticas,
discursivas ou racionalistas. Em nenhum caso de distração voluntária desaparece a vontade criadora,
aquela que mantém abertas as portas da identidade com realidade. O primeiro ato da criação poética
consiste no violento desenraizamento das palavras. Separadas do mundo informativo da fala, as palavras se
tornam únicas, como se acabassem de nascer. O segundo ato é o regresso da palavra para que o poema se
converta em objeto de participação. A tensão de duas forças habita o poema, uma que arranca a palavra da
linguagem e outra que a faz voltar para a linguagem. O poema tanto é uma criação original e única como
também é leitura e recitação - participação. O poeta cria o poema e a comunidade, ao recitá-lo, recria-o.
Dois momentos de uma mesma realidade: poeta e leitor. De uma maneira cíclica os dois se alternam
engendrando a poesia. O poema deve se sustentar em uma linguagem viva e comum para que essas duas
operações - de separação e regresso - aconteçam. Por obra da poesia, durante séculos, a linguagem comum
se transformou em imagens míticas dotadas de valor arquetípico. Ao criar a linguagem das nações
europeias, as lendas e 51 poemas épicos contribuíram para criar essas mesmas nações. Ou melhor, as
fundaram ao dar-lhes consciência de si mesmas. O ponto de vista da situação social do poeta da Idade
Moderna mostra o traço distintivo de sua época. A situação do poeta moderno é marginal. A poesia é um
alimento que a burguesia - como classe - tem sido incapaz de digerir. A poesia moderna se converteu no
alimento dos dissidentes e desterrados do mundo burguês. A linguagem social se degrada dia a dia numa
gíria seca de técnicos e jornalistas rompendo a relação íntima que une a linguagem social e o poema. Uma
poesia em rebelião corresponde a uma sociedade dividida. Para Octavio Paz, a linguagem do poeta é a
mesma linguagem de sua comunidade, qualquer que esta seja. Entre uma e outra se estabelece um jogo
recíproco de influências, um sistema de vasos comunicantes. Porém, o traço característico de nossos dias é
o rompimento do equilíbrio precariamente mantido ao longo do século XIX. A poesia de seitas chega a seu
fim porque a tensão se tornou insuportável: a linguagem social se degrada dia a dia naquelas “gírias” de
técnicos e jornalistas; no outro extremo, o poema se converte em exercício suicida. Chegamos ao fim de um
processo iniciado na aurora da Idade Moderna. Muitos poetas contemporâneos, desejosos de derrubar a
barreira do vazio que o mundo moderno lhes opõe, tentaram buscar o perdido auditório: ir ao povo. Só que
já não há povo – há massas organizadas. E assim, “ir ao povo” significa ocupar um lugar entre os
“organizadores” das massas. O poeta se converte em funcionário. Não deixa de ser assombrosa essa troca.
O poeta já tem um “lugar” na sociedade. E a poesia, tem? A poesia vive nas camadas mais profundas do
ser, ao passo que as ideologias e tudo o que chamamos de ideias e opiniões constituem os estratos mais
superficiais da consciência. O poema se nutre da linguagem viva de uma comunidade, de seus mitos, seus
sonhos e suas paixões, isto é, suas tendências mais secretas e poderosas. O poema constrói o povo porque o
poeta remonta a corrente da linguagem e bebe na fonte original. No poema a sociedade se depara com os
fundamentos de seu ser, com sua palavra primeira. Ao proferir essa 52 palavra original, o homem se criou.
O poema nos revela o que somos e nos convida a ser o que somos. Os partidos políticos modernos
transformam o poeta em propagandista e assim o degradam. O propagandista dissemina na “massa” as
concepções dos hierarcas. O poeta, ao contrário, opera de baixo para cima: da linguagem de sua
comunidade para a do poema. Em seguida, a obra regressa às suas fontes e se torna objeto de comunhão. A
relação entre o poeta e seu povo é orgânica e espontânea. Tudo se opõe agora a esse processo de constante
recriação. O povo se divide em classes e grupos; depois se petrifica em blocos. A linguagem comum se
transforma num sistema de fórmulas. Com as vias de comunicação bloqueadas, o poeta se vê sem linguagem
na qual possa se apoiar, e o povo sem imagens nas quais se reconheça. É preciso aceitar com lealdade essa
situação. Se o poeta abandona seu desterro – única possibilidade autêntica de rebeldia -, abandona também
a poesia e a possibilidade de que esse exílio se transforme em comunhão. Pois entre o propagandista e seu
auditório estabelece-se um duplo equívoco: ele crê que fala a linguagem do povo; o povo crê que escuta a
linguagem da poesia. A solidão gesticulante da tribuna é total e irrevogável. É ela – e não a de quem luta
sozinho para encontrar a palavra comum – que é, na verdade, solidão sem saída e sem futuro. O poeta
moderno não fala a linguagem da sociedade nem comunga com os valores da atual civilização. A poesia de
nosso tempo não pode fugir da solidão e da rebelião, exceto através de uma mudança da sociedade e do
próprio homem. A ação do poeta contemporâneo só pode ser exercida sobre indivíduos e grupos. Talvez
residam nessa limitação sua eficácia presente e sua futura fecundidade. O poema se apóia na linguagem
social ou comum; como, porém, se efetua a passagem e o que ocorre com as palavras quando deixam a
esfera social e passam a ser palavras do poema? Filósofos, oradores e literatos escolhem suas palavras. Os
primeiros, segundo seus significados; outros, em atenção à sua eficácia moral, psicológica ou literária. O
poeta não escolhe suas palavras. As palavras do poeta são também palavras de sua comunidade. Do
contrário não seriam palavras. Toda palavra implica dois elementos: o que fala e o que ouve. O universo
verbal do poema não é feito dos vocábulos do dicionário, mas 53 dos vocábulos da comunidade. Linguagem
pessoal quer dizer linguagem comum revelada ou transfigurada pelo poeta. O mais elevado dos poetas
herméticos assim definia a missão do poema: “Dar um sentido mais puro às palavras da tribo.” As palavras
do poeta são também as da tribo ou o serão um dia. O poeta transforma, recria e purifica o idioma; e depois
o reparte. Mas em que consiste essa purificação da palavra pela poesia e o que se quer dizer quando se
afirma que o poeta não se serve das palavras mas, ao contrário, é seu servo? Paz enfatiza que, cada vez que
nos servimos das palavras, as mutilamos. O poeta, porém, não se serve das palavras. É seu servo. Ao servi-
las, devolve-as à sua plena natureza, fá-las recuperar seu ser. Graças à poesia, a linguagem reconquista seu
estado original. Primeiramente, seus valores plásticos e sonoros, em geral desdenhados pelo pensamento;
em seguida, os afetivos; por fim, os significativos. Purificar a linguagem, tarefa do poeta, significa devolver-
lhe sua natureza original. E aqui tocamos num dos temas centrais dessa reflexão. A palavra, em si mesma, é
uma pluralidade de sentidos. Se por obra da poesia a palavra recupera sua natureza original, isto é, sua
possibilidade de significar duas ou mais coisas ao mesmo tempo, o poema parece negar a própria essência
da linguagem: a significação ou sentido. A poesia seria uma empresa fútil e ao mesmo tempo monstruosa:
despoja o homem de seu bem mais precioso, a linguagem, e lhe dá em troca um sonoro balbucio
ininteligível. Que sentido têm, se é que têm algum, as palavras e frases do poema? 10 Ao entrar na questão
do ritmo, Octavio Paz inicia sua análise demonstrando a pretensão do pensamento em reduzir a autonomia
e os caprichos das palavras às regras gramaticais e sintáticas. Por estar no centro do furacão do idioma, o
homem não percebe sua incessante mutação e propõe reduzir a linguagem às suas próprias leis. Só que a
linguagem se revolta e rompe os limites do dicionário, da sintaxe e dos léxicos. Um vocábulo solto não é,
propriamente, linguagem, assim como uma sucessão de palavras dispostas ao acaso. A palavra isolada não
é capaz de constituir uma unidade significativa, por esse motivo a frase ou oração é a unidade 10 Octavio
Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 58. 54 mais simples da fala e não a voz como
reivindica a linguística. A linguagem se produz quando signos e sons se associam de tal maneira que
transmitam um sentido. A linguagem é um universo de unidades significativas indivisíveis e autosuficientes
conhecidas como frases. Somente a análise gramatical, através da violência, decompõe esse organismo em
palavras. As crianças não tem consciência das palavras mas sim das frases. Elas pensam e falam em blocos
significativos, só depois dos constrangimentos da análise gramatical que elas compreendem que uma frase é
feita de palavras e estas divididas em sílabas e letras. Assim como aqueles que não sabem mais que escrever
o próprio nome, quando escrevem, as crianças separam e juntam as palavras pois não sabem ao certo onde
acabam e começam. Em contrapartida, ao falar, os semi-analfabetos fazem as pausas precisamente onde
devem ser feitas porque pensam em frases. Mal nos distraímos ou deixamos de nos controlar, a linguagem
natural recupera seus direitos e duas ou mais palavras se juntam no papel, já não obedecendo às regras da
gramática, mas o ditado do pensamento. Cada vez que nos distraímos, a linguagem reaparece em seu estado
natural, anterior à gramática. Como o resto dos homens, o poeta não se expressa com palavras soltas, mas
em unidades compactas e inseparáveis. O poema é uma totalidade encerrada dentro de si mesma assim
como a linguagem - é uma frase ou conjunto de frases que formam um todo. O núcleo mais simples e
indivisível, a célula do poema, é a frase poética. Porém, ao contrário da prosa, a unidade da frase não é o
sentido ou direção significativa mas sim o ritmo. Essa desconcertante propriedade da frase poética será
abordada mais adiante na dissertação, mas antes é indispensável descrever de que maneira a frase comum
se transforma em frase poética. A desconfiança do poder mágico das palavras é uma atitude intelectual.
Apenas em alguns momentos pesamos e medimos as palavras, passado esse instante, voltamos a ter fé no
poder das palavras já que a confiança diante da linguagem é a atitude espontânea e original do homem: as
coisas são seus nomes. A linguagem é um mundo de chamadas e respostas, fluxo e refluxo, união e 55
separação, inspiração e expiração. As palavras, duplos do mundo objetivo, têm vida própria. Algumas
palavras se atraem, outras se repelem e todas se correspondem. A fala é um conjunto de seres vivos,
movidos por ritmos parecidos com os que regem os astros e as plantas. A linguagem nasce do ritmo, ou
melhor, todo ritmo implica ou prefigura uma linguagem. Dessa forma todas as expressões verbais são
ritmos, sem exclusão das formas mais didáticas e abstratas da prosa. Sendo assim, Octavio Paz nos
questiona como podemos distinguir prosa e poema. Para o poema o ritmo é essencial ao passo que o ritmo
não condiciona a existência da prosa. Sem ritmo não há poema. Só com ritmo não há prosa. O ritmo se dá
espontaneamente em toda forma verbal, mas só no poema se manifesta plenamente.11 Pela violência da
razão, as palavras se desprendem do ritmo. Essa violência racional sustenta a prosa, impedindo-a de cair
na corrente da fala onde não vigoram as leis do discurso e sim as de atração e repulsa. O avanço da prosa
se mede pelo grau de domínio do pensamento sobre as palavras. A prosa cresce em luta permanente contra
as inclinações naturais do idioma e seus gêneros mais perfeitos são o discurso e a demonstração, nos quais
o ritmo e seu incessante ir e vir cedem lugar à marcha do pensamento. Paz ressalta que a poesia é a forma
natural de expressão dos homens de todas as épocas. Já a prosa é um gênero tardio e resultado da
desconfiança do pensamento diante das tendências naturais da linguagem. Existem povos que não têm
prosa, mas não existem os sem poesia. A prosa não é uma forma de expressão inerente a sociedade, ao passo
que é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções, mitos ou outras expressões poéticas.
Enquanto o poema se apresenta como uma ordem fechada, a prosa tende a se manifestar como uma
construção aberta e linear. Poderíamos comparar a prosa com a marcha e a poesia com a dança. A figura
geométrica que simboliza a prosa é a linha: reta, sinuosa, espiralada, ziguezagueante, mas sempre para
diante e com uma meta precisa. Daí que os arquétipos da prosa sejam o discurso e a narrativa, a
especulação e a história. O poema, pelo contrário, apresenta-se como um círculo 11 Octavio Paz, O arco e a
lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 82. 56 ou uma esfera - algo que se fecha sobre si mesmo, um
universo auto-suficiente no qual o fim é também um princípio que volta, se repete e se recria. E essa
constante repetição não é senão o ritmo, maré que vai e vem, que cai e se levanta. Ritmo, imagem e
significado apresentam-se simultaneamente numa unidade indivisível e compacta: a frase poética, o verso.
Sustentar que o ritmo é o núcleo do poema não quer dizer que este seja um conjunto de metros. Existe uma
prosa carregada de poesia, assim como, muitas obras corretamente versificadas e absolutamente prosaicas.
Em si mesmo. o metro é medida vazia de sentido. O ritmo, pelo contrário, jamais se apresenta sozinho, não é
medida mas conteúdo qualitativo e concreto. Todo ritmo verbal já contém em si a imagem e constitui, real
ou potencialmente, uma frase poética completa. O metro é medida que tende a se separar da linguagem, o
ritmo jamais se separa da fala porque é a própria fala. O metro é procedimento, maneira; o ritmo é
temporalidade concreta. Para Paz, os metros são históricos, ao passo que o ritmo se confunde com a
própria linguagem. Não é difícil distinguir em cada metro os elementos intelectuais e abstratos e os mais
puramente rítmicos. As linguagens oscilam entre a prosa e o poema, o ritmo e o discurso. Em algumas é
visível o predomínio rítmico, em outras observa-se um crescimento excessivo dos elementos analíticos e
discursivos, às expensas dos rítmicos e imaginativos. Esgotados os poderes de convocação e evocação da
rima e do metro tradicionais, o poeta remonta a corrente, em busca da linguagem original, anterior à
gramática. E encontra o núcleo primitivo: o ritmo. Ao tratar da imagem, Octavio Paz faz uma distinção
entre os diversos significados que a palavra imagem possui, descartandoiiaqueles que não interessam em
seu estudo para em seguida, traçar uma ideia do significado que irá trabalhar no decorrer do livro. Assim,
ele designa a palavraiimagem como "toda forma verbal, frase ouiconjunto de frases, que o poeta diz e que,
unidas, compõem um poema,"12 e que preservam a "pluralidade de significados da palavra sem quebrar a
unidadeisintática da frase ou conjunto de frases."13 Sendo assim, toda 12 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 119. 13 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984), p. 119. 57 imagem contém uma pluralidade de significados aparentementeiirreconciliáveis,
contrários ou díspares que, no entanto, a imagem abarca ou reconcilia sem suprimi-los. Toda imagem, seja
ela épica, lírica ouidramática, aproximaiirealidades opostas, distanciadas ou indiferentes entre si.
Aoiienunciar a identidade dos contrários, a imagem atenta contra os fundamentos de nosso pensar.
Portanto, a realidade poética da imagem não pode aspirar à verdade. O poema não dizio que é e sim o que
poderiaiser. Apesar dessa fraseiadversa, os poetas insistem em afirmar que a imagem revela o que é e não o
que poderia ser. Ou melhor: dizem que a imagemirecria o ser. Em seguida, Paz demonstra queipara
restaurar a dignidadeiifilosófica da imagem, alguns buscam o amparo da lógicaidialética. Muitas imagens
se ajustam às três etapas do processo, mas isso parece ser mais uma semelhança do que uma
verdadeiraiidentidade. Em outras tantas imagens nasiquais não há a transmutação qualitativa que a lógica
de Hegel exige, nem a redução quantitativaida ciência, a imagemiiconstitui um desafioiie umiiescândalo,
também viola as leisiido pensamento. A dialéticaiiprocura salvar os princípiosiilógicos ameaçados por sua
incapacidade de digerir o caráteriicontraditório da realidade cada vez mais visível. A contradição assinala
o caráter irreparavelmente absurdoiida realidade ou da linguagem. Ao deixar intacto o princípio de
contradição, a lógicaiidialética condena a imagem, que dispensa esse princípio. Em seguida, Paz fala sobre
osiiparadoxosiide BertrandiiRussel, das investigações de Husserl e do princípio de
contradiçãoicomplementar de Stéphane Lupasco, avaliandoiique eles buscaramiicompreender a imagem,
masiinão obtiveram sucesso. O poema não sóiproclama a coexistênciaidinâmica e necessária de seus
contrários comoisua identidadeiifinal. E essaireconciliação, que não implica em redução nem transmutação
da singularidade de cada termo, é umiimuro que até agora o pensamento ocidentalise recusou a
saltariouiperfurar. DesdeiiParmênides nossoimundo tem sido o da distinçãoinítida e incisiva entre o que é e
oique não é. O ser nãoié o não ser. Sobreiessa concepçãoide ideias 58 claras e distintas, foi
possíveliconstruir aihistória do Ocidente, que condenou a uma espécieide ilegalidade todas as tentativas de
apreender o ser poricaminhos que não fossem dessesiprincípiosiilógicos. Muitos foram osiifilósofos que
procuraram encontrar uma resposta que nãoiimobilizasseio ser, mas a história do Ocidente continua
sendoivista como a históriaide umierro, de um descaminho, de umaiperda: distanciamo-nos de nósimesmos
aoinos perdermos no mundo. O pensamentoioriental não sofre desse horror ao "outro", ao que é e não é ao
mesmo tempo. O mundo ocidental é o do "isto ou aquilo". A maioria das doutrinasiorientais reiteram que
aioposição entre isto e aquilo é, simultaneamente, relativa e necessária, mas que há um momento em que
cessa a inimizade entre os termos que antes nos pareciam excludentes. A identidade última entre o homem e
o mundo, a consciência e o ser, o ser e a existência, é a crença mais antiga do homem e a raiz da ciência e
da religião, magia e poesia. Todas as nossas iniciativas se orientam para descobrir o velho caminho, a via
esquecida da comunicação entre os dois mundos. Nossa busca tende a redescobrir ou a verificar a universal
correspondência dos contrários, reflexo de sua identidade original. Para a tradição oriental a verdade é
uma experiência e cada um deve tentá- la por sua conta e risco. Por se tratar de uma experiência pessoal, é
incomunicável. Cada um deve começar e refazer por si o processo da verdade. E ninguém, exceto aquele que
empreende a aventura, pode saber se chegou ou não à plenitude, à identidade com o ser. O conhecimento é
indizível. Todo conhecimento se reduziria então a saber que o conhecimento é impossível. Por isso, o pregar
sem palavras. A condenação das palavras origina-se da incapacidade da linguagem de transcender o
mundo dos opostos relativos e interdependentes, do isto em função do aquilo. Apesar da crítica à linguagem
os orientais não renunciaram à linguagem. Embora os orientais jamais tenham pensado na poesia como
linguagem capaz de transcender o sentido disto e daquilo e de dizer o indizível, não se pode separar seu
raciocínio das imagens, jogos de palavras e outras formas poéticas. Graças às imagens poéticas o
pensamento taoísta, hindu e budista resulta compreensível. 59 São inúmeras as recorrências a jogos de
palavras que, na verdade, são enigmas poéticos. Octavio Paz, então, propõe um retorno à linguagem para
vermos como a imagem pode dizer o que, por natureza, a linguagem parece ser incapaz de dizer. A
linguagem é significado: sentido disto e daquilo. Todos os sistemas de comunicação vivem no mundo das
referências e dos significados relativos. Em si mesmo, o idioma é uma infinita possibilidade de significados,
ao se converter em uma frase, essa possibilidade se fixa numa única direção. Na prosa todas as palavras
apontam para uma direção. A imagem é uma frase em que a pluralidade de significados não desaparece.
Qual pode ser o sentido da imagem, se vários e díspares significados lutam em seu interior? As imagens do
poeta têm sentido em vários níveis. Em primeiro lugar, possuem autenticidade: são a expressão genuína de
sua visão e experiência do mundo. Uma verdade de ordem psicológica, que nada tem a ver com o problema
que nos preocupa. Em segundo lugar, essas imagens constituem uma realidade objetiva, válida por si
mesma: são obras. Desse modo, o poeta faz algo mais que dizer a verdade, ele cria realidades que possuem
uma verdade: a de sua própria existência. O poeta afirma que suas imagens nos dizem algo sobre o mundo e
sobre nós mesmos e que esse algo, ainda que pareça um disparate, nos revela de fato o que somos. Essa
pretensão das imagens poéticas encerra algum sentido? Quando percebemos um objeto qualquer, ele se
apresenta a nós como uma pluralidade de qualidades, sensações e significados. Essa pluralidade se unifica
no momento da percepção através do sentido. As coisas possuem sentido. Mesmo no caso da mais simples,
casual e distraída percepção, verifica-se uma certa intencionalidade. Dessa forma, o sentido não só é o
fundamento da linguagem como também de toda apreensão da realidade. Nossa experiência da pluralidade
e da ambiguidade do real se redime no sentido. A imagem poética, à semelhança da percepção comum,
reproduz a pluralidade da realidade e, ao mesmo tempo, concede-lhe unidade. Até aqui o poeta não realiza
algo que não seja comum ao resto dos homens. O que então 60 diferencia a operação unificadora da
imagem das outras formas de expressão da realidade? É o que veremos em seguida. As nossas versões do
real não recriam aquilo que pretendem exprimir. Limitam-se a representá-lo ou descrevê-lo. No poema o
objeto que pretende-se exprimir é uma presença instantânea e total, que fere de um golpe nossa atenção. O
poeta não descreve o objeto: ele o coloca diante de nós. A imagem reproduz o momento de percepção e
força o leitor a suscitar dentro de si o objeto um dia percebido. O verso, a frase-ritmo, evoca, ressuscita,
desperta, recria. Revive nossa experiência do real. Essas ressurreições não são apenas de nossas
experiências cotidianas, mas as de nossa vida mais obscura e remota. O poema nos faz recordar o que
esquecemos: o que somos realmente. A instantânea reconciliação entre o nome e o objeto, entre a
representação e a realidade é produzida por obra da imagem. Portanto, o acordo entre o sujeito e o objeto
dá-se com certa plenitude. Esse acordo seria impossível se o poeta não utilizasse a linguagem e se essa
linguagem, por meio da imagem, não recuperasse sua riqueza original. Mas essa volta das palavras à sua
pluralidade de significados é apenas o primeiro ato da operação poética. Precisamos apreender o sentido
da imagem poética. Quando ficamos diante de uma frase obscura, nos perguntamos o que as palavras
querem dizer com isso ou aquilo. E para dizer "isso ou aquilo" recorremos a outras palavras. Toda frase
pode ser explicada por outra frase já que o sentido ou significado é um querer dizer. Um dizer que pode ser
dito de outro modo. Na imagem ocorre o contrário, o sentido da imagem é a própria imagem: não se pode
dizer com outras palavras. "A imagem explica-se a si mesma." 14 Nada, além dela, pode dizer o que ela
quer dizer. Imagem e sentido são a mesma coisa na imagem. Elas não nos levam a outra coisa, como
acontece com a prosa, as imagens nos colocam diante de uma realidade concreta. Diante de um fato sem
recorrer à demonstração e de um só golpe diante dos nossos olhos. "O poeta não quer dizer: diz." 15 A
imagem não é meio, como são as frases, ela é sentido. Nela se encerra e nela começa. O sentido do poema é
o próprio 14 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 133. 15 Octavio Paz, O
arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 134. 61 poema. As imagens são irredutíveis a
qualquer explicação e interpretação. Há muitas maneiras de dizer a mesma coisa em prosa, mas só existe
uma em poesia. Na imagem os vocábulos deixam de ser instrumentos e por isso são insubstituíveis pois a
linguagem já não é mais um utensílio. Quando a linguagem é tocada pela poesia, ela cessa imediatamente
de ser um conjunto de signos móveis e significantes. O poema transcende a linguagem. Afirmamos mais
acima que o poema é linguagem, mas é também alguma coisa a mais. Esse algo mais é inexplicável pela
linguagem, muito embora só possa ser alcançado por ela. O poema nasce da palavra e desemboca em algo
que a ultrapassa, a imagem. A experiência poética é irredutível à palavra e, não obstante, só a palavra a
exprime. Sendo assim, a imagem é um recurso desesperado contra o silêncio que nos invade cada vez que
tentamos exprimir a terrível experiência do que nos rodeia a nós mesmos. "O poema é linguagem em tensão:
em extremo de ser e em ser até o extremo." 16 Aquém da imagem, jaz o mundo do idioma, das explicações e
da história. Mais além, abrem-se as portas do real: significação e nãosignificação tornam-se termos
equivalentes. Tal é o sentido último da imagem: ela mesma. Em virtude de ser inexplicável, exceto por si
mesma, a maneira própria de comunicação da imagem não é a transmissão conceitual. A imagem não
explica: convida-nos a recriá-la e literalmente revivê-la. O dizer do poeta se encarna na comunhão poética.
A imagem transmuta o homem e converte-o por sua vez em imagem, em espaço em que os contrários se
fundem. E o próprio homem, desenraizado desde o nascer, reconcilia-se consigo quando se faz imagem,
quando se faz outro: A poesia coloca o homem fora de si e simultaneamente o faz regressar ao seu ser
original: volta-o para si. O homem é sua imagem: ele mesmo e aquele outro. Através da frase que é ritmo,
que é imagem, o homem - esse perpétuo chegar a ser - é. A poesia é entrar no ser.17 16 Octavio Paz, O arco
e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 135. 17 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1984), p. 138. 62 3.1.3. A Revelação Poética A experiência do dar-se conta de nossa
condição fundamental permite que nosso pensamento acesse a realidade sem recorrer aos parâmetros
transcendentes tradicionais. Uma experiência livre dos interesses cognitivos ou morais é capaz de nos
revelar a nossa condição na sua verdade. Por outro lado, por não ser submetida a um regime conceitual ou
racional essa experiência não nos garante a segurança da tradição. O assombro toma lugar da orientação
que outrora a tradição nos assegurava. A origem da poesia e da religião é indistinguível pois ambas nascem
desse assombro que é fonte da experiência da nossa otredad constitutiva. A palavra poética e a palavra
religiosa se confundem ao longo da história por conta dessa origem comum: o assombro. Essa experiência
assustadora constitui um domínio anterior à percepção, ou anterior às interpretações da percepção. Ao lado
da razão teórica e da razão prática se situa esse terceiro domínio de ideias e sentimentos anteriores à
experiência, ainda que só aconteçam nela e somente por ela possamos apreendê- los. Podemos dizer que o
sagrado faz parte desse terceiro domínio de apreensão da realidade por ele ser uma experiência que revela
o oculto e implica em uma ruptura do espaço ou do tempo: " a terra se abre, o tempo se parte; pela ferida
ou abertura vemos o outro lado do ser."18 Esse abrir do mundo em dois nos ensina que a criação se
sustenta num abismo. Diante do horror dessa vertigem, o homem procura sistematizar essa experiência em
conceitos e hierarquias e, assim, cria o dualismo com elementos racionais que será o fundamento da ética
religiosa. Contudo, o valor moral que nasce daí não tem qualquer relação com o caráter último do sagrado
que se dá em camadas mais profundas do ser. Das experiências do sagrado, surge um elemento que não é
imprudente chamar de sublime, no sentido kantiano da palavra. Na experiência poética e na amorosa
também entramos em contato com o sublime já que nelas há sempre um tremor, um mal-estar, um pasmo e
uma aflição que denunciam a presença do 18 Ibid., p. 168. 63 desconhecido e do incomensurável. Esses
também são traços do horror divino. Como, então, podemos diferenciar a disposição divinizadora, da
disposição de poetizar e da disposição de amar ? Nenhuma dessas experiências é pura, os mesmos
elementos aparecem nelas sem que se possa dizer qual é anterior aos outros. Então, a única saída é
procurar apreender o sagrado no seu momento de nascimento no homem. Octavio Paz nos remete então à
situação original e determinante do homem: ter nascido. Nascemos desenraizados, largados num mundo
desconhecido e, ao longo de nossa existência, repete-se a situação do recém-nascido. Cada minuto nos
lança no mundo e nos torna nus e desamparados, cercados por todos os lados pelo estranho e o
desconhecido. A religião, através do espaço aberto pela experiência do sagrado, ajuda o homem a se
aceitar tal como é: contingência e finitude. A religião restaura o valor da nossa existência e nos permite
superar o nada entrevisto por um instante. No entanto, num primeiro momento ela é revelação da nossa
condição original e, um segundo depois, ela é uma interpretação que tende a nos ocultar o sentido dessa
revelação. A religião é uma resposta a essa condenação de viver a mortalidade que todo homem é. Trata-se,
contudo, de "uma resposta que nos encobre aquilo que, em seu primeiro movimento, nos revela".19 Como a
religião, a poesia parte da situação humana original - o nos saber atirados nesse mundo hostil e indiferente
- e do fato que a torna precária: sua temporalidade e sua finitude. Mas, independente do seu conteúdo
expresso, a palavra poética afirma a vida dessa vida, pois o poetizar não constitui uma interpretação da
nossa condição, e sim, uma revelação da nossa condição. Não importa qual seja a significação concreta do
poema, o dizer do poeta é ritmo e temporalidade constante. E, sendo ritmo, é imagem que abraça os opostos
num só dizer. Como a vida que nos seus momentos de maior exaltação traz em si a imagem da morte, a
poesia é afirmação simultânea da morte e da vida. A experiência poética descobre nossa condição e nos
convida a realizar plenamente a reconciliação de todos aqueles opostos que o homem já traz em si ao ser
lançado no mundo. Ao descobrir os opostos que o constituem, o homem, com 19 Ibid., p. 176. 64 a ajuda da
poesia, os manifesta e os realiza e assim, ao ser ele mesmo, é outro. “Nesse instante somos vida e morte, isto
e aquilo”.20 Viver contém o morrer. Viver com saúde é viver também a morte. Quando os opostos cessam de
ser percebidos contraditoriamente costuma-se identificar esse estado com a ideia de vida eterna. Mas esse
estado não está além, ele está aqui; não está fora do tempo, ele é tempo. Esse instante se aproxima de um
vislumbre daquilo a que Nietzsche chamou de “a incomparável vivacidade da vida”.21 Nossa condição
original não é somente carência nem tampouco fartura, mas possibilidade. O poder da condição humana é
a possibilidade de ser. O ser não é algo dado, sobre o qual se apóia o nosso existir, mas é algo que é feito.
“O ser não pode se apoiar em nada porque o nada é seu fundamento”22. Não resta nada ao homem senão
ser. A nossa condição de desamparo e abandono é também a possibilidade da conquista de nosso próprio
ser. Somos lançados para nomear e criar o ser. Aceitando essa visão podemos compreender melhor nossa
condição e percebermos que o fato de sermos mortais não passa de uma das faces da nossa condição. A
outra face é sermos viventes. O nascer contém o morrer. O nascer, porém, pára de ser sinônimo de carência
e condenação assim que percebemos "que vida e morte são apenas dois movimentos, antagônicos mas
complementares, de uma mesma realidade." 23 A religião através de palavras interpreta o ato original.
Apoiando-se na poesia, as sagradas escrituras constroem o homem. Mas a religião procura superar a vida e
a morte interpretando, canalizando e sistematizando a experiência da otredad e transformando-a em
teologia. Já a poesia assume a verdadeira condição humana, que não é da separação entre vida e morte,
mas uma totalidade: vida e morte num só instante de incandescência. Através da revelação da condição
paradoxal do homem, a poesia abre a possibilidade de ser que todo nascer contém e assim recria o homem
pela 20 Ibid., p. 189. 21 Friedrich Nietzsche, Humano, Demasiado Humano II (São Paulo: Cia das Letras,
2008), p.157. 22 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 187. 23 Octavio
Paz, O labirinto da solidão (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984), p. 177. 65 imagem, levando ele a realizar
aquilo que ele é. “O ato pelo qual o homem se funda e se revela a si mesmo é a poesia”.24 Ao tratar da
questão da inspiração, Octavio Paz nos remete a uma questão levantada por FriedrichiiSchiller em seu
ensaio Sobreiipoesiaiiingênua e sentimental, de 1795. A partir da divisão que Schiller faz dosipoetas
emidois grupos: os ingênuosiieiiosiisentimentais, Paz busca uma saída paraiiprocurar entender
aiiespinhosaiiquestão da inspiração. Os ingênuos estãoiiirmanados com a natureza - calma, cruelieisábia.
Escrevem poesiaiespontaneamente, quase sem pensar, não se dando ao trabalho deiconsiderar
consequênciasiintelectuais ou éticas de suas palavras e não se importando com o que os outros possam
dizer. Para eles a poesiaiiéiicomo uma impressão queiia natureza produz neles organicamente e que nunca
mais os deixa. A poesia ocorre naturalmente ao poeta ingênuo, brotandoiino universo natural do qual ele
faz parte. A crença de que um poema não é algo pensado e deliberadamenteiielaborado pelo poeta,
composto em determinadaiimétrica e moldadoiiatravés da revisãoiiconstante eiiautocrítica, mas algo que
deve ser escrito irrefletidamente e que até pode ser ditadoipela natureza, por Deus ou algum outro tipo de
poder. Além disso, e acreditamos que seja a grande questão, o poetaiingênuo não tem dúvida de queiseus
enunciados, suas palavras, seus versosiivãoiiretratar a paisagem geral, vão representá-la, vão descrever e
revelar, adequada e minuciosamente, o sentido do mundo, pois esse sentido não estáidistante
nemiescondidoidele. Emicontraposição, o poeta sentimental (reflexivo), se inquietaibasicamente por
umairazão: ele não sabe aoicerto se suasipalavras vãoiabarcariairealidade, se vão alcança-la, se
seusiienunciados vãoiitransmitir o sentidoiialmejado por ele. Assim, está extremamenteiiconsciente
doiipoema queiiescreve, dosiimétodos e técnicas que utiliza e do artifícioienvolvidoinoiempreendimento. O
poetaiingênuo não vê muita diferença entreisua percepção do mundo e o mundo em si. Já o poeta
sentimentaliquestionaitudo queipercebe, até mesmoios própriosisentidos. Num e noutro caso manifesta-se o
que com risco de inexatidão, se chamará provisoriamente de “irrupção de uma vontade alheia”. Mas é
evidente que damos 24 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 189. 66 esse
nome a algo que pouco tem relação com o fenômeno chamado vontade. Algo, talvez, mais antigo que a
vontade e no qual esta se apóia. Realmente, no sentido comum da palavra, a vontade é aquela faculdade que
traça planos e submete nossa atividade a certas normas com o objetivo de realizá-los. A vontade que aqui
nos preocupa não implica reflexão, cálculo ou previsão; é anterior a toda operação intelectual e se
manifesta no momento mesmo da criação. Qual o verdadeiro nome dessa vontade? Ela é realmente nossa?
25 3.1.4. Poesia e História Para se realizar como poema a poesia precisa se apoiar em algo alheio a si
mesma, sem o qual não poderia se encarnar. Para Octavio Paz, o poema não teria sentido e nem existência
sem a história e sem a comunidade que o alimenta e à qual alimenta. As palavras do poeta pertencem a um
povo e a um momento de um povo. Por outro lado são anteriores a toda data. A palavra poética é, dessa
forma, histórica em dois sentidos contraditórios inseparáveis e complementares: ela é um produto social,
assim como uma condição prévia à existência de toda sociedade. A linguagem que alimenta o poema surge
de circunstancias, palavras e homens que constituem uma história de um grupo social. Ao mesmo tempo,
essa sociedade parte de um princípio, de uma palavra que a funda e que lhe outorga sentido. Princípio este
que não é histórico nem é algo que pertença ao passado, mas sim algo que está sempre presente e disposto a
se encarnar. É uma categoria temporal que flutua sobre o tempo sempre com avidez de presente. Como toda
criação humana, o poema é um produto histórico, filho de um tempo e de um lugar, mas também é algo que
transcende o histórico e se situa num tempo anterior a toda história, no princípio do princípio. Esse duplo
movimento constitui a maneira própria e paradoxal de ser da poesia. Polêmico modo de ser. Afirma aquilo
mesmo que nega: o tempo e a sucessão. Os poemas, através de suas imagens e ritmos, revelam algo que não
se refere mais ao que as palavras dizem e sim a algo anterior e em que se apóiam 25 Octavio Paz, O arco e
a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 194. 67 todas as palavras do poema: a condição última do
homem, esse movimento que o lança sem parar para diante, num renascer e morrer contínuos. Mas as
palavras concretas são necessárias para que exista a possibilidade da comunhão poética. Para que as
palavras falem dessa "outra coisa" é preciso que falem disto e daquilo também. A discórdia latente em todo
poema é uma condição de sua natureza. Para Octavio Paz, o poema é unidade e só consegue se constituir
pela plena fusão dos contrários. O poema está vivo pois está em luta consigo mesmo e procede daí o que se
chamou de periculosidade da poesia. O poeta geralmente é um ser à parte que sempre diz outra coisa,
inclusive quando diz as mesmas coisas que o resto dos homens de sua comunidade. A desconfiança da Igreja
e dos Estados não nasce apenas do natural imperialismo desses poderes: a própria índole do dizer poético
provoca receio. A natureza do homem não é diferente da condição dual da palavra poética. Ser temporal e
relativo mas sempre lançado ao absoluto. Em cada instante ele quer se realizar como totalidade e cada uma
de suas horas transformar em eternidade momentânea. Para escapar de sua condição temporal não tem
outro remédio a não ser fundir-se mais plenamente no tempo. O caráter pessoal da lírica parece se ajustar
mais às ideias que temos falado do que a épica ou a dramática. A forma épica - e em menor grau a
dramática - não contém a possibilidade de dizer coisas diferentes das que dizem expressamente. A liberdade
interior que, ao se desprender, permite a revelação da condição paradoxal humana não se dá nelas.
Portanto, não se estabelece o conflito entre poesia e história que descrevemos acima e que parecia ser a
essência do poema. Neste momento, cabe ressaltar as relações entre poesia lírica, épica e dramática. A
épica e a dramática são mais objetivas que a lírica e tem por objeto a coletividade ou o herói que a
encarna. A lírica é mais subjetiva e tem por objeto o homem individual e, dessa forma, é capaz de revelar a
condição humana. A épica é a expressão de um povo como consciência coletiva. Na tragédia é mostrado, de
forma crua e objetiva, o conflito entre os homens e seu destino. Cada uma, a seu 68 modo, revela algo da
relação do ser humano consigo mesmo e com sua comunidade. 3.1.5. Os Signos em Rotação O ensaio Os
signos em rotação foi publicado, primeiramente em 1965, na Revista Sur em separado. Mais tarde, o texto
foi adicionado, como apêndice, à segunda edição de O arco e a lira, revisada em 1967, período que coincide
com a permanência de Octavio Paz na Índia. Considerado pela literatura especializada como um dos mais
importantes ensaios do pensamento intelectual latino-americano, Os signos em rotação pode ser visto não
só como um importante somatório do trabalho do poeta sobre poesia, mas também como um trabalho que
reúne muitas questões que preocuparam o pensador nos anos 1960 e nos anos 1970. Os signos em rotação
repete e reformula muitos elementos já encontrados em O arco e a lira. Não só repete muitas das afirmações
do livro como também acrescenta uma nova metáfora para a própria obra. Mais uma vez, Paz evita a
definição tradicional de poesia quando afirma que um poema não é um texto que utiliza a linguagem de uma
maneira específica, talvez como uma resposta a Roman Jakobson, assim como não é um texto que afeta ou
tem peso afetivo particular para com os leitores. Mais precisamente, Paz diz que um poema é um tipo de
pensamento na linguagem, o poema é uma forma especial de pensar sobre a linguagem. Os signos em
rotação é, de certa forma, uma espécie de manifesto sobre a poesia (embora Paz tenha sempre recusado
claramente o termo "manifesto") mas também é uma demonstração do que a poesia é, que pode ser vista
especialmente nos momentos em que Paz leva em conta seus próprios momentos de aporia, impasse, dúvida,
incerteza. A sua própria falta de explicação para as coisas que ele quer explicar. Nesses momentos, quando
o papel do poeta supera o do controlado ensaísta, Paz entra em um sublime estado de meditação da poesia
que revela sem explicar (para usar termos que ele usa em todo O arco e a lira). Para Paz, mais uma vez, um
poema é um tipo de escritura do mundo, mas essa 69 escritura não é necessariamente restringida pela
página ou o próprio papel. Na verdade, Paz nos diz que há algo a mais, além da página. Algo que utiliza o
papel apenas como um veículo com o objetivo de tentar traduzir e comunicar o mundo. Uma tentativa que se
sabe incapaz de traduzir e comunicar o mundo de forma absoluta, mas que age com todo o
comprometimento daquele que acredita ser essa empreitada possível. Nesses momentos sublimes, Paz
alterna digressões e explicações com imagens. O primeiro exemplo pode ser visto logo no início do ensaio,
onde Paz nos coloca num estado desconcertante por meio de duas frases marcantes: "A história da poesia
moderna é a história de um descomedimento. Todos os seus grandes protagonistas, após traçar um signo
breve e enigmático, estilhaçaram-se contra o rochedo."26 Ele então passa a explicar que toda a poesia
moderna tentou reconciliar a palavra ao ato, a poesia à vida; por isso, a imensa sensação de derrota
constitutiva da poesia moderna. O tempo todo a poesia moderna cria e postula uma nova questão e a
história sempre responde essas questões com uma diferente resposta, com uma outra resposta. Esse modelo
é como uma espécie de "brincadeira de telefone sem fio" com chamadas e respostas dissonantes que Paz vê
como sendo constitutivo do problema da poesia da Idade moderna. Na impossibilidade de encontrar a
resposta para essa pergunta que sempre é feita, Paz não se permite ficar calado e procura resolver esse
impasse na procura de um ponto de interseção. E esse ponto vem por meio de uma imagem. Como diz Paz:
"Procuro na realidade esse ponto de inserção da poesia que é também um ponto de interseção, centro fixo e
vibrante onde se anulam e renascem sem trégua as contradições. Coração-manancial."27 Arriscando algo
que é mais que uma opinião e menos que uma certeza, Paz ainda vê a imagem como algo que se manifesta
numa crença, em um ato de fé. Através desse ato de fé na imagem poética, Paz é, por vezes, ambivalente -
isso por conta do fato de que seu ensaio busca, de uma só vez, sepultar e, ao mesmo tempo, lamentar e
celebrar o projeto moderno. Assim como um crente que renuncia a sua fé, mas, apesar disso, não consegue
ver a si mesmo totalmente fora daqueles antigos parâmetros. Por exemplo, existem momentos no ensaio em
que o discurso é interrompido para dar lugar a uma imagem que funciona como 26 Octavio Paz, O arco e a
lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 309. 27 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984), p. 309-310. 70 um ícone. Ao descrever sua nova visão do poema como uma configuração
de signos que se movem sobre um espaço vivo, animado, o ensaio de Octavio Paz assume um aspecto que
resgata aqueles mesmos fragmentos, pedras e pedaços do demolido projeto da modernidade. É nesse
momento que Paz esclarece o que é essa superfície animada e nega que a página seja apenas a metáfora de
uma natureza onde as palavras são escritas. Ao contrário, Paz deixa o termo de lado e explica com poesia o
verdadeiro ponto de contato em um poema em prosa. Nas palavras de Paz: Ao imaginar o poema como uma
configuração de signos sobre um espaço animado não penso na página do livro: penso nas Ilhas dos Açores
vistas como um arquipélago de chamas numa noite de 1938, nas tendas negras dos nômades e nos vales do
Afeganistão, nos cogumelos dos pára-quedas suspensos sobre uma cidade adormecida, na pequena cratera
de formigas vermelhas em algum pátio citadino, na lua que se multiplica e se anula e desaparece e
reaparece sobre o seio gotejante da Índia após as monções. Constelações: ideogramas. Penso em uma
música nunca ouvida, música para os olhos, uma música nunca vista. Penso em Um lance de dados [Un
coup de dés]. 28 Na década de 60, a presença mais importante nos trabalhos de Octavio Paz é a do poeta
Mallarmé. No entanto, nesse ensaio, Paz apresenta Mallarmé como se ele compartilhasse um desejo utópico
que ele percebe em toda a poesia moderna. Um poema, diz Paz, não é uma configuração de signos sobre um
espaço animado que não é necessariamente a página do livro; o livro e a página em si são um espaço inerte
que se torna animado por meio da escrita. O espaço animado de que Paz fala é uma outra compreensão de
superfície - espaço próprio, onde as palavras são verdadeiramente escritas.. A poesia moderna quer negar o
espaço em que as palavras ganham movimento; pretende-se, de outra forma, dar movimento ao próprio
espaço. Devido à natureza extraordinária dessa proeza utópica, os poetas modernos, diz Paz, condenaram-
se a criar gloriosos fracassos. Pelo fato de a poesia moderna desejar que a humanidade se encarne na
palavra, reconciliando palavra com ato, sujeito com objeto, vida com representação, ela realiza uma
operação crítica sobre a realidade. Como tal, o poema moderno funciona por meio de uma atividade
negativa: ele só pode ser um texto, negando-se como poema, e ele funda essa mesma negação como o ponto
fundamental da origem da sua 28 Octavio Paz, O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p.
330. 71 própria poesia. Quanto mais absoluto é o senso de negação, maior é o espaço aberto. Essa negação
pode ser vista nos mais absolutos termos na obra de Mallarmé. Os signos em rotação pode ser visto como
parte de uma intensa reflexão das obras dos poetas que Paz vai ler durante a década de 1960,
principalmente: Mallarmé, Baudelaire e Rimbaud. Embora em O arco e a lira (assim como em Os filhos do
barro) Paz dedique um espaço considerável para as obras dos romantismo alemão e inglês, como Coleridge
ou Novalis, é evidente que, para Paz, as figuras centrais da tradição da poesia moderna são Baudelaire e
Mallarmé. "O nosso legado não é a palavra de Mallarmé", diz ele em Os signos em rotação, e sim "o espaço
que a sua palavra abre."29 O poema de Mallarmé será a obra central no templo consagrado aos
modernistas, inclusive, pode-se entender Blanco como um experimento de Octavio Paz que remete a
Mallarmé. Para Paz, Un coup de dés é uma das empresas mais ambiciosas da modernidade, um poema que
já contém o seu próprio ato de leitura, uma das obras fundamentais na qual Mallarmé tenta encarnar o
verbo na página. É praticamente impossível dar muita ênfase ao que Mallarmé significa para Paz. O poema
de Mallarmé, assim como seu projeto não realizado de um livro universal, A Grande Obra - que tudo
abarcaria -, representa para Paz algo análogo ao completo e total desaparecimento do autor em benefício
de um princípio impessoal que não é outra coisa senão a linguagem falando dela própria e sobre ela
própria. Em Os filhos do barro fica claro que o que fascina Paz é a suprema impessoalidade no gesto de
Mallarmé. Se o universo é resolvido em um Livro que é na verdade uma imagem do não-ser, a analogia é em
si anulada por causa do fato de que ela não-é, muito menos é uma imagem dela própria. O poeta se torna
pura transparência, o autor se sacrifica em prol do discurso. Os comentários de Paz são, na verdade, sinais
dispostos obliquamente em torno do poema de Mallarmé, como o texto de Mallarmé que é completamente
irredutível a si próprio: e não significa nada além do seu próprio ato de vir-a-ser, e 29 Octavio Paz, O arco
e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984), p. 337. 72 assim as suas palavras são verdadeiramente
dotadas de ser. Precisamente porque poemas modernos são autocríticos, a rigor, não dizem nada, seu
propósito é tornar as coisas transparentes. Se Mallarmé se destaca no limiar de um lado de Os signos em
rotação, Baudelaire está do outro lado. Como um poeta que é capaz de unir poesia e poética, Baudelaire é
um importante precursor para Paz. A sua influência é mencionada repetidamente por Paz, com destaque, em
particular em todos os textos escritos desde 1960. Baudelaire é considerado por Paz como aquele que
percebe e indica a experiência poética, talvez pela sua leitura heiddegeriana, como a habilidade que os
poetas possuem de submergir na linguagem possibilitando estar em contato, de certa forma, com a verdade
mais íntima escondida em suas obras. Esse mergulho se assemelha a um momento de crise que é também um
momento de internalização do artista. Aquilo que o poeta retira do seu momento de crise, de assombro, de
perplexidade é uma espécie de mito, que na verdade, também é uma imagem da verdade universal. Em Os
signos em rotação Paz considera as relações entre poesia e sociedade, entre o ser poético e o ser-em-
sociedade. Sua primeira resposta a este problema segue os termos já citados em O arco e a lira: não há
poesia sem sociedade, mas o modo de ser social da poesia é contraditório. Mas estes termos são também
invertidos: a sociedade nunca pode realizar-se verdadeiramente sem poesia, e não há sociedade sem a
poesia. Para Paz, nenhuma sociedade pode sobreviver sem a reivindicação de alguma coisa que seja a sua
versão do absoluto. Se Mallarmé transforma a poesia em um objeto, e Baudelaire em um trabalho de crítica,
Rimbaud - a terceira figura neste panteão - condena não só a poesia, mas também a sociedade moderna, e
escolhe a ação como superior às palavras. Em termos históricos, Rimbaud inaugura o reino da poesia como
negação. Para este autor, não haverá mais divisão entre as palavras e a sociedade, entre gestos e atos, mas
o silenciamento, negação da palavra em prol da ação. Mas o gesto de Rimbaud, para Paz, é o gesto daquele
que acredita em um grau tão extraordinário na força das suas negações, que sua crença somente é capaz de
chegar a uma decisão: a de nunca mais escrever poesia.

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O arco e a lira - Octavio Paz [Resumo]


A poesia é conhecimento, salvação, poder , abandono. Operação capaz de transformar o mundo, é
um método de libertação interior. Definir poesia é difícil, incontestável, não tem uma receita pronta.
Nega a história: em seu seio se resolvem todos os conflitos objetivos e o homem adquire a
consciência de ser algo mais que passagem. Emoção, experiência, pensamento não dirigido, Cópia
do real, cópia de uma cópia. A poesia imita o homem, as pessoas.
O poema é uma característica onde ressoa a música do mundo, com métricas e rimas que são apenas
correspondências, ecos, da harmonia universal, voz do povo, coletiva e pessoal. O poema é uma
máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana.
Perguntando ao poema pelo ser da poesia, não confundimos poesia e poema? Já Aristóteles dizia
que “nada há de comum”, exceto a métrica, entre Homero e Empédocles; e por isso com justiça se
chama o primeiro de poeta e filósofo o segundo. Nem todo poema, ou, nem toda obra construída
sob as leis da métrica contém poesia. No entanto, essas obras métricas são verdadeiros artefatos
artísticos, didáticos, retóricos? Um soneto não é um poema, mas uma forma literária, exceto quando
esse mecanismo retórico – estrofes, metros, rimas for tocado pela poesia. Há máquinas de rimar,
não de poetizar. Por outro lado, há poesia sem poemas; paisagens, pessoas e fatos podem ser
poéticos: são poesias sem ser poemas. Quando a poesia acontece ao acaso estamos diante do
poético. O poeta é o fio condutor e transformador da corrente poética, estamos na presença de algo
distinto: uma obra. O poema é uma obra. A poesia se polariza se congrega e se isola num produto
humano: um quadro. O poético é poesia em estado amorfo que tira todas as palavras do estado
cotidiano e é organizada de maneira inesperada, em produto eficaz, a forma; o poema é a criação,
poesia que se ergue. Só no poema a poesia se recolhe e se revela plenamente. O poema não é uma
forma literária, mas o lugar de encontro entre a poesia e o homem.
A retórica, estilística, a sociologia, a psicologia e o resto das disciplinas literárias são
imprescindíveis se queremos estudar uma obra, porém nada pode dizer acerca da sua natureza
íntima. Todos os saberes ajudam muito, mas não chegamos a raiz. Além das nomenclaturas é
preciso algo pessoal, algo que o leitor pensa. E para alcançar a raiz é preciso tocar no leitor
intimamente e ter sensibilidade.
A história e a biografia podem dar a tonalidade de um período ou de uma vida, esboçar as fronteiras
de uma obra e descrever, do exterior, a configuração de um estilo; também são capazes de
esclarecer o sentido geral e até desentranhar o porquê e como do poema. Os bons escritores
escondem o que quer dizer (DITADURA 64), no qual trabalha a linguagem dessa maneira ex:
Cálice (Liberdade). A única característica comum a todos os poemas consiste em serem obras
produtos humanos (os personagens são diferentes) e cada obra tem sua vida própria, não depende
mais do seu escritor.
Os poemas são obras de um feito muito estranho: não há entre um e outro a relação de parentesco
que verifica os instrumentos de trabalho. Técnica e criação, utensílio e poema são realidades
distintas. A técnica, é um procedimento e vale na medida da sua eficácia, ou seja, na sua aplicação
repetida: seu valor dura até que surja um novo processo. Cada poema é um objeto único, criado por
uma “técnica” que morre no instante mesmo da criação. A “técnica poética” não é transmissível
porque não é feita de receitas, mas de invenções que só servem para seu criador. As obras artísticas
não são somente produto da técnica, embora em alguns aspectos seja inserida; A ilíada não substitui
a Odisseia, entre outros.
O poeta se alimenta de estilos. Sem eles não haveria poemas. Os estilos nascem, crescem e morrem.
Os poemas permanecem, e cada um deles constitui uma unidade autossuficiente, um exemplar
isolado, que não se repetirá jamais.
O poema, organismo anfíbio (sai do mundo e se transforma em algo diferente, que é a obra
literária), parte da palavra ser significante. (muda de lugar territorial para outros países que podem
ter culturas diferentes). Ex: os astecas.

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Para Octavio Paz a poesia é a forma natural de convivência entre os homens. Sua crítica é um
diálogo aberto com o mundo, sendo seu desejo "a busca de identidade da natureza humana na
multiplicidade de signos". Segundo o poeta Sebastião Uchoa Leite, "a crítica de Octavio Paz é de
ordem antropológica e poética. Paz é poeta e crítico das civilizações, acreditando, ao contrário de
que as civilizações são mortais, na frase de Valéry, que mesmo as aparentemente mortas estão vivas:
os seus signos circulam nessa ars combinatória do universo histórico. Como tudo é linguagem, tudo
significa". (comentário na orelha do livro O Arco e a Lira com tradução e comentários de Olga
Savary. - Editora Nova Fronteira, 1982)

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O arco e a lira [excertos]

A atividade poética é revolucionária por natureza. (Pg. 15)


Poema: súplica ao vazio, diálogo com a ausência. (Pg. 15)
Epifania: aparição, manifestação; forma de mostrar um conceito.
Litania: enumeração enfadonha; ladainha.
Ascético: que ou quem se entrega a práticas espirituais; vida contemplativa.
A poesia é “falada”, “pintada”, “escrita”. (Pg. 16)
A poesia é uma “máscara que oculta o vazio”. (Pg. 16)
“A unidade da poesia só pode ser apreendida através do trato desnudo com o poema.” (Pg. 16)
Um soneto só é poema se for tocado pela poesia. (Pg. 16)
O poético se dá quando “a poesia acontece como uma condensação do acaso”, alheia “à vontrade
criadora do poeta”. (Pg. 16)
“O poeta é o fio condutor e transformador da corrente poética.” (Pg. 16)
Um poema é uma obra. (Pg. 17)
Poesia: “quadro, canção, tragédia”. (Pg. 17)
“O poético é poesia em estado amorfo; o poema é criação, poesia que se ergue.” (Pg. 17)
O poema não é “uma forma capaz de se encher com qualquer conteúdo”, mas sim o “lugar de
encontro entre a poesia e o homem”. (Pg. 17)
No poema, “forma e substância são a mesma coisa”. (Pg. 17)
Sendo plural, o poema é irredutível. (Pg. 17)
Paz chama a atenção para o fato de que nem uma dada época, nem uma região, e nem mesmo um
autor contempla uma 'unidade' estilística poética, pois “a poesia não é a soma de todos os poemas”,
dado que “cada criação poética é uma unidade autossuficiente. A parte é o todo”. (Pg. 18)
O que há de comum em todos os poemas, obras de “feitio muito estranho”, é o fato de serem
“produtos humanos”, como o são um quadro e uma cadeira. (Pg. 19)
Sobre técnica:
Técnica é procedimento cujo valor dura “até que surja um novo processo”. (Pg. 20)
"O fuzil substitui o arco. A Eneida não substitui a Odisseia." (Pg. 20)
A técnica utilizada em cada poema morre no instante da sua criação. (Pg. 20)
A 'técnica poética' é feita de "invenções que só servem para seu criador." (Pg. 20)
O estilo nunca é do poeta, e sim de seu tempo. (Pg. 21)
"Os estilos nascem, crescem e morrem. Os poemas permanecem." (Pg. 21)
"A diversidade das artes não impede sua unidade. Ao contrário, destaca-a." (Pg. 22)
Os morcegos 'enxergam' através de um complexo sistema de sons ultrassônicos (um meio não
visual), o que não os impede de realizar as tarefas necessárias à sua subsistência. Podemos dizer que
a sua 'visão' se utiliza de outros elementos naturais que os permitem perceber o meio à sua volta e
interagir com o mundo.
A espécie humana, antes de desenvolver um sistema de comunicação verbal, se utilizou de cores,
sons e sinais para se comunicar e realizar tarefas como se alimentar ou mesmo alertar seu grupo da
presença de predadores.
Daí, podemos inferir que também os sons e as cores, como elementos de comunicação não verbal,
com seus sentidos e significados (que partem da não-significação), caracterizam um tipo de
linguagem que possibilitou algum nível de comunicação e interação entre a espécie. Já o poema,
parte da palavra (ser significante). (Pg. 22)
Entre os astecas, “nascia-se sob o signo de uma cor, como os cristãos nascem sob a proteção de um
santo padroeiro”. (Pg. 23)
“Tocados pela mão do homem”, cores e sons “mudam de natureza e penetram no mundo das obras”,
no “mundo do homem”, no “mundo dos sentidos.” (Pg. 23)
Para Paz, música é linguagem, por ser sistema expressivo dotado de “poder significativo e
comunicativo”. (Pg. 23)
Diferentes manifestações artísticas possuem um elemento criador primordial que as coloca numa
dimensão comum. (Pg. 24)
A poesia é o único elemento distintivo que pode mostrar "a diferença entre criação e estilo, obra de
arte e utensílio." (Pg. 25)
Uma escada e uma estátua, ambas constituídas da mesma matéria prima, se separam pelo seu valor
intrínseco. Uma possui função, a outra, não. O mundo das obras é o mundo das significações. (Pg.
25)
No discurso, a contradição interna da palavra, ao mesmo tempo univocidade e pluralidade de
sentidos. (Pg. 25)
Na prosa, uma identidade de sentido da palavra. Na poesia, a ambiguidade do vocábulo
(originalidade primitiva). (Pg. 25) “O poeta põe em liberdade sua matéria. O prosador, aprisiona-a.”
“(…) A pedra triunfa na escultura, humilha-se na escada.” (Pg. 26)
A obra de arte reverte sua matéria constitutiva ao seu estado original, negando-se ao mundo da
utilidade. Transforma-se em imagens, converte-se em “forma peculiar de comunicação.” (Pg. 27)
E Paz conclui que “a pluralidade de poemas não nega, antes afirma, a unidade da poesia.” (Pg. 28)

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