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FICHAMENTO

SEMIÓTICA DA CULTURA E SEMIOSFERA


IRENE MACHADO

p. IV - Podia-se, por exemplo, deixar de lado a cibernética ao planejar as viagens ao


espaço cósmico?
DOUTOR JIVAGO
Na concepção vigente (na Escola de Tartu-Moscou), a linguagem verbal seria o
elemento primário e todos os demais sistemas de signos se baseariam nela.
Toda a obra de Lótman está profundamente marcada pela sua preocupação com a
história.
p. 15 - Todo conceito tem uma história.

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Semiosfera: Exploração conceitual nos estudos semióticos da cultura

p. 27 – para se entender a linguagem verbal, deve-se primeiramente compreendê-la em


sua estrutura. (...) é necessário percebê-la como um todo complexo, um corpo-sistema
de elementos relacionados entre si.
p.28 – Aliás, é justamente a ausência de uma ordem precisa interna, o incompleto da
organização, o que assegura à cultura humana uma performance interna e um
dinamismo, desconhecidos de sistemas mais harmônicos (Lótman, Uspenskii, Ivanov,
1981:40)
p.28 – (...) a localização da linguagem verbal no centro não pode ser interpretada como
se esta fosse dotada de uma posição hierarquicamente superior em relação às outras,
determinando e impondo o seu modo de estruturação às organizações dos outros
sistemas de signos.
p.28/29 – A imprecisão e a incompletude que habitam as periferias desse todo
concêntrico são inerentes aos sistemas não-linguísticos. Por conseguinte, comportam o
desconhecido, o (pág.29) inusitado e, sobretudo, a criação.
p. 29 – (...) todos os sistemas semióticos da cultura são sistemas modelizantes de
segundo grau porque mantêm correlações com a língua, constituem linguagem, mas não
são dotados de propriedades linguísticas do sistema verbal.
p.29 – (...) a palavra “modelização” deve ser aqui entendida como um “programa para
análise e constituição de arranjos” e não simples “reprodução de um modelo”, uma vez
que a ideia de um “programa” permite a existência de configurações sígnicas
particulares, específicas e ainda comunicantes, como que postas em continuidade em
uma cadeia de linguagens.
p.30 – Todos os sistemas semióticos da cultura são, a priori, modelizantes e
modelizáveis, “prestam-se ao conhecimento e explicação do mundo.” (...) se a cultura
pode ser pensada como um organismo vivo – como diz Lótman –, ela é um universo
aberto e extremamente favorável à criação dos mais variados e inusitados sistemas de
signos. Todos postos em intensa co-relação. Uma co-relação que mais tarde irá vincular,
inclusive, natureza e cultura, a partir de um continuum semiótico, concebido por Iuri
Lótman como semiosfera.
p. 31 – (...) para a semiótica da cultura, o conceito de texto pressupõe que haja, no
mínimo, dois tipos de codificação, já que ele é um espaço de relação por excelência.
Existe uma codificação definidora do sistema semiótico (o código cinético da dança, por
exemplo); existe uma codificação da esfera da cultura que modeliza o sistema como um
texto.
p. 31 – O texto possui um mecanismo dinâmico na cultura. Ele mantém uma relação
direta com a linguagem que o precede e também é um gerador de linguagens, pois o
texto é um espaço semiótico em que há interação, onde as linguagens interferem-se e
auto-organizam-se em processos de modelização.
p. 31 – Lótman concebeu o texto como sendo constituído por inúmeros subtextos e em
permanente diálogo com vários outros. Aliás, a multi-vocalidade, como traço essencial
do texto, é talvez o aspecto que mais caracteriza o enfoque da semiótica da cultura e que
a diferencia das demais disciplinas. (...) Tal diferenciação de abordagens pode ser
percebida nas considerações de Lótman (1998b) faz sobre as três funções do texto. A
saber: 1) função comunicativa, 2) função geradora de sentidos, 3) função mnemônica.
p. 31 – A primeira função está vinculada à natureza comunicativa do texto (...) De
acordo com esse enfoque, o texto é homo-estrutural e homogêneo, apresentando-se
como a manifestação de uma única linguagem. (...) o trabalho da linguagem estaria na
transmissão da mensagem que o emissor dirige ao receptor. Qualquer (pág. 32)
interferência na mensagem ou no texto é considerada um ruído, uma desfiguração, um
resultado de um mau trabalho do sistema.
p.32 – Além da função comunicativa, o texto cumpre a função de geração de sentidos.
Nesse caso ele é heterogêneo e hetero-estrutural, constituído como a manifestação de
várias linguagens. A não homogeneidade do texto produz o jogo do mesmo com os
códigos que o decifram, e sobre ele exercem uma influência deformadora. Ocorre,
assim, a produção de uma mudança de sentido e o crescimento do texto, como resultado
no processo de avanço deste por parte do destinador ao destinatário. Aqui, a mudança
ou o ruído se converte na possibilidade de renovação.
p. 32 – Dessa maneira, o ruído, (...) vai se tornar responsável pela gestação de novos
sentidos.
p. 32 – A terceira função do texto está ligada à memória da cultura. (...) Nesse sentido,
verifica-se no texto uma tendência à simbolização e a sua conversão em símbolos
integrais e autônomos de seu contexto cultural. Assim, nas palavras do autor, “o
símbolo separado atua como um texto separado que se transposta livremente no campo
cronológico da cultura e que cada vez mais se correlaciona de uma maneira complexa
com os cortes sincrônicos desta” (Lótman, 1998 : 89).
p. 32 – As três funções do texto foram dimensionadas tendo em vista o mecanismo
semiótico próprio da cultura que é a transformação da informação em texto. (...) Os
textos são aqueles que se apresentam, já na formulação do semioticista Goran Sonesson
(1998), como passíveis de interpretação, em oposição ao que não pode ser interpretado.
E que, imersos em uma concepção sistêmica, “podem ser interpretados porque estão
dentro da cultura, [enquanto que] os ‘não-textos’ não podem ser interpretados porque se
encontram excluídos da cultura” (Sonesson, 1998 : 101).
p. 33 – (...) A oposição “cultura” vs. “não-cultura”, considera tão-somente potência uma
vez que a informação considerada não-cultura pode se tornar cultura ao ser modelizada.
(...) A cultura é entendida, assim, como um grande texto que engloba processos de
transformações de natureza diversificada.
p. 33 – Lótman (1998a) discorre sobre o assunto ao dizer que o texto, enquanto gerador
de sentidos, necessita de interlocução para atuar como dispositivo pensante. A
introdução de um texto em outro acarreta, assim, uma nova disposição do primeiro
texto, chamado pelo autor de “texto-mãe”. O texto externo, no seu devir de
internalização, também se transforma, e cria uma nova mensagem, uma nova
configuração semiótica. Por outro lado, há certa imprevisibilidade na transformação a
que é submetido o texto-mãe, dada a complexidade e a multiplicidade de níveis dos
componentes participantes na interação textual.
p. 33 – (...) E assim, nas palavra de Lótman, as poderosas irrupções textuais externas na
cultura, considerada como um grande texto, não só conduzem à adaptação das
mensagens externas e a introdução destes na memória da cultura, mas também servem
de estímulo ao auto-desenvolvimento da cultura que dá resultados imprevisíveis
(Lótman, 1998: 124).
p. 33 – (...) se o que interessa à semiótica da cultura é examinar os complexos sistemas
de signos que estão modelizados sob forma de texto, um dos primeiros passos para essa
tarefa de investigação é reconstruir sua codificação.
p. 34 – No artigo O Semiosfere, publicado pela primeira vez em 1984, na coletânea
Semeiotiké. Trudy po znakovym sistemam, Lótman denomina esse espaço semiótico
como semiosfera. Para ele, se a biosfera se refere ao nível biológico, a semiosfera, por
sua vez, aponta o nível no qual habitam os signos, a instância onde a interação, a
semiose entre os diversos sistemas de cultura.
p. 34 – A semiosfera pode ser compreendida como uma esfera sígnica que não se
restringe à soma de códigos, linguagens e textos que por ela transitam (Lotman, 1990:
123). Ela pode ser vista como um ambiente no qual diversas formações semióticas se
encontram imersas em diálogo constante, um espaço-tempo, cuja existência antecede
tais formações e viabiliza o seu funcionamento, enquanto torna possível o seu próprio
ciclo vital.
p. 35 – Lótman conceberá a semiosfera e, também os diversos sistemas culturais que a
integram como algo vivo, dinâmico, ativo, um organismo complexo e multifacetado
anterior à comunicação, à linguagem e à semiose, um organismo necessário ao
processamento da informação, mas que paradoxalmente só sobrevive a partir dele.
p. 35 – Porém, simultaneamente, ela garante a multiplicidade, a diversidade dos
sistemas culturais que a compõem, pois cada cultura opera dialogicamente frente às
demais, contaminando essas e aquelas e permitindo-se contaminar por outras, muitas
outras, elaborando atualizações inusitadas.
p. 35 – (...)Na semiosfera, a temporalidade é constituída por essa memória que dialoga a
cada instante com o antigo, atualizando-o e interage com o novo, lançando
constantemente fragmentos, textos, códigos e linguagens para o futuro (Lótman, 1998:
162).
p. 36 – (...) a semiosfera é sobretudo um espaço de relações dinâmicas, onde a periferia
tende para o centro e este para a periferia (...)
p. 37 – Para a abordagem semiótica da cultura, é por meio da investigação dos códigos
que articulam os textos culturais, que a hierarquia entre os sistemas de signos é revelada
(...) a semiosfera é, sobretudo, o espaço das interações ativas entre esses níveis, havendo
nela uma tensão permanente que empurra as estruturas dominantes para a periferia e as
estruturas desta para o centro, muitas vezes colocando-as em choque, sobrepondo-as.
p. 38 – A fronteira constitui um mecanismo chave para o entendimento do devir das
culturas. Isto porque, pela fronteira, é possível apreender não apenas a individualidade e
a diversidade compositiva que caracteriza os diferentes sistemas modelizantes que
formam a cultura, mas, sobretudo, a dinâmica relacional que impulsiona o movimento
da semiosfera.
p. 38 – (...) a fronteira tanto une quanto separa.
p. 39 – (...) é na relação com o outro que uma cultura se define enquanto tal.
p. 40 – contemporaneamente, el espacio semiótico expulsa estratos enteros de la
cultura. Estos formam entonces uma falda de sedimentos más allá de los confines de la
cultura que esperan su hora para irrumpir nuevamente en ella, a tal punto olvidado ya
en ese momento que pueden ser percebidos como nuevos. El intercambio con la esfera
extrasemiótica constituye una inesgotable reserva de dinamismo. (Lótman, 1999: 160)
p. 41 – (...) Este contínuo “ir” e “vir” de signos faz com que as fronteiras semióticas
também sejam caracterizadas pela irregularidade e por um contínuo deslocamento.
p. 42 – (...) O conceito de explosão formulado por Lótman em seus últimos textos (1993
e 1994), busca entender como ocorre o aparecimento de novos textos da cultura. Quer
dizer: somente com o desalinhamento total do sistema é que se pode vislumbrar a
emergência da imprevisibilidade. Explosão que, em vez de destruir, permite a
emergência da vida.
SEMIOSFERA COMO OBJETO DE PESQUISA NA SEMIÓTICA DA
CULTURA
Peeter Torop

ESTATUTO DE METADISCIPLINA

p. 45 – (...) Viatchelav Vs. Ivánov, um dos fundadores da semiótica da cultura e da


Escola de Semiótica de Tártu-Moscou declarou:
A tarefa da semiótica é a descrição da semiosfera sem a qual a
noosfera é inconcebível. A semiótica deve nos ajudar na orientação
histórica. O esforço conjunto de todos aqueles envolvidos em
atividades científicas, ou de todo ciclo das ciências, deve contribuir
para o futuro ulterior da semiótica (1998: 792).

p. 46 – fala de Lótman [...] A arte sempre se orientou em direção à imprevisibilidade. No meu


modo de ver o mais interessante que está acontecendo neste momento é aquilo que entendo
como estetização da ciência. É como se a ciência estivesse se tornando estetizada. [...] A arte é
um modo totalmente diferente de pensar, um sistema diferente de modelização do mundo. É
sabido que podemos viver num mundo que se baseia no modelo da ciência ou que nós podemos
viver num mundo que é baseado num modelo da arte. O fato é que vivemos num mundo
baseado numa unidade conflitiva desses dois modelos. Disto se segue, igualmente, diferentes
níveis de previsibilidade e diferentes significados da imprevisibilidade (Lotman apud Torop,
2000: 13-4).

p. 46 – (...) nenhum método de descrição anula outro método de descrição. É como se, em sua
tensão recíproca, ele criasse um terceiro ponto de vista (Lotman apud Torop, 2000: 13-4).

A formulação deste terceiro ponto de vista de fato significaria que, à semiótica, é


conferido o estatuto de metadisciplina.
p. 47 – (...) Como conceito transdisciplinar, <<semiosfera>> está muito próximo do
conceito de símbolo no simbolismo (...) semiosfera marca a complementaridade de
disciplinas para o estudo da cultura, o movimento em direção à criação de estudos
gerais da cultura e <<metodologia do entendimento>>.
O PRINCIPIO PEDAGÓGICO
p. 49 – (...) a situação dialógica tem de ser entendida antes do diálogo: “... a necessidade
de diálogo, a situação dialógica, precede tanto o diálogo real quanto a existência da
linguagem na qual é conduzida: a situação semiótica precede os instrumentos da
semiose” (Lótman, 1990: 143-44). Assim, o diálogo torna-se não apenas um termo
próximo da semiosfera como ainda uma de suas características ontológicas.
p. 49 – (...) Fronteiras separam e criam, deste modo, identidades; contudo, fronteiras
também conectam e constroem tais identidades por justaposição ao próprio e ao alheio.
Portanto, para Lótman, o mais importante aspecto das fronteiras as semiosfera é seu
papel como mecanismo de tradução. (...) Lótman chega à conclusão de que <<o ato
elementar do pensamento é a tradução>> e <<o mecanismo elementar da tradução é o
diálogo>> (Lótman, 1990: 143).
HISTÓRIA DO CONCEITO DE SEMIOSFERA
p. 50 – (...) semiosfera é simultaneamente um objeto e um metaconceito. Semiosfera é o
que está sendo estudado na e como cultura e é também o método de estudo da cultura.
p. 51 – (...) “o estudo da comunicação deve distinguir entre mensagens homogêneas e
que, se servem de um sistema semiótico, e mensagens sincréticas, baseadas na
combinação ou na fusão de diferentes padrões semióticos” (Jakobson, 1971: 705).
p. 52 – (...) Do ponto de vista de Bakhtin, é impossível entender a obra de arte sem
entender sua cronotopia (Bakhtin, 1975: 406).
p. 52 – Existem, por conseguinte, três estratégias de pesquisa diante de nós que
preparam o terreno para a emergência do conceito de semiosfera: o tratamento
hierárquico dos processos evolutivos concebidos por Tiniánov; o tratamento hierárquico
do processo comunicativo formulado por Jakobson; o tratamento do texto como
hierarquia cronotópica concebido por Bakhtin.
p. 52 – As “Teses para o estudo semiótico da cultura” (1973), o texto programático da
escola de Tártu-Moscou, definem a semiótica da cultura como uma ciência de
investigação das correlações funcionais entre diferentes sistemas de signos.
p. 52 – (...) Lótman enfatiza a importância do começo e do fim, ou melhor, a estrutura.
p. 54 – (...) Em 1980, Lótman descreveu criatividade com base nos estudos de Iliá
Prigogine. O artigo “Cultura como sujeito e objeto para si própria” argumenta que:
p. 54 – A questão principal da semiótica da cultura é o problema da
geração de sentido. O que podemos chamar geração de sentido é a
capacidade de a cultura, em seu todo ou em partes, assimilar e gerar
textos novos não triviais. Novos textos são textos que surgem como
resultados de processos irreversíveis (no sentido de Prigogine), isto é,
textos que são imprevisíveis em um certo grau (Lótman, 2000: 640).

p. 54 – Semiosfera é um conceito que permite à semiótica da cultura atingir um novo


entendimento do holismo, uma análise holística de processos dinâmicos.
p. 54 – (...) o conceito de semiosfera coloca a semiótica da cultura novamente em
contato com a história; também faz análise cultural aplicada em contato com a história
cultural e com o mais novo fenômeno da cultura. A ciência dos signos aproxima-se da
arte dos signos.
CIRCUITOS DIALOGICOS: PARA ALÉM DA TRANSMISSÃO DE
MENSAGENS
Irene Machado
A CULTURA COMO DISPOSITIVO PENSANTE

P. 57 – Dentre as ideias que mobilizaram nosso campo de conhecimento estão Alan


Turing que acionou o processo com sua teoria da morfogênese; Claude Shannon que
concebeu a teoria matemática da comunicação a partir da noção de informação como
medida; Norbert Wiener que pôs a cibernética para estudar o controle e o poder auto-
regulador do feedback; Iliá Prigogine que entendeu as estruturas dissipativas. Diferentes
caminhos que começam a ver o mundo pelo viés das relações (...)
P57 – aos estudos sobre semiosfera coube a tarefa de explicitar o dispositivo pensante
da cultura, isto é, de seus códigos e linguagens, no contexto das relações entre sistemas
de signos conceptualizados culturalmente.
“Lótman distingue, portanto, dois conceitos de comunicação e duas tendências
complementares de abordagem semiótica: a semiótica da comunicação e a
semiótica da cultura. Uma situa o ponto de vista que entende a comunicação
como transmissão a partir de um único código em que o sistema monolíngue
produz mensagens que são materialização desta língua única. A outra, o ponto
de vista que se movimenta por entre linguagens e textos acionando, portanto,
diferentes códigos e processos semióticos. As mensagens do primeiro tipo
estão na base do processo de codificação e descodificação da informação
entre pólos de emissão e recepção unidos pelo código único. As mensagens do
segundo tipo se reportam aos processos de modelização da informação em
textos produzidos por sistemas culturais dinamizadores – e não operadores –
de códigos variados. Vale dizer, por dispositivos pensantes.”

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