O texto discute o contexto cultural do Barroco no século XVII, especificamente em Roma. Aponta que nesta época a arte não era mais vista como algo absoluto, mas sim como um conjunto de tendências convergentes e contrastantes. Destaca o papel de Bernini nesta época, buscando conciliar tradição e renovação para determinar a imagem de Roma como centro do catolicismo.
O texto discute o contexto cultural do Barroco no século XVII, especificamente em Roma. Aponta que nesta época a arte não era mais vista como algo absoluto, mas sim como um conjunto de tendências convergentes e contrastantes. Destaca o papel de Bernini nesta época, buscando conciliar tradição e renovação para determinar a imagem de Roma como centro do catolicismo.
O texto discute o contexto cultural do Barroco no século XVII, especificamente em Roma. Aponta que nesta época a arte não era mais vista como algo absoluto, mas sim como um conjunto de tendências convergentes e contrastantes. Destaca o papel de Bernini nesta época, buscando conciliar tradição e renovação para determinar a imagem de Roma como centro do catolicismo.
In: ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão: ensaios
sobre o barroco. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.427-440.
BERNINI E ROMA
Além do objetivo principal de encorajar a pesquisa histórica sobre o
que bem poderia ser definido como o primeiro século da arte moderna – no sentido novo, e não puramente cronológico, que Bellori deu ao termo moderno, precisamente no século XVII –, o “Corso di alti studi sul Bernini e il barocco” [Curso de estudos avançados sobre Bernini e o barroco], que este congresso encerra, visava indiretamente a reformar um velho costume acadêmico por ocasião de efemérides centenárias, substituindo ao estudo monográfico das grandes personalidades, em sua proeminente singularidade, a análise do contexto cultural que concorreu para formar – e em que estão objetivamente representados – os pontos de maior concentração e de mais ampla irradiação. O contexto, neste caso, é o barroco, um termo que notoriamente não designa apenas um período, mas uma situação. Esta é justamente o que a crítica idealista, do neoclassicismo a Croce, tentou impor como uma categoria (uma categoria negativa) do “feio”, contraposto ao “belo” artístico; entretanto é necessário notar que a própria insistência numa “artisticidade” divergente ou antiética em relação à “esteticidade” do clássico indicava (como confirma a análise crociana) que aquilo que se deplorava na arte barroca era o excesso de tecnicismo e, portanto, de práxis – segundo o idealismo clássico. De resto, a própria crítica idealista não podia deixar de excluir de sua indiscriminada condenação pelo menos algumas das grandes figuras artísticas, às vezes definindo-as como antibarrocas, como me ocorreu há trinta anos a propósito de Borromini. Porém, quando se tratava de buscar o motivo daquelas exceções, percebíamos que entre os chamados barrocos e antibarrocos havia divergência e discussão, mas não uma oposição radical; a ponto de, no caso de Borromini, não ser fácil decidir se ele devia ser chamado de barroco ou, como queriam os neoclássicos, de ultrabarroco. Enfim, não estava claro se o barroco era a negação ou a exacerbação do clássico, ao passo que não restava dúvida de que, sendo o ideal clássico um ideal de equilíbrio, o exagero do clássico já constituía uma contradição. E como explicar o fato de que, mesmo sem empregar o termo barroco (que na verdade já reflete o juízo neoclássico), os críticos do século XVII tenham tido a clara impressão de que a principal característica da cultura artística de sua época fosse uma pluralidade de correntes ou tendências que certamente contrastavam entre si, mas que ao final participavam de um mesmo discurso? A própria contraposição entre Caravaggio e Annibale Carracci parece ter se manifestado como tal somente mais tarde, e apenas no pensamento dos críticos; e até em relação ao contraste historicamente comprovado entre Bernini e Borromini é possível perguntar se os “excessos” de que os neoclássicos os acusaram não eram, de algum modo, pretextos polêmicos de um debate que os unia em torno dos mesmos temas. Em suma, a arte não era um patamar ideal que alguns alcançavam e outros não, mas um conjunto de tendências convergentes e contrastantes, ao qual se aderia ou do qual se discordava, sabendo que nenhuma delas era, in totum, a arte ou o oposto da arte. Quanto às personalidades emergentes e dominantes, não era mais a época daquelas figuras excepcionais e únicas como Michelangelo, o artista- gênio, inspirado diretamente pelo céu, e não por um excesso de retórica chamada de “divino”. No período barroco, o poder da arte é, ele também, um poder conquistado, reconhecido, exercitado e, para além dos limites do profissionalismo artístico, articulado com os poderes religiosos e civis, que não podiam prescindir da arte no confronto e na resolução dos problemas concretos das cidades e dos Estados. Em todos os campos, a cultura barroca quer ser a libertação de todo tipo de norma ou preceito, e não se tratava apenas das censuras doutrinais e moralistas da Contra-Reforma; a suprema autoridade do mundo antigo, seja entendido como teoria ou como experiência histórica, compendiando em si o valor ideal da arte, continha a práxis nos limites de uma tradução do nível intelectual para o nível operacional. Sem conseguir dar à teoria a estrutura de um sistema, a disputa acerca da teoria e da práxis tendia a resolver-se com a afirmação de um valor autônomo da práxis, a partir do qual era possível remontar, por meio da experiência, ao nível ideal que pertencia à teoria. O próprio rigorismo contra-reformista, que negava à arte o direito de elaborar conteúdos doutrinais próprios e a reduzia a instrumento de propaganda, contribuía para a revalorização da práxis. A cultura artística barroca supera essa condição de subordinação e se apresenta como a grandiosa reconquista de uma autonomia que tem os seus fundamentos na própria história da arte – e, assim, também recupera um classicismo que não é mais aquiescência a um modelo, mas liberdade do presente na memória do passado e na prefiguração do futuro. A arte, pois, não depende mais de uma inspiração das alturas, muito semelhante à graça, mas de uma faculdade da mente, exatamente daquela imaginação que Aristóteles já associava ao fazer específico da arte. Essa secularização da arte também estava relacionada com a política da Igreja, que, recém-saída dos conflitos sobre o dogma, visava decididamente à persuasão das massas. O empenho religioso de Michelangelo era doutrinal; o de Bernini, político. Michelangelo era o divino Michelangelo; Bernini, o cavalheiro Bernini. Herdando a hegemonia cultural que, no século XVI, pertencera a Michelangelo, Bernini buscou acima de tudo conciliar uma respeitosa coerência com a persuasão de uma necessária renovação. A tarefa a que se dedicou era evidentemente a mesma: determinar o aspecto de Roma como lugar ecumênico e imagem autêntica do poder divino. Mas, com a evolução do conflito religioso no período entre as últimas décadas do século XVI e as primeiras do século XVII, muitas coisas haviam mudado, inclusive o entendimento da relação entre as esferas terrena e celestial. A exigência de uma continuidade e, ao mesmo tempo, de uma grande renovação fazia parte tanto da política da Igreja quanto da poética de Bernini – da qual, aliás, só se pode sublinhar a extraordinária e certamente não fortuita tempestividade. Diferentemente do de Michelangelo, o poder de Bernini em seu âmbito cultural não foi unânime: não se entenderia o sentido de sua obra a não ser confrontando-a, passo a passo, como todas as correntes artísticas operantes, a começas, é claro, por Borromini. A interpretação de Michelangelo era necessariamente um motivo de dissenso. Ele era considerado o nec ultra, a perfeição, a própria encarnação da arte; mas o simples fato de que sua obra pudesse ser interpretada de maneiras diferentes e contrárias, como expansão por Bernini e como contração da imagem por Borromini, demonstra que já não existia uma arte absoluta, que a cultura artística era um feixe de tendências interferentes, radicais ou moderadas, por cujo sucesso se discutia e se combatia, como hoje ocorre na política. E sempre se tratava de algum modo de política, já que o prestígio histórico da figura urbana de Roma foi uma das causas que desencadearam o recente – e ainda inacabado – conflito religioso; e agora, sobre esse renovado prestígio histórico, o centro do catolicismo estava fundando um moderno modelo de capital europeia em relação ao século XVI, a diferença era que, para Michelangelo, Roma era o lugar da revelação ou do divino, do ditado peremptório; para Bernini, era o lugar da demonstração argumentada e persuasiva. A função da propaganda e do culto de massa era seguramente política, além de religiosa (mas era cada vez mais difícil distinguir os dois termos); igualmente políticas eram a profusão e a ostentação das imagens condenadas pelo antiiconismo calvinista e admitidas, mas controladas, pelo icnologismo pós tridentino. Nem mesmo a arquitetura, que não se colocava o problema da figuração, devia apresentar-se como imagem do equilíbrio providencial da criação, mas como instrumento de devoção coletiva: o que para Michelangelo era símbolo arcano, para Bernini era aberta alegoria, que reduzia tudo a termos históricos e naturalistas. Quanto à incontornável mundanidade do trabalho artístico e ao serviço prestado à religião sem ser intrinsecamente religioso, Borromini pensava de modo não muito diverso de Bernini, divergindo mais sobre a maneira e preferindo a prece fervorosa ao caloroso sermão. No final do século, outro artista barroco, Guarini, declarava – mesmo sendo um frade teatino, que não devia existir uma arquitetura sacra, mas apenas uma arquitetura eclesiástica, pois a arquitetura, como todas as artes, era apenas um tributo humano à divindade, que não se manifestava a verdade do dogma, mas o fervor dos fiéis. E era justo que um discurso dirigido a Deus fosse hiberbólico, amplificado, enfático, exaltado, devendo ter uma retórica e uma técnica específicas que o ligassem às técnicas do trabalho cotidiano, visto que, se a salvação só pode ser obtida por obras se a técnica é um operar eficaz e ordenado, as técnicas são meios de salvação. Já nos primeiros anos do século, são Francisco de sales havia pronunciado que nós nos salvamos ao cumprir nosso papel no mundo – o soberano sendo soberano, o artesão, sendo artesão, a doméstica, sendo doméstica. As técnicas de Bernini não se limita à imitação da natureza, mas querem demonstrar como os homens podem aproveitar os infinitos recursos da Providência. Os literatos e artista do século XVII se davam conta de que, após os vértices atingidos em todos os campos pelos mestres do século XVI, ocorrera e persistia uma certa depressão, que no entanto não era decadência: ao contrário, após as clausuras rigoristas da Contra-Reforma, era uma retomada. Entretanto, algo havia mudado; mais precisamente, a relação com o divino. Uma coisa era a revelação que descia de cima; outra, a devoção que a invocava de baixo e era, de qualquer modo, um sentimento humano. Não espantava que, dirigindo-se ao divino, o discurso fosse bastante exaltado, hiperbólico, adulatório, limitado somente pelas capacidades da técnica do discurso ou pela operação artística. A técnica devia ser capaz de simular o milagre, aliás ela era o meio humano com que o divino miraculosamente se revelava: a extraordinária técnica do Bernini escultor e arquiteto repetia os movimentos da retórica aristotélica, ora demonstrativa, ora insinuante, ora tonitruante. Uma técnica vigorosamente persuasiva, cujo objeto de persuasão não era certamente o conteúdo doutrinal da representação, mas sim o complexo movimento da alma, com sua alternância de evidências palmares e subentendidos, de trepidações e saltos. Todas as técnicas berninianas podem ser explicadas como recitação, e isso explica a centralidade do teatro no quadro de sua complexa poética – que, definitivamente, é uma grande dramaturgia. Maurizio e Marcello Fagiolo acertaram ao associar essa centralidade do teatro à paixão pelo efêmero, pelos aparatos de festas, cerimônias e funerais. Essa tese não contradiz a de Portoghesi, para quem o terreno do encontro entre as diversas atividades berninianas é uma imago urbis, um sentimento da extraordinária representatividade de Roma, com sua autoridade religiosa e política, sua historicidade manifesta nos monumentos, a natureza privilegiada e mitológica de seu território. De resto, a cidade era também um teatro, e não havia sentido em distinguir entre espaço real e ilusório, arquitetura construída e aparato cênico, já que todos esses elementos são igualmente objetos de percepção e fazem parte dos ilimitados fenômenos da imaginação. A grande novidade de Bernini é justamente a pura visualidade, a capacidade de a imaginação artística preencher a consciência sem dar espaço à reflexão e ao juízo. Em sua contínua e irrefreável fabricação de imagens a serem espalhadas pela cidade, a técnica não intervém senão em um segundo momento da realização do projeto: toda a obra de Bernini é imaginação, e a imaginação é um pensamento que se descarrega inteira e imediatamente no fazer. Essa descoberta do pensamento imaginativo como atividade autônoma e primária vem resolver velhos problemas. A crise quinhentista do dogmatismo também repercutira na arte, em que as teorias e os preceitos eram tal qual os dogmas e as Escrituras, de cuja verdade era obrigatório estarmos seguros, mas cujo significado todos de fato ignoravam. Não havendo mais teoria, a práxis já não era dedução e obediência; ela podia degradar-se a reles atividade manual (os “arquitetos borra-botas” de Lomazzo) ou qualificar-se como ofício intelectual, apropriando-se da “invenção” que, antes, era própria do desenho. Bernini havia começado a trabalhar em Roma quando ainda estava em curso a polêmica sobre a práxis, suscitada por Caravaggio e continuada por seus seguidores e intérpretes. Até Mancini, até Bellori – que no entanto haviam optado pela linha carraccesca – reconheciam que a práxis de Caravaggio não era empirismo, mas uma escolha legítima, da qual era possível discordar, mas respeitando a sua dignidade intelectual. A práxis de Caravaggio era não naturalista e anti-historicista, contestava todos os modelos, tanto a Antiguidade quanto a natureza. A primeira reação autêntica a esse rigorismo novo e moralmente mais motivado foi a de Bernini, para quem a salvação não era a contractio animi bruniana, mas um realizar-se em absoluta plenitude, um liberar-se dos limites da própria finitude na vastidão do espaço e do tempo, da natureza e da história. E que outra faculdade mental senão a imaginação podia dar a noção da imensidade da natureza e da profundidade da história? Lavin estudou admiravelmente as capelas funerárias das famílias nobres (a Raimondi em San Pietro in Montorio, a Cornaro em Santa Maria della Vitoria, etc.), que para Bernini constituem um “gênero” predileto, situando-se entre a grande arquitetura, que se desenvolve livremente no espaço, e o aparato efêmero, ligado a um lugar e a uma ocasião. A capela era como uma arquitetura secundária, incrustada na arquitetura da igreja, quase como a cena teatral era uma segunda arquitetura dentro da arquitetura do teatro. Era um espaço recolhido, ideal para experimentar as convergências e as combinações das diversas artes. Não busca mais a síntese, a transcendência simultânea na pura intelectualidade do “desenho”, mas a “bela composição”, a harmonia em que cada arte conserva a própria especificidade semântica, mesmo entrelaçando-se com outras. A síntese a priori teria implicado a limitação recíproca, ao passo que, no acordo a posteriori, cada arte específica podia exibir todo o seu virtuosismo. A própria formulação horaciana ut pictura poësis não significava identidade, mas comparação. Ainda estava aberta (e dela participava Galileu) a disputa sobre a superioridade de Ariosto ou de Tasso, da imaginação pura ou da imaginação voltada para a salvação da alma; mas essa disputa dizia respeito à severidade ou licenciosidade das imagens, ao passo que, para Bernini (e aí está a sua ligação com Correggio), a atividade da imaginação, sendo liberatória em si mesma, era suficiente para salvar. Portanto, a imaginação era doutrina ou pensamento, tinha uma verdade própria, segundo a qual não era mais possível distinguir entre real e ilusório; e Bernini descreveu esse pensamento imaginativo, que se manifestava em imagens assim como o pensamento racional se manifestava em conceitos, com a mesma perspicácia com que Descartes descrevia, na mesma época, o pensamento racional. Mas esse resgate triunfal do imaginário só teria sido possível após a negação radical d Caravaggio, a recuperação carraccesca por meio do mecanismo retórico da alegoria e a audaciosíssima identificação rubenesca de imaginação e percepção do real. Se o que salvava não era o imaginado, mas o imaginar, a arte era ao mesmo tempo produto e estímulo da imaginação – e persuadia a imaginar. Esse apelo sobre os outros, essa função liberatória e soteriológica (mas a salvação acontecia no mundo) são o que faz da arte a prefiguração da ideologia, justificando não só a sua privilegiada relação com a cidade, mas também a relação da cidade (que se tornava uma capital) com a nova entidade política, o Estado, que realizava o ideal político-religioso da Igreja. Roma, cidade de Deus, porto da salvação, modelo da cidade-capital, só podia ser uma cidade ideológica, isto é, imaginária e imaginada. Bernini nunca teve para Roma um projeto como o de Bramante em relação a Leão X, mas a imagem que ele tinha da cidade tendia a crescer e a se agigantar à medida que ele associava a manifestação sensível da autoridade religiosa à espetaculosidade da história (os monumentos antigos) e da natureza (a água, os jardins). Entretanto a presença material do clássico continuava sendo um dado fundamental, tanto mais que a Roma antiga só podia ser deduzida por meio da imaginação, a partir dos fragmentos remanescentes. Assim como o problema da imaginação, com o qual no fundo se identificava, o da Antiguidade estava em ponto morto. Não foi possível constituí-lo em teoria da arte nem recompô-lo numa visão histórica; ao final foi preciso resignar- se, como Pirro Ligorio, a fazer dele uma espécie de repertório árido e contábil, uma enciclopédia em que tudo o que fora imagem visual era traduzido em palavras. Não apenas a Antiguidade só podia ser imaginada, mas desde a origem ela não foi mais que imagem. Era lógico que, sendo imagem, ela só pudesse retornar como imagem. Era um mundo que não havia recebido o dom da revelação, não possuía a verdade e não podia ser verificado, que ignorava a diferença entre real e ilusório, que conhecia apenas por intermédio de representações alegóricas, que vivia, em suma, da imaginação. Por outro lado, em toda a cultura barroca – um grandioso revival aristotélico – a imaginação era figuração do verossímil, e o verossímil era tal porque tinha às suas costas uma verdade, algo de acontecido: a Antiguidade, com os seus documentos, não era senão a garantia da imaginação. Chantelou conta que certa vez, indagado por um cardeal sobre qual a sua estátua antiga preferida, Bernini respondera: o Pasquino. Suspeitando de alguma malícia sub-reptícia, o cardeal reagiu mal. Talvez até houvesse uma intenção maliciosa, mas Bernini negava, dizia que aquele fragmento todo corroído e quase ilegível era atribuído por certos especialistas a Fídias ou Praxíteles. Tanto é verdade que não havia duplo sentido em sua afirmação que, logo depois do Pasquino, a peça que mais me agradava era o Torso do Belvedere – outra estátua fragmentária, certamente mais legível que aquela, mas igualmente enigmática quanto ao assunto. Mas da Roma antiga só havia fragmentos, os quais permitiam apenas imaginar o conjunto desaparecido. No entanto o estímulo à imaginação era poderoso, e o esqueleto da cidade antiga, remontando a um tempo e um espaço remotos e perdidos, influenciava, desde o subsolo, a forma da cidade moderna. Um caso típico era a piazza Navona, que conservava a forma e o sentido teatral do Circo Agonal. As citações da Antiguidade que aparecerem, ainda que raramente, na obra arquitetônica de Borromini são sem dúvida muito mais circunstanciadas que as evocações puramente retóricas de Bernini; mas é a essa documentação mais atenta que corresponde, no pólo oposto, uma imaginação de “quimeras”, completamente liberta dos limites da verossimilhança. Não sem um pouco de veneno, Bernini condenava essa tensão interior como suspeita de heresia: seu ideal não era certamente o ascetismo, mas uma religião vistosamente inteligível ao povo. Para Bernini, a imaginação tinha como limite a possibilidade de visualização. Seu maior objetivo é a colimação total, sem resíduos incógnitos, de conteúdos e de formas visíveis; a própria alegoria, como se vê claramente na estátua da Verdade descoberta pelo Tempo, não era a tradução de um conceito numa imagem, mas a prevalência da imagem sobre o conceito. Desse modo ele tentava dilatar o campo do possível até identificá-lo como o campo da imaginação. Concebia quase sistematicamente a perspectiva como projeção sobre a curva, e não sobre o plano; estudava a iluminação de modo que a luz não extrapolasse os limites da forma; servia-se, em escultura, dos vôos aéreos do mármore para dissolver a figura num halo movimentado e, em arquitetura, valia-se das cores vibrantes do mármore para fixar, nos limites do campo de visão, vigorosas alusões visuais. Sua maior preocupação é com a condição de perceptibilidade das próprias obras; assim como no teatro, ele predispõe acuradamente as sugestões, as surpresas, os retardamentos e as acelerações do processo perceptivo dos espectadores. É sobretudo importante que não fique a suspeita de algo não dito, de um segundo sentido, de uma alusão simbólica: a forma artística deve permitir uma experiência total, sem margens, sem interrogações, sem alusões. A passagem da revelação para a s=visualização era certamente redutiva, mas na visualidade havia um quê de ativo e de voluntário que não havia na passividade do sujeito diante da revelação que o atingia do alto. Também por isso a Santa Teresa da capela Cornaro reage ativamente, até fisicamente, à ferida imaginária: não por acaso ela sempre foi reconhecida como a obra escultórica mais típica e quase paradigmática de Bernini. Para que a imaginação se desenvolva em todo o seu arco, é preciso que ela possa movimentar-se livremente, tanto no espaço quanto no tempo; a memória é imaginação, assim como é imaginação o esperado ou temido futuro. É a extensão dessas duas grandes dimensões que dá ao instante presente – o da percepção – uma intensidade e uma plenitude nunca vistas antes. Seguramente Bernini não ignorava a objeção ao realismo caravaggesco, que se concretizará nas críticas de Mancini e de Bellori: uma evidência que espanta e paralisa, mas sem um desenvolvimento que conduza o drama histórico a uma resolução, a uma catarse. Esse pensamento da história como tragédia bloqueada, e não como drama em movimento, era a conseqüência de se ter refutado a autoridade do mundo antigo, o álibi do modelo. Ora, Bernini também quer a evidência flagrante das formas, mas se recusa a bloquear a imaginação na instantaneidade do presente: ele quer que a visão de suas obras tenha uma duração que permita a mudança dos sentimentos. Aquilo que para Mancini ou Bellori era a história, ou seja, a representação de uma vivência de tal modo que se possam intuir seus antecedentes e se possam prever seus êxitos, para Bernini se torna o tempo da visão, quer se trate da escultura ou da arquitetura, a qual não deve ser menos eloqüente. A Roma de Michelangelo deveria ter sido um conjunto de fortes núcleos monumentais investidos de grandes significados ideológicos, até por causa dos lugares nos quais se situavam: a basílica de San Pietro sobre o túmulo do apóstolo, o Campidoglio sobre o Tabularium, Santa Maria degli Angeli sobre as termas de Diocleciano. Entre esses núcleos sagrados não havia praticamente nada, ou apenas a contingência da gente miúda, com suas moradias precárias e o movimento confuso do cotidiano. Para Bernini, no entanto, a cidade era um traçado de ruas cheias de gente, aqui e ali interrompidas pelos amplos espaços das praças. É verdade que entre a Roma de Michelangelo e a de Bernini houvera a reforma estrutural e planimétrica de Domenico Fontana, que redesenhou a cidade como um sistema de ruas de grande comunicação; mas é significativo que Bernini adote a praça como elemento urbanístico predominante, um lugar de encontro, de mercados, de festas, cerimônias e espetáculos – os quais não fazem parte de um projeto orgânico, mas de um progressivo dilatar-se da imago urbis na imaginação. Tampouco surpreende que a geratriz fosse o núcleo de maior concentração de valores histórico-ideológicos, San Pietro, que Bernini tentou expandir no espaço urbano – e que desse monumento cristão por antonomásia a imaginação se tenha expandido por sucessivas ondas a toda a cidade e além dela, envolvendo também Ariccia e Castelgandolfo, ou seja, os castelos que tiveram tanto peso na história e na mitologia da Roma antiga. Bernini ainda era muito jovem quando começou o cibório- baldaquino de San Pietro, uma obra ao mesmo tempo escultórica, arquitetônica e urbanística no lugar da máxima sacralidade: o túmulo do apóstolo, colocado sob a cúpula de Michelangelo. Uma invenção sobre a qual se poderia dizer, com um jogo fácil de palavras, que era a reinvenção do conceito de invenção mortificado pelos maneiristas e duramente contestado por Caravaggio. Mas a invenção devia ser o produto da imaginação, e não do arbítrio fantasioso; enfim, devia nascer de um jogo cerrado e agilíssimo de associações mentais. Naquele lugar, nos imensos espaços arquitetônicos do cruzeiro michelangelesco, qualquer construção arquitetônica teria resultado, quanto à proporção, insuportavelmente pequena, fora de escala: um edifício reduzido à grandeza de um objeto. Então por que não inverter a relação e colocar entre as grandes pilastras e sob a cúpula um objeto elevado à grandeza de edifício? Nasce assim um cibório que de fato é um baldaquino, como aqueles que são levados nas procissões, colocando-se em um lugar onde tudo deveria exprimir estabilidade e firmeza um elemento de mobilidade que, além de tudo, parece agitar e ventilar aquele espaço solene, mas fechado e pesado. Além disso, havia a surpresa de ver desmesuradamente engrandecido um objeto tão leve que pode ser levado nos braços, o espanto de constatar que as hastes de madeira tinham se transformado, quase milagrosamente, em colunas de bronze. A idéia de mobilidade associada ao baldaquino não se perdera, mas fora utilizada para imprimir às colunas espiraladas um ilusório movimento de ascensão elíptica, que com os reflexos do bronze enchia d vibração o espaço que as circundava. Esse movimento rotatório se comunicava, alargando-se, com as galerias e os nichos das pilastras, personificando-se nos gestos comovidos das grandes estátuas; e as colunas retorcidas repetiam e multiplicavam como ecos o ritmo helicoidal das grandes colunas de bronze do baldaquino. A repetição tinha o seu motivo iconológico e ritual, que porém não diminuía sua força de sugestão psicológica: a alusão às formas simbólicas da antiga basílica constantiniana incitava a imaginar a moderna como maior do que era, aliás, como a espetacular visão de uma grandeza não apenas métrica, mas moral. O salto psicológico entre a dimensão do objeto e a do espaço urbano continuará sendo um motivo recorrente na poética e na retórica berninianas. A Barcaccia da praça de Spagna é também um objeto, assim como o baldaquino: uma barca semi-afundada num espelho-d’água, aos pés da colina de Trinità dei Monti, cenário habitual de festas freqüentemente orquestradas por Bernini. Como não confundia a imaginação, que devia ser estimulada pela memória, com a invenção “quimérica”, ou seja, o arbítrio da fantasia, o arquiteto retomou o motivo da fonte em forma de barca desenhada por Giacomo della Porta para a vila Aldobrandini; mas a rebaixou quase ao nível do solo, como se aos pés do monte houvesse a orla de um lago. Trata-se, pois, de um objeto cênico colocado em primeiro plano, com um artifício que se tornará habitual na paisagem pitoresca – e que aqui demonstra claramente como o efeito teatral se enredava perfeitamente com a imago urbis. Do mesmo modo, a Fontana dei Fiumi, na piazza Navona, será concebida trinta anos mais tarde como uma escarpa ou um pedaço de cena, um fragmento de natureza que termina em obelisco; e não existia contradição, porque havia uma continuidade entre natureza e história, as quais eram definitivamente duas figuras da mesma alegoria universal. Tommaso Campanella também via o mundo como uma criação dos homens ansiosos em fazer a escalada ao céu: “O mundo é um animal grande e perfeito/ estátua de Deus, que a Deus se assemelha e louva”. Em San Pietro, o movimento helicoidal das colunas, após ter se propagado pelas quatro pilastras, deveria dirigir-se inevitavelmente para as naves. Aqui se abria fatalmente o confronto entre o gênio “moderno” de Bernini e o gênio “antigo” de Michelangelo. O corpo longitudinal que Maderno foi obrigado a inserir na poderosa construção central era a grande ofensa da devoção contra-reformista ao sublime conceito arquitetônico de Michelangelo – e não se podia corrigir isso senão mascarando a infeliz junção das duas estruturas. Foi o que Bernini fez com o alinhamento perspectivo das colunas; mas ele também buscou impedir que a cúpula continuasse sendo o elemento terminal, repetindo sua curvatura, rebaixada, nos tímpanos das abóbadas. E como as impostas são separadas das colunas e todos os nexos estruturais são artificialmente atenuados, as curvas dos tímpanos retomam e repetem o tema da cúpula ao longo de todo o comprimento das naves. O erro de se ter inserido um corpo longitudinal no núcleo central não podia ser corrigido apenas com os expedientes arquitetônicos; na realidade, a alteração não se deu somente na forma, mas sobretudo na espacialidade do monumento. Bernini captou aquilo que, no fundo, era o único aspecto positivo da transformação do plano michelangelesco: a ruptura do bloco, o prolongamento do monumento no espaço urbano. Esse era um ponto que merecia ser desenvolvido, expandindo ainda mais o edifício, transformando- o num organismo complexo e ramificado através dos canais viários dos Borghi*, até o Tibre. A praça colunada em frente a San Pietro foi concebida como um duplo “urbanístico” da espacialidade arquitetônica do monumento, e tinha dois propósitos bastante evidentes: 1) pôr entre parênteses e transformar de prólogo em intermezzo a fachada que Maderno desenhara com extrema correção, tentando não ocultar a cúpula michelangelesca; 2) evocar a cúpula de Michelangelo com um elemento simétrico que a duplicava, mas que também a abria e a projetava no solo, traduzindo sua elevação em extensão. Sabe-se que a antiga basílica cristã era precedida de um quadripórtico para os catecúmenos que aguardavam ser acolhidos, por meio do batismo, na comunidade dos fiéis. Quis-se manter esse elemento tradicional, talvezcomo uma alusão aos povos da América e do Oriente. De qualquer modo, também nesse caso a alusão a memórias antigas dá impulso à imaginação: a forma quadrangular do pórtico se torna circular e, depois, elíptica. A elipse é uma forma pela qual Borromini já havia manifestado a sua predileção, por exemplo em San Carlino; mas ele a utilizava no sentido da profundidade, ao passo que Bernini sempre a emprega no sentido da largura. Com a elipse estreita e longa, Borromini exprimia contração e tensão; com a elipse larga e curta, Bernini exprimia expansão e calma. Mas em ambos há a característica nova de escolher formas arquitetônicas capazes de imprimir nas pessoas uma sugestão psicológica. No caso de Bernini, a sugestão é confiada ao contraste em relação à cúpula: fechada, inacessível, excelsa e simbólica, da mesma forma como a colunata era aberta, viável, terrestre e alegórica. E é verdade que as colunas em raio da colunata remetem àquelas alinhadas no tambor, mas também aqui há uma inversão de significados, já que as filas de colunas do pórtico são aberturas para o espaço citadino, ao passo que as colunas do tambor são um acúmulo de forças que preparam o impulso da calota. (*) Bairro que se estendia entre San Pietro e o Tibre, demolido na década de 1930, por ocasião da abertura da rua da Conciliazione (N.T.)
Entretanto o fato mais importante era o acordo inusitado entre a
praça urbana e a igreja monumental, certamente explicável pela cada vez mais premente exigência do culto de massa, mas também significativo pelo nó que termina por atar os monumentos à vida e aos costumes do povo. Desde o início, ao construir o palácio Barberini, Bernini havia demonstrado que concebia a arquitetura como o limite de um espaço vazio: as galerias e as grandes janelas esguelhadas pareciam pensadas para captar e introduzir no interior, em fluxos, a luz e o ar do grande vazio à sua frente; e sempre, nos interiores, as grandes aberturas e as fortes estruturas propiciam condições de luz semelhantes à do espaço externo. Na piazza Navona, a fonte é colocada de modo a sublinhar o desenho elíptico do perímetro definido pela forma do circo romano. Fortemente alongada, senão propriamente elíptica, deveria ter sido a grande praça que Bernini planejara abrir no coração de Roma, articulando a piazza Navona com o Panteon. Ela deveria ligar as atuais praças do Montecitorio e Colonna, alinhando ao longo de seu eixo nem mais nem menos que a Coluna Antonina e a Coluna de Trajano, que seria deslocada com excessiva desenvoltura do Foro de Trajano, onde surgira. (A aproximação imaginária dos monumentos mais famosos era muito freqüente nas vistas sintéticas e simbólicas dos grandes gravuristas, especialmente estrangeiros, e com Pannini essa prática se tornará uma subespécie do paisagismo romano; mas não surpreende que Bernini já concebesse suas propostas urbanísticas em função da paisagem.) A preferência pelas formas elípticas está a serviço da perspectiva naturalis, que partia das propriedades do olhar, e não de teoremas geométricos – e que, portanto, levava em conta a visão binocular, cujo campo é precisamente uma elipse; tanto mais que a variação da curvatura da elipse determinava uma variação muito mais animada e diferenciada nas relações de claro-escuro e de cor. Na igreja de San’Andrea al Quirinale, onde o altar é como um cenário teatral, com uma iluminação própria e concentrada, a área elíptica é como a sala na penumbra: um espaço que sentimos à nossa volta ou intuímos nos limites do campo visual, enquanto o olhar se fixa em algo que o fascina. Enfim, na experiência de quem está dentro da arquitetura, a elipse determina uma sucessão ou alternância de tempos longos e curtos, de pontos de intensidade e de flexão. Já no plano urbanístico, o objetivo principal era seguramente a animação do contexto, a teatralidade da vida citadina, a alternância de áulico e popular, drama e comédia; por isso a estúpida demolição dos Borghi vaticanos foi uma brutal mutilação da mais autêntica imaginação urbanística que Bernini concebeu. Não surpreende que o urbanismo e a arquitetura de Bernini, nascidos em função de uma profunda transformação e de um impetuoso crescimento da função político-religiosa de Roma, não pudessem surgir em outro espaço que não a “bela composição” de história e de natureza que era Roma. A missão em Paris, em 1665, e o civilizado encontro com Luís XIV resultaram em um fracasso total. A análise dos projetos para o Louvre revela uma absoluta incompreensão do dado ambiental distinto; o movimento de corpos salientes e reentrantes ou o artifício naturalista do embasamento rústico não eram suficientes para compensar a ausência do espaço imaginativo, histórico-natural, de Roma. E talvez também inibisse o artista, sempre tão excessivo, a falta do impulso religioso-ideológico, que desde o início havia dado à sua imaginação uma poderosa – ainda que inconsciente – intencionalidade política. O guia mais seguro na interpretação do estilo do Bernini arquiteto e escultor é o mesmo que vale para toda a cultura artística barroca: a Retórica de Aristóteles, divulgada na versão quinhentista de Annibal Caro. Mas a leitura que Bernini faz dela é sem dúvida a mais penetrante. Ele não se detém na casuística do dualismo de forma e matéria, de ideal e prática; intui, para além desse rígido paralelismo, uma unidade orgânica de ato e potência, que poderia em certo sentido aproximar-se do pensamento de Telesio e até de Giordano Bruno. Ele descobre na imaginação um modo de pensamento que não discrimina a priori entre o feito e o pensado, que não se dissolve na abstração dos puros conceitos, mas persegue o fervoroso fazer que leva à salvação. Identifica as técnicas artísticas – ou do fazer – com as técnicas do dizer, a retórica que persuade, arrasta, demonstra, enfraquece, exorta e subentende, insinua, cala ou simplesmente aponta. Nunca houve técnica mais gestual que a de Bernini: ela é uma série de atos que põem o sujeito em relação total e liberatória com o mundo terreno e com aquele que, sem descontinuidade de nenhum tipo, se abre para além dele. Ademais, como não é mortificando o dinamismo da imaginação que se alcança a salvação, o fato de que os impulsos físicos, psicológicos e até eróticos se entrelacem com a oração e o êxtase não causa nenhuma ofensa. E tudo ocorre no ritmo de uma percepção que vem dos olhos, mas que também abrange a totalidade do ser: tudo o que há de voluntariamente excessivo na alteração do rosto, no arrepio sensual das mãos e dos pés de Santa Teresa e da beata Ludovica se dissolve no passeio do olhar pelas intermináveis volutas das obras dos vestidos. Falou-se freqüentemente da contemporaneidade e da antítese pontual – eu quase diria dialeticamente necessária – da obra de Bernini e de Borromini; e também da concepção oposta da relação com a Antiguidade e com aquele que era o modelo de gênio, o artista absoluto, Michelangelo. Certamente Borromini foi um estudioso mais acurado e meticuloso da Antiguidade, mas Bernini foi muito clássico: clássico porque, antes de tudo, possuía aquela total plasticidade e plenitude significativa da imagem pela qual Galileu preferia Ariosto a Tasso. Mas não se deve esquecer que outro excepcional artista trabalhava em Roma na época de Bernini: Poussin. Muitas vezes, em Paris, ele falava de Bernini como o rei, com Colbert, com Chantelou – e sempre com muito respeito e pouco entusiasmo. A concepção de classicismo que cada um deles acreditava representar era bastante divergente. O classicismo de Poussin não tinha mais nada de teórico ou de escolástico – e tampouco tinha qualquer coisa de imaginativo. Era norma de comportamento, regra moral, sentimento do passado como memória de uma grandeza irrecuperável, presente apenas como exemplo. Assim como em Corneille, era a dura lei do dever contra a qual se choca e se espedaça a tépida onda dos sentimentos. A Roma de Poussin estava mais ligada à moral que à imaginação, assim como o seu pensamento sobre a história. Era o outro lado da moeda: mas só na superfície o classicismo de Poussin era menos eloqüente e mais “in Arcadia” que o de Bernini. Seu historicismo menos expansivo e colorido era mais meditativo e profundo, sobretudo mais laico. Quando, pouco mais de um século depois, o classicismo – que para Bernini era a própria imaginação – foi retomado por David como modelo moral e ideológico, não houve referências a Bernini, mas a Poussin.
resenha a partir do texto Colóquio sobre a metodologia da pesquisa em artes plásticas na universidade: Modestas proposições sobre condições de uma pesquisa em artes plásticas na universidade, do professor e artista francês Jean Lancri, presente no livro O meio como ponto zero: Metodologia da pesquisa em Artes Plásticas.