O presente trabalho aborda o tema “A cultura do feio na arte moderna” tendo
por base o documentário “Why Beauty Matters” do filósofo e escritor britânico
Roger Scruton. Nascido em 1945, Scruton foi um dos mais importantes pensadores de Inglaterra, cuja toda a extensão do seu trabalho explora como principal tema a estética da arte e a sua relevância ao longo da história, fundamentando-se essencialmente a partir dos ideais conservadores. No decorrer do documentário Scruton defende a tese de que a beleza tem um papel significativo. Do qual não se define apenas como algo subjetivo, “mas como uma necessidade universal dos seres humanos”. Porém, a partir do século XX a arte apresenta outro tipo de inquietações como a ânsia de representar o caos, a perturbação e a quebra de tabus. Ora segundo o autor, a arte antiga servia um propósito de beleza, de harmonia e estética, com o objetivo de trazer “consolação na tristeza e afirmação na alegria”. Contudo “muitos artistas modernos se cansaram dessa tarefa sagrada” considerando que a “desordem da vida moderna não poderia ser redimida pela arte”. Ao invés disso, tal entropia deveria ser exposta. Desta forma, Scruton entende que após ter cumprido por mais de dois mil anos um dever essencial na civilização, a beleza deixou de receber a devida importância: “o nosso mundo virou as costas para a beleza” de maneira que nos encontramos “rodeados de feiura e demência”. O marco dessa mudança ocorreu devido à célebre “Fonte” criada pelo artista francês Marcel Duchamp, em 1917. Devido à consequência das múltiplas interpretações que originou, das quais a crença de que tudo pode ser arte. “A arte não mais tem uma posição sagrada, a arte não mais se eleva a um plano moral ou espiritual mais alto; ela é apenas mais um gesto humano entre outros, sem maior significado que uma gargalhada ou um grito. Trocou-se o culto à beleza pelo culto à feiura”. “Uma vez que o mundo é perturbador, a arte deve ser perturbadora também. Aqueles que procuram por beleza na arte estão somente desligados da realidade moderna”. O singular fato de que Roger Scruton aponta não se trata simplesmente de uma mudança de critério para o julgamento da beleza de uma obra de arte, uma vez que essa mudança foi intencional. Primordialmente, existiu uma transformação radical em relação à importância dada à beleza comparada a outros valores, de outra natureza que não a estética. Como por exemplo a originalidade, a utilidade, a incomodidade ou até mesmo a hostilidade. Isto é, sucedeu-se uma transmutação na hierarquia dos valores. Neste sentido, independentemente das prioridades de qual desses novos critérios, verificou-se uma alteração do próprio valor estético almejado, transitando-se do belo para o feio. Ou seja, atendeu-se a uma mudança de paradigma uma vez que outrora a beleza era vista como remédio para o sofrimento e o tumulto, o feio concentrava-se agora, na necessidade da vontade de contrariar e “chatear” os espectadores. Deste modo, com a cultura do feio a arte deixa de estar conectada à beleza estética e visual e passa a ter valor no seu conceito e naquilo que tem como objetivo apresentar e transmitir. Apoiando-se na história das conceções filosóficas relativas à beleza de Platão a Kant, Roger Scruton argumenta que a feiura e a perturbação não deveriam ser inteiramente desvinculadas da arte, “(…) obviamente esse hábito de enfatizar o lado desolador da vida humana não é novo. Desde o início de nossa civilização, tem sido uma das tarefas da arte pegar o que é mais doloroso na condição humana e redimi-lo em uma obra de beleza. A arte tem a habilidade de redimir a vida ao encontrar beleza até nos piores aspetos das coisas”. Assim, é impossível estabelecer qualquer elo de comparação entre as duas vertentes. Sendo a beleza de uma obra de arte um assunto subjetivo que a descreve, as críticas que Roger Scruton apresenta a esse gênero de arte não são equiparáveis às críticas defendidas como por exemplo dos acadêmicos em relação à pintura impressionista ou dos renascentistas em relação à arte medieval. Tais divergências de gosto ao longo da história da arte podem sustentar-se por determinada subjetividade própria dos julgamentos de valor. De modo que é possível perceber que acadêmicos, impressionistas, renascentistas e medievais privilegiavam diferentes aspetos de beleza. No entanto, nenhum deles poderia ser acusado de desprezá-la ou de buscar deliberadamente a produção de algo feio. Posto isto, a discussão levantada pelo autor referente à hierarquização dos valores sob uma visão fervorosa com vista à importância da beleza suspende questões relevantes. Tais como: Teria a arte mudado de natureza no século XX? ou em outras palavras, teria sido o termo “arte” indevidamente apropriado por algo alheio a ela? Partindo deste princípio, no nosso ponto de vista, refletimos torna-se inválido o belo seja considerado única e exclusivamente fuga aos tormentos da humanidade ou ao realce da sua satisfação e bel-prazer, assim como o feio deixa de ser considerado como um tipo de expressão feita para chocar ou considerada vazia, sem fundamento. De contrário, o feio apresenta uma visão mais concreta do que o artista tenciona comunicar aos seus espectadores, sem quaisquer filtros e, por esse motivo, este pode ser considerado belo para o próprio artista, como também pode ser considerado belo para os seus espectadores. Assente nessa dimensão, a arte moderna pretende expor, em primeira mão, a ideia, o conceito, que provém de um pensamento, de um sonho, de uma inquietação, de um desejo, entre outros variados aspetos de cognição. E, em último lugar a técnica ou a apresentação final, uma vez que essa provém e está inteiramente dependente da primeira parte da criação de uma obra de arte.