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O presente artigo busca delimitar os ho- na Europa Ocidental por volta dos anos
rizontes teóricos que inauguram a tradição 60 é que ele era efetivamente um eco do
estruturalista e, posteriormente, a tradição esforço realizado em certos países do les-
pós-estruturalista no contexto do pensa- te, e em particular na Tchecoslováquia,
mento crítico. Cabe dizer que os interesses para se libertar do dogmatismo marxista.
E, por volta dos anos 55 ou 60, enquanto
aqui expressados não objetivam uma refle-
em um país como a Tchecoslováquia a ve-
xão conclusiva, mas, antes, uma reflexão lha tradição do formalismo europeu do
introdutória que possa contribuir com o pré-guerra estava renascendo, viu-se sur-
debate. gir quase ao mesmo tempo na Europa O-
Foucault afirma que o estruturalismo é um cidental o que se chamou de estrutura-
tipo de pensamento formal e que, fora dos lismo – ou seja, do meu ponto de vista,
domínios da linguística ou da mitologia uma nova forma, uma nova modalidade
comparada, poucos autores saberiam dizer desse pensamento, dessa pesquisa for-
exatamente o que significa. malista. Eis como eu situaria o fenômeno
estruturalista, relocalizando-o nessa gran-
O que me surpreende no que se chamou de corrente do pensamento formal (FOU-
de movimento estruturalista na França e CAULT, 2005, p. 308).
Podemos afirmar que o autor fez a decla- blema (FOUCAULT, 2005, p. 311-312).
ração após o sucesso de sua proposta no
Primeiro Congresso Eslavo Internacional de Houve, a partir dali, um movimento que
Praga. Deste modo, o autor sugere que o aliava o marxismo tanto ao estruturalismo
círculo linguístico de Praga está estreita- quanto à psicanálise freudiana. A fenome-
mente ligado tanto às correntes da linguís- nologia ficava, pois, formalmente descarta-
tica ocidental quanto às correntes da lin- da. Mais tarde, Lévi-Strauss descreveria seu
guística russa. método antropológico por meio da noção
Em contrapartida, devemos observar que central de estrutura inconsciente:
Jakobson e Saussure definem diferentes
teorias da estrutura da linguagem, apesar Se, como cremos, a atividade inconscien-
de serem considerados os pais fundadores te do espírito consiste em impor formas a
do estruturalismo contemporâneo. Jakob- um conteúdo, e se as formas são funda-
son considerava demasiadamente abstrata mentalmente as mesmas para todos os
espíritos, antigo e moderno, primitivo e
e um tanto estática as formulações de Saus-
civilizado [...] é preciso e basta atingir a
sure. “Este autor tratava as formulações estrutura inconsciente, subjacente a cada
dicotômicas do outro de uma forma dialéti- instituição ou a cada costume, para obter
ca, insistindo em uma situação de sincronia um princípio de interpretação válido para
dinâmica, a estreita relação entre forma e outras instituições e outros costumes
significado” (WAUGH; MONVILLE-BURS- (PETERS, 2000, p. 23).
TON, 1990, p. 09).
Foi neste mesmo momento, ou seja, o Com isto, Lévi-Strauss sugere que pode-
momento em que as questões relacionadas mos chegar à estrutura inconsciente por
à linguagem foram colocadas, que Lacan meio do emprego do método estrutural que
afirmaria: “Por mais que vocês [se referindo anteriormente fora desenvolvida pela lin-
aos autores da fenomenologia] se esfor- guística estrutural. Argumenta, também,
cem, o inconsciente tal como ele funciona que a fonologia (leia-se “linguística estrutu-
não pode ser reduzido aos efeitos de atribu- ral”) “não pode deixar de desempenhar pe-
ição de sentido dos quais o sujeito fenome- rante as ciências sociais o mesmo papel re-
nológico é capaz” (LACAN apud FOUCAULT, novador que a física nuclear, por exemplo,
2005, p. 311). Assim sendo, ficou claro que desempenhou no conjunto das ciências exa-
Lacan propunha uma questão absolutamen- tas” (STRAUSS, 2008, p.45).
te simétrica à questão dos linguistas. Lévi-Strauss conheceu a proposta estrutu-
ralista em meados de 1940, na New School
O sujeito fenomenológico era, pela se- for Social Science Research. Conheceu-a, na
gunda vez, [agora] pela psicanálise, des- ocasião, por Jakobson e, poucos anos mais
qualificado, tal como o fora pela teoria tarde, em 1945, publicaria um artigo – em
linguística. E compreende-se bem por que uma revista que pertencia ao próprio Ja-
Lacan pôde dizer nesse momento que o
kobson – no qual relacionava a linguística
inconsciente era estruturado como uma
linguagem: tanto para uns como para os
estrutural com a etnologia. Cabe dizer, ain-
outros, tratava-se do mesmo tipo de pro- da, que o artigo publicado na revista se tor-
naria um dos primeiros capítulos da obra
Estação Científica (UNIFAP) http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao
ISSN 2179-1902 Macapá, v. 5, n. 1, p. 33-46, jan./jun. 2015
Estruturalismo e pós-estruturalismo: uma arqueologia dos conceitos e o lugar ocupado por Foucault 37
Antropologia Estrutural, publicada em 1958 que nunca levam a resultados externos
e que reunia uma coleção de artigos escri- ao sistema nem empregam elementos
tos por Lévi-Strauss do ano de 1944 até o que lhe sejam externos. Em suma, o con-
ano de 1957. ceito de estrutura é composto de três i-
Por conseguinte, após a publicação de An- deias-chave: a ideia de totalidade, a ideia
de transformação e a ideia de auto-
tropologia Estrutural, a chamada “revolu-
regulação (PIAGET, 1971, p. 05).
ção estruturalista” floresce na França em
meados dos anos 60. Roland Barthes publi-
Acerca da totalidade pensada por Piaget,
ca sua obra Mythologies em 1957 e, segui-
sua composição emerge da distinção do que
damente, torna-se Directeur d’études em
o autor chamou estruturas e agregados.
“sociologia dos signos, dos símbolos e das
Consideravam-se apenas as estruturas co-
representações” da École des Hautes Étu-
mo totalidades, enquanto os agregados são
des; Foucault publica Folie et deraison: his-
compostos por elementos independentes
toire de la folie à l’âge classifique, em 1961;
aos complexos nos quais eles compõem.
Louis Althusser, convidando Jacques Lacan
Piaget afirma que “os elementos de uma
a proferir seu seminário na École Normale,
estrutura estão subordinadas a leis e é nos
inicia um interessante e muito produtivo
termos dessas leis que a estrutura qua tota-
diálogo entre o marxismo e a psicanálise
lidade ou sistema é definida” (PIAGET,
que, posteriormente, em 1966, culminaria
1971, p. 07).
na publicação do livro Pour Marx, do pró-
Sendo assim, a natureza do “todo estrutu-
prio Louis Althusser e, assim sucessivamen-
ral” depende de suas leis de composição;
te (DOSSE, 1997).
leis que, por sua vez, determinam as trans-
Já no final da explosão estruturalista na
formações do sistema, sejam elas matemá-
França, Jean Piaget – o epistemólogo – pu-
ticas ou temporais. Já no caso das auto-
blica seu livro intitulado Le structuralisme
regulações, Piaget diz implicar tanto uma
(1968), que também nos é bastante útil na
automanutenção quanto um fechamento.
busca por uma definição do estruturalis-
Isso acarretaria, segundo o autor, em três
mo3:
mecanismos básicos de auto-regulação:
“ritmo (como em biologia), regulação (no
Em uma primeira aproximação, podemos
dizer que uma estrutura é um sistema de
sentido cibernético) e operação (no sentido
transformações. Na medida em que é um da lógica)” (PETERS, 2000, p. 25).
sistema e não uma simples coleção de e- Mais tarde, Piaget discutiria a ques-
lementos e de suas propriedades, essas tão que relaciona o estruturalismo à dialéti-
transformações envolvem leis: a estrutu- ca. Afirmaria que, “na medida em que se
ra é preservada ou enriquecida pelo pró- opta pela estrutura e se desvaloriza a gêne-
prio jogo de seus leis de transformação se, a história e a função ou até mesmo a
atividade do próprio sujeito, não se pode
3
Cabe dizer, ainda, que o livro foi publicado em um con- deixar de entrar em conflito com os princí-
texto onde o estruturalismo já havia se identificado com
pios centrais dos modos dialéticos de pen-
atitudes políticas arcaicas; muitos interpretam os even-
tos de Maio de 1968 como sendo uma refutação crítica samento” (PETERS, 2000, p. 25).
que o movimento estruturalista fazia ao humanismo
burguês.