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Artigo de revisão de literatura

Estruturalismo e pós-estruturalismo: uma arqueologia dos conceitos e o


lugar ocupado por Foucault

Ramon Taniguchi Piretti Brandão1


1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo e graduado em Ciências
Sociais, Brasil. E-mail: ramonbrandao41@hotmail.com

RESUMO: O presente artigo busca delimitar os horizontes teóricos que


possibilitaram a emergência da tradição estruturalista e pós-estruturalista
no pensamento crítico ocidental. Olharemos para este objeto a partir de
uma ótica foucautiana, tentando responder em paralelo qual é o lugar que
o filósofo francês ocupa e quais suas posições acerca de ambas as prerro-
gativas.
Palavras-chave: Estruturalismo, pós-estruturalismo, Foucault, pensamento
crítico.
Structuralism and post-structuralism: an archeology of the concepts and
the place occupied by Foucault
ABSTRACT: The present article seeks delimit the theoretical horizons that
enable the emergency of the structuralist and post-structuralist theory in
the western critical thinking. We will look at this object from the Foucualt’s
point of view, trying to answer in parallel what place that French philoso-
pher occupies and what their positions about both prerogatives.
Keywords: Structuralism, post-structuralism, Foucault, critical thinking.

O presente artigo busca delimitar os ho- na Europa Ocidental por volta dos anos
rizontes teóricos que inauguram a tradição 60 é que ele era efetivamente um eco do
estruturalista e, posteriormente, a tradição esforço realizado em certos países do les-
pós-estruturalista no contexto do pensa- te, e em particular na Tchecoslováquia,
mento crítico. Cabe dizer que os interesses para se libertar do dogmatismo marxista.
E, por volta dos anos 55 ou 60, enquanto
aqui expressados não objetivam uma refle-
em um país como a Tchecoslováquia a ve-
xão conclusiva, mas, antes, uma reflexão lha tradição do formalismo europeu do
introdutória que possa contribuir com o pré-guerra estava renascendo, viu-se sur-
debate. gir quase ao mesmo tempo na Europa O-
Foucault afirma que o estruturalismo é um cidental o que se chamou de estrutura-
tipo de pensamento formal e que, fora dos lismo – ou seja, do meu ponto de vista,
domínios da linguística ou da mitologia uma nova forma, uma nova modalidade
comparada, poucos autores saberiam dizer desse pensamento, dessa pesquisa for-
exatamente o que significa. malista. Eis como eu situaria o fenômeno
estruturalista, relocalizando-o nessa gran-
O que me surpreende no que se chamou de corrente do pensamento formal (FOU-
de movimento estruturalista na França e CAULT, 2005, p. 308).

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tural 1. Foucault, observando tais relações,


Evidentemente, a posição crítica do autor afirmou:
não vem acompanhada de qualquer tipo de
desprezo à teoria estruturalista e seus des- O problema da linguagem veio à tona, e
dobramentos. Sempre se referindo ao es- pareceu que a fenomenologia não era ca-
truturalismo enquanto um fenômeno for- paz de dar conta, tão bem quanto uma
malista, Foucault demonstra sua importân- análise estrutural, dos efeitos de sentido
cia e sua influência no pensamento crítico que podiam ser produzidos por uma es-
trutura de tipo linguístico, escritura em
desde os acontecimentos de Maio de 1968.
que o sujeito no sentido da fenomenolo-
Vai além, afirma que o fenômeno foi “tão gia não intervinha como aquele que con-
importante em seu gênero quanto o ro- fere o sentido. E, muito naturalmente, es-
mantismo ou o positivismo do século XIX” tando a esposa fenomenológica desquali-
(FOUCAULT, 2005, p. 309). ficada por sua incapacidade de falar da
Desde o ano de 1945, principalmente linguagem, o estruturalismo tornou-se a
França e por uma série de razões culturais e nova noiva (FOUCAULT, 2005, p. 311).
políticas, o marxismo constituía uma espé-
cie de horizonte intransponível. Isso não Assim, em meio a este contexto, mesmo a
impediu, como veremos, que alguns grupos psicanálise que naquele momento estava
intelectuais trabalhassem em alternativas sob a notável influência de Lacan, fez apa-
de pensamento que não se submetessem à recer um problema que, apesar de muito
cultura predominante do freud-marxismo. distinto do anunciado pelos circuitos da
Surgiram, por exemplo, alternativas Hus- linguagem, não deixava escapar uma sutil
serl-marxistas, ou seja, não mais a relação analogia a ele; “O problema era precisa-
da psicanálise com o marxismo, mas da fe- mente o inconsciente, o inconsciente que
nomenologia com o marxismo. Entre os es- não podia ser encaixado em uma análise de
tudiosos que apostaram na alternativa es- tipo fenomenológico” (FOUCAULT, 2005, p.
tão Merleau-Ponty, Sartre, Lyotard, Dufres- 311). A prova disso, nos aponta Foucault, é
ne, e mesmo os intelectuais que não conce- o fato de que tanto Marleau-Ponty quanto
biam o marxismo como alternativa ideoló- Sartre tentaram reduzir, incessantemente,
gica – mas que certamente não o ignorava – o positivismo, o mecanicismo ou “o coisis-
como Ricoeur. mo de Freud em nome da afirmação de um
De modo consequente, muito rapidamen- sujeito constitutivo” (FOUCAULT, 2005, p.
te após a referida tentativa de casar a fe- 311).
nomenologia com a teoria marxista, surgia Ferdinand de Saussure, linguista suíço,
na França o desenvolvimento de um méto- possui uma obra – que é, na verdade, a pu-
do estrutural que, tão logo aceito, substitui- blicação de seus cursos a partir de transcri-
ria a fenomenologia para fazer par com o ções de suas aulas - que leva o nome Cours
marxismo. A passagem da fenomenologia de Linguistique (SAUSSURE, 1971). Nele, o
ao estruturalismo envolveu, dentre outras autor concebe a linguagem como um siste-
coisas, o problema da linguagem; ou me-
lhor, tem a sua origem na linguística estru- 1
Fundada, principalmente, por Ferdinand de Saussure e
Roman Jakobson.

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ma de significação. Tal livro serviu de base Em primeiro lugar; a fonologia linguística
para o desenvolvimento do estruturalismo estrutural passa do estudo dos fenôme-
do século XX. Saussure via os elementos da nos linguísticos conscientes para o estudo
linguagem de forma relacional, diferindo, de sua infraestrutura inconsciente; em
então, sua abordagem “científica” ou “sin- segundo lugar, ela se recusa a tratar os
termos como entidades independentes,
crônica” de estudos diacrônicos e históricos
tomando, ao contrário, como base de sua
das línguas que, até então, predominavam2. análise as relações entre os termos; em
Lévi-Strauss (2008), por sua vez, afirmaria terceiro lugar, ela introduz a noção de sis-
mais tarde que as ciências sociais devem ser tema; finalmente, ela visa à descoberta
capazes de formular questões, de formular das leis gerais, quer encontradas por in-
“relações necessárias” e que, com o estru- dução, quer deduzidas logicamente
turalismo, novas perspectivas se abrem pa- (STRAUSS, 2008, p. 45).
ra a investigação. Deste modo, o método
permite que o antropólogo estude sistemas Aliás, foi o linguista russo Roman Jakobson
de parentesco da mesma forma que o lin- que primeiramente usou, em 1929, o termo
guista estuda fonemas, ou seja, eles só ad- estruturalismo. Ao usá-lo, o autor buscava
quirem essa significação sob a condição de designar “uma abordagem estruturo-
se integrarem em sistemas. Os sistemas de funcional de investigação científica dos fe-
parentesco, portanto, assim como os siste- nômenos, cuja tarefa básica consistiria em
mas fonológicos, “são elaborados pelo espí- revelar as leis internas de um sistema de-
rito no estágio do pensamento inconscien- terminado” (PETERS, 2000, p. 22). Jakobson
te” (STRAUSS, 2008, p. 13). Em 1961, em expressava seu programa da seguinte for-
uma conferência no Collège de France, Lévi- ma:
Strauss reconheceria sua dívida com Saus-
sure e definiria a antropologia estrutural Se tivermos que escolher um termo que
como um ramo da semiologia. sintetize a ideia central da ciência atual,
Ele – Lévi-Strauss – define o método em suas mais variadas manifestações, di-
estrutural a partir da declaração de Nikolai ficilmente poderemos encontrar uma de-
Trubetzkoy (1973) (membro da Escola lin- signação mais apropriada que a de estru-
turalismo. Qualquer conjunto de fenô-
guística de Praga), autor da obra Princípios
menos analisados pela ciência contempo-
de Fonologia: rânea é tratado não como um aglomera-
do mecânico, mas como um todo estrutu-
ral, e sua tarefa básica consiste em reve-
2
Em seus estudos, Saussure distinguia o ato de falar, os
lar as leis internas – sejam elas estáticas,
“os eventos de fala” do sistema formal de linguagem que sejam elas dinâmicas – desse sistema. O
governava os eventos de fala. O autor estava interessan- que parece ser o foco das preocupações
do, portanto, nas funções dos elementos linguísticos e científicas não é mais o estímulo exterior,
não em sua causa, como a maioria dos estudiosos do mas as premissas internas do desenvol-
período. A palavra, para ele, era definida como sendo um
signo que se formava por um conceito e um som. Em
vimento: a concepção mecânica dos pro-
outras palavras, formava-se por um significado e um cessos cede lugar, agora, à pergunta so-
significante. Cabe dizer, ainda, que para o autor nenhum bre suas funções (PETERS, 2000, p. 22).
deles era a causa do outro, mas que, antes, eles se rela-
cionavam em funcionalidade; um dependia do outro.

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Podemos afirmar que o autor fez a decla- blema (FOUCAULT, 2005, p. 311-312).
ração após o sucesso de sua proposta no
Primeiro Congresso Eslavo Internacional de Houve, a partir dali, um movimento que
Praga. Deste modo, o autor sugere que o aliava o marxismo tanto ao estruturalismo
círculo linguístico de Praga está estreita- quanto à psicanálise freudiana. A fenome-
mente ligado tanto às correntes da linguís- nologia ficava, pois, formalmente descarta-
tica ocidental quanto às correntes da lin- da. Mais tarde, Lévi-Strauss descreveria seu
guística russa. método antropológico por meio da noção
Em contrapartida, devemos observar que central de estrutura inconsciente:
Jakobson e Saussure definem diferentes
teorias da estrutura da linguagem, apesar Se, como cremos, a atividade inconscien-
de serem considerados os pais fundadores te do espírito consiste em impor formas a
do estruturalismo contemporâneo. Jakob- um conteúdo, e se as formas são funda-
son considerava demasiadamente abstrata mentalmente as mesmas para todos os
espíritos, antigo e moderno, primitivo e
e um tanto estática as formulações de Saus-
civilizado [...] é preciso e basta atingir a
sure. “Este autor tratava as formulações estrutura inconsciente, subjacente a cada
dicotômicas do outro de uma forma dialéti- instituição ou a cada costume, para obter
ca, insistindo em uma situação de sincronia um princípio de interpretação válido para
dinâmica, a estreita relação entre forma e outras instituições e outros costumes
significado” (WAUGH; MONVILLE-BURS- (PETERS, 2000, p. 23).
TON, 1990, p. 09).
Foi neste mesmo momento, ou seja, o Com isto, Lévi-Strauss sugere que pode-
momento em que as questões relacionadas mos chegar à estrutura inconsciente por
à linguagem foram colocadas, que Lacan meio do emprego do método estrutural que
afirmaria: “Por mais que vocês [se referindo anteriormente fora desenvolvida pela lin-
aos autores da fenomenologia] se esfor- guística estrutural. Argumenta, também,
cem, o inconsciente tal como ele funciona que a fonologia (leia-se “linguística estrutu-
não pode ser reduzido aos efeitos de atribu- ral”) “não pode deixar de desempenhar pe-
ição de sentido dos quais o sujeito fenome- rante as ciências sociais o mesmo papel re-
nológico é capaz” (LACAN apud FOUCAULT, novador que a física nuclear, por exemplo,
2005, p. 311). Assim sendo, ficou claro que desempenhou no conjunto das ciências exa-
Lacan propunha uma questão absolutamen- tas” (STRAUSS, 2008, p.45).
te simétrica à questão dos linguistas. Lévi-Strauss conheceu a proposta estrutu-
ralista em meados de 1940, na New School
O sujeito fenomenológico era, pela se- for Social Science Research. Conheceu-a, na
gunda vez, [agora] pela psicanálise, des- ocasião, por Jakobson e, poucos anos mais
qualificado, tal como o fora pela teoria tarde, em 1945, publicaria um artigo – em
linguística. E compreende-se bem por que uma revista que pertencia ao próprio Ja-
Lacan pôde dizer nesse momento que o
kobson – no qual relacionava a linguística
inconsciente era estruturado como uma
linguagem: tanto para uns como para os
estrutural com a etnologia. Cabe dizer, ain-
outros, tratava-se do mesmo tipo de pro- da, que o artigo publicado na revista se tor-
naria um dos primeiros capítulos da obra
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Antropologia Estrutural, publicada em 1958 que nunca levam a resultados externos
e que reunia uma coleção de artigos escri- ao sistema nem empregam elementos
tos por Lévi-Strauss do ano de 1944 até o que lhe sejam externos. Em suma, o con-
ano de 1957. ceito de estrutura é composto de três i-
Por conseguinte, após a publicação de An- deias-chave: a ideia de totalidade, a ideia
de transformação e a ideia de auto-
tropologia Estrutural, a chamada “revolu-
regulação (PIAGET, 1971, p. 05).
ção estruturalista” floresce na França em
meados dos anos 60. Roland Barthes publi-
Acerca da totalidade pensada por Piaget,
ca sua obra Mythologies em 1957 e, segui-
sua composição emerge da distinção do que
damente, torna-se Directeur d’études em
o autor chamou estruturas e agregados.
“sociologia dos signos, dos símbolos e das
Consideravam-se apenas as estruturas co-
representações” da École des Hautes Étu-
mo totalidades, enquanto os agregados são
des; Foucault publica Folie et deraison: his-
compostos por elementos independentes
toire de la folie à l’âge classifique, em 1961;
aos complexos nos quais eles compõem.
Louis Althusser, convidando Jacques Lacan
Piaget afirma que “os elementos de uma
a proferir seu seminário na École Normale,
estrutura estão subordinadas a leis e é nos
inicia um interessante e muito produtivo
termos dessas leis que a estrutura qua tota-
diálogo entre o marxismo e a psicanálise
lidade ou sistema é definida” (PIAGET,
que, posteriormente, em 1966, culminaria
1971, p. 07).
na publicação do livro Pour Marx, do pró-
Sendo assim, a natureza do “todo estrutu-
prio Louis Althusser e, assim sucessivamen-
ral” depende de suas leis de composição;
te (DOSSE, 1997).
leis que, por sua vez, determinam as trans-
Já no final da explosão estruturalista na
formações do sistema, sejam elas matemá-
França, Jean Piaget – o epistemólogo – pu-
ticas ou temporais. Já no caso das auto-
blica seu livro intitulado Le structuralisme
regulações, Piaget diz implicar tanto uma
(1968), que também nos é bastante útil na
automanutenção quanto um fechamento.
busca por uma definição do estruturalis-
Isso acarretaria, segundo o autor, em três
mo3:
mecanismos básicos de auto-regulação:
“ritmo (como em biologia), regulação (no
Em uma primeira aproximação, podemos
dizer que uma estrutura é um sistema de
sentido cibernético) e operação (no sentido
transformações. Na medida em que é um da lógica)” (PETERS, 2000, p. 25).
sistema e não uma simples coleção de e- Mais tarde, Piaget discutiria a ques-
lementos e de suas propriedades, essas tão que relaciona o estruturalismo à dialéti-
transformações envolvem leis: a estrutu- ca. Afirmaria que, “na medida em que se
ra é preservada ou enriquecida pelo pró- opta pela estrutura e se desvaloriza a gêne-
prio jogo de seus leis de transformação se, a história e a função ou até mesmo a
atividade do próprio sujeito, não se pode
3
Cabe dizer, ainda, que o livro foi publicado em um con- deixar de entrar em conflito com os princí-
texto onde o estruturalismo já havia se identificado com
pios centrais dos modos dialéticos de pen-
atitudes políticas arcaicas; muitos interpretam os even-
tos de Maio de 1968 como sendo uma refutação crítica samento” (PETERS, 2000, p. 25).
que o movimento estruturalista fazia ao humanismo
burguês.

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O autor entraria, ali, em uma discussão nhum – dos protagonistas do movimento


que envolveria, principalmente, Lévi-Strauss estruturalista na França sabiam muito bem
e Sartre, concluindo em seguida que não o que estava em jogo.
poderia existir qualquer conflito inerente
entre o estruturalismo e a dialética. Iria a- Enfatizei inicialmente que, no fundo, no
lém, diria que o livro de Michel Foucault “As que se refere ao que foi o estruturalismo,
Palavras e as Coisas” era – ou soava – como não somente – o que é normal – nenhum
um “estruturalismo sem estruturas”, onde dos atores desse movimento, mas tam-
bém nenhum daqueles que, por vontade
afirmava não ser possível a existência de
ou à força, receberam a etiqueta de es-
um “estruturalismo coerente à parte do truturalista sabiam exatamente do que se
construtivismo” (PETERS, 2000, p. 135). tratava. Certamente, aqueles que aplica-
Piaget afirma corretamente que, ao invés vam o método estrutural em domínios
de Foucault postular estruturas como dizi- muito precisos, como a linguística, a mito-
am alguns autores, o autor falava, na ver- logia comparada, sabiam o que era o es-
dade, de epistemes que estavam ligadas à truturalismo, mas, desde que ultrapassa-
linguagem e que, sendo assim, “as ciências vam esses domínios muito precisos, nin-
humanas não passam de resultados de mu- guém sabia ao certo o que isso era (FOU-
tações de epistemes que se seguem umas CAULT, 2005, p. 307).
às outras no tempo, sem qualquer sequên-
cia pré-ordenada ou necessária” (PETERS, Ademais, as investigações estruturalistas
2000, p. 26). Sendo assim, essa arqueologia convergiam em um único aspecto com a
das ciências humanas decreta o fim do ho- proposta de Foucault – e, mais tarde, com
mem. Piaget discorda de Foucault neste as investigações pós-estruturalistas; opu-
aspecto, argumentando que nha-se à concepção filosófica que afirmava
teoricamente uma primazia do sujeito.
As ‘estruturas’ não mataram o homem, Questão esta que, como se sabe, havia sido
nem aniquilaram as atividades do sujeito. dominante na França desde a época de
[...] Em primeiro lugar, convém distinguir Descartes e que, posteriormente, havia ser-
entre o sujeito individual [...] e o sujeito vido
epistêmico [...]. Em segundo lugar, é pre-
ciso separar a tomada de consciência, De postulado fundamental para uma am-
sempre fragmentária e, com frequência pla gama de abordagens filosóficas, dos
deformante, daquilo que o sujeito conse- anos 30 aos 50, incluindo o existencialis-
gue fazer em suas atividades intelectuais: mo fenomenológico, ‘uma espécie de
dessas últimas ele conhece apenas seus marxismo às voltas com um conceito de
resultados, mas não seus mecanismos alienação’ [...], e as tendências no campo
(PIAGET, 1971, p. 139). da psicologia que negam o inconsciente.
(PETERS, 2000, p. 27).
Trago à tona a entrevista que Foucault
concedeu e no qual deixa evidente que, à Aliás, para que a questão acerca da posi-
parte dos autores que usaram o método ção do autor desde agora fique clara, quan-
estruturalista no campo da linguística e na do questionado em uma das entrevistas
mitologia comparativa, poucos – ou ne- sobre seu método ou sobre a tradição críti-
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ca da qual fazia uso, o autor francês foi pon- xista’ no livro de Lyotard, A condição pós-
tual: “Nunca fui freudiano, nunca fui mar- moderna. No período que antecedeu sua
xista e jamais fui estruturalista” (FOU- morte, Deleuze estava escrevendo um li-
CAULT, 2005, p. 312); seu horizonte e prin- vro sobre Marx – ele se via, claramente,
cipal referência na teoria crítica da segunda como um tipo de marxista (PE-TERS,
2000, p. 27).
metade da década de 1950 e década de
1960 foi o filósofo alemão Friedrich Nietzs-
Fala-se que as diversas leituras e interpre-
che. Autor que, por sua vez, representaria
tações de Nietzsche foram fundamentais
uma experiência crucial na abolição do ato
para a emergência do pós-estruturalismo;
fundador do sujeito.
sobretudo a leitura feita por Martin Hei-
Enquanto percebo claramente que, atrás
degger que, posteriormente (principalmen-
do que se chamou de estruturalismo, ha- te nas décadas de 60, 70 e 80), influenciari-
via um certo problema, que era em geral am não somente Foucault, mas, também,
o do sujeito e o do remanejamento do su- autores como Deleuze, Derrida, Klossowski,
jeito, não vejo, nos chamados pós- Koffman, etc. Mesmo Sartre partiu de Ni-
modernos ou pós-estruturalistas, que tipo etzsche para poder chegar à fenomenologi-
de problema lhes seria comum (FOU- a. Seu primeiro escrito, quando ainda era
CAULT, 2005, p. 323). um estudante, chama-se La légende de la
vérité, publicado em 1931 mas escrito em
Outro ponto de fundamental importância 1929. Ele havia, assim como Foucault, par-
acerca das posições do autor: Foucault foi, tido de um mesmo problema, mas sua a-
por vezes, “acusado” de menosprezar o bordagem acabou por se voltar da história
marxismo. Suas posições acerca da teoria da verdade à fenomenologia.
marxiana eram questões bastante locais;
eram todas elas concernentes às relações Meu problema é a relação do si consigo e
do autor com o partido comunista francês – do dizer verdadeiro. Minha relação com
partido que, naquele momento, possuía Nietzsche, o que devo a ele, eu devo mui-
inclinações stalinistas – e ao domínio filosó- to aos seus textos do período de 1880,
fico de um marxismo existencialista, duran- nos quais a questão da verdade e a histó-
te os anos de 1940 e 50. ria da verdade e da vontade de verdade
eram para ele centrais (FOUCAULT, 2005,
p. 321).
Na verdade, o marxismo estruturalista al-
thusseriano teve uma enorme influência
sobre a geração de pensadores que nós Não obstante, o chamado pós-estruturalis-
agora chamamos de ‘pós-estruturalistas’ mo se caracterizou, sobretudo, como sendo
e cada um deles, à sua própria maneira, um modo de pensamento, “um estilo de
acertou suas contas com Marx: vejam-se, filosofar e uma forma de escrita, embora o
por exemplo, as Observações sobre Marx termo não deva ser utilizado para dar qual-
(1991) que Foucault fez em entrevista quer ideia de homogeneidade, singularida-
com o marxista italiano Duccio Tromba- de ou unidade” (PETERS, 2000, p. 28).
dori; ou os Espectros de Marx, de Derrida
(1994); ou a tese da mercantilização ‘mar- De forma mais geral, podemos dizer que

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o termo é um rótulo utilizado na comuni- o signo e o jogo no discurso das ciências


dade acadêmica de língua inglesa para humanas, discute a questão do “descen-
descrever uma resposta distintivamente tramento”, distinguindo duas manifesta-
filosófica ao estruturalismo que caracteri- ções ou interpretações de estrutura: a pri-
zava os trabalhos de Claude Lévi-Strauss meira de inspiração hegeliana e exemplifi-
(antropologia), Louis Authusser (marxis-
cada no trabalho de Lévi-Strauss, objetiva
mo), Jacques Lacan (psicanálise) e Roland
Barthes (literatura) (PETERS, 2000, p. 28).
“decifrar uma verdade ou uma origem que
escapem ao jogo e à ordem do signo”, bus-
Alguns autores – como o caso do filósofo cando, consequentemente, certa “inspira-
alemão Manfred Frank – preferem o uso ção de um novo humanismo”. A segunda,
outros termos. Neoestruturalismo, por e- “que já não está voltada para a origem, a-
xemplo, é um dos termos utilizados e que, firma o jogo e procura superar o homem e o
ao contrário de sugerir algo que venha após humanismo” (PETERS, 2000, p. 31).
o estruturalismo – como, por vezes, aconte- O humanismo, portanto, tentou colocar o
ce nas interpretações acerca do que seja o sujeito no centro da análise e das teorias
“pós-estruturalismo” – propõe uma conti- formuladas ao seu redor, vendo-o como a
nuidade com relação ao mesmo (PETERS, origem e a fonte do pensamento e da ação,
2000, p. 28). enquanto a teoria estruturalista – sobretu-
O que deve interessar é que o pós- do aquela que vinha de uma leitura althus-
estruturalismo, neo-estruturalismo ou su- seriana – via os sujeitos como simples por-
per-estruturalismo (HARLAND, 1987), mais tadores de estruturas.
que sua denominação, são críticas feitas por
Os pós-estruturalistas continuam, de for-
dentro do próprio estruturalismo, ou seja,
mas variadas, a sustentar essa compreen-
são argumentos de certa forma estruturalis- são estruturalista do sujeito, concebendo-
tas feitos ao próprio estruturalismo e que, o, em termos relacionais, como um ele-
por fim, ilustram certas inconsistências que mento governado por estruturas e siste-
são fundamentais em seu método - ou, nas mas, continuando a questionar também
palavras de John Sturrock: “inconsistências as diversas construções filosóficas do su-
que os estruturalistas ignoram” (STURROCK jeito: o sujeito cartesiano-kantiano, o su-
apud PETERS, 2000, p. 28). Não pode ele, jeito hegeliano e fenomenológico; o sujei-
portanto, ser reduzido a um método, uma to do existencialismo, o sujeito coletivo
teoria ou a uma escola; talvez seja mais a- marxista (PETERS, 2000, p. 31).
propriado referir-se a ele como sendo um
movimento de pensamento que inaugura Em contrapartida, o pós-estruturalismo
um novo olhar e uma nova prática acerca pretende – devido à clara aproximação com
da teoria crítica. Contudo, é importante Nietzsche – se filiar com um discurso de
pontuarmos que tanto o estruturalismo “crítica da verdade” e, consequentemente,
quanto o pós-estruturalismo possuem im- enfatizando uma pluralidade de interpreta-
portantes convergências que anunciarei nas ção; “tanto filosófica quanto esteticamente,
páginas seguintes. para que cada um supere a si próprio, em
Derrida, em ensaio intitulado A estrutura, um processo de perpétuo autodevir” (PE-
TERS, 2000, p. 32).
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Tais temas filosóficos foram absolutamen- aversão que tinha Nietzsche pelas ten-
te incorporados pelos autores do pós- dências universalizantes da filosofia mo-
estruturalismo francês e reproduzidos de derna. Derrida, seguindo Nietzsche, Hei-
diversas formas. A questão nietzschiana de degger e Saussure, questiona os pressu-
vontade de potência e sua consequente postos que governam o pensamento bi-
nário, demonstrando como as oposições
manifestação como vontade de verdade e
binárias sustentam, sempre, uma hierar-
vontade de saber foi um tema amplamente quia ou uma economia do valor que ope-
abordado por Foucault que, através da ge- ra pela subordinação de um dos termos
nealogia nietzschiana, buscou - fazendo uso da oposição binária ao outro, utilizando a
de uma história crítica - resistir à busca por desconstrução para denunciar, deslindar
origens e essências e que, ao invés disso, se e reverter essas hierarquias. Deleuze
debruçou sobre questões relacionadas à (1983, original de 1962) fixa-se na dife-
proveniência e emergência de saberes e de rença como elemento característico que
verdades. permite substituir Hegel por Nietzsche,
Mais um exemplo – acerca de Foucault – privilegiando os ‘jogos da vontade de po-
muito ilustrativo: é sabido que o autor, tência’ contra o trabalho da dialética’
quando empregava o termo “arqueologia”, (PETERS, 2000, p. 32).
não se limitava a analisar algo deslocado do
tempo, como sugeria alguns estruturalistas, Todos os autores pós-estruturalistas, en-
mas, antes, ao contrário de estudar a histó- tão, questionam a suposta universalidade
ria das ideias em sua evolução, em seu pro- do que chamaram “asserções de verdade”.
cesso de evolução, o autor objetivava ver, Especificamente Foucault, neste contexto,
por baixo das próprias ideias, como pude- vê a verdade como sendo um mero produto
ram emergir alguns objetos; objetos possí- de regimes ou gêneros discursivos que tem
veis de conhecimento (como, por exemplo, seu próprio e irredutível conjunto de regras
o caso do louco). Perguntava o autor por- para construir sentenças ou proposições
que “a loucura tornou-se, em dado momen- bem formadas. Todos eles, seguindo a Ni-
to, um objeto de conhecimento correspon- etzsche, questionavam o sujeito cartesiano-
dendo a um certo tipo de conhecimento” kantiano humanista, ou seja, “o sujeito au-
(FOUCAULT, 2005, p. 320)? Usando, por- tônomo, livre e transparentemente auto-
tanto, a palavra “arqueologia” ao invés da consciente, que é tradicionalmente visto
palavra “história”, o autor marca “essa de- como a fonte de todo o conhecimento e da
calagem entre as ideias sobre a loucura e a ação moral e política” (PETERS, 2000, p. 32).
constituição da loucura como objeto” Em contrapartida, todos esses pensadores
(FOUCAULT, 2005, p. 320). descrevem o sujeito “nietzschiano” de a-
Assim como Foucault, vários outros auto- cordo com sua complexidade histórica e
res seguiram a mesma estratégia, atuando cultural, ou seja, como um sujeito “descen-
por novas perspectivas: trado” e totalmente dependente do sistema
linguístico de seu contexto, um sujeito dis-
Ao analisar, por meio do uso de narrati- cursivamente constituído e posicionado na
vas e da narratologia, a pragmática da intersecção entre as forças libidinais e as
linguagem, Lyotard demonstra a mesma práticas socioculturais.

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Devemos compreender o pós-estrutura- nhecimento sobre si próprio e sobre o


lismo, no seu desenvolvimento no con- mundo por meio da razão.
texto histórico francês, tanto como uma Tradição, portanto, que remonta a Bacon
reação quanto como uma fuga relativa- e Descartes e que enfatiza um conhecimen-
mente ao pensamento hegeliano. Essa to científico, produzido por um “eu” racio-
reação ou fuga, para sintetizar a questão
nal e dogmático e, consequentemente, que
em termos deleuzianos, envolve, essenci-
almente, a celebração do ‘jogo da dife-
presumia fornecer verdades universais so-
rença’ contra o ‘trabalho da dialética’. O bre o mundo, sendo considerado como úni-
livro de Deleuze, Nietzsche e a Filosofia, ca alternativa verdadeira, correta e benéfi-
representa um dos momentos inaugurais ca à humanidade.
do pós-estruturalismo francês, em uma Não obstante, tanto o pós-estruturalismo
interpretação de Nietzsche que enfatiza o quanto o estruturalismo efetuam um rigo-
jogo da diferença, utilizando esse último roso ataque a preceitos universalistas da
conceito como o elemento central de um racionalidade, da autonomia, da individua-
vigoroso ataque à dialética hegeliana lidade, etc., que estão, todas, subjacentes
(PETERS, 2000, p. 32). ao sujeito do humanismo. Segundo Peters,
os dois “representam, ambos, uma reação
Acerca das proximidades entre as duas ao subjetivismo e à liberdade pessoal do
vertentes de pensamento, podemos afirmar existencialismo sartreano, bem como ao
que o pós-estruturalismo partilha da opini- ativo papel histórico concedido por este
ão estruturalista tanto acerca da crítica da último ao ego consciente” (PETERS, 2000, p.
filosofia humanista do Renascimento quan- 36).
to da emergência de um sujeito racional e Deste modo, tanto o estruturalismo quan-
autônomo do humanismo. O pós- to o pós-estruturalismo sugerem uma inter-
estruturalismo, deste modo, converge com ferência direta do contexto sócio-cultural
a teoria estruturalista no que diz respeito a na formação da autoconsciência, ao contrá-
uma posição de suspeita em relação ao pri- rio das supracitadas vertentes que, por sua
vilégio concedido à consciência humana; vez, pregam um autoconhecimento que
caracterizado, sobretudo, na fenomenolo- nega o contexto externo ao sujeito e que
gia e no existencialismo. Eles – a fenomeno- bebe, sobretudo, do hegelianismo.
logia e o existencialismo –, segundo Michael
Peters, “sustentam [...] um ceticismo para Para o pós-estruturalismo, a ênfase na
com a concepção que vê a consciência hu- autoconsciência absoluta e no seu supos-
mana como autônoma, como diretamente to universalismo é parte integrante dos
acessível e como a única base da compre- processos que tendem a excluir o Outro,
ensão e da ação” (PETERS, 2000, p. 35). ou seja, aqueles grupos sociais e culturais
Deste modo, fica aparente a herança her- que agem de acordo com critérios cultu-
dada por eles acerca da filosofia renascen- rais diferentes. Em vez de autoconsciên-
tista humanista, que tinha como pressupos- cia, o pós-estruturalismo enfatiza a cons-
to e existência de um eu estável, coerente, trução discursiva do eu – sua corporeida-
de, sua temporalidade e sua finitude, suas
apreensível, capaz de desenvolver um co-
energias inconscientes e libidinais – e a

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Estruturalismo e pós-estruturalismo: uma arqueologia dos conceitos e o lugar ocupado por Foucault 43
localização histórica e cultural do sujeito truturalistas e pós-estruturalistas de análi-
(PETERS, 2000, p. 36). se.
Outro ponto de convergência já comenta-
Além disso, podemos observar, de modo do nas páginas anteriores, mas que também
geral, convergências acerca de uma com- vale nova menção é o da relação das duas
preensão teórica da linguagem e da cultura vertentes de pensamento com o inconsci-
(que são, em ambos os casos, concebidos ente. Fala-se que tanto o estruturalismo
em termos de sistemas linguísticos e simbó- quanto o pós-estruturalismo surgiram gra-
licos nos quais as inter-relações entre ele- ças à análise de Freud acerca do inconscien-
mentos que os constituem são vistas como te. Foi a partir da teoria freudiana que aba-
mais importantes do que os elementos con- lou a até então intocável visão filosófica
siderados isoladamente). fundamentada nas já citadas racionalidade
e autotransparência do sujeito. Com a aná-
O pensamento pós-estruturalista desen- lise de Freud, tanto uma quanto a outra
volveu uma série de diferentes métodos e colocaria em cheque as distinções tradicio-
abordagens como, por exemplo, a arque- nais entre a questão da razão e desrazão
ologia, a genealogia, a desconstrução, ca-
(mais especificamente a loucura). Princi-
da um dos quais funciona de acordo com
sua própria lógica, mas, considerados em
palmente no caso do pós-estruturalismo,
seu conjunto, eles tendem a enfatizar as grande parte de sua ênfase acerca do cor-
noções de diferença, de determinação lo- po, do desejo, da sexualidade, etc., devem-
cal, de rupturas ou descontinuidades his- se as análises e inquestionável influência de
tóricas, de serialização, de repetição e Freud. Lacan, por exemplo, e a partir dos
uma crítica que se baseia na ideia de estudos feitor por Freud, faz uma leitura
‘desmantelamento’ ou de ‘desmontagem’ que enfatiza as condições estruturais e lin-
(leia-se ‘desconstrução’). Essa postura re- guísticas que subjazem ao indivíduo como
lativamente ao significado e à referência sujeito do desejo e da linguagem, ou seja,
pode ser interpretada como uma série de ele vê um eu que se forma em sua relação
anti-realismo, isto é, uma posição epis- com a linguagem.
temológica que se recusa a ver o conhe-
Enfim, fica evidente a nós que, depois des-
cimento como uma representação precisa
da realidade e se nega a conceber a ver-
te breve levantamento acerca da formação
dade em termos de uma correspondência tanto do estruturalismo quanto do pós es-
exata com a realidade (PETERS, 2000, p. truturalismo, é vasto o leque de referenciais
37). nos quais se formam as duas vertentes de
pensamento; sobretudo a pós-estruturalis-
No caso dos pós-estruturalistas, é clara a ta, que é composta, inclusive, pelo estrutu-
influência tanto de Jakobson quanto de ralismo.
Propp. Foi a partir deles que se puderam
formular novas estratégias e abordagens Podemos destacar, assim, uma herança e
para a análise de textos. Em particular, a uma tradição intelectuais que são comuns
teoria narrativa e a narratologia devem sua ao estruturalismo e ao pós-estruturalis-
mo, uma herança e uma tradição que es-
importância e popularidade aos modos es-
tão baseadas em Saussure, em Jakobson,

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nos formalismos russos, em Freud e em tema pode ser autônomo (auto-suficien-


Marx, entre outras influências. Essa histó- te) da forma que o estruturalismo exige; e
ria intelectual comum é como uma com- (2) as dicotomias definidoras nas quais o
plexa rede, feita de muitos nós. Uma ge- sistema estruturalista está baseado ex-
ração inteira de pensadores estruturalis- pressam distinções que não se sustentam
tas foi influenciada pelas interpretações após uma cuidadosa análise. Os pós-es-
existencialistas da fenomenologia do espí- truturalistas mantêm a crítica estrutura-
rito, de Hegel, feitas por Alexander Kojéve lista do sujeito, negando ao sujeito qual-
e Jean Hyppolite. O pós-estruturalismo foi quer papel importante na fundação da
fortemente influenciado pela crítica ni- realidade ou no conhecimento que po-
etzscheana da verdade e pelo conceito demos ter dessa realidade. Mas, em opo-
nietzscheano de ‘vontade de potência’; sição ao estruturalismo, eles também re-
pela crítica heideggeriana da metafísica jeitam a ideia de que um sistema de pen-
ocidental; pelo trabalho de Merleau- samento possa ter qualquer fundamenta-
Ponty sobre o corpo; pela ética do outro ção lógica (em sua coerência interna, por
de Emmanuel Levinas; pela leitura estru- exemplo). Para os pós-estruturalistas, não
turalista de Freud, feita por Lacan; e pela existe nenhuma fundação, de qualquer
leitura estruturalista de Marx, feita por tipo, que possa garantir a validade ou a
Althusser (PETERS, 2000, p. 38). estabilidade de qualquer sistema de pen-
samento (GUTTING apud PETERS, 2000, p.
Por fim, agora delimitando as inovações 39).
teóricas, podemos afirmar que, enquanto o
estruturalismo se debruça sobre a análise Tomando o pressuposto de Gutting, po-
sincrônica das estruturas, o pós-estrutura- demos pensar que a estrutura de um siste-
lismo mostra um renovado interesse por ma – em sua perspectiva lógica – deve ser
uma história crítica, ao se concentrar na definida sem ambiguidades, implicando que
análise diacrônica, na mutação, na trans- tais conceitos devam ser fundamentadas a
formação e na descontinuidade das estrutu- partir de dicotomias ou em oposições biná-
ras. O pós-estruturalismo, portanto, questi- rias (como no caso de Saussure que distin-
ona a postura cientificista das ciências hu- gue, por exemplo, significante e significa-
manas; questiona, também, tanto o racio- do). O pós-estruturalismo, por sua vez,
nalismo quanto o realismo que a vertente questiona o status privilegiado dessas dis-
estruturalista havia retomado do positivis- tinções ou dicotomias: elas não são nem
mo, adepta da capacidade potencial de fundacionais nem exclusivas da forma que
transformação do método científico e ques- os estruturalistas supõem que elas sejam.
tionando, além disso, a pretensão estrutu- Os pós-estruturalistas, em sua crítica, a-
ralista de identificar as estruturas universais firmam que as democracias liberais moder-
que seriam comuns a todas as culturas e à nas constroem suas identidades políticas
mente humana em geral. com base em oposições binárias (cida-
dão/não-cidadão, legítimo/ilegítimo, nós/e-
As críticas pós estruturalistas ao estrutu- les, etc.) que, por sua vez, tem por efeito
ralismo estão, tipicamente, baseadas em excluir determinados grupos sociais e/ou
suas teses fundamentais: (1) nenhum sis- culturais da vida comum. Algumas corren-

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Estruturalismo e pós-estruturalismo: uma arqueologia dos conceitos e o lugar ocupado por Foucault 45
tes do pós-estruturalismo, portanto, se in- delo que vinculava o significado do texto
teressam não pelos sistemas que delimitam às intenções conscientes de seu suposto
as relações desses grupos (sejam os incluí- autor (PETERS, 2000, p. 45).
dos ou os excluídos), mas, antes, em exami-
nar as teias que formam essas fronteiras, O pós-estruturalismo partilhou com seu
em como foram elas construídas socialmen- imediato antecessor, como vimos, de um
te, como são mantidas, etc. Se debruça, questionamento acerca do sujeito humanis-
sobre a desconstrução das hierarquias polí- ta e, inspirado tanto em Nietzsche quanto
ticas que, portanto, se fundamenta e se em Heidegger, divergiu do estruturalismo
legitima em oposições binárias. por conta tanto de suas pretensões cientifi-
Se existe um termo que denomina e dis- cistas quanto de sua tendência totalizante.
tingue o pós-estruturalismo das demais ver- Após 1968, por acaso das desconfianças
tentes, é o termo différence ou “diferença” acerca das ambições cientificas do estrutu-
que, nas palavras de Derrida, refere-se ao ralismo, instituiu-se um espécie de plura-
“movimento que consiste em diferir, por lismo de interpretações que, por sua vez,
adiamento, delegação, prorrogação, dila- desviava o foco do então discurso-chefe do
ção, rodeio, retardo, reserva”, mas também estruturalismo e promovia, consequente-
ao “desdobramento da diferença” (DERRI- mente, uma diversidade significativa de in-
DA apud PETERS, 2000, p. 43) entre o Ser e terpretações por meio dos conceitos de
os entes [fazendo uma alusão a Heidegger]. jogo, indeterminação e différence.
Sendo assim, podemos afirmar diante da
construção histórica desses dois fenômenos É importante, quando se discute o pós-
que, com o desenvolvimento do estrutura- estruturalismo, reconhecê-lo como um
movimento (no sentido musical do termo,
lismo, principalmente no final da década de
talvez) ou como uma complexa trama
1950 e durante os anos de 1960, levou-se à formada de muitas e diferentes corren-
institucionalização de um paradigma, diga- tes. Podemos dizer também que o pós-
mos, transdisciplinar que tinha como sua estruturalismo, como um movimento, es-
base a linguística estrutural. Isso possibili- tá em sua terceira ou quarta geração. Os
tou, consequentemente, que humanidades efeitos teóricos do trabalho da primeira
e ciências humanas se integrassem em uma geração (Foucault, Derrida, Lyotard, De-
concepção demasiado cientificista. leuze) são claramente evidentes em uma
Destaca-se, também, que o estruturalismo variedade de disciplinas, incluindo a filo-
deve ser compreendido a partir da chamada sofia, a sociologia, a política e os estudos
“virada linguística” que, por sua vez, carac- culturais, entre outros. Se o pós-estrutu-
terizou a filosofia ocidental recente. ralismo, em sua primeira e segunda gera-
ções, pode ser visto como, em grande
parte, um empreendimento francês, a si-
Essa virada representou uma vigorosa crí-
tuação agora é bem diferente: os pós-
tica tanto ao sujeito humanista, construí-
estruturalistas de terceira e quarta gera-
do como um indivíduo autônomo, livre e
ções (feministas, pós-colonialistas, psica-
criativo ou expressivo, quanto ao modelo
nalistas, neofoucaultianos, neodeleuzia-
de texto e de interpretação textual que
nos, neoderrideanos) procuram desen-
tinha seu centro nesse “sujeito”, um mo-
volver e aplicar o pensamento da primei-

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ra geração em uma série de experimentos WAUGH, Linda, R.; MONVILLE-BURSTON,


e de mutações teóricas, escapando a Monique. On Language: Roman Jakobson.
qualquer tentativa de uma definição úni- Cambridge; Mass.: Harvard University Press,
ca, porque o pensamento pós-estrutura- 1990.
lista é uma obra em andamento (PETERS,
2000, p. 46).
License information: This is an open-access article dis-
tributed under the terms of the Creative Commons Attrib-
REFERÊNCIAS ution License, which permits unrestricted use, distribu-
tion, and reproduction in any medium, provided the origi-
nal work is properly cited.
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Minneapolis: University of Minnesota Press, Artigo recebido em 03 de julho de 2015.
1997. Avaliado em 14 de outubro de 2015.
FOUCAULT, Michel. Estruturalismo e pós- Aceito em 13 de novembro de 2015.
Publicado em 16 de novembro de 2015.
estruturalismo. In: MOTA, M. (Org.). Michel
Foucault Ditos e Escritos II: Arqueologia das
ciências e história dos sistemas de pensa- Como citar este artigo (ABNT):
mento. Tradução de Elisa Monteiro. Rio de BRANDÃO, Ramon Taniguchi Piretti. Estru-
Janeiro: Forense Universitária, 2005. turalismo e pós-estruturalismo: uma arque-
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______. Microfísica do Poder. 25. ed. São
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