Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apresentação
Prezado aluno,
Com esta disciplina pretende-se iniciar os estudos de Filosofia. De imediato, deve-se atentar
a um fato simples: essa disciplina não busca outra coisa senão comentar sobre a realidade
em suas variadas possibilidades, já que estas se mostram das mais diversas formas.
Ao longo dos séculos, alguns pensadores definiram a Filosofia como arte e outros como
ciência; alguns ainda tentaram superá-la e outros encerrá-la, etc. Nesse momento não
cabe fazer pré-julgamentos sobre as possíveis definições de Filosofia. É mais interessante
e convidativo deixar que você mesmo, com o avançar de seus estudos, possa fazer a sua
própria avaliação sobre este saber tão antigo.
Algo, por sua vez, deve-se deixar claro, a saber, mencionar o que a Filosofia não é. Por
vezes, quando se adentra em livrarias ou bibliotecas, por exemplo, depara-se com a parte
dedicada à Filosofia, e, lá, erroneamente, encontra-se de tudo: autoajuda, espiritualismo,
astrologia, história, enfim. É importante marcar que a Filosofia não se confunde com nenhum
outro tipo de saber.
O que a Filosofia nos deixou depois de 2.500 anos de história foi, por um lado, uma série
de indagações e possibilidade de respostas sobre o mundo e suas relações e, por outro
lado, as várias tentativas de respostas sobre o que ela mesma é, bem como sobre os vários
significados que a realidade se apresenta aos seres humanos.
Essa interpretação do mundo, isto é, da realidade, de antemão, retira toda postura dos
indivíduos de bem estar e conforto frente a este mundo, pois questionar por seus fundamentos1
nunca foi um ofício dos mais simples e desejosos. Isso porque exige a difícil tarefa de se
introduzir na própria questão investigada, e, com isso, de também se colocar em questão, quer
dizer, de questionar os sentimentos que se sente em determinado momento, a perspectiva
que se busca interpretar determinado problema, e assim por diante.
1 Entende-se por fundamento, na linguagem corrente, aquilo que sustenta algo, como no sentido de
“fundamentos de uma casa”, embora atualmente se fale em “fundações”. Na Filosofia, fundamento esclarece algo que
sustenta certo fenômeno ou conhecimento (Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia.
3ª ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p, 113 – verbete –Fundamento).
2
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
O filosofar nasce quando se coloca em questão a própria vida, o que a mobiliza e a interessa,
bem como a existência do mundo de determinado indivíduo, abdicando-se da segurança de
uma realidade previamente determinada em prol do desejo de questioná-la e compreende-la
da maneira como se organiza, do modo como ela efetivamente é.
Há, de imediato, um saber que não tem uma resposta fechada e “certa” sobre o que ele
mesmo se constitui, como se encontra tantas vezes nas disciplinas exatas. Esse fato já nos
gera certo espanto! Porém, é justo do espanto, quer dizer, de certa admiração ao começar a
se introduzir em uma disciplina que tem dificuldades de entender a sua própria constituição,
que dispõe cada indivíduo singular na beleza2 de procurar respostas para questões que
se mostram de maneira tão íntimas; questões que pela Filosofia abrem-se justamente à
possibilidade de entender a nós mesmos no interior da realidade que nos circunda. Perguntar
pelo que é a Filosofia, é caminhar na difícil trilha de investigar a si próprio.
3
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
A FILOSOFIA
COMO
ATITUDE
Objetivo do estudo
- Nesta primeira unidade do curso de Filosofia
vamos introduzir esse saber milenar de
maneira que você entenda para quê a Filosofia
pode ser útil – e ela pode ser muito útil!
4
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
1
Apresentação
Você já se percebeu como se utiliza, com frequência, o termo introduzir na Filosofia? Isso
porque a palavra introduzir significa um movimento de levar-nos (do latim -ducere) para
dentro (do latim intro-) das origens, isto é, do próprio filosofar. A rigor, não se pode pensar
com muita clareza uma introdução à Filosofia, por que, na Filosofia, não há possibilidade de
introdução. Isso porque existe uma grande diferença que separa nossa vida cotidiana, com
suas crenças e pressupostos prévios, sempre familiares e imediatos, do espaço extraordinário
(quer dizer, além da ordem – -extra – do dia – -dinario –) onde ocorre a investigação filosófica.
Já dizia o Dessa perspectiva o mais longo e o mais difícil dos caminhos é sempre
aquele que leva ao que é mais íntimo e está mais próximo. É tão
filósofo grego
íntima a Filosofia no país dos homens, que se torna impossível uma
introdução e muito difícil o acesso a sua paisagem. A Filosofia já está
sempre operando em todo pensamento, que nela se procura iniciar
ao repetir o
investigação filosófica, que, pondo-se em questão, retorna às origens,
donde ela mesma provém1.
Oráculo de O que o professor Carneiro Leão busca nos evidenciar com este texto é que
a Filosofia está constantemente próxima de nossas experiências cotidianas,
Delfos, templo estando muitas vezes em nossa proximidade, em nossa vizinhança. Contudo,
no “país dos homens”, o mundo moderno no qual estamos inseridos, que
dedicado ao
sempre nos apresenta o conforto de estar em meio a um turbilhão de coisas,
não deixa que se perceba essa vizinhança. Assim, acaba-se vivendo em
meio a certa mediania, um nivelamento em que todos “pensam” de certa
culto do deus forma semelhante, quase padronizada, sem investigar os fundamentos das
informações, conhecimentos e crenças que recebemos.
mítico Apolo: Por isso, “o único caminho” de se introduzir na Filosofia é buscando cultivar
certa postura frente às coisas, de modo que adentramos em um nível bem
Sendo assim, essa Unidade será dividido em cinco partes, a fim de melhor esclarecer
o que é a Filosofia e como ela pode ser útil em sua vida. Faça bom proveito!
Bons estudos!
Profº Leandro Assis
Sócrates
1 CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Itinerário do pensamento de Heidegger. In: HEIDEGGER,
Martin. Introdução à metafísica. Introdução, tradução e notas Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro:
Tempo brasileiro, 1969, pp. 9-10.
5
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
modo de pensar o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim,
filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja
o conhecimento, o estima, o procura e o respeita1.
A partir dessa exposição, pode-se afirmar que, de imediato, a Filosofia se mostra como certo
modo de pensar, já que possibilita ao homem uma postura singular, diferente diante do mundo,
não sendo, consequentemente, um conjunto de conhecimentos prontos, de fórmulas, ou um
sistema acabado, fechado em si mesmo.
Em relação a esse último ponto, de tal modo se processa muitas disciplinas da escola e
até mesmo da faculdade, não que estas sejam melhores que a Filosofia ou que a Filosofia
seja melhor que estas. Entretanto, possivelmente nenhum aluno terá muitas dúvidas do que
encontrará nas aulas de Matemática ou de Língua portuguesa, mas, não é o caso das aulas de
Filosofia. Este saber se apresenta como uma possibilidade de abertura singular para o mundo,
e isto por que dimensiona a forma na qual nós, intérpretes desse mundo, o percebemos.
importante
Não devemos entender mundo, tal como
se faz referência em nossos estudos, como
o planeta, ou qualquer corpo celeste, mas,
como um conjunto de relações nas quais
todos os indivíduos estão, de antemão,
dispostos, isto é, postos dentro, estando
previamente prontos a realizarem-se. Essas
A Filosofia é uma
relações são estabelecidas junto às coisas
que estão ao nosso redor, com os outros que
constantemente estamos lidando, bem como forma privilegiada
pela qual se pode
em relação de nós mesmos. No espaço da
sala de aula, por exemplo, o mundo que se
abre é o mundo do educar, em que as coisas
dispostas no interior da sala de aula tomam um
sentido específico, as pessoas se apresentam
de uma maneira determinada, além do próprio
educador ganhar um significado particular em
compreender
melhor o mundo.
meio a dimensão do estudo. Assim compõe o
mundo escola.
6
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Pelo o que assim foi expresso, pela Filosofia os indivíduos procuram se valer de um tipo de
interpretação da realidade (ou mundo) além da mera aparência que as coisas e/ou fenômenos
de antemão se mostram. Normalmente, os indivíduos ao estarem imersos em seu cotidiano
não param para pensar sobre os acontecimentos que ocorrem ao seu redor, permitindo-se
viver a partir de um “conhecimento comum”, melhor, de um senso comum. Conforme os
professores Danilo Marcondes e Hilton Japiassú, o senso comum é:
A partir das experiências que são proporcionadas pela Filosofia, intenta-se dar um passo
além da forma orientada pelo senso comum de se interpretar o mundo. Busca-se projetar o
entendimento humano além da forma ordinária, corriqueira que as cosias simplesmente se
mostram para cada um, e isso a fim de se apropriar das coisas. Isto é, pelo exposto:
1 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. 3ª ed. rev. e ampliada.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996, pp. 224-225 – verbete Senso comum.
7
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Platão
A palavra amor, tal como a concebemos provém do grego
éros, embora também possua uma raiz que deriva do latim,
e significava outrora afeição, simpatia, e representava certa
tendência da sensibilidade humana que era possível de
transportar-nos para outro ser ou um objeto reconhecido ou
sentido como bom. Assim se pode falar em amor materno,
no amor da glória (divina), etc.
Saiba mAIS
Para o grego antigo, Belo, Bom e Verdadeiro
eram expressões comuns a fi m de se referir
à experiência do pensamento, do intelecto
– experiência especialmente valorizada na
antiguidade. Assim, a expressão amor platônico
grego éros
esse termo. Deve-se conferir a base desse comentário em JAPIASSÚ,
Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. 3ª ed.
rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
8
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
FILOSOFIA
BELO
O filósofo é este que “nasce”, não como ato de obstetrícia2, mas que repetidamente procura
reinterpretar o seu mundo e suas possibilidades de ser desprovido de qualquer olhar
imbuído de determinados preconceitos ou crenças prévias. Como uma “eterna novidade”
é justamente o seu mundo que se apresenta a fim de ser novamente dimensionado, ou
seja, a realidade que outra vez se mostra a fim de ser re-apreendido, contudo a partir de
outra perspectiva, de outro compreender e interpretar.
1 PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 204.
9
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
O mundo se manifesta, como na poesia de Pessoa, como uma novidade. Isso porque, a
princípio (com já comentado), os homens já estão dispostos em um senso comum no qual
todos já estão de antemão, em certa pré-compreensão do mundo. A postura do poeta na
poesia, de buscar interpretar o seu mundo como se esse fosse uma novidade, o concede-lhe
a possibilidade de ver as mesmas coisas que anteriormente via, já que ele “possui um olhar
nítido como um girassol”, e se põe “a caminhar olhando para a direita e para a esquerda, e
de vez em quando para trás”, a partir de uma nova perspectiva, de uma nova maneira.
De modo geral, perguntar pelas coisas que nos cercam não é algo
pare e reflita habitual. Como constatação disso, ao falar sobre o tempo, santo
Agostinho (354-430), filósofo do começo do período medieval
(era cristã) que era bispo na cidade de Hipona, no norte da
E você, já pensou em olhar para algo do seu
cotidiano a partir de uma nova perspectiva? África, escreveu o seguinte: “O tempo. Quem não sabe o que é
Olhe ao seu redor, veja as pessoas que estão o tempo! Contudo, não me pergunte o que é o tempo, pois não
na rua, observe as casas, os sons, e tente ver mais poderei responder”1.
além, pense como será a vida destas pessoas,
quem mora nestas casas, de onde vem esses
O filósofo e santo pela Igreja Católica, esclarece algo muito simples
sons? Isso é filosofar.
e que traduz muito bem o que faz o filósofo: deixa-nos claro que,
mediante o senso comum, todos sabem o que é o tempo.
Santo Agostinho
1 AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira dos Santos, S.J. e A. Ambrósio de Pina, S.J. São
Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 2379 (Coleção Os pensadores).
10
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
pare e reflita no ritmo, na cadência disso que ele se ocupa – disso com que
ele se pré-ocupa. Ele não tem pressa, pois para ele é evidente
que a coisa não tem pressa. Esta se mostra para ele tendo
Agora vamos refletir, pare você mesmo, e pense um ritmo, um tempo, que é inflexível e irrevogavelmente seu,
para responder a pergunta de Santo Agostinho: isto é, da própria coisa. Qualquer alteração disso aparece
você sabe o que é o tempo? Consegue defini-lo
como uma violação, uma transgressão e, por isso, uma
em uma fórmula ou conceito, de maneira que possa
ser válido para todos os indivíduos ou minimamente perda, uma descaracterização, um esvaziamento da própria
que seja aceitável para outros indivíduos? É dessa coisa. Trata-se de um tipo que, desde uma decisão que, para
dificuldade que vive o filósofo. Não obstante, ao ele, se torna corrente sanguínea, instinto, índole, estigma,
pensarmos agora sobre o filósofo, quem é essa e por tudo isso, identidade e próprio – trata-se, portanto, de
figura e o que ele faz?
um tipo que, a partir de uma decisão, não se sabe como
nem quando eclodida, resiste ao élan do inopinadamente
“adiante”, do sôfrega e impulsivamente “para frente”. Ao
contrário, na hora deste ímpeto, desta tentação, algo nele
como que puxa para trás, impõe-lhe parar. Ele aguenta,
resiste, suporta. Aqui, sim, cabe constatar que esse tipo, às
filósofo
11
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
leia com atenção Foi exposto anteriormente que a Filosofia é a busca por uma sabedoria que reconhecemos
você vai precisar depois não ter. O movimento da reflexão, que constitui essa busca, precisa contar sempre com
na pág 16 a consciência desse precioso reconhecimento: não sabemos. E porque não sabemos,
perguntamos, colocamo-nos a pensar, procuramos por respostas.
Euclides de
Alexandria
12
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
O conhecimento é
fragmentado entre
as várias ciências
13
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Enfatiza-se, consequentemente, desde já, que não se deve jamais imaginar a Filosofia como
algum saber fechado e transmitido de forma doutrinal1. Se tal é, muitas vezes, a representação
mais difundida da Filosofia, a opinião banal sobre o que ela é2, vale ressaltar que, como
caracterizado até o momento, o caso é exatamente o oposto: nunca, pelo nome de Filosofia,
pode-se pensar em uma atitude de crença cega nas respostas que venham a apresentar.
basta saber
e à coerção. O filósofo se reconhece sempre no terreno de
um discurso e deve estar continuamente atento para não
se confundir com alguém que diz já portar a verdade. Como
como funcionam
se comentou, assim opera um discurso doutrinal, mas, não
o filosófico. Por isso mesmo, no fragmento que encerrou o
tópico 1 e que se está interpretando, já dizia que o filósofo
as coisas, mas o
tem “uma natureza de montanha e de deserto”. “Montanha”,
já que se mostra como algo grandioso, isto é, algo de alto, de
sólido, uma vez que assim se deve mostrar a argumentação
que significam
filosófica como um todo. “Deserto”, por sua vez, porque o
filósofo, ao procurar sair do senso comum, na maior parte
das vezes estará observando o real de uma forma muito
as mesmas no
individualizada, muito só, de forma singular, contudo, com
uma largura e profundidade de interpretação muito grande,
com seus altos e baixos, como as dunas de um deserto.
mundo.
que é inflexível e irrevogavelmente seu, isto é, da própria
coisa”. Ao buscar compreender e interpretar as coisas de
forma tão singular, o filósofo conquista sua identidade, quer
1 Entende-se por doutrina princípios fundamentais de uma crença, sistema, ciência, pautado
especialmente em saberes transmitidos previamente como verdadeiros.
2 É importante constatar que essa opinião não deriva de um esforço de pensamento, já que
através de uma rápida leitura do tópico anterior somando-se ao estudo desse tópico percebe-se que a
Filosofia se põe muito além de toda e qualquer forma de doutrina ou senso comum.
3 PERISSÉ, Gabriel. Introdução à Filosofia da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 16.
14
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
dizer, seu ritmo próprio, não mais o ritmo que a vida frenética do mundo moderno lhe impõe.
Aprende a ler em sua realidade o que deve se mostrar como inflexível e irrevogável, ou seja,
que sua realidade, embora se mostre de outras formas, sempre se manifesta necessitando
de sua interferência, de seu julgamento. Por isso se revela com “um tempo” próprio.
A Filosofia,
de ser problematizado ainda outra vez.
O trabalho do filósofo é refletir sobre a realidade, qualquer
que seja ela, descobrindo seus significados mais profundos.
por assim dizer, Caso ainda o fragmento analisado não esteja se esclarecendo,
não se desespere, pois ele será investigado ao longo dos
não é posse
demais tópicos.
Tudo entendido até aqui?
de conhecimento
Vamos em frente!
seguro
15
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
O senso comum
Observe a charge a seguir:
https://www.google.com.br/sear
ch?q=senso+comum&biw=1366 O que você subentende dessa imagem? De imediato, salta-nos a ideia de que o senso
&bih=643&source=lnms&tbm=is
ch&sa=X&ei=j0N7VJXXH comum é, como se comentou anteriormente, algo absolutamente confortável. A imagem do
mostro em que as pessoas estão em sua boca, transmite a sensação de que, de alguma
forma, todos os indivíduos estão dentro dele, sob seu jugo, isto é, operam, relacionam-se a
partir dele – o senso comum.
Não se deve, por sua vez, julgar o senso comum com preconceitos, pois o que foi afirmado
acima é uma constatação sancionada por muitos pensadores, de diferentes áreas de atuação.
O filósofo brasileiro Rubem Alves (1933-2014), por exemplo, ao comentar sobre a ciência em
sua obra Filosofia da ciência – introdução ao jogo e a suas regras, escreve que:
O que é o senso comum? Prefiro não definir. Talvez simplesmente dizer que senso comum é
aquilo que não é ciência, e isso inclui todas as receitas para o dia-a-dia, bem como os ideais
e esperanças que constituem a capa do livro de receitas.
E a ciência? Não é uma forma de conhecimento diferente do senso comum. Não é um novo
órgão. Apenas uma especialização de certos órgãos e um controle disciplinar de seu uso1.
1 ALVES, Rubem. Filosofia da ciência – introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo: Loyola, 2009, p. 14.
16
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
17
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Não obstante, atente-se ao segundo trecho que o professor Rubem Alves escreveu no
fragmento citado; diz que, diferente do senso comum, a ciência foi aquela que passou, ao
longo dos séculos, a ser o modelo de postura frente à realidade. Escreveu que, retomando
a referida citação, a ciência “(...) Não é uma forma de conhecimento diferente do senso
comum. Não é um novo órgão. Apenas uma especialização de certos órgãos e um controle
disciplinar de seu uso”.
O que Rubem Alves desejava que pensássemos com esse trecho? Apenas que a ciência
trabalha também com elementos do senso comum. Estes são apenas mais refinados, uma vez
que passam – como já se comentou no Tópico 2 dessa unidade, ao explanar sobre Galileu
Galilei – pela observação, pela experiência (ou empiria) e pela calculabilidade matemática.
relembre
Nas revoluções científicas do século XVII, em especial,
Giordano Bruno retomou-se a matemática (já que o uso da matemática
para fazer ciência já era praxe na antiguidade) como a mais
importante técnica para se produzir ciência, uma vez que era
a partir dela – e hoje não é tão diferente assim – possível
comprovar de forma clara e demonstrar cientificamente o
que se desejava. O próprio Galileu deu inúmeras provas
disso quando, por exemplo, comprovou o heliocentrismo, já
indicado pelo monge e astrônomo polonês Nicolau Copérnico
(1473-1543), bem como pelo padre e astrônomo italiano
Giordano Bruno (1548-1600), queimado vivo pela Inquisição.
18
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
O bom senso
Enquanto o senso comum tende à rigidez e a inflexibilidade,
há outra forma que se pode pensar em “senso” ao descrever
a maneira como, normalmente, se lida com as coisas em
meio ao nosso cotidiano. O bom senso é uma forma de
sabedoria e de razoabilidade que delimita certa capacidade
de se adequar as regras e costumes de determinadas
realidades, de modo a fazer bons julgamentos e escolhas.
Suas características principais são maior flexibilidade
e dinamismo que o senso comum, absorvendo com
discernimento as influências mais diversas.
A investigação filosófica
A partir dos tópicos anteriores, procuramos enfatizar que,
senso comum
19
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
que são os sentimentos? Se, em lugar de discorrer tranquilamente sobre “maior” ou “menor”
ou “claro” e “escuro”, resolvesse investigar: O que é a quantidade? O que é a qualidade? E
se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui as mesmas ideias, os mesmos
gestos, as mesmas preferências e os mesmos valores, preferisse analisar: O que é um valor?
O que é um valor moral? O que é um valor artístico? O que é a moral? O que é a vontade?
O que é a liberdade? Alguém que tomasse essa decisão, (...) teria passado a indagar o que
são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. (...)
Estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por
que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém
estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica.
O que é o tempo?
Salvador Dali
https://alistadelucas.files.wordpress.com/2012/02/salvador_dali_a_persistencia_da_memoria1.jpg?w=1024
20
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
“O começo
de todas
as ciências
é o espanto
de as coisas
espanto
Aristóteles
serem
o que são.”
Algum problema até esse ponto?
Então, prossigamos!
21
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Do rol dos belos mitos gregos, há ainda o de Afrodite, o de Apolo, deus da beleza, da juventude
e da luz. Filho de Leto e de Zeus, descrito como um jovem alto e bonito, além de simbolizar a
ordem, a medida e a inteligência, também é considerado patrono das artes. Segundo o mito,
embora Apolo não fosse considerado bom esportista, era um arqueiro de grande habilidade.
Suas flechas podiam causar doenças e morte súbita aos homens.
Apolo e as ninfas
22
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
A partir desses exemplos, pode-se perceber que o mito procura explicar os fenômenos
naturais, as origens do mundo e da humanidade pela existência de deuses, semideuses e
heróis. O mito sempre tem um viés religioso, diferenciando-se, assim, de lenda, folclore, fábula
ou ainda de mentira. Os povos gregos antigos explicavam fatos que não eram compreendidos
na época e justificavam o que ainda não tinha sido descoberto por cientistas. Tanto um mito
pode ser explicativo como pode ser simbólico a partir de um acontecimento histórico.
É importante que se marque que o discurso mítico não é, de forma alguma, um discurso falso.
Ele era a forma encontrada na antiguidade para explicar a ordem das cosias e da realidade,
aja vista que o discurso racional só passou a ser utilizado a partir do século VI a. C. com os
primeiros filósofos, os chamados pré-socráticos, com Tales de Mileto à frente.
Os gregos não sabiam descrever tudo que acontecia, não existia forma para explicar os
acontecimentos, os fenômenos da natureza. Dessa mistura de dúvidas surgiu a “existência”
de deuses para explicar tudo o que trazia desconfiança. Eles eram tidos como respostas
para tudo o que quisessem saber.
O mito surgiu como uma forma de explicação para o que ocorria; como exemplo, vários
elementos da natureza, o vento, o mar, o céu, etc. eram explicados por meio de divindades
para os gregos. Pela mitologia, os gregos explicaram a chuva, por exemplo, por um deus
que ficava triste e chorava. Quando tinha raios, era porque outro estava enfurecido. Tudo
era baseado em criaturas sobrenaturais para que não houvesse questionamentos. Como
frisado acima, o mito consiste em uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem
dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos,
do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, das guerras, do poder, etc.).
O mito não se importava com contradições, com o incompreensível. A Filosofia, ao contrário, não
se pauta em contradições e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente,
com os sentidos minimamente explicitados; além disso, a autoridade da explicação não vem da
pessoa do filósofo ou do cientista, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.
23
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Pitágoras de Samos
“A razão
é imortal,
todo o resto
é mortal”
Podemos constatar então que tanto o mito quanto a Filosofia
são explicações que visam responder aos questionamentos
sobre o sentido da vida, a natureza do homem e do universo,
assim como justificar as normas políticas, éticas e religiosas
da própria comunidade.
24
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
25
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Até a próxima!
26
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Essas questões, que certamente você possivelmente já se colocou algumas vezes, também
tem sido preocupação dos filósofos através dos tempos. Na Filosofia, elas são pensadas
especialmente pela ética, que, em linhas gerais, é um conjunto normativo de valores que
procuram prescrever os comportamentos humanos, isto é, um determinado conjunto de
valores e/ou regras que regulam as ações e práticas dos indivíduos.
3 Em linhas gerais e apenas para cunho didático, separa-se a Filosofia clássica grega em
alguns períodos, a saber: a) o pré-socrático ou cosmológico; b) o antropológico; c) o sistemático e o; d)
helenístico. Os pensadores citados acima são, respectivamente, representantes desses períodos.
27
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Filóso
descrever a experiência em um conhecimento ou
ofício em particular. A oratória para os sofistas é
muito importante, uma vez que eles afirmavam,
contrapondo-se a Sócrates, que a verdade era
relativa, dependendo então de convencimento.
Segundo Japiassú e Marcondes,
Sócrates
Protágoras
Górgias
28
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
ofos
Os gregos usavam a palavra areté para designar virtude. Esta
palavra, areté, é formada pelo termo áristos, que em grego
significa distinto, nobre. Assim, em um primeiro sentido com
Homero, a areté “é atributo próprio da nobreza e representa
a força que é elementar para qualquer classe dominante”1. Já
em Hesíodo, a areté passou a significar o trabalho do homem
no campo que ganha o pão de seu dia a dia com o suor de
seu rosto2. Para ele, o trabalho não desonra, e, sim, o ócio.
29
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Para Aristóteles a virtude pode e deve ser ensinada, pois é um hábito. Nesse sentido, ele
se contrapõe a Platão, que, no diálogo Mênon, defende a posição de que a virtude é inata1
no homem.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/thumb/7/75/Spangenberg_-_Schule_
des_Aristoteles.jpg/500px-Spangenberg_-_
Schule_des_Aristoteles.jpg
1 Inata é aquela coisa que nasceu ou que está presente em alguém desde o nascimento.
30
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
Aristóteles
praticado e como algo inatingível pelo homem e propõe,
então, a busca de um bem que o homem possa praticar
e vivenciar.
nossa prática,
função política a busca do bem comum dos cidadãos, o
que se traduz pela consecução de uma vida feliz. Contudo,
quem é o cidadão da pólis? É aquele que administra a justiça
31
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
O declínio da pólis
para quem
filosófico já estava mudando da metafísica1 para a ética/
política, como foi abordado anteriormente.
o suficiente
filosófica que busca investigar a essência e ser das cosias.
é pouco.”
Epicuro é a da paz de espírito, ou tranquilidade como
objetivo da vida. Ele diz que o prazer e a dor são as
raízes do bem e do mal e que qualidades como virtude e
justiça derivam dessas raízes, porque é impossível viver
uma vida agradável sem viver de maneira sábia, honrada
e justa e é impossível viver de maneira sábia, honrada e
justa sem viver de maneira agradável.
32
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
“(...) afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com
efeito, nós o identificamos com o bem primeiro e inerente ao ser
humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a
ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre
prazer e dor (...)”1
Se retornarmos ao trecho citado que interpretamos ao longo dessa unidade a partir do tópico
dois, lemos o seguinte já no trecho final:
Pelo o que foi comentado sobre Epicuro e os gregos de modo geral, salvo algumas poucas
exceções, a ataraxia é a busca pela felicidade que se traduz na forma de certa serenidade,
tal como exposto no fragmento acima. A serenidade, algo que sempre a cada vez mais
desaparece de nossas ações ansiosas e fugazes, é a intensidade para uma sobriedade
tranquila que impele o homem à meditação, que não se confunde com nenhuma prática “de
moda” de “esvaziar a cabeça”, mas a meditação como impulso para a investigar os difíceis
contornos que perfaz a existência humana.
Por isso o “hierático da montanha”. Em nossa pressa, não pensamos essa palavra, hierático,
que significa algo sagrado. Os gregos viam com tanta estima o exercício da ataraxia, isto é,
da serenidade que impele os homens ao pensamento, que o viam de forma sagrada. Por isso
a felicidade, quer em Aristóteles, quer em Epicuro, não se confunde com prazer desmedido,
mas, pelo contrário, à medida justa, simples e sóbria.
Assim, o filósofo é o que vive sem “derramamentos”, sem luxo (como nos Jardins de Epicuro),
pois o que lhe basta é a sobriedade do pensar, e não a desmedida do prazer hedônico.
carpe diem
1 EPICURO, 2002, p. 37.
33
A Filosofia como Atitude Filosofia | UNISUAM
AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira dos Santos, S.J. e A. Ambrósio de Pina, S.J.
São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 2379 (Coleção Os pensadores).
ALVES, Rubem. Filosofia da ciência – introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo:
Loyola, 2009.
BARTHES, Roland. Mitologias, 10ª. ed.. São Paulo: Difel, 1999, p. 162.
FOGEL, Gilvan. Que é Filosofia? Filosofia como exercício de finitude. Aparecida: Ideias &
Letras, 2009.
HERMANN, Nadja. Ética e estética: a relação quase esquecida/ Nadja Hermann. – Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2005.
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. Trad. Arthur Parreira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
PESSANHA, José Américo Motta. As delícias do jardim. In: NOVAES, Adauto (Org.). Ética.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SILVA, Sandro Luiz da. A ética das virtudes de Aristóteles. Dissertação de mestrado.
Unisinos - Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2008.
ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles – o fascínio da Filosofia. São Paulo: Odisseus, 2005
34