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Racionalidade Ambiental A Reapropriacao Leff
Racionalidade Ambiental A Reapropriacao Leff
Racionalidade
ambiental
a reapropriagao social da natureza
TRADUJO DE
Luis Carlos Cabral
CIVILIZACÁO BRASILEIRA
Rio de Janeiro
2006
COPYRIGHT Enrique Leff, 2004
CAPA
Evelyn Grumach
PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumach e Jodo de Souza Leite
CIP-BRASIL.CATALOGAVIO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Leff, Enrique
L523r Racionalidade ambiental: a reapropriagáo social da
natureza / Enrique Leff; tradugáo Luís Carlos Cabral. - Rio
de Janeiro: Civilizagáo Brasileira, 2006.
CDD 304.2
05-3604 CDU 504.3
Impresso no Brasil
2006
Para Jacquie e Tatiana
e á memória de Sergio
Sumário
APRESENTFOO
PRÓLOGO 15
CAPÍTULO 1
A teoria objetiva do valor, a revolugáo científico-tecnológica e as forgas
produtivas da natureza 29
INTRODK.ÁO 31
ORIGEM DO VALOR 32
TRABALHO SIMPLES, TRABALHO ABSTRATO, TRABALHO COMPLEXO 34
VALOR E PROGRESSO TÉCNICO 36
A LEI DO VALOR E A LEI DA OFERTA E A DEMANDA 38
VALOR E MAIS-VALIA 40
COMPOSIÁO ORGÁNICA DO CAPITAL E APROPRIAqÁO PRODUTIVA DA NATUREZA 41
AS FORq.AS PRODUTIVAS DA CIÉNCIA E A DESVALORIZA.ÁO DO VALOR 43
TRABALHO MANUAL E TRABALHO INTELECTUAL: TEORIA QUANTITATIVA
E QUALITATIVA DO VALOR 44
DESENVOLVIMENTO DAS FOKAS PRODUTIVAS/RELAOES SOCIAIS DE PRODK.ÁO 46
O CONCEITO DE NATUREZA EM MARX 48
VALOR QUALITATIVO, PODER DO CONHECIMENTO E REAPROPRIAÁO SOCIAL
DA NATUREZA 57
A CRÍTICA PÓS-MODERNA AO CONCEITO DE VALOR 62
CAPÍTULO 2
A complexidade ambiental e o fim do naturalismo dialético 75
INTRODMO 77
A ÉTICA AMBIENTALISTA E A NATURALIZA410 DA SOCIEDADE 79
MONISMO ONTOLÓGICO E HOLISMO ECOLÓGICO: A NEGA.ÁO DO NATURALISMO DIALÉTICO 83
DIALÉTICA E TOTALIDADE, ECOLOGIA E SISTEMAS 87
A CRÍTICA DE SARTRE AO MONISMO ONTOLÓGICO E AO NATURALISMO DIALÉTICO 94
MONISMO-DUALISMO. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO 101
NATURAL DIALÉTICO, ECOLOGIA POLÍTICA E RACIONALIDADE AMBIENTAL 110
CAF
CAPÍTULO 3
EC(
O retorno da ordem simbólica: a capitalizagáo da natureza e as estratégias
O Si
fatais do desenvolvimento sustentado 121
SABI
A OBJETIVAGNO DO MUNDO E A METÁSTASE DO CONHECIMENTO 123
GLO
A CRISE AMBIENTAL E O DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE 133
CON
A CAPITALIZAGNO DA NATUREZA E AS ESTRATÉGIAS FATAIS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO 139
ECO
A GEOPOLÍTICA DA BIODIVERSIDADE, A MUDANGN CLIMÁTICA E O DESENVOLVIMENTO
DESI
SUSTENTADO 145
SABI
EQÜIDADE E SUSTENTABILIDADE: DISTRIBUIGN. 0 ECOLÓGICA E INTERCÁMBIO DESIGUAL 150
POLÍ
CONSTRUINDO NOVOS TERRITÓRIOS DE VIDA: PARA UMA POLÍTICA DA DIFEREK.A,
ECOI
DA IDENTIDADE, DO SER E DO TEMPO 157
CON
CAPÍTULO 4 GÉN
ÉTIC,
A lei-limite da natureza: entropia, produtividade neguentrópica
e desenvolvimento sustentável 169
A LEI DA ENTROPIA E O VALOR ECONÓMICO 171 CAP
CAPÍTULO 5
CAP
A construgáo da racionalidade ambiental 221
A GLOBALIZAGNO ECONÓMICA E A MORTE DA NATUREZA 223
Cu]
CAPÍTULO 7
Racionalidade ambiental, outridade e diálogo de saberes 345
INTRODMO 347
HABERMAS E A RACIONALIDADE COMUNICATIVA 350
ÉTICA, ONTOLOGIA E SABER EM LEVINAS: O TODO, O OUTRO FUTURO, O INFINITO 360
INTERDISCIPLINARIDADE, INTERCULTURALIDADE, INTERSUBJETIVIDADE E DIÁLOGO DE SABERES 374
RACIONALIDADE AMBIENTAL E FUTURO SUSTENTÁVEL: OUTRIDADE, SIGNIFICÁNCIA E SENTIDO 388
CAPÍTULO 8
Cultura, natureza e sustentabilidade: pulsáo ao gasto
e entropia social 403
MUDANKA GLOBAL E SUSTENTABILIDADE: RACIONALIDADE E CULTURA 405
DIVERSIDADE CULTURAL, AUTOGESTÁO COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 414
RACIONALIDADES CULTURAIS E RACIONALIDADE PRODUTIVA 418
PATRIMÓNIO DE RECURSOS NATURAIS: COMPLEMENTARIDADES ECOLÓGICAS E CULTURAIS 423
AS CONDKÓES CULTURAIS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
PRODUTIVIDADE ECOTECNOLÓGICA E RACIONALIDADE AMBIENTAL 428
A CULTURA E A PULSÁO AO GASTO: A PARTE MALDITA 435
CAPÍTULO 9
O movimento ambiental pela reapropriagáo social da natureza:
seringueiros, zapatistas, afro-descendentes e poyos indígenas
da América Latina 451
A ECOLOGIA POLÍTICA E OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS 453
REVALORIZinÁ0 E REAPROPRIAÁO DA NATUREZA: EQÜIDADE SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL 463
DEMOCRACIA AMBIENTAL E GESTÁO PARTICIPATIVA DE RECURSOS AMBIENTAIS 468
DEGRADK.ÁO AMBIENTAL E PRODIMO DE POBREZA 476
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO E
E AFRO-DESCENDENTES 490 0I
MOVIMENTOS DE REAPROPRIKÁO DO MUNDO E DE RE-EXISTÉNCIA 501 nec
de
mu
BIBLIOGRAFIA 515
par
ÍNDICE ONOMÁSTICO 533 per
ÍNDICE TEMÁTICO 537 trat
sim
da I
des.
neg
da,
e oi
cid
glol
ami
dag
que
eles
mat
tica
tecr
dial
nal
mei
10
Apresentagáo
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
13
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re:
la
f
:ff Prólogo
le
a
Fff
e
o
e
A problemática ambiental emerge como urna crise de civilizaljo: da cultura
ocidental; da racionalidade da modernidade; da economia do mundo globa-
lizado. Náo é uma catástrofe ecológica nem um simples desequilíbrio da
economia. É a própria desarticulagáo do mundo ao qual conduz a coisifica-
gáo do ser e a superexploragáo da natureza; é a perda do sentido da existen-
cia que gera o pensamento racional em sua negagáo da outridade.* Ás mar-
gens do precipício, diante da morte entrópica do planeta, surge a pergunta
sobre o sentido do sentido, além de toda hermenéutica. A crise ambiental
gerada pela hegemonia totalizadora do mundo globalizado — pela vontade
homogeneizante da unidade da ciéncia e a unificagáo forgada do mercado —
náo é alheia ao enigmático lugar do eu diante do outro que Rimbaud ques-
tiona ao afirmar "je est un autre", dando início á desconstrugáo do eu,
sacudindo-o da complacencia de sua mesmice na autoconsciéncia do sujeito
da ciéncia e langando-o ao encontro da alteridade; ou a dissociagáo entre o
Ser e a significagáo do mundo — a falta de correspondencia entre as pala-
vras e as coisas — que Mallarmé assinala ao apontar a ausencia de qualquer
rosa na palavra rosa.
A crise ambiental, como coisificagáo do mundo, tem suas raízes na natu-
reza simbólica do ser humano; mas cometa a germinar através do projeto
*Ao longo deste livro (como fiz em publicagóes anteriores) utilizarei a palavra outridade
(otredad em espanhol) para me referir e explorar o conceito fundamental da obra de
Emmanuel Levinas, ao qual ele próprio se refere usando a palavra alteridade. O próprio
texto haverá de justificar a introdugáo deste conceito no discurso filosófico — ainda des-
conhecido pelos dicionários — guando quisermos nos referir ao encontro com o Outro —
o absolutamente outro — que náo se conforma com os sentidos que foram atribuidos pelo
discurso filosófico — do pensamento dialético ao pensamento pós-moderno — e na fala
corrente, á alteridade (Nota do Autor).
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r, sem que geraram o trabalho produtivo de valor como efeito das relagóes sociais
des se de produgáo capitalista. Dessa maneira, embora questione a reificagáo da
n pela realidade que produz o modo de produgáo capitalista e sua aparente natura-
lidade que faz ver as relagóes como relagóes entre coisas, a teoria crítica de
Marx se alimenta das bases empíricas e epistémicas das ciéncias naturais de
seu tempo
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IP"
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[actas economia política aparece, assim, constituída, como qualquer outra ciéncia,
∎alho por conceitos que representam a estrutura oculta da matéria que determina
uan- e regula suas manifestagóes empíricas (assim como o inconsciente na psica-
.aba- nálise, os genes na biologia ou os núcleos atómicos na física). A particulari-
ncia, dade epistemológica do materialismo histórico reside na transformagáo de
rela- um princípio ao mesmo tempo teórico e empírico — o tempo de trabalho
s em simples e direto gerado em um momento histórico determinado —, o qual
perde seu suporte empírico e teórico como resultado da dinámica do pró-
[eter- prio processo económico que explica. A lei do valor, que em um primeiro
man- momento aparece como causa determinante da lei da oferta e da demanda,
pre- ao gerar a substáncia em torno da qual se equilibram os pregos de mercado
Impo vai subordinando sua hierarquia teórica até converter-se em um efeito regu-
capi- lado pela concorréncia dos capitais individuais e pela lei da oferta e da
dade demanda do mercado.
dife- Marx indica claramente que, para que um certo tempo de trabalho pro-
odu- duza valor, ele deve produzir, ao mesmo tempo, um valor de uso, uma utili-
l e da dade, um bem para o qual exista uma demanda efetiva. Nesse sentido, toda
mercadoria para a qual náo exista urna demanda perde automaticamente seu
valor. No modo de produgáo capitalista, tanto a oferta como a demanda sáo
pode
produtos da dinámica da acumulagáo capitalista e náo do livre jogo de fato-
ra do res produtivos no mercado ou de um princípio subjetivo fundado em dese-
pois
jos e necessidades dos homens. Sáo as leis do valor e da mais-valia que deter-
lores
minam a oferta de mercadorias, ao mesmo tempo que induzem e modelam
náo
sua demanda. O desenvolvimento das forgas produtivas como resultado da
5 nas
concorréncia dos capitais individuais e a procura de novos setores de inves-
inam
timento para a revalorizagáo da mais-valia produzida influem nas orienta-
góes da ciéncia e da tecnologia e determinam a quantidade e a diversidade
da oferta de mercadorias. Tal processo modifica, ao mesmo tempo, a estru-
tura do emprego, a distribuigáo da renda e a demanda efetiva, de maneira
que a mais-valia gerada possa realizar-se no intercámbio de mercadorias, e
revalorizar-se novamente para alimentar a reprodugáo ampliada do capital.
mula-
esso
1, só
o. A
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VALOR E MAIS-VALIA ca
af
Marx demonstra, na teoria da mais-valia, que o processo económico náo é
determinado pelas leis do mercado que regulam a oferta e a demanda e o
livre jogo de fatores produtivos, mas pela luta de classes que, dentro da
estrutura social capitalista, mobiliza o progresso técnico e a distribuigáo eco-
nómica entre capitalistas e trabalhadores. Com a lei do valor, busca uma
medida quantitativa do processo económico que se produz como efeito dessa
estrutura, e náo como resultado do jogo de categorias económicas como o
salário, o custo de produgáo e o lucro. Por essas razóes, a lei da oferta e da cal
demanda, mesmo podendo anular a posteriori urna certa quantidade de valor va:
constituído pela aplicagáo de um tempo de trabalho, náo pode se converter ter
no princípio constitutivo do valor.
A determinagáo que as condigóes técnicas imprimem sobre o tempo de o(
trabalho socialmente necessário volta a apresentar-se através do conceito de ét
mais-valia relativa. O progresso técnico aparece ali como um processo deter- pro
minado pela dinámica da acumulagáo capitalista, permitindo que se extraia sal
uma mais-valia relativa crescente da forra de trabalho, urna vez que as lutas se
proletárias limitam a possibilidade de se incrementar a mais-valia absoluta
através de um aumento da duragáo ou intensidade da jornada de trabalho. 14
Oincremtodapuvnsiútrapoduebns-lári
CO
diminui o valor da forga de trabalho ao reduzir o tempo de trabalho social-
PR(
mente necessário para sua manutengáo, de maneira que o capitalismo pode
apropriar-se entáo de urna maior parte do valor produzido durante a jorna-
Oj
da de trabalho. Dessa maneira, a produgáo de mais-valia relativa através da
qué
redugáo do tempo de trabalho necessário se vincula aos efeitos que a redu-
ple
gáo do tempo de trabalho socialmente necessário exerce sobre a produgáo lhc
do valor. O progresso técnico, ao mesmo tempo que desvaloriza o capital e ria
as mercadorias que produz, aumenta a mais-valia relativa que extrai da forga fixi
de trabalho, contrariando a tendéncia de redugáo da taxa de lucro. Esses cor
processos se conjugam para aumentar a taxa de lucro do capitalista inovador pri
no setor de bens-salário. No entanto, para fins teóricos, é necessário anali- to
sar separadamente o aumento da taxa de lucro produzida pelo incremento ten
da mais-valia relativa do qual surge como efeito da desvalorizagáo do capi- vo;
tal fixo instalado pela incorporagáo de um avango técnico por parte de um efe
40
r-
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ário
COMPOS00 ORGÁNICA DO CAPITAL E APROPRIA40
cial-
PRODUTIVA DA NATUREZA
ode
rna-
O problema do cálculo do tempo de trabalho socialmente necessário, ou da
's da
quantidade de valor que uma mercadoria contém, torna-se ainda mais com-
edu-
plexo guando consideramos que este valor náo é apenas produto do traba-
ugáo lho vivo direto que a máquina extrai do trabalhador, mas que toda mercado-
tal e ria incorpora também uma parte proporcional do valor contido no capital
orca fixo, quer dizer, nas matérias-primas, bens intermediários e equipamentos
sses consumidos na produgáo de um valor de uso determinado. As matérias-
ador primas e bens intermediários que entram na composigáo de um novo produ-
ali- to transferem a este seu valor original, o qual se soma ao que produz o
ento tempo de trabalho socialmente necessário empregado no processo produti-
api- vo; seu valor se vé afetado, como o de qualquer outra mercadoria, pelos
um efeitos do progresso técnico no tempo de trabalho socialmente necessário
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fi nte, capital depende, por sua vez, da aparigáo de uma inovagáo técnica. No
ao entanto, a criatividade que gera urna inovagáo — que eleva a produtividade
gáo dos novos equipamentos e as condigóes técnicas médias da produgáo —
les- depende cada vez mais de investimentos no setor tecnológico, mas náo está
gáo determinada pelo tempo de trabalho manual ou intelectual aplicado a urna
vos.
. descoberta científica e seu desenvolvimento tecnológico, nem pela quantida-
e ao de de valor destinado á produgáo desses conhecimentos. Nesse sentido,
on- Marx afirma que
igáo
uto, O progresso incessante da ciéncia e da tecnologia dota o capital de urna
sua potencialidade de expansáo, a despeito, dentro de certos limites, da magni-
per- tude das riquezas das quais se compóe [...] o progresso da poténcia produ-
eria tiva do trabalho que se produz sem o concurso do capital que se encontra
, na em fungáo, mas da qual se beneficia guando troca de pele, o deprecia tam-
nto bém mais ou menos durante um intervalo de tempo no qual continua fun-
gáo cionando sob sua antiga forma.»
der
ma
du-
tec- AS FORCAS PRODUTIVAS DA CIÉNCIA E A DESVALORIZnÁ0 DO VALOR
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RACI0NALIDADE AMBIENTAL
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Por tudo isso, embora a produgáo de valor dependa cada vez mais do
trabalho simples direto, a revalorizagáo do capital depende cada vez mais do
trabalho científico e da inovagáo tecnológica. Na medida em que a própria
acumulagáo capitalista determina urna tendéncia para a substituigáo crescen-
te do trabalho vivo direto e sua conjugagáo com a aplicagáo direta das for-
gas da ciéncia na produgáo de mercadorias, tende a desaparecer a determi-
nagáo específica do valor como princípio fundamental da dinámica estrutu-
ral do capita1. 26
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idra a de seu objeto teórico. Dessa forma, os conceitos de valor e de renda diferen-
roduz cial levam á intervengáo dos processos naturais, na medida em que estes afe-
sobre tam o tempo de trabalho socialmente necessário á produgáo de mercadorias,
anda- assim como as taxas de mais-valia e de lucro. Dessa perspectiva, toda pro-
físico- posta monista sobre a unidade natureza-sociedade aparece como urna pos-
o dos tulagáo ideológica. Para o materialismo histórico, náo existe nem a socieda-
críti- de em geral nem a natureza em geral, senáo como objetos empíricos ou cate-
Marx gorias metafísicas incapazes de serem articuladas em um discurso científico.
bre as Para a teoria da história, os modos de produgáo articulam o meio ambiente
da. A em que se desenvolvem; por sua vez, a natureza existe como processos que
deter- sáo apreendidos teoricamente pelos diferentes ramos das ciéncias físico-
a, que biológicas e se inserem, através do conhecimento tecnológico, no processo
capitalista de produgáo. Dessa forma, produz-se uma articulagáo teórica e
forma técnica entre a natureza e a sociedade no processo capitalista de produgáo
Tiente (Leff, 2001a, cap. 1).
ermi- Marx náo apenas vé a unidade do mundo como a unificagáo transcen-
uma dental de natureza e sociedade através do processo de trabalho. O materia-
lismo marxista náo consiste no fato de que "tudo é matéria", ou em pensar
o mundo como "urna determinagáo metafísica segundo a qual todo ente
aura- aparece como material de trabalho". O materialismo histórico procura dar
1 que conta da estrutura social que converte a natureza em objetos de trabalho, em
:al da valores de uso naturais capazes de serem incorporados ao processo de pro-
nhe- dugáo de valor e de mais-valia. O materialismo marxista náo é urna visáo do
34 A
.
mundo como urna relagáo entre coisas: isto é justamente aquilo que Marx
ecifi- criticou como o fundamento metafísico da alienagáo dos sujeitos sociais.
-e Com a transformagáo da mercadoria em fetiche, Marx póe a descoberto o
rgem efeito ideológico produzido pelo processo capitalista de produgáo, que faz
cate- aparecer a realidade como uma relagáo entre coisas. Por isso, Marx, afirma
i que em Grundrisse que
nodo
áo e O materialismo tosco dos economistas, que trata as relagóes sociais da pro-
dugáo dos homens e as determinagóes que as coisas recebem enquanto se
;ora subsumem sob essas relagóes, como se fossem propriedades naturais das
ória. coisas, é, igualmente, um tosco idealismo, e inclusive fetichismo, pois atri-
:os e bui relagóes sociais ás coisas, como se fossem determinagóes imanentes a
ugáo Blas, e assim mistifica tais relagóes (cit. em Schmidt, 1976: 148).
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de algo
f lor para
na liber-
lo como
e nada,
esta ou
de urna
marxis-
odutivas
implica
i o traba-
de eco-
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NOTAS
ma
op.
1. 0 conceito de "valor económico total" — a soma do valor real direto, do valor
de uso indireto, do valor de opgáo e do valor intrínseco — expressa a vontade onívora
da economia ambiental em recodificar o mundo — a todas as coisas e todos os valores —
"o •
em termos de capital (capital natural, capital humano, capital científico e tecnológico). O
car
conceito de "valor económico total" é uma estratégia totalitária para a apropriagáo eco- sid.
nómica do mundo, desde o valor económico atual dos bens naturais e dos servigos nác
ambientais até os valores contingentes atribuídos a essa natureza humana que se expres- nác
sam na "vontade de pagar" de indivíduos ecologicamente preocupados e empresários
conservacionistas.
2. K. Marx, "Misére de la philosophie", em Euvres, Économie. I, Paris, Gallimard, das
1965, pp. 28-9. "M
3. K. Marx, "Introduction générale á la critique de l'économie politique", em
Euvres, op. cit. p. 259. "Indiferente á matéria particular dos valores de uso, o trabalho
cos
que cria um valor de troca é por esta mesma razáo indiferente á substancia particular do
próprio trabalho. [...] representa um trabalho homogéneo, indiferenciado [...] trabalho pro
no qual a individualidade do trabalhador foi apagada [...] o trabalho que cria valor de vali
troca é trabalho genérico abstrato [...]. Para medir os valores de troca das mercadorias cap
com base no tempo de trabalho que Blas contém é necessário que os diferentes trabalhos gar
sejam reduzidos a um trabalho indiferenciado, homogéneo, simples, a um trabalho de e so
igual qualidade, que nao se distinga a náo ser por sua quantidade. [...só entáo] o tempo os li
de trabalho materializado nos valores de uso das mercadorias é por sua vez a substancia ves
que faz deles valores de troca. [...] e a medida que determina a quantidade de seu valor. tal"
[...] Esta redugáo aparece como uma abstragáo [...] Trata-se, sem dúvida, de urna abstra-
gáo que a cada dia se traduz em atos no processo da producáo. A resolugáo de todas as
mercadorias em tempo de trabalho náo é urna abstragá'o maior, nem menos real [...] do
que a resolugáo de todos os corpos orgánicos no ar." K. Marx "Critique de l'économie
politique", em Euvres op. cit. pp. 280-1. vol;
4. K. Marx, "Introduction", (Euvres..., op. cit. pp. 259-60. acui
5. K. Marx, "Critique", Euvres, op. cit, p. 285. des(
6. "Por aumento da forga produtiva ou da produtividade entendemos, de urna do
maneira geral, urna mudanga nos processos que reduzem o tempo socialmente necessá- capi
rio para a produgáo de urna mercadoria, de tal forma que uma quantidade menor de tra- pan-
balho conquista a forga de produzir mais valores de uso." (K. Marx, "Le capital", vol, I, da e
em Euvres [...], op. cit., p. 852) da p
7. "Toda forga de trabalho individual é igual a outras, enquanto tiver o caráter de técn
uma forga social média e funcionar como tal [de maneira que] náo empregue na produ-
sua
gáo da mercadoria nada mais do que o tempo de trabalho necessário no entretempo, ou part
no tempo de trabalho socialmente necessário." (K.Marx, "Le capital", vol. 1, en CEuvres, cüo
op.cit., p.556). A ra
8. K. Marx, "Le capital", vol.1, em cEvres, op. cit. p. 566. "Suponhamos que um to d
artigo represente seis horas de trabalho. Quando se produz urna invengáo que permite lho,
produzi-lo [...] em tres horas, o artigo já produzido, que circula no mercado, náo terá mei(
70
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mais do que a metade de seu valor primitivo." (K. Marx, "Le capital" vol. 1, em (Euvres,
op. cit. p. 1031).
valor
9. Ibid, p. 854.
úvo ra
10.Ibid, p. 856. Maximilian Rubel indica em seus comentários á obra de Marx que
Ces-
"o texto alemáo fala de `potenzierte Arbeit', sublinhando o adjetivo, o que pareceria indi-
0). O
car que náo se trata de um trabalho qualificado, mas sim de um trabalho de maior inten-
eco-
sidade. A tradugáo inglesa diz intensified labour'" (op. cit., p. 1661). Isso, sem dúvida,
vigos
náo esclarece o problema, posto que se trata da introdugáo de urna inovagáo técnica, e
rpres-
náo apenas de um aumento da intensidade do trabalho.
;arios
11.Ibid., p. 1636.
12."Para aplicar uma medida similar, devemos contar com urna escala comparativa
mard,
das diferentes jornadas de trabalho: é a competigáo que estabelece esta escala" (K. Marx,
"Misére de la philosophie", em cEuvres, op. cit. p. 28).
", e m
13.Marx dirá no livro III de O capital que os valores "se dissimulam atrás dos pre-
balho
gos de produgáo e os determinam em última instáncia" (K. Marx, op. cit., p. 1592).
lar do
14."0 modo de produgáo se considerava definido guando examinamos a mais-valia
balho
proveniente da duragáo prolongada do trabalho. Mas, como é necessário ganhar mais-
lor de
valia pela transformagáo do trabalho necessário em sobretrabalho, já náo basta que o
dorias
capital, deixando intactos os processos de trabalho tradicionais, se contente em prolon-
)alhos
gar simplesmente sua duragáo. Entáo, lhe é necessário transformar as condigóes técnicas
ho de
e sociais" (K. Marx, "Le capital", em (Euvres, op. cit., p. 852). "Uma vez estabelecidos
:empo
os limites da jornada de trabalho, a taxa de mais-valia náo pode elevar-se a náo ser atra-
táncia
vés do incremento da intensidade ou da produtividade do trabalho" (K. Marx, "Le capi-
valor. tal", op. cit., p. 1003).
bstra-
15.Ibid, p. 856.
das as 16.K. Marx, Grundrisse, vol. 3, Anthropos, Paris, 1968, p. 305.
...] do
17.K. Marx, "Le capital", Guvres, op. cit., p. 1112.
nomie 18.Marx aponta que, "estando dadas as bases gerais do sistema capitalista, o desen-
volvimento dos poderes produtivos do trabalho social surge sempre a um certo ponto da
acumulagáo para converter-se, a partir daf, em um mecanismo mais poderoso. [—] O
desenvolvimento das poténcias produtivas do trabalho social que o progresso menciona-
urna
do acarreta manifesta-se através das mudangas qualitativas [...] na composigáo técnica do
c essá-
capital [...] ou seja, a massa de ferramentas e de materiais aumenta cada vez mais em com-
le
paragáo com a soma de forgas de trabalho necessárias para fazé-los funcionar. Na medi-
I,
da em que o incremento do capital se volta ao trabalho mais produtivo, diminui a deman-
da por este em proporgáo da sua própria magnitude. [...] Essas mudangas na composigáo
ter de
técnica do capital se refletem em sua composigáo valor, no crescimento progressivo de
► rodu-
sua parte constante a expensas de sua parte variável. [...] Sem dúvida, o decréscimo da
DO, OU
parte variável do capital em relagáo com sua parte constante, essa mudanga na composi-
luvres,
gáo valor do capital, apenas indica distantemente a mudanga em sua composigáo técnica.
A razáo é que o progresso das capacidades de trabalho, que se manifesta pelo incremen-
ue um
to do equipamento e dos materiais postos em movimento por urna soma menor de traba-
mite
lho, faz também diminuir de valor a maior parte dos produtos que funcionam como
o terá
meios de produgáo" (K. Marx, "Le capital", iEuvres, op. cit., pp. 1134-5).
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
n elemen- 252, 255, 258). Saltam á luz as contradigóes ás quais leva este "pensamento dialético": a
dominagáo é produzida náo por urna estrutura social e sim por urna "razáo tecnológica";
uniforme- mas as condigóes de seu desaparecimento sáo a plena realizagáo do desenvolvimento
;mes mer- científico-tecnológico. No plano político, implica que a libertagáo depende do desenvol-
nie. I, op. vimento das forgas produtivas e da automatizagáo generalizada dos processos de traba-
lho, e náo de urna prática política tendente a transformar as relagóes sociais de produgáo.
31. 32.Para Feuerbach, "a metafísica ou lógica só é uma ciéncia real, imanente, guando
s no capi- náo se separa do chamado espírito subjetivo [...] Só o homem é a realidade, o sujeito da
1mo a pro- razáo. É o homem o que pensa, náo o eu, náo a razáo" (cit. em Schmidt, 1976: 22).
;ir a partir 33."A natureza é o único objeto de conhecimento. Inclui em si tanto as formas da
[lhador ao sociedade humana como, também, inversamente, só aparece mental e realmente em vir-
ade indús- tude dessas formas" (Schmidt, 1976: 25).
ve no ser- 34.Schmidt se apóia em Ideologia alemd e nos Manuscritos parisienses de Marx, em
que se afirma que "a natureza, entendida como separada do homem, náo é nada para o
homem", para asseverar que, para Marx, as ciéncias "náo proporcionam nenhuma cons-
no qual ciéncia imediata da realidade natural, porque a relagáo humana com esta náo é primor-
rx, "Le dialmente teórica, mas sim de caráter prático-transformacional; náo "existe" uma natu-
reza historicamente náo modificada que seja objeto de conhecimento das ciéncias natu-
rais" (Schmidt, 1976: 28, 46).
*tal como 35.Dessa maneira, o próprio Schmidt afirmava: "A natureza se torna dialética por-
princípio que produz o homem como sujeito mutável, conscientemente ativo, que é enfrentado
qualita- como `poténcia natural'. No homem se relacionam o meio de trabalho e seu objeto. A
trabalho natureza é o sujeito-objeto do trabalho. Sua dialética consiste em que os homens mudam
rodutiva sua natureza enquanto tiram gradualmente da natureza externa seu caráter estranho e
. Marx, exterior, mediam-na consigo mesmos, fazem-na trabalhar teleticamente para eles [...] a
p. 301). dialética do processo laboral como processo natural se amplia á dialética da história
humana em geral" (Schmidt, 1976: 56-7).
36."É certo que toda natureza está mediada socialmente, como também o é, inver-
rializagáo samente, que a sociedade está mediada naturalmente como parte constitutiva da realida-
escala his-
de total. Este último aspecto da vinculag'áo caracteriza a especulagáo latente em Marx
enquanto
sobre a natureza." Schmidt fica enredado nessa identificagáo especular entre natureza e
elagóes de
sociedade ao afirmar que "o sujeito e o objeto de trabalho estáo, em última instancia,
hta, 1969:
determinados pela natureza; no processo imediato de trabalho [...] no intercámbio orgá-
nico entre homem e natureza, o aspecto material se impóe a suas determinagóes históricas
ento, pro-
poder do
formais; no processo de intercambio, que se baseia no processo laboral, as determinageles
formais históricas se impóem a seu aspecto material" (Schmidt, 1976: 87, 97, 99-100).
alitativa a
37."Os conteúdos teléticos perseguidos no trabalho sáo limitados tanto para Hegel
como para Marx. Em ambos há uma limitagáo objetiva determinada pelo material de que
na medi-
possa ser se dispóe e por suas leis, e urna limitagáo subjetiva estabelecida pela estrutura de impul-
constitui- sos e necessidades do homem" (Schmidt, 1976: 114).
e a racio- 38.Dessa forma, diante das dificuldades para explicar a equalizagáo da taxa de lucro
alidade, e de setores produtivos com tempos de circulagáo e com composigáo orgánicas de capital
se, 1968: diferentes, Marx escreve: "Pode parecer que a teoria do valor seja aqui incompatível com
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flun-
sur -
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smo
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1 que
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ticos CAPÍTULO 2 A complexidade ambiental e o fim
ven- do naturalismo dialético
ocu-
79).
lental
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dade
lento,
espe-
ndo-
ticos
1 pro-
1
INTRODUJO
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A ÉTICA AM
relagóes económicas, éticas e estéticas do homem com seu entorno, pene-
trando nos valores da democracia, da justita e da convivéncia entre os
A teoria so,
homens; e entre estes e a natureza.
aproximad
O ecologismo náo se constituiu apenas como um movimento de defesa
a converter
da natureza, mas como urna nova cosmovisáo baseada na compreensáo do
no método
mundo como sistema de inter-relagóes entre as populagóes humanas e seu
história do
entorno natural. Isso alimentou um pensamento da complexidade, fundado
trugáo do s
em urna ecologia generalizada (Morin, 1977, 1980, 1993). Essa visáo ecolo-
lismo real.
gizada do mundo foi transferida ao campo do social: da filosofia, da políti-
temológica
ca e da economia. Dessa maneira, nascem a ecologia humana, a bioética e a
Sartre e Le
ecologia profunda (Deval e Sessions, 1995; Naess e Rothenberg, 1989;
ainda o disc
Jonas, 2000), buscando arraigar a ordem social e moral em urna ontologia
Se Mar
da natureza e da vida, enriquecida pela complexidade da organizagáo ecoló-
materialism
gica. Este reenraizamento do social em suas bases naturais implicou, porém,
ca inscreve:
um desconhecimento da ordem simbólica que, a partir dos significados da
gáo ecológic
linguagem e da organizagáo da cultura, organizam os mundos de vida do ser
suas origen:
humano, suas relagóes sociais e suas relagóes de poder, as quais náo podem
do homem
subsumir-se dentro de um sistema de relagóes ecológicas e serem compreen-
hierarquias
didas dentro de urna ordem biológica.
classes e de
Nesse campo ideológico, surgiu a corrente ecoanarquista de Murray
corno a exp
Bookchin (1989, 1990), com a pretensáo de fundamentar a ecologia social
dessas relag,
em uma filosofia natural — um ecologismo dialético —, para orientar a
mica ao Ion
construgáo de urna sociedade ecológica. A ecologia social náo aporta apenas
de globaliza
urna análise da sociedade a partir de seus condicionamentos ecológicos e das
gias de pock
complexas inter-relagóes de seus processos; procura, ao mesmo tempo, con-
ca, que eme
duzir as estratégias e práticas do ecologismo para um processo de descentra-
A filoso
lizagáo baseado na criatividade da vida e na autogestáo das comunidades
que carrega
sobre seu processo de desenvolvimento. A ecologia social de Bookchin
processos ct
orienta novos estilos de vida e formas de organizagáo social baseados em
com a natul
urna teoria de evolugáo ecossocial, em que os princípios ecológicos adqui-
do poder e
rem valor ontológico como urna "verdade objetiva libertadora" para cons-
estratégica,
truir urna "sociedade ecológica". Seu projeto de fundar a filosofia política
estágios de :
do ecologismo em urna renovada dialética da natureza e em urna ética
tico as contr
"ontológica" apresenta problemas á teoria e á agáo social capazes de assen-
ria prescrita
tar as bases teóricas e forjar os sentidos existenciais para a construgáo de
afirma:
urna racionalidade ambiental.
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IE
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eemer- libidinal das pessoas, corno urna revolta do inconsciente social que vem
nergén- desde as lutas mais antigas da humanidade contra a dominagáo e a autorida-
r como de" (Bookchin, 1971/1990: 21). Dessa maneira, ele "vincula a reconstrugáo
um ato da sociedade á reconstrugáo da psique". Unindo os tragos da espontaneida-
mudar de da natureza humana á evolugáo biológica, Bookchin confunde a especifi-
cidade da natureza humana (a ordem simbólica, do inconsciente, da cultura
e do poder) com a ordem biológica, ignorando assim os obstáculos (huma-
e como nos e náo naturais) que impedem a transigáo a um desenvolvimento justo e
a con- sustentável através de estratégias simbólicas e políticas. 4 Esta "filosofia natu-
odugáo ral" desemboca em urna espontaneidade afastada do pensamento crítico e da
paz de aláo estratégica. Suas profundas raízes ecológicas resultam na passividade
guiar a dos atores sociais do ecologismo, á espera de que as forgas da natureza sejam
tivo da atualizadas na sociedade através de um processo natural de autoconsciéncia
idera a e de mudangas espontáneas. Essa teoria náo consegue explicar a crise
lo base socioambiental e desenvolver urna estrategia efetiva para a construgáo de
a natu- urna "sociedade ecológica".
olucio-
sendo
a social MONISMO ONTOLÓGICO E HOLISMO ECOLÓGICO:
osta de A NEGAÁO DO NATURALISMO DIALÉTICO
3 saber
(Leff, Com o propósito de estabelecer um campo teórico unificado para ver seu
ate" e a contínuo evolutivo e expandir o funcionamento da natureza (sua dialética?)
2ntal, a ao terreno da sociedade e do pensamento, Bookchin procura fundar a eco-
funda- logia social em um monismo ontológico. As categorias da natureza e do ser
e cons- — o natural, o cultural e o social — perdem sua especificidade ontológica e
;, e náo epistemológica. A natureza da natureza se confunde com as formas do ser;
as produgóes humanas (o pensamento, a cultura e a história) aparecem
rticular como "segunda natureza". Bookchin procura elaborar um naturalismo dia-
udanga lético que lhe permita "derivar organicamente a segunda natureza da pri-
m pro- meira natureza [...], usando um modo de pensamento que distingue as fases
ituem a do contínuo evolutivo de onde emerge a natureza segunda, preservando a
e urna natureza primeira como parte do processo (1990: 164)".
ir urna Bookchin encontra nesse naturalismo dialético o que de maneira mais
rgéncia elaborada o "pensamento da complexidade" desenvolve como um processo
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veis do Ser que em seu trabalho a cinética baseada no movimento tendeu a indagagáo
invadir sua dialética do desenvolvimento orgánico (Bookchin, 1990: 15). so a urna
de auto-oi
Bookchin tem razáo em sua crítica a Engels; mas a mesma crítica pode- cia humar
ria ser aplicada a ele, pois está táo apaixonado pela evolugáo e pela ecologia vado que
como modelo para a dialética da natureza que a transfere acriticamente á lógico sob
ordem social. 6 Bookchin procura resgatar o pensamento dialético amalga- O nat
mando-o na evolugáo biológica, e estabelecer uma filosofia da natureza que do na tecr
possa guiar a agáo social através de leis racionais e objetivas. Como resulta- construgát
do, postula uma ontologia organicista e uma ecologia generalizada. Book- estratégial
chin afirma que seu "naturalismo dialético pode responder a perguntas tais foi descer
como: o que é a natureza?; qual é o lugar da humanidade na natureza?; o desejo e d,
que é a forra da evolugáo natural e qual é a relagáo da sociedade com o o desejo e
mundo natural?". Pensa que o naturalismo dialético "pode dar coeréncia se e da orl
[...e] agregar urna perspectiva evolutiva ao pensamento ecológico [...] apesar simbólico.
da rejeigáo de Hegel á evolugáo natural e seu recurso ás teorias mecanicistas e o conhec
da evolugáo que estavam em yoga um século antes" (Bookchin, 1990: 16). da reflexái
Mas como podiam os princípios gerais da razáo dialética dar coeréncia O m o(
e oferecer urna perspectiva evolutiva á ecologia? O caráter evolutivo da eco- lética da tr
logia provém de seu objeto científico, de cuas articulagóes conceituais com a terminará(
biologia evolutiva e com as teorias dos sistemas complexos, e náo do pensa- pelo códig
mento metafísico. Certamente, a ecologia pode "informar" a agáo social cia da con
para internalizar as condigóes ecológicas de urna organizagáo e de urna pro- cionista pc
dugáo sustentável; mas isso náo implica a necessidade de "ecologizar" o nificagáo e
pensamento humano e de generalizá-lo para explicar a consciéncia social e a lógicas que
agáo política. A ecologia contribui para a análise dos sistemas complexos esta o códi
emergentes (Funtowicz e Ravetz, 1994); no entanto, náo conduz á reconver- dos autóm
sáo da ordem social dentro de um modelo ecológico nem á fundagáo de urna "auto-orga
sociedade ecológica dentro dos princípios do naturalismo dialético. reza da nat
Bookchin está á procura de urna filosofia da natureza que possa apoiar
urna moral da "isonomia". A ética da natureza foi, certamente, pervertida
pelo predomínio da epistemologia sobre as condigóes ontológicas do ser; a
racionalidade científica da modernidade — do mecanicismo ao positivismo DIALÉTICA E
lógico e ao estruturalismo — cristalizou-se em urna racionalidade do domí-
nio sobre a natureza. A fenomenologia abre urna via para a reconstrugáo das O material
diversas formas do ser em sua relagáo com a natureza, mas justamente essa samento e
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ritos ordem simbólica e social (Bachelard, 1938). A aplicagáo de urna visáo meca-
[tido, nicista aos sistemas biológicos velou a inteligibilidade da vida (Canguilhem,
re os 1971, 1977), assim como a extensáo dos princípios organizadores da vida e
as da dos processos ecológicos á sociedade humana desconhece a especificidade
uns da ordem histórica e simbólica; do poder, do desejo e do conhecimento
urna (Lacan, 1971; Foucault, 1966, 1969).
A diferenciagáo da matéria e dos conceitos (única maneira de apreender
o concreto da articulagáo de processos que constitui o ambiente) náo pode
os de ser reduzida á emergéncia de novos tragos, caracteres e fungóes na auto-
ar os organizagáo da matéria vivente. A "evolugáo" do ser langa ao mundo a
.] as emergéncia de formas diferentes de organizagáo da matéria e do pensamen-
(lin- to, que náo podem ser reduzidas a um monismo ontológico baseado na gene-
mais ralizagáo de princípios ecológicos. Coloca-se, assim, urna necessária produ-
)eita- gáo de conceitos para apreender a especificidade de diferentes ordens do real.
con- Esses conceitos náo podem ser reduzidos ás categorias gerais da dialética nem
subsumir-se na biologia evolutiva como urna teoria orgánica transdisciplinar
capaz de unificar o natural e o social. Tais princípios ontológicos e epistemo-
ento lógicos sáo condigóes necessárias para que se apreenda a articulagáo das dife-
D Ser rentes ordens do real: física, biológica, história e simbólica. 10
s na A totalidade como concregáo da complexidade é uma categoria episte-
ico, mológica que pode ser aplicada como princípio metodológico a diferentes
um ordens ontológicas. Nesse sentido, a totalidade concreta aparece no pensa-
sua mento como uma categoria para apreender a síntese das determinagóes múl-
tiplas de um processo. Para que o conceito represente o concreto, deve
ma haver uma forma de correspondéncia objetiva com o real. Essa concregáo
da náo emerge dos fatos e dos dados "puros" da realidade, nem resulta de um
ei- reflexo da natureza na consciéncia subjetiva. A natureza, a matéria e o ser se
de organizam em ordens ontológicas distintas, que náo tém nenhuma "cons-
ue ciéncia de si" (o sujeito psicológico náo tem uma consciéncia de seus proces-
mo sos inconscientes). A totalidade concreta dessas ordens materiais aparece no
ias pensamento conceitual por meio da produgáo de objetos teóricos de conhe-
em cimento. Tal processo epistemológico dá sentido, significado e valor ao real.
o O conceito apreende a realidade em sua "correspondéncia" com os proces-
os sos materiais, dando, assim, tonta da especificidade das diferentes ordens
te- ontológicas do real. No entanto, essa relagáo entre o conceito de seu objeto
da de conhecimento, o real e a realidade empírica nunca alcanga a identidade
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ciéncia, pel
no processo de "representagáo cognoscitiva" do ser e do ente. Em conse-
na conscién
qüéncia, o real e o simbólico náo podem fundir-se em um monismo ontoló-
O sabe;
gico que faria corresponder urna natureza a urna lógica por meio da auto-
verdade coi
reflexáo da matéria na mente em um processo ecológico evolutivo.
O desejo qu
Ante o predomínio do uso instrumental da ciéncia moderna, Bookchin
to encantou
vé na ecologia a possibilidade de "restaurar e inclusive transcender o estágio
trumental,
libertador das ciéncias e filosofias tradicionais" (1971/1980: 80). No entan- diferenga e
to, a ecologia — corno a teoria geral dos sistemas — náo se torna revolucio- rando o am
nária por seu enfoque integrador e por sua vontade de totalidade. Além essa fonte d
disso, a ecologia se generalizou e estendeu-se até os domínios da história — de (Leff, 20
da ordem simbólica e social —, desconhecendo o caráter específico da natu- O proje
reza humana — as relagóes de poder, os interesses sociais, o desejo humano, de de estenl
a organizagáo cultural, a racionalidade económica —, que náo podem ordens da ni
subsumir-se em urna ordem ecológica genérica e generalizada. retórica met
O ecologismo procura recuperar as conexóes entre o todo e as partes, crítica do ar
em um sentido tanto dialético e transcendental corno existencial: procura, dialética ao
através de um método para pensar a complexidade, reconciliar a harmonia nalidade am
do indivíduo no cosmos que havia sido rompida tanto pela alienagáo do lético deve
homem diante da criagáo divina como da ordem social — do cosmo, do para examir
logos e da pólis —, desde os gnósticos até a deriva do niilismo no existencia- ambiental e
lismo. Essa separagáo entre a ordem cósmica e o ser humano náo é apenas gáo de uma
um sintoma de uma ordem social totalitária opressiva e alienante, mas a con- O pensa
digáo do ser humano como ser simbólico." articulagáo
A vontade de identidade e totalidade do monismo ontológico foi ques- derivam de
tionada tanto pelo estruturalismo crítico como pelas teorias pós-estrutu- incorporand
ralistas. Quando vemos a natureza e a sociedade a partir da perspectiva da de emergent
cultura e da ordem simbólica — do sentido e dos valores; do inconsciente e interesses so
do desejo —, torna-se impossível aspirar á totalidade. O ambiente pode ser urna "socied
conceitualizado como uma estrutura socioecológica complexa que incorpo- métodos da
ra bases ecológicas de sustentabilidade e condigóes sociais de eqüidade e explicam a r
democracia. No entanto, os princípios e valores que guiam a reorganizagáo pensamento
da sociedade como urna nova utopia aparecem como um desejo que induz frontagáo df
um interminável processo de transformagáo social e do saber que nenhum Além de urm
conhecimento — por mais holístico que seja — pode saciar. Esta "falta em positividades
ser" e "falta de conhecimento" náo pode ser preenchida pelo progresso da pensamento
92
RACIONALIDADE AMBIENTAL
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relagáo do ser com a outridade e com o nada como origem e fonte da criati- mesmo
vidade do inédito. 13 deman
A reorganizagáo da sociedade como urna rede de ecocomunidades des-
centralizadas para alcangar os objetivos de sustentabilidade deve levar a defi- A resp
nir criticamente a transigáo para urna nova ordem social que rompa com a te pertiner
hegemonia do mundo centralizado, unificado e totalitário. Enquanto a polí- tionament
tica do consenso procura ajustar os interesses de diferentes atores a um "fu- transforma
turo comum" (WCDE, 1987) dentro da ordem económica insustentável e paz de exp
como racic
dominante, mediante a agáo comunicativa (Habermas, 1989, 1900), o pen-
Sartre
samento dialético revela a oposigáo de forgas e interesses na apropriagáo
afirmando
social da natureza. O pensamento complexo prové um esquema heurístico
para analisar processos inter-relacionados que determinam as mudangas
A dialé
socioambientais, enquanto a dialética, como pensamento crítico, ilumina o
magáo
caminho interminável de realizagáo — uma revolugáo permanente no pen-
process
samento e de transformagáo social —, que mobiliza a sociedade para a cons- objeto,
trugáo de urna nova racionalidade social. urna ra
metodc
tar a in)
ne o int
A CRÍTICA DE SARTRE AO MONISMO ONTOLÓGICO mostra,
E AO NATURALISMO DIALÉTICO to
tórico e
Em sua Crítica da razdo dialética, Sartre desenvolveu urna das reflexóes de um r
modernas mais lúcidas do pensamento dialético e também urna postura filo- a ser pe
sófica diante da metafísica naturalista. Sartre afirma que o caráter crítico da
razáo dialética é a forma de pensamento que torna inteligível a agáo huma- Essa rel
na no contexto da história. Mas também situa a dialética em seu contexto theia de He
histórico, perguntando-se pelas condigóes que permitem a esta forma de apreensáo c
pensamento apreender o "histórico real". A partir da razáo crítica, Sartre e conhecim
interroga assim a historicidade e os fundamentos da razáo dialética: pensamento
redugáo da
O materialismo histórico tem esse trago paradoxal de ser ao mesmo tempo "negagáo di
a única verdade da história e uma total indeterminalcio da verdade. Esta ver- relax áo entr
dade totalitária fundou tudo, menos sua própria existéncia [...] Assim, o pode ser ex(
marxismo se mostra a nós, os ideólogos, como o desvelamento do ser e, ao histórico. N
94
RACIONALIDADE AMBIENTAL
:riati- mesmo tempo, como urna interrogagáo que permanece no nível de urna
demanda insatisfeita (Sartre, 1960: 118).
s des-
defi- A resposta a esse "paradoxo" do pensamento dialético é particularmen-
:om a te pertinente nos dias de boje, diante da crise do marxismo, diante do ques-
tionamento de seu status teórico e de seu sentido praxiológico para guiar as
polí-
transformagóes sociais do nosso tempo. Se o materialismo histórico é inca-
n "fu-
paz de explicar sua verdade, entáo será necessário repensar a razáo dialética
ável e
corno racionalidade teórica, pensamento metodológico e agáo política.
) pen-
Sartre aborda a questáo ontológica e epistemológica da razáo dialética
riagáo
afirmando que
rístico
langas
A dialética é um método e um movimento no objeto: se funda [...] na afir-
nina o
maláo básica que concerne tanto á estrutura do real e á nossa práxis [...] o
) pen-
processo de conhecimento responde á ordem dialética e o movimento do
L cons- objeto é em si dialético, e estas duas dialéticas fazem urna só [...] que define
uma racionalidade do mundo [...] A razáo dialética vai além do campo da
metodologia. Ela expressa [...] o que é o universo total: náo se limita a orien-
tar a investigagáo, nem a prejulgar as formas de aparigáo dos objetos [...] defi-
ne o mundo como deveria ser para que o conhecimento dialético seja possível,
mostra, ao mesmo tempo, [...] o movimento do real e o do nosso pensamen-
to [...] A única unidade possível da dialética como lei de desenvolvimento his-
tórico e da dialética corno conhecimento em movimento deve ser a unidade
exóes de um movimento dialético. O ser é a negagáo do conhecer e conhecer chega
a filo- a ser pela negagáo do ser (Sartre, 1960: 119, 131, destaques meus).
co da
'uma- Essa relagáo paradoxal entre o ser e o conhecer náo é a que sugere a ale-
itexto theia de Heidegger, que se refere a urna verdade que está sempre em fuga da
na de apreensáo do real pelo pensamento. A "unidade" da dialética entre história
Sartre e conhecimento náo implica um movimento homogéneo da matéria e do
pensamento, nem um simples reflexo da história no pensamento nem a
redugáo das duas esferas no campo unificado do monismo ontológico. A
: empo "negagáo dialética" entre o conhecimento e o ser no campo da história — a
a ver- relagáo entre o conhecimento e o movimento dos processos sociais reais —
o pode ser exemplificada com a "extingáo" da teoria do valor no materialismo
e, ao histórico. Nesse sentido, a teoria do valor-trabalho é negada pelo desenvol-
95
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vimento das forgas produtivas gerado pela mudanga tecnológica na reprodu- Ser e o
gáo das relagóes capitalistas de produgáo: seu valor teórico é confrontado epistem
pelo movimento histórico que vai eliminando a base material sobre a qual o
conceito de valor — o tempo de trabalho socialmente necessário — se fun- Ná
dou como a fonte da mais-valia e da acumulagáo de capital. 14 ser
A dialética entre história e conhecimento mostra o movimento da histó- pen
ria na ordem teórica — as relagóes entre a história do pensamento, das um
idéias filosóficas e da produgáo científica e o movimento da história — que, dese
a partir de urna metafísica do mundo como "natureza da natureza", conduz rién
ao efeito do pensamento e do conhecimento na construgáo da ordem histó- dad
rica pela objetivagáo e coisificaláo do mundo. Nesse sentido, a desconstru- de si
gáo da ordem histórica implica a necessidade de desconstruir a ordem teóri- la se
ca. Essa relagáo dialética entre conceitos teóricos e mudanga histórica rime
aplica-se a todas as categorias filosóficas e á relagáo entre razáo crítica e prá- harn
xis social. A transformagáo das condigóes de produgáo determina a necessi- inve
dade de novos conceitos para apreender a dinámica da economia capitalista pode
em sua fase pós-industrial e ecológica. e se,
Sartre examina "os limites, a validez e a extensáo da razáo dialética" dese]
(Sartre, 160: 120) e sustenta que "a práxis desborda ao conhecimento em gam
sua eficácia real" (p. 122). A razáo dialética — guando considerada como
urna forma de pensamento ou incorporada ao processo evolutivo da nature- O es
za — pode orientar, mas náo prevé nem predetermina o que é gerado pela vés da ce
práxis. A potencialidade (a criatividade e indeterminagáo) da práxis trans- científica
cende o pensamento.ls Esse é o significado da relagáo dialética entre a teo- específic
ria e os movimentos sociais na construgáo de urna racionalidade ambien- o real sá
ta1. 16 No entanto, o monismo ontológico de Bookchin elude a pergunta pelo cias: ná(
sentido do pensamento dialético e se afirma no ecologismo que unificaria o gerais de
ser e o pensamento através da evolugáo da matéria até alcangar a autocons- em expe
ciencia da natureza. A física moderna fundou um novo racionalismo leis com
(Bachelard, 1938/1972); Bookchin procura reconstruir o pensamento dialé- Bookchit
tico a partir do evolucionismo ecológico eludindo a questáo epistemológica ignorand
da relagáo entre as formas do ser e do conhecer. A história da razáo dialéti- lismo dia
ca nada mais é do que a história da dificuldade de se reconciliar a dialética lutivo;
com lei do ser e como forma de pensamento: de seu significado na ordem da organism
natureza, do pensamento e do conhecimento. Na Idéia Absoluta de Hegel, pensame
o pensamento é, ao mesmo tempo, constitutivo e constituído, unificando o Sartre afi
96
RACIONALIDADE AMBIENTAL
:odu- Ser e o Conhecimento. Mas essa posigáo idealista encerra uma contradigáo
ltado epistemológica. Pois, como afirma Sartre,
[ual o
Ifun- Náo existe urna contradigáo insuperável entre o conhecimento do ser e o
ser do conhecimento? O erro foi tentar conciliar ambos, apresentando o
aistó- pensamento como o ser, levado pelo mesmo movimento da história como
1, das um todo [...] se o conhecimento náo é o todo, entáo seguiria seu próprio
• que, desenvolvimento como urna sucessáo empírica de momentos, e essa expe-
► nduz riéncia dará o que é experimentado como contingéncia e náo como necessi-
histó- dade [...] nada pode autorizar [o conhecimento] a decidir que o movimento
1stru- de seu objeto segue seu próprio movimento, nem que [o pensamento] regu-
teóri- la seu movimento pelo de seu objeto. Se o ser material, a práxis e o conhe-
:órica cimento sáo realidades irredutíveis, náo teríamos, entáo, que apelar a urna
p prá- harmonia preestabelecida para conciliar seus desenvolvimentos? [...] Se a
cessi- investigagáo da verdade deve seguir uma aproximagáo dialética, como
alista poderíamos provar, sem idealismos, que se reúne com o movimento do Ser;
e se, contrariamente a isso, o conhecimento deve permitir que o Ser se
tica" desenvolva por suas próprias leis, como evitar que os processos [...] apare-
o em gam apenas como fatos empíricos? (Ibid: 122).
orno
ture- O estruturalismo marxista ofereceu urna resposta a esta pergunta atra-
pela vés da construgáo de objetos de conhecimento e da produgáo de conceitos
rans- científicos das diferentes esferas ontológicas (Althusser, 1969). As formas
teo- específicas de organizagáo dos diversos processos materiais que conformam
bien- o real sáo apreendidas através da construgáo dos objetos teóricos das cien-
pelo cias: náo se reduzem a princípios dialéticos que corresponderiam a leis
ria o gerais de Ser nem a objetos empíricos da realidade. Os conceitos teóricos,
ons- em experimentagáo com a realidade, provam a "correspondéncia" de suas
ismo leis com as regularidades de processos materiais específicos. Por sua vez,
ialé- Bookchin tenta fundar sua teoria em um monismo ontológico (ecológico),
gica ignorando o problema do conhecimento na razáo dialética. Em seu natura-
aléti- lismo dialético, a natureza chega a ser autoconsciente em um processo evo-
ética lutivo; este se estende ao reino do pensamento como um epifenómeno do
m da organismo biológico, sem urna reflexáo crítica sobre as condigóes de ser, do
egel, pensamento e da relagáo de conhecimento. Antecipando-se a Bookchin,
do o Sartre afirmou:
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a mente. Dessa maneira, o real chegaria a ser transparente em sua expressáo ser do ent
no pensamento. Esse idealismo ecológico se opóe a todo princípio materia- lece com
lista do conhecimento, em que a dialética do concreto se constrói através de que náo
estratégias teóricas capazes de apreender o real, que náo é manifestado por homem de
meio dos sentidos e dos dados puros da realidade. Essa é a condigáo inelu- via de um
dível do conhecimento humano, em que o pensamento pode liberar proces- Jonas pro,
sos ou perverter a realidade através de estratégias de poder inscritas na preserve
ordem do saber (Foucault). Mas náo há nada na ordem natural que conte- homem",
nha o germe dessa perversáo; nada no reino da natureza nos pode revelar o ser em sec
enigma da produgáo de sentidos que mobiliza a mudanga social e a possibi- za das coi:
lidade de construir urna nova ordem social que incorpore os princípios eco- mundo en
lógicos na moral humana, na organizagáo social e na produgáo sustentável. logia da n1
Jonas procura em seu Princípio vida urna saída para a "metafísica dualis- gia da dife
ta" do existencialismo de Heidegger, a qual náo resolve o dilema de um dua- lidade soci
lismo que deixa o ser humano desamparado diante de um cosmo indiferen-
te; diante de urna natureza que náo o contém; diante de uma ética sem fun-
damento ontológico:
MONISMO-
A expressáo de estar atirado ao mundo é o resto de urna metafísica dualista
para cujo uso o ponto de vista metafísico carece de todo direito. Como se () pensaml
pode estar atirado sem alguém que atire e um lugar a partir do qual se atire? ciéncias, es
O existencialista diría melhor se dissesse que o ser humano — esse si pró- ciado o rea
prio consciente, preocupado, que sente — foi atirado pela natureza. Se isso do espírito
aconteceu de maneira cega, ternos que o ser dotado de visáo é um produto gáo entre
do cego, o que se preocupa, um produto do despreocupado, e que uma longo da h
natureza teleológica foi suscitada ateleologicamente. (Jonas, 2000: 301). lismo e o ic
tesiano, en
No entanto, essa reflexáo, antes de deixar a descoberto a inconsisténcia série de dí
da ontologia heideggeriana, como "restos de urna metafísica dualista", colo- natureza-ci
ca em evidéncia a compreensáo limitada de Jonas sobre esse problema. Pois lativos. O
do ser biológico emerge o ser consciente como um processo epigenético, teorias dua
urna vez que o ser-aí está no mundo deixa de estar "atirado pela natureza". campos ten
Por isso é inútil querer reintegrar a existéncia a urna origem natural em lugar ta, sem hav
de afiangá-la na difererm insalvável da ordem natural e da ordem simbóli- góes filosóf
ca. O rompimento entre o homem e o ser total que está na base do niilismo Desde
náo é apenas o resultado de urna operagáo do pensamento que dissociou o de Prigogin
100
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Issáo ser do ente, como denunciou Heidegger, e sim da dissociagáo que se estabe-
tria- lece com a emergéncia da ordem simbólica que estabelece urna diferenga
és de que náo pode ser reintegrada á ordem natural. Por isso, querer salvar o
) por homem do isolamento ou da alienagáo do todo ao qual está condenado, pela
nelu- via de um naturalismo dialético, eliminaria a idéia do homem enquanto tal.
oces- Jonas procurará um "caminho que evite a alienagáo dualista e ainda assim
1s na preserve o suficiente da intuigáo dualista para conservar a humanidade do
)nte- homem", postulando urna ética fundada em "urna ontologia da natureza do
:lar o ser em seu conjunto" e em "um princípio que se possa descobrir na nature-
ssibi- za das coisas". 18 Além dos malabarismos desta ética objetiva para manter o
eco- mundo em um equilíbrio instável entre monismo e dualismo e em urna onto-
áve I . logia da natureza, a encruzilhada da sustentabilidade convoca a urna ontolo-
aalis- gia da diferenga e urna ética da outridade para construir urna nova raciona-
dua- lidade socia1. 19
fun-
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conhe- definível do homem que remeta sua existéncia a urna ordem objetiva de essén-
mheci- cias no todo da natureza — e a compreensáo do mundo como um conjunto de
iori do ordens "híbridas" entre o orgánico, o simbólico e o tecnológico (Haraway,
zam as 1991). 20 Da mesma maneira, a idéia de enraizamento (embeddednes) do
mheci- conhecimento e da encarnagáo (embodyment) do saber fala — mais além do
.éria, a conhecimento pessoal e da intervengáo do sujeito na produgáo científica, ou
lidade, da apropriagáo subjetiva de conhecimentos objetivos — de seu assentamento
rias do em um território e de sua incorporagáo em certas identidades. O monismo
mo de ontológico do ecologismo trata de descobrir ou construir urna organicidade
to par- sem fissuras entre ideologias, cosmologias, teorias e ordens ontológicas do
ento e Real; urna unificagáo entre processos cognitivos, fenómenos naturais e práti-
alida- cas culturais. O rigor epistemológico nem sempre tem acompanhado os novos
o pen- esquemas de pensamento que procurara acomodar os pressupostos teóricos á
oso de prática social do ecologismo. Nesse sentido, dentro dos debates atuais da
a rea- antropologia ambiental, Philippe Descola defende
ssível
és do Um modelo transformacional para dar conta dos amplamente implícitos
rindo- esquemas de práxis através dos quais cada sociedade objetiva tipos específi-
o que cos de relagóes com seu ambiente. Cada variagáo local resulta de urna com-
éncia binagáo particular de trés dimensóes básicas da vida social: modos de iden-
idade tificagáo ou o processo pelo qual as fronteiras ontológicas sáo criadas e
objetivadas em sistemas cosmológicos tais como o animismo, o totemismo
e um ou o naturalismo; modos de interagáo que organizam as relagóes entre e
molo- dentro das esferas dos seres humanos e dos seres náo-humanos de acordo
idade. com princípios tais como reciprocidade, depredagáo ou protegáo; e modos
resol- de classificagáo (basicamente o esquema metafórico e o esquema metoními-
urna co) através dos quais os componentes elementares do mundo sáo representa-
apre- dos como categorias socialmente reconhecidas (Descola e Pálsson, 1996: 17).
ostas.
tificar O raciocínio teórico é atraído pelo interesse investigativo. Embora seja
ca de possível sustentar que os conceitos de natureza que se depreendem de dife-
ento rentes culturas e momentos históricos sáo "construídos", isso náo apóia a
tre o idéia de que o Real seja uma construgáo social sem cair no mais aberrante
idealismo. Embora náo devamos transpor a visáo dualista do mundo cons-
u em truída pela cultura ocidental aos mundos das culturas tradicionais, tampou-
ureza" co é lícito tentar reconstruir o pensamento pós-moderno a partir das cosmo-
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ficado. A sigi
condigáo do conhecimento e da ordem simbólica sua infinita reflexáo sobre
nito de relag.
o real. O pensamento que se dirige ao objeto de sua reflexáo pertence á
a cultura e a
ordem simbólica (o inconsciente, a linguagem, a ideologia, o saber); o
conhecimento implica um desdobramento entre o real e seu conceito, entre cidade auto
os processos convertidos em "objetos de conhecimento" e a teoria através da pela unidade
qual procuramos compreendé-los, apreendé-los, transformá-los. Esclarecer gem humana
O real é 1
essa questáo leva a especificar o sentido do real e a diferenciá-lo da realida-
digmas cient
de, para evitar polarizar as perspectivas epistemológicas entre o realismo
determinista e o construtivismo hermenéutico, em que o real náo teria exis- dinámica do:
tencia própria e estaria social e historicamente construído. Pois todas as cos- há correspon
movisóes e epistemologias mudam a interpretagáo dos processos materiais, cas e as teori
mas náo erradicam o real; nenhuma idéia concebida pelo homem e pela cul- epistemológi,
tura transforma a dinámica do universo nem a constituigáo do átomo, os conformado
quais continuam apresentando-se á inteligibilidade da razáo. Por mais que o da por entes,
inconsciente e a cultura estejam estruturados pela ordem simbólica, esta náo económica n
acaba absorvendo e negando o real que sustenta o vínculo estrutural com o racionalidad(
imaginário e o simbólico. O próprio fato de que a natureza sofreu uma inter- real, construi
vengáo da ciencia e da tecnologia — o conhecimento do átomo e da genéti- assim como
ca — náo funde o princípio dualista que fundamenta o conhecimento cien- ram e constr(
tífico moderno em um monismo ontológico. no saber.
Mesmo guando as cosmovisóes das culturas "tradicionais" — em seus Na dialét
mitos, ritos, narrativas e práticas sociais — náo evidenciara urna concepgáo realidade ton
"dualista" e, ao contrário, dáo um testemunho de que seu ser e seu sentir se ques interdisc
fundem com a natureza, náo fica eliminado o dilema de se saber se a unida- no real gera
de cultura-natureza é obra da natureza que se manifesta na linguagem ou se tecnologia e
é urna forma específica usada pela língua para organizar a percepgáo, a cog- com a realida
nigáo e a significagáo da natureza. Essa questáo náo foi resolvida pela inves- monismo ont
tigagáo etnolingüística — desde Humboldt até Descola, passando por realidade e a
Whorf, Sapir e Lévi-Strauss —, entre os universais lingüísticos, as determi- lógica" gerad
nagóes da natureza, os arquétipos do inconsciente, as estruturas do pensa- res, na medi
mento e a emergéncia da consciencia. A desnaturalizagáo da natureza náo tecnológico-e
preender. Ma
arrasta consigo o ocaso do real.
O real e o simbólico náo se fundem em urna identidade e em urna mes- temológica er
mice. Da mesma maneira que o conhecimento náo se encerra em uma reali- A realida(
das formas de
dade fixa fazendo um conceito corresponder ao real, a fonte de sentido da
mas de conhe
palavra e da linguagem náo se esgota em urna relagáo de significante e signi-
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globalizagáo económica e ecológica, a história náo se mobiliza pelo desen- ter evolur
volvimento espontáneo da natureza, mas sim pelo conflito de interesses utopia, d(
sociais pela apropriagáo da natureza que se expressam boje em dia nas estra- real e orc
tégias discursivas e na geopolítica de desenvolvimento sustentáve1. 25 náo é" na
Confrontando os enfoques do estruturalismo genético e a teoria de sis- antemáol
temas, Bookchin tenta ecologizar o pensamento dialético e guiar práticas A rac
ecocomunitárias inspiradas no conceito hegeliano de atualizalao. Este apa- potencial,
rece como uma expressáo que sintetiza a dialética entre a potencialidade da as reinó(
idéia e a transformagáo do real. Para Bookchin, o trago mais importante da racionalic
dialética é sua capacidade para apreender a potencialidade do ser. Assim, das em di
enfatiza a propriedade de "autodesenvolvimento [como] a atualizagáo com- bólicas: p
pleta da potencialidade em suas ricas fases auto-incorporativas de cresci- nológicos
mento, diferenciagáo, maturagáo e totalidade [que] nunca sáo táo completas trugáo de
como para deixar de ser a potencialidade de um desenvolvimento ainda tui aos at
mais amplo" (1990: 167). A partir densa perspectiva de atualizagáo, transigáo
Bookchin propóe: ambiental
expressa
modificar a dialética filosófica [...] para converté-la em um modo ecológico te atuali2
de pensamento [...] Urna dialética ecológica teria que responder ao faro de Bookchin
que Aristóteles e Hegel náo trabalharam com urna teoria evolutiva da natu- ga e confl
reza [...] corno para substituir a nogáo de scala naturae pela nogáo de um autoconsc
rico e mediado contínuo [...] "Atualidade", para usar o termo hegeliano, é
a culminagáo no momento da maturidade, de maneira que a objetividade do Urna
potencial, que afirmo ser crucial para desenvolver uma verdadeira ética rencia
objetiva, se subordina á sua atualizagáo. Ao dar urna enfática prioridade his- o papi
tórica á natureza como base do processo de entendimento, a dialética eco- mento
lógica nos obriga a reformular termos hegelianos corno o "real" e o "atual" media,
(1909: 167-9). nuo (1
112
RACIONALIDADE AMBIENTAL
lesen- ter evolutivo dos processos ecológicos. Dessa maneira, elimina o sentido da
resses utopia, do conhecimento e da agáo social; do potencial da relagáo de ordem
estra- real e ordem simbólica; das relagóes de outridade que geram "o que ainda
náo é" na perspectiva de um futuro sustentável, e que náo estáo inscritas de
ie sis- antemáo na ordem da natureza.
áticas A racionalidade ambiental, como construgáo social e realizagáo de um
apa- potencial, pode ser "atualizada" (realizada) através do saber, a agáo social e
tcle da as relagóes de outridade, náo por um processo evolutivo da natureza. A
ne da racionalidade ambiental emerge das potencialidades e possibilidades conti-
Issim, das em diferentes processos materiais, ordens ontológicas e formagóes sim-
com- bólicas: potenciais ecológicos, significados culturais, desenvolvimentos tec-
xesci- nológicos, estratégias políticas e mudangas sociais. Esses processos de cons-
pletas trugáo de urna sociedade ecológica sáo mobilizados por um saber que consti-
ainda tui aos atores sociais do ambientalismo, que geram a mudanga social e a
,agáo, transigáo para a sustentabilidade. Assim, o conceito de racionalidade
ambiental — síntese de valores, racionalidades e sentidos civilizatórios —
expressa o real como poténcia do que pode "chegar a ser" (o potencialmen-
lógico te atualizável) na realidade. No entanto, o naturalismo dialético de
kro de Bookchin, purificado de todo princípio de contradigáo, outridade, diferen-
natu- ga e conflito social, aparece como um processo de evolugáo, atualizagáo e
le um autoconsciéncia da natureza:
kno, é
de do Urna visáo ecológica da dialética inclinaria a filosofia dialética para a dife-
ética renciagáo mais do que para o confito e redefine o progresso para enfatizar
le his- o papel da elaboragáo social no lugar da competigáo social. É desenvolvi-
1 mento, náo apenas "mudanga"; é derivas o, náo simples "movimento"; é
medialdo, náo apenas "processo"; e é acumulativa, náo um simples contí-
nuo (Bookchin, 1990: 170).
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V
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como a entanto, esse progresso rumo a formas e meios mais pacíficos para a resolu-
gáo de conflitos náo autoriza urna visáo organicista da sociedade. Ao reduzir
.e a fun- o social a urna ordem ecológica generalizada, náo leva em consideragáo que
Irmagáo as mudangas históricas sáo geradas por interesses conflitantes e por forgas
imando políticas opostas. A dialética socioambiental se expressa através de urna dis-
.a inter- puta de sentidos em torno da construgáo do futuro e mobiliza posigóes con-
traditórias que se encontram nos caminhos que váo em diregáo ao desenvol-
vimento sustentável e aos interesses envolvidos na apropriagáo social da
tória e a natureza. Mas a dialética náo está inscrita na natureza, e sim no pensamento.
lificante, É uma dialógica marcada pela procura e encontro de sentidos. Como assina-
Inte por- la González Casanova, é contradigáo entre sentidos diversos e opostos:
se orien-
lui pro- Por dialética se entendem as tentativas de se dar sentido ás contradigóes.
tanto, a Essas tentativas variam conforme o sentido que se queira dar ás palavras de
de cres- um discurso ou aos fatos de uma oposigáo. Variam conforme se pense nas
transpa- contradigóes da vida, da história humana, de uma civilizagáo, de um siste-
ipóteses ma social, de um modo de produgáo e dominagáo, de um estado ou regime
político. A procura dialética está concentrada em encontrar o sentido de um
discurso, de um texto em seu contexto, ou da vida e da história, ou da
:ilosofia modernidade, do capitalismo, do socialismo, do comunismo, da democra-
(1937/ cia, realmente existentes e alternativos. O sentido é procurado nas contra-
nizagáo digóes presentes e entre contradigóes com história, passado e futuro, desen-
o histó- tranhadas desde o andar e o lutar [...] A dialética varia [...] de acordo com a
:'alismo importáncia que se dé ou náo ás interagóes entre os atores como interdefi-
s mo do nigóes de alguns atores por outros nos fatos e nos conceitos; isto é, confor-
de. No me se postule ou náo que é impossível compreender uma pessoa sem consi-
ti racio- derar as relagóes com o outro, conforme se aceite ou rechace que um se
alidade define em parte porque o outro redefine o um e o obriga a redefinir-se, e
Dbjeto. um obriga o outro, até sem querer, a se redefinir (González Casanova,
fria, do 2004: 215 - 6).
ra urna
agáo da A dialética nasce, se expressa e desemboca na relagáo de alteridade que
upere a abre os sentidos da história. Nisso consiste o radicalismo da dialética atual. A
lei uni- sustentabilidade náo é jogada entre duas lógicas opostas (económica/ecológi-
a subs- ca) ou em um campo de combinagóes teóricas e discursivas que anulam suas
ro. No contradigóes — suas diferengas ontológicas, epistemológicas, semánticas,
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
de urna NOTAS
sses em
decan- 1."Nossa maior necessidade é criar um interesse geral do ser humano que possa uni-
saberes. ficar a humanidade como um todo [...] náo existe a mais remota possibilidade de que
) é guia- [urna sociedade ecológica livre] possa ser alcangada hoje, a menos que a humanidade seja
livre para rechagar as nogóes burguesas de abundancia, precisamente porque a abundan-
itidades cia é livre para todos" (Bookchin, 1989: 171-170). Hoje em dia, o avango da pobreza e
atureza. da pobreza extrema no mundo, assim como as desigualdades económicas, estáo longe de
em eco- confirmar a transigáo para urna sociedade onde a abundancia esteja disponível para
:ológica todos. Por sua vez, a divergéncia entre interesses e estratégias para transitar até urna
as bases sociedade sustentável assim como a resisténcia das comunidades indígenas e dos grupos
ambientalistas em seguir as políticas do "desenvolvimento sustentável" guiado pelas
tánica e
estratégias neoliberais para capitalizar a natureza através dos mecanismos do livre merca-
ossibili- do anularla a possibilidade da unificagáo da humanidade em torno de um interesse "eco-
adas em lógico" geral (ver capítulos 7-9, infra).
proces- 2. Bookchin reviu sua posigáo sobre a viabilidade de urna sociedade de pós-escassez
ecológi- na introdugáo á segunda edigáo (1990) de seu livro Pos-scarcity society. No encanto, isso
náo muda de maneira fundamental os pressupostos éticos e teóricos básicos que norteiam
des sus- sua visáo a respeito da construgáo de urna sociedade ecológica.
na exce- 3. Bookchin idealiza a utopia como urna revolugáo total: pressupóe que a tensáo
ignifica- entre realidade e potencialidade "continuará surgindo até que a utopia seja alcangada [...]
nceito e este estilo de vida e os processos conducentes ao mesmo sao indispensáveis na reconstru-
enta1. 26 Ido do processo revolucionário, para despertar suas sensibilidades para tudo o que deve
mudar para que a revolugáo seja completa" (Bookchin, 1971/1990: 17, 18).
4. "A crenga na agáo espontánea é parte de urna crenga ainda maior: a crenga no
e eluci- desenvolvimento espontáneo. Cada desenvolvimento deve ser livre para encontrar seu
tégicos próprio equilibrio [...este] implica desatar as forgas internas do desenvolvimento para
os pro- que possa encontrar sua ordem auténtica e sua estabilidade" (Bookchin, 1971/1990: 23).
poderá 5. "A razáo convencional repousa na identidade, náo na mudanga [...] O que tive-
ram em comum pensadores desde Heráclito em diante [...] é urna visáo da realidade
oderáo como um processo evolutivo: do Ser corno um devir em contínuo desenvolvimento"
ica da (Bookchin, 1990: 13,13).
, como 6. Bookchin admira assim "a extraordinária coeréncia que oferece a razáo dialética
alóes e sua extraordinária aplicabilidade á ecologia, particularmente a urna ecologia enraizada
no desenvolvimento evolutivo" (Bookchin, 1990: 16).
atégias
7. Lacan serviu-se do reverso do pensamento dialético para apresentar esse impossí-
e urna vel encontro da verdade com o saber: "A verdade náo é outra coisa senáo aquilo do qual
nebu- o saber náo pode se inteirar do que sabe a náo ser fazendo atuar sua ignoráncia" (Lacan,
ria do 1976: 777).
i men- 8. É o que permite a Baudrillard afirmar que, "concluida a evolugáo dialética, é o
indeterminismo descontínuo do código genético que rege a vida — o princípio teleonó-
undo
mico: a finalidade já náo está na conclusáo, nem há conclusáo nem determinagáo; a fina-
lidade está ali adiante, inscrita no código" (Baudrillard, 1976: 92).
117
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9. Baudrillard se demarca desse afá de unificagáo monista criticando os teóricos para 18. "A
quem "o código deve ter um assento 'objetivo'; que trono melhor do que a molécula e a damento de
genética? Monod é o teólogo severo dessa transcendéncia molecular; Edgar Morin é seu em seu con
acólito extático [...] Em cada um, o fantasma do código, que é equivalente á realidade do `subjetivo']
poder, combina-se com o idealismo da molécula [...] uma vez mais encontramos o sonho revisáo da i
delirante de reunificar o mundo sob um princípio unitário" (Baudrillard, 1976: 92). obter urna
10. Em contraposigáo á visáo sistémica e ecológica da sociedade, o conceito de autocumpri
ambiente se constrói como urna ordem emergente de complexidade que articula proces- seguiria um
sos materiais e simbólicos — físicos, biológicos, culturais, sociais — que implicam dife- do si mesmc
parte da na
rentes ordens ontológicas e epistemológicas (Leff, 2001a: caps. 1 e 2). Este conceito se
coisas (Jona
opóe ás tendéncias ao formular urna lei geral para unificar as distintas ordens ontológi-
19. Cf.
cas do real; assim, questiona a possibilidade de encontrar um princípio na organizagáo da
20. A e
natureza que pudesse ser estendido até a ordem do simbólico, da cultura e da mudanga
a ontologia
social.
e do Simból
11. "Assim, pois, precisamente em virtude de que o homem é superior a toda a natu-
lógicas com
reza, o que o distingue e singulariza, o espírito, já náo nos leva a considerar seu ser como
mestigadas j
pertencente a um nivel superior dentro da totalidade do ser, e sim, pelo contrário, desig-
mias e emig
na o abismo insuperável que o separa do resto da realidade. Apartado da comunidade do
refere ao ef
ser em um todo, é precisamente sua consciéncia quem faz dele um estranho no mundo, e
tecnologia c
em todo ato de verdadeira reflexáo dá novas provas de que essa é sua condigáo. Tal é o
do organisrr
estado do homem. Acabou-se o cosmos, com cujo logos imanente pode se sentir aparen-
vida, tecnoll
tado o meu próprio; acabou-se a ordem do todo, na qual o homem tem seu lugar pró-
que a compi
prio" (Jonas, 2000: 282). os enuncia.
12. Cf. caps. 5 e 6, infra. 21. Poi;
13. Louis Althusser (1970) afirmava que, para Lenin, a fungáo da filosofia é a de tra- suas formas
gar linhas de demarcagáo no campo teórico. Demarcar posigóes na teoria e na política é orientara su.
dizer náo, afirmar o que náo é, o que náo cabe na totalidade do sistema teórico e social náo é claro
estabelecido. É o náo diante de urna idéia, urna proposta, urna afirmagáo, um estado de tempo objet
coisas. É a criatividade do pensamento que diz o que náo é para dar curso ao que ainda analogias en
náo é. Esse náo náo é apenas uma afirmagáo que contradiz o afirmado com um discurso aquelas herc
positivo; náo é o Náo da falsificagáo de urna teoria. A racionalidade ambiental se demar- que no pens
ca da racionalidade dominante para delinear o terreno onde haverá de construir sua dife- contas, idea
renga e dizer o ainda náo da palavra, do pensamento e da agáo. existe um pc
14. Cf. cap. 1, supra. as participag
15. Emmanuel Levinas irá ressignificar esta proposta como a construgáo do mundo sem passar
a partir da outridade, mais além da ontologia. (cf. cap. 7, infra). novas invest
16. Cf. cap. 9, infra. pela classific
17. "Como poderia o homem 'empírico' pensar? Diante de sua própria história, ele de seres, con
fica táo inseguro como diante da natureza: a lei náo gera por si mesma o conhecimento 22. 0 d
da lei. Ao contrário: se é aceita passivamente, transforma seu objeto em passividade, eli- afirma: "ass
minando toda possibilidade de recolher suas partículas de experiéncias em urna unidade inconsciente
sintética [...] se a razáo dialética há de ser a racionalidade, deve oferecer a Razáo de suas náo conhece
próprias razóes" (Sartre, 1960: 127). uma "falta ei
118
y
RACIONALIDADE AMBIENTAL
)s para 18."A resposta que a ontología acabasse dando ainda poderia voltar a levar o fun-
ula e a damento do dever desde o eu do homem, aonde havia sido relegado, á natureza do ser
a é seu em seu conjunto [...] A reunificagáo [entre ontologia e ética; entre o reino 'objetivo' e o
ade do `subjetivo'] só pode efetuar-se [...] a partir do lado `objetivo', quer dizer, mediante uma
sonho revisáo da idéia de natureza [...] Da diregáo interna de sua evolugá'o total quigá se possa
2). obter urna determinagáo do homem de conformidade com a qual a pessoa, no ato de seu
tito de autocumprimento, esteja tornando realidade um interesse da substancia original. Dali se
)roces- seguiria um princípio da ética que em última análise náo estaria fundado na autonomía
n dife- do si mesmo nem nas necessidades da sociedade, mas sim em uma atribuigáo objetiva por
tito se parte da natureza do todo [...] em um princípio que se possa descobrir na natureza das
coisas (Donas, 2000: 326-327).
tológi-
19.Cf. cap. 7, infra.
Lgáo da
20.A emergéncia de um mundo constituído por ordens híbridas do ser rompe com
adanga
a ontología e a epistemologia herdeiras do pensamento metafísico. A hibridagáo do Real
e do Simbólico náo é a retroalimentagáo e articulagáo de ordens ontológicas e epistemo-
a natu- lógicas como as concebe um pensamento da complexidade. Náo sáo ordens culturais
r como mestigadas pela integragáo de ratas e a compenetragáo dos valores gerados pelas exoga-
, desig- mias e emigragóes cada vez mais aceleradas em um mundo globalizado. A hibridagá'o se
lade do refere ao efeito do conhecimento sobre o real que conhece, da vida pelos símbolos e a
ndo, e tecnologia que a invadem. De maneira que um cyborg náo se comporta seguindo as leis
al é o do organismo, os objetivos da tecnologia e os sentidos de um texto: é uma conjungáo de
paren- vida, tecnologia e símbolos; mas náo existe ainda urna ciencia que a descreva e um saber
r pró- que a compreenda, além de sua percepgáo como entes e existentes, desde a narrativa que
os enuncia.
21.Pois, embora seja possível postular que nas sociedades primitivas ou tradicionais
e tra- suas formas de simbolizagáo da natureza, seus imaginários e suas formas de identificagáo
ítica é orientam suas agóes configurando "esquemas de práxis" que "objetivara seu ambiente",
social náo é claro o sentido no qual "as fronteiras ontológicas sáo criadas por, e ao mesmo
do de tempo objetivadas em, sistemas cosmológicos". Sobre a impossibilidade de estabelecer
ainda analogias entre as cosmovisóes e processos cognitivos das culturas "náo ocidentais" e
scurso aquelas herdeiras da metafísica, a ontologia e a epistemologia, Roger Bastide assinalava
emar- que no pensamento ocidental, "ao lado de um pensamento de articulagáo (no final das
dife- coritas, identificador) que faz com que os conceitos penetrem uns nos outros, também
existe um pensamento de divisáo, que separa, delimita, isola os conceitos, urna vez que
as participagóes náo funcionam a náo ser dentro de um determinado domínio do cosmos,
undo sem passar de um setor ao outro. O pensamento africano, tal como se depreende de
novas investigagóes, náo pode ser definido nem pela participagáo de Lévy-Brühl, nem
pela classificagáo de Durkheim. Ambos sáo complementares, já que a classificagáo náo é
a, ele de seres, como entre os ocidentais, e sim de forgas e participagóes" (Bastide, 2001: 258).
ento 22.0 discurso de Bookchin é profuso no uso retórico da dialética. Dessa maneira,
e, eli- afirma: "assim como a abundáncia invade o inconsciente para manipulá-lo, assim o
'dade inconsciente invade a abundáncia para liberá-la" (1971/1990: 14). Mas o inconsciente
suas náo conhece abundáncia nem totalidade alguma; ao contrário, se organiza a partir de
urna "falta em ser" (Lacan) que impede ao sujeito alcangar sua plenitude. Bookchin des-
119
ENRIQUE LEFF
conhece esta verdade e afirma: "Quando estamos diante do umbral da sociedade da pós-
escassez, a dialética social cometa a amadurecer [...] O que devemos criar para substituir
a sociedade burguesa náo é apenas a sociedade sem classes imaginada pelo socialismo, e
sim a utopia náo repressiva concebida pelo anarquismo" (pp. 15-6). A liberagáo da
repressáo reclama, além de urna retórica da emancipagáo, urna teoría e urna estratégia
política efetivas para a construgáo de urna nova racionalidade social.
23. "Os problemas da `transigáo' que ocupou os marxistas por quase um século se
eliminam náo apenas através dos avangos da tecnologia, mas sim pela própria dialética
social. Os problemas da reconstrugáo social foram reduzidos a tarefas práticas que
podem ser resolvidas espontaneamente por atos autoliberatórios da sociedade"
(Bookchin, 1971/1990: 62).
24. Cf. cap. 7, infra.
25. Cf. cap. 3, infra.
26. "Náo se pode conceber esta abordagem como um conhecimento no qual o sujei-
to cognoscente se reflete e se absorve. Seria destruir, simultaneamente, esta exteriorida-
de do ser, por uma reflexáo total á qual aporta o conhecimento. A impossibilidade da
reflexáo total náo deve ser apresentada negativamente como a finitude de um sujeito cog-
noscente que, mortal e de antemáo comprometido com o mundo, náo acede á verdade,
mas sim na medida da excedéncia da relagáo social na qual a subjetividade permanece
cara a cara com a verdade [...] e náo se mede por ela [...] A multiplicidade supóe, pois,
urna objetividade determinada pela impossibilidade de urna reflexáo total, na impossibi-
lidade de confundir em um todo o eu e o náo eu" (Levinas, 1977: 234).
27. Cf. cap. 6, infra.
120
la pós-
)stituir
smo, e
;áo da
ratégia
:ufo se
alética
as que
:dade" CAPÍTULO 3 0retorno da ordem simbólica:
a capitalizaláo da natureza e as
estratégias fatais do desenvolvimento
sujei- sustentado
orida-
ade da
o cog-
rdade,
ianece
, pois,
ossibi-
A OBJETIVA00 DO MUNDO E A METÁSTASE DO CONHECIMENTO
123
ENRIQUE LEFF
124
RACIONALIDADE AMBIENTAL
125
ENRIQUE LEFF
126
RACIONALIDADE AMBIENTAL
127
ENRIQUE LEFF
empírico, mas sim por códigos e desígnios que se configuram na ordem sim- tes no qu.
bólica, dentro de estratégias de poder no saber que regem a metamorfose ca que rel
dos objetos e a metástase do sistema de conhecimentos. rio puro,
Baudrillard passa da metafísica da representagáo á metafísica do código: de poder
coloca em cena um discurso que simula as manifestagóes do Mundo Objeto no objeto
como metáfora do domínio do DNA, do código genético. Além das analo- símile do
gias dos "ismos" — isonomias, isomorfismos — do estruturalismo, das teo- tadas por
rias "anti" que geraram o racionalismo crítico, das doutrinas da lógica dialé- mundo; n
tica e do pensamento da complexidade, do campo social construído em lhanga do
torno da produgáo e do trabalho, da ética e da moral; além da ontologia, da tipo da ex
significagáo e do sentido da palavra, o mundo pós-moderno aparece como indiferenc
um jogo de simulagóes entre o DNA como operador das possibilidades de
manipulagáo dos códigos genéticos e os códigos de linguagem que os imitam Mais
em urna pura simulacro do ente. O discurso científico e teórico é cúmplice sob ur
desse simulacro modelado e camuflado pelo disfarce do código genético: nada a
químic
Os grandes simulacros construídos pelo homem passam de um universo de código
leis naturais a um universo de forgas e tensóes de forgas e, hoje, a um uni- ming b
verso de estruturas e oposigóes binárias. Depois da metafísica do ser e das cionai:
aparéncias, depois da energia e da determinagáo, a metafísica da indetermi- Mono(
nagáo e do código [...] É efetivamente no código genético que a "génese dos
simulacros" encontra hoje sua forma mais acabada. No limite de um exter- O mur
minio sempre crescente das referéncias e finalidades, de uma perda de simi- de e a pós•
litudes e das designagóes, encontramos o signo digital programático, cujo nagáo, cau
"valor" é, puramente, tático, na intersegáo de outros sinais [...] cuja estrutu- se afasta
ra é a de um código micromolecular de comando e controle [...] Assim se ca através
desenha o modelo estratégico atual que [...] reencontraremos, sob o signo para chega
rigoroso da ciéncia, em O acaso e a necessidade, de Jacques Monod. nova racioi
Concluída a evolugáo dialética, é o indeterminismo descontínuo do código que permit
genético o que regula a vida — o princípio teleonómico: a finalidade já náo O poch
está localizada na conclusáo; já náo há nem fim nem determinagáo; a fina- de nomear
lidade está inscrita de antemáo no código (Baudrillard, 1976: 86, 92). de aparénc
urna realid;
A metafísica do simulacro cancela toda idéia da história e todo projeto va de marc
de transigáo para um propósito pensado, antecipado e projetado por urna apreender
utopia. O intercámbio simbólico fica enredado em um mundo sem referen- da magia e
128
•
RACIONALIDADE AMBIENTAL
n sim- tes no qual a teoria teria se emancipado do Real. Mais além da hermenéuti-
orfose ca que ressignifica os fatos e acontecimentos, está a narrativa como imaginá-
rio puro, sem referentes reais, mas que náo mascara menos urna estratégia
bdigo: de poder que náo é o da coisa em si, e sim do poder simbólico depositado
objeto no objeto, no mundo objeto. O mesmo jogo teórico de Baudrillard é um fac-
analo- símile do mundo regido por regras do código genético, descobertas e inven-
as teo- tadas por Monod. A genética se converte assim no modelo organizador do
t dialé- mundo; regenera a metafísica da representagáo; desta vez á imagem e seme-
do em lhanga do código genético; engendra a clonagem da realidade como protó-
gia, da tipo da existéncia, produz um ideal desidealizado, uma cultura da diferenga
como indiferenciada:
des de
tmitam Mais urna vez encontrarnos o sonho delirante da reunificagáo do mundo
mplice sob um princípio unitário [...] Está posto que o programa atual náo tem
nada a ver com a genética; é um programa social e histórico. O que a bio-
química hipostasiou é o ideal de urna ordem social regulada por um certo
rso de código genético ou um cálculo micromolecular de PBS (planning program-
m uni- ming budgetary system) que irradia o corpo social com seus circuitos opera-
r e das cionais. A tecnocibernética desvela aqui sua "filosofia natural", como
termi- Monod a ela se refere (Baudrillard, 1974: 141).
se dos
exter- O mundo atual está enredado em urna encruzilhada entre a modernida-
e simi- de e a pós-modernidade; transita por urna ponte sobre o vazio de determi-
, cujo nagáo, causalidade, objetividade, estrutura e unidade do conhecimento que
trutu- se afasta do paradigma mecanicista da ciéncia que corre sob seus pés; avan-
sim se ga através da incerteza e da perda de referencialidade empírica do conceito
signo para chegar á outra margem, a de um mundo complexo que demanda uma
onod. nova racionalidade para orientar agóes políticas e estratégias emancipatórias
ódigo que permitam fazer frente ao discurso da simulagáo que nos seduz.
já náo O poder de sedugáo do objeto sobre a razáo reafirma a impossibilidade
a fina- de nomear o mundo e designar a condigáo humana, sempre á deriva no jogo
. de aparéncias que náo pode salvar nenhuma estratégia de representagáo, de
urna realidade sempre em fuga do conceito; náo é apenas mais uma tentati-
rojeto va de marcar o limite da produgáo, da epistemologia em sua pretensáo de
r urna apreender a realidade para regulá-la e controlá-la; para ultrapassar o reino
feren- da magia e do saber através da razáo e da ciéncia, para chegar através do
129
ENRIQUE LEFF
Iluminismo á claridade das coisas e ao reino da liberdade, ali onde transluz O dis
a transparéncia do mal. A transparéncia do objeto, sem tempo nem lugar, dade, don
leva ao deslocamento do ente para fora de toda representagáo e do ser para apreendei
fora de todo sentido. É o obsceno fora de cena, a máscara transparente das Objeto M
coisas sem imagem, arrancadas da ordem simbólica que Ihes dá sentido, que dido o ref
deixa entrever seu verdadeiro rosto no rastro onde sáo fatiados os restos do expressa r
corpo do conhecimento e se dessangra o ser das coisas. É o mento) es
linguagen-
Fim do secreto [e a] irrupgáo da transparéncia [...] que dá um fim ao hori- exsuda.
zonte do sentido. A saturagáo dos sistemas os leva ao seu ponto de inércia E, no
[...] ás teorias flutuantes, satélites de um referente ausente [...] paisagem do Objeto, o
crescimento á excrescéncia, da finalidade á hipertelia, dos equilíbrios orgá- decompos
nicos ás metástases cancerígenas. É o lugar de uma catástrofe e náo de urna cidade do
crise (Baudrillard, 1983: 29). onde se n
objeto em
O real enlouquece dentro da prisáo a que é submetido pelo conhecimen- cujos enur
to, gerando urna hiper-realidade que escapa á ordem do simbólico. A racio- vado exer<
nalidade económica é "hipertélica, no sentido de que náo tem outro objeti- rientar su:
vo além do crescimento sem consideragáo pelos limites" (p. 36). 0 pensa- corrida en
mento metafísico em sua universalidade, a ciéncia em seu domínio do real, Para B
coisificaram e objetivaram o mundo no ponto em que criaram um Objeto conhecime
que transborda todo projeto possível de conhecimento do mundo. Assim, a como o MI
racionalidade moderna gerou urna monstruosidade incognoscível e incon- forma de <
trolável que nos devora. Essa transmutagáo da ordem do real e do simbóli- fatal. É o :
co, essa ruptura do espelho da representagáo, faz com que a reintegragáo do mento. A t
mundo seja urna ilusáo que está além do propósito de abrir o cerco das cien- to da invas
cias para a interdisciplinaridade e um diálogo de saberes, para compreender fe da hipe:
a nova ordem híbrida do real: os objetos transgénicos. Estamos irremedia- seu própri,
velmente enredados pelo simulacro de vida que é gerado pela transgénese da seu fim,
cultura pós-moderna, pela sedugáo de urna ordem pervertida pelo império humano di
do Objeto. Náo se trata da sedugáo da pura presenta do objeto, de sua apa- cios desse
rigáo de forma inusitada: uma lua, um olhar, um fato insólito; náo é a sedu-
gáo exercida pelo objeto estético: um quadro, urna paisagem, urna mulher. Os sist:
A sedugáo da hiper-realidade e do transobjeto é de outra ordem; é a da inter- zem se
vengáo do simbólico no real que leva a desnaturalizar a natureza e a con- energia
verté-la em ficgáo e maquiagem do real. Do pre
130
RACIONALIDADE AMBIENTAL
131
ENRIQUE LEFF
inclusive suicidas, que náo tém nada a ver com urna moral social da história em um pc
ou do progresso (Baudrillard, 1983: 81). A volta ac
diferenga
Ante a queda no vazio dos referentes e dos significados, do homem que manipulal
gira sem rumo nem destino como efeito deste mundo ultra-objetivado, abre- da necessi
se a pergunta sobre o possível retorno á ordem simbólica, sobre a ressignifi- natureza,
cagáo do mundo. Baudrillard náo oferece urna teoria sobre essa possível esconder
reconstrugáo do mundo, mas, sim, tece um discurso que corresponde ás O pensam
estratégias fatais da hiper-realidade que reconhece, que auto-seduz com sua diferenga
"verdade" e fica enredado nos reflexos de sua própria representagáo. Fica infinito de
velada ali a fatura da metafísica que gera essa hiper-realidade, que anula e tidades (cc
sujeita o sujeito na hiperobjetivagáo do mundo. Essa narrativa do mundo tísticas, de
atual relata a realidade transgénica, mas náo constrói sua génese nem aponta de e eman
para urna possível desrealizagáo. O mundo fica enredado pelo Objeto. O Real A ontc
corresponde ao chamado do simbólico. racionalidi
A racionalidade ambiental procura discernir os efeitos do pensamento curso do d
metafísico e científico na hipereconomizagáo do mundo e os impactos e náo é co-n
conseqüéncias da entropizagáo do planeta na pobreza, na iniqüidade e na cimento (a
degradagáo socioambiental. Na diluigáo do real que preconiza o pensamen- gáo da real
to da pós-modernidade, o discurso volta seu olhar para a entropia como a efeito dess
lei-limite da natureza (o Real) diante do desvario e das estratégias fatais do sas estratél
discurso do desenvolvimento sustentado que postula o crescimento sem siva se anir
limites. Se a compreensáo racional do mundo gerou a complexizagáo do ser dobram as
e da morte entrópica do planeta, toda proposta de uma gestáo racional —
científica — do ambiente estaria fundada em urna falácia e condenada ao
fracasso. A racionalidade científica parte de um conceito de natureza já pre-
fixado e inteligível desde a cena primária do ordenamento de um mundo A CRISE AM
sujeito a leis causais. No entanto, isso náo langa o ser á deriva do saber, á
renúncia a toda a inteligibilidade do real, fora da razáo de um pensamento O prín,
para reapropriar-se do mundo. A racionalidade ambiental acolhe a ordem globalizagá
simbólica, o enigma do ser e a vida. natureza di
O pensamento da pós-modernidade veio questionar a racionalidade tal veio que
científica e cuas fontes metafísicas, ontológicas e epistemológicas que estáo ram e legiti
na raiz da crise ambiental. Se a transigáo até a sustentabilidade se dá em urna ra, deslocm
ponte levadiga entre urna modernidade inacabada (irrealizável) e urna pós- lógica apar
modernidade que rompe com o mito da representagáo, tampouco vivemos ordem ecor
132
RACIONALIDADE AMBIENTAL
sem
ais do
al —
a ao
oser
gáo da realidade. O colapso ecológico e a crise ambiental sáo o sintoma e o
efeito dessas formas de conhecimento, onde hoje em dia se decantam diver-
sas estratégias de poder pela reapropriagáo da natureza. Nessa malha discur-
siva se aninha a insuportável leviandade da globalizagáo económica e se des-
dobram as estratégias fatais do desenvolvimento sustentado.
' pre-
1undo
er, á
ento
rdem
idade
estáo
A CRISE AMBIENTAL E O DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE
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ENRIQUE LEFF
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
135
ENRIQUE LEFF
136
11V
RACIONALIDADE AMBIENTAL
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ENRIQUE LEFF
valores que transcendem a possível manipulagáo do mundo como objeto. Estes for:
Sustainable development foi traduzido para o francés como développement em relagí
durable, nogáo que, ao colocar um acento no tempo, abre seu significado dade e at
para urna acepgáo fenomenológica e existencial, diante do economicismo do tos dos p
desenvolvimento sustentado e o ecologismo do desenvolvimento sustentá- gico ondr
vel. Pois durable, em francés, acarreta o sentido que lhe foi atribuído por
Henri Bergson em seu debate com Newton, guando, ante a idéia mecanicis-
ta do tempo reversível, propós o conceito de durée como "tempo vivido",
como o tempo de um devir (becoming) (Prigogine e Stengers, 1984: 294). A CAPITAL
A Conferéncia das Nagóes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi- DO DESEN
mento, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, elaborou e aprovou
um programa global (conhecido corno Agenda 21) para dar institucionalida- As estraté
de e legitimidade ás políticas do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, marco da
foi se prefigurando urna estratégia discursiva para dissolver as contradigóes tentabilid:
entre meio ambiente e desenvolvimento. Os acordos do Rio foram renova- bilidade e
dos dez anos depois na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável ambiental
celebrada em Johannesburgo, em 2002, que estabeleceu um Plano de do e pervc
Implementagáo para alcangar os objetivos do desenvolvimento sustenta- um deseco
do/sustentável. necessário
Nesse processo, o discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável alcangado,
foi difundido e vulgarizado até se tornar parte do discurso oficial e da lin- rigáo da cc
guagem comum. No entanto, além do mimetismo retórico gerado, náo se cado sáo p
logrou engendrar um sentido conceitual e praxeológico capaz de unificar as ecológicas
vias de transigáo para a sustentabilidade. As contradigóes náo apenas se Na perspe
fazem manifestas na falta de rigor do discurso, mas também em sua coloca- mas ecológ
gáo em prática, guando surgem os dissensos em torno do discurso do desen- tal, mas re
volvimento sustentado/sustentável e os diferentes sentidos que este conceito (privada) e
adota em relagáo aos interesses contrapostos pela apropriagáo da natureza lecido o ar,
(Redclift, 1987; Martínez Alier, 1998; Escobar, 1999, cap. 4). leis clarivic
O ano de 1992 marcou os quinhentos anos da conquista dos poyos da ecológicos
América, da colonizagáo cultural e da apropriagáo capitalista do ambiente e O disci
dos recursos que outrora foram o hábitat dos poyos pré-hispánicos e pré- nómico nej
lusitanos, das culturas mesoamericanas e andinas, dos poyos amazónicos e os limites
patagónicos, das populagóes mestigas e afro-descendentes que foram ocu- sendo inco
pando as terras do continente. Com isso, a emancipagáo dos poyos indíge- procura-se
nas surgiu como um dos fatos políticos mais relevantes do final do século XX. económico
138
RACIONALIDADE AMBIENTAL
)jeto. Estes foram ganhando espagos políticos para legitimar seus direitos culturais
ment em relagáo a seus territórios étnicos; a suas línguas e costumes; a sua digni-
[cado dade e autonomia. Ali está se forjando urna nova consciéncia sobre os direi-
io do tos dos poyos indígenas a autogerir os recursos naturais e o entorno ecoló-
entá- gico onde suas culturas co-evoluíram.
) por
nicis-
ido",
?4). A CAPITALIZ/e00 DA NATUREZA E AS ESTRATÉGIAS FATAIS
rolvi- DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO
•ovou
alida- As estratégias de apropriagáo dos recursos naturais do Terceiro Mundo no
)rma, marco da globalizagáo económica se reconfiguraram nas perspectivas da sus-
ligóes tentabilidade. Ante a impossibilidade de assimilar as condigóes de sustenta-
nova- bilidade e os princípios que orientam a construgáo de urna racionalidade
itáv el ambiental, a política de desenvolvimento sustentado vai desativando, diluin-
io de do e pervertendo as perspectivas abertas pelo conceito crítico do ambiente a
:enta- um desenvolvimento alternativo. Se nos anos 1970 a crise ambiental tornou
necessário que se colocasse um freio antes que o colapso ecológico fosse
itável alcangado, a partir dos anos 1980 o discurso neoliberal anunciou a desapa-
la lin- riláo da contradigáo entre ambiente e crescimento. Os mecanismos de mer-
láo se cado sáo postulados como o meio mais correto de assimilagáo das condigóes
car as ecológicas e dos valores culturais ao processo de crescimento económico.
las se Na perspectiva neoliberal, desaparecem as causas económicas dos proble-
loca- mas ecológicos. A crise ambiental náo é mais um efeito da acumulagáo de capi-
lesen- tal, mas resultado do fato de náo haver outorgado direitos de propriedade
ceito (privada) e atribuído valores (de mercado) aos bens comuns. Uma vez estabe-
ureza lecido o anterior — afirma o discurso do desenvolvimento sustentado —, as
leis clarividentes do mercado se encarregariam de ajustar os desequilíbrios
os da ecológicos e as diferengas sociais, a eqüidade e a sustentabilidade.
ente e O discurso do desenvolvimento sustentado promove o crescimento eco-
pré- nómico negando as condigóes ecológicas e termodinámicas que estabelecem
icos e os limites e possibilidades de urna economia sustentável. A natureza está
ocu- sendo incorporada ao capital mediante urna dupla operagáo: de um lado,
tdíge- procura-se internalizar os custos ambientais do progresso atribuindo valores
) XX. económicos á natureza; ao mesmo tempo, instrumentaliza-se urna operagáo
ENRIQUE LEFF
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
ase,
tas sobre os sentidos da sustentabilidade e da expropriagáo dos recursos
ncia
naturais e culturais das populagóes para um esquema combinado, em que
a ao
seja possível dirimir os confiaos em um campo neutro. Através desse olhar
ate-
especular (especulativo), pretende-se que as populagóes indígenas se reco-
ado,
nhegam como capital humano, que ressignifiquem seu património de recur-
eco-
sos naturais e culturais (sua biodiversidade) como um capital natural, que
gem
aceiten.' urna compensagáo económica negociada pelo dano ou pela cessáo
vida
de seu património de recursos naturais e genéticos ás empresas transnacio-
)dai-
nais de biotecnologia. Estas seriam as instáncias encarregadas de administrar
racionalmente os "bens comuns da humanidade" em benefício do equilíbrio
s de
ecológico e de garantir a distribuigáo eqüitativa de seus benefícios, de lograr
gra-
o bem-estar da sociedade atual e o das geragóes futuras. Da valorizagáo dos
smo
custos ambientais se passa á legitimagáo da capitalizagáo do mundo como
que
forma abstrata e norma generalizada das relagóes sociais. Esse simulacro da
lado
ordem económica, que levita sobre as relagóes ecológicas e sociais de produ-
tecla
láo, pretende libertar o homem das cadeias da produgáo para reintegrar seu
seu
corpo exausto á metástase da ordem simbólica em que se configuram os
sem
desígnios do desenvolvimento sustentado.
ons-
Assim, as estratégias do capital para reapropriar-se da natureza váo
o da
degradando o ambiente em um mundo sem referentes nem sentidos, sem
t, da
relagáo entre o valor de troca e a utilidade do valor de uso. A economia do
desenvolvimento sustentado funciona dentro de um jogo de poder que
arso
outorga legitimidade á ficgáo do mercado, conservando os pilares da racio-
vos.
nalidade do lucro e o poder de apropriagáo da natureza fundado na proprie-
:am-
dade privada do conhecimento científico-tecnológico. As estratégias fatais
:am-
da globalizagáo económica conduzem a urna nova geopolítica da biodiversi-
) na
dade, da mudanga climática e do desenvolvimento sustentado.
pos-
1 de
ida-
le o
A GEOPOLÍTICA DA BIODIVERSIDADE, A MUDAN9\ CLIMÁTICA
iica,
E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO
aro-
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
147
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ceituais qt
lar efetivamente os equilíbrios ecológicos e sua capacidade para internalizar
tantas, co
os custos ambientais através de um sistema de normas legais, de impostos ou
processo
de um mercado de licengas transacionáveis para a redugáo das emissóes de
relagáo da
gases que causara o efeito estufa e o aquecimento global do planeta. Su-
urna ecole
gerem assim que a economia deve contrair-se aos limites de urna expansáo
em termos
que assegure a reprodugáo das condigóes ecológicas de urna produgáo sus- produgáo
tentável e de regeneragáo do capital natural, de um princípio de precaugáo proletariac
baseado no cálculo de risco e na incerteza e em limites impostos através de por seus ví
um debate científico-político afastado do mercado. 9 o desenvol
No entanto, a racionalidade económica carece de flexibilidade e malea-
cultura for
bilidade para ajustar-se ás condigóes de sustentabilidade ecológica do plane-
do ser e as
ta. O debate político foi enriquecido pelos aportes da ciéncia a respeito dos
O mar
riscos ecológicos do desflorestamento, da erosáo genética e do aquecimento código gl o
global, mas náo logrou livrar-se das razóes de forra maior do mercado. A lei desenvolvi
da entropia, que estabelece os limites físicos e termodinámicos do cresci- lizagáo eco
mento económico, é negada pela teoria e pelas políticas de desenvolvimen- economia.
to sustentado. Mas a teoria crítica da economia baseada nas leis da nature- sobre a cal
za, antes de ter fundado a positividade de um novo paradigma económico das ativida(
(de urna economia ecológica), abriu as comportas ao campo emergente da dade das tr
ecologia política, onde o debate científico se desloca para os conflitos
ambientais. O terna da sustentabilidade se inscreve nas lutas sociais pela Go ngalves,
apropriagáo da natureza, orientando a reflexáo teórica e a agáo política para políticas de
o propósito de desconstruir a lógica económica e construir urna racionalida- le do proce
de ambiental. 10 rando as in,
A geopolítica do desenvolvimento sustentado se configura no contexto ficiéncia dz
da globalizagáo económica que, ao mesmo tempo que sustenta urna desna- estratégias
turalizagáo da natureza — a transgénese que invade a vida —, promove urna tico se uner
estratégia de apropriagáo que procura "naturalizar" — dar carta de natura- máticas e á
lizagáo — a mercantilizagáo da natureza. Nessa perversáo do "natural", los de regrc
brincam as controvérsias entre a economizagáo da natureza e a ecologizagáo rigor concei
da economia. A essa morte da natureza sobrevive o "sobrenatural" da ordem A geop(
simbólica na ressignificagáo política e cultural da natureza. gáo das cor
As formas emergentes de intervengáo da natureza, assim como as novas bi odiversi clz
manifestagóes de seus impactos e riscos ecológicos, colocaram no senso do de carbo
comum e na retórica oficial nogóes antes reservadas aos meios científicos e Dessa mane
académicos; essa terminologia se inscreve dentro de novas estratégias con-
148
RACIONALIDADE AMBIENTAL
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mia e ecologia, salda antecipadamente a dívida ecológica dos países indus- dos agria
trializados e os absolve do excedente de suas cotas de emissóes, estendendo sas de bic
a mancha ecológica sobre a biosfera, enquanto induz a reconversáo ecológi- controle
ca forrada dos países do Terceiro Mundo para as finalidades globais do Para
desenvolvimento sustentado. (MDL) e
céia de ur
Trans
EQÜIDADE E SUSTENTABILIDADE: DISTRIBUIDO vimer,
ECOLÓGICA E INTERCÁMBIO DESIGUAL qüénc
espec
Depois dos esquemas de substituig'áo de importagóes e industrializagáo divers
inspirados nas teorias da dependéncia em yoga nos anos 1960 e 1970, as
economias latino-americanas voltaram a basear suas economias em sua fron- Sobre
dosa natureza — em sua generosa dotagáo de recursos naturais e servigos seu valor 1
ambientais e em suas vantagens comparativas nos mercados verdes emergen- carbono e
tes —, orientando-as para a exportagáo dentro das estratégias e mecanismos gáo da na
do desenvolvimento sustentado. Ao mesmo tempo que as normas da susten- biodiversi
tabilidade, os regimes ambientais e os certificados verdes fazem surgir novas bono e ás
formas de protecionismo comercial disfargadas de competigáo por qualida- neoliberal
de ambiental e conservagáo ecológica, o crescimento económico sustentado No er
ecologicamente náo deixa de ser um simulacro, cujas falácias ficam patentes por ecossi:
na erosáo da biodiversidade — apesar das reservas da biosfera e dos sistemas urna hipót
de áreas protegidas —, na perda de sustentabilidade dos ecossistemas, no conservas;
aquecimento global e nas crises económicas e financeiras dos países do Sul. eqüitativa.
Na era da produgáo intensiva de conhecimento, esse "fator estratégico pregos da
da produgáo" concentra-se nos países do Norte, tanto no setor industrial dos, sujeit•
como no agrícola. Isso náo se deve apenas ao maior número de cientistas e flitos ambi
tecnólogos em atividade e á sua capacidade de financiar um sistema de pes- produtivo
quisas altamente produtivo. Deve-se, sim, á implementagáo de urna estraté- pelas mata
gia de poder que levou esses países a estabelecer direitos de propriedade gas de erni;
intelectual dentro da nova ordem global da OMC, abrindo a possibilidade cumprir su
para que consórcios transnacionais de biotecnologia se apropriem da rique- do desborc
za genética dos países biodiversificados e invadam seus territórios com pro- transagóes
dutos transgénicos. A distribuigáo ecológica desigual gerada por esses a captura c
"mecanismos de desenvolvimento sustentado" aprofundou a dependéncia os países p
150
7
RACIONALIDADE AMBIENTAL
ndus- dos agricultores do Sul através do regime de patentes, que permite ás empre-
Lendo sas de biotecnologia captar grandes benefícios económicos provenientes do
)lógi- controle e da exploragáo dos recursos genéticos (Bellmann, et al., 2003). 12
is do Para alguns pesquisadores, o mecanismo de desenvolvimento limpo
(MDL) e o mecanismo de implementagáo conjunta (MIC) oferecem a pana-
céia de urna tripla lucratividade — económica, social e ecológica —, porque
151
ENRIQUE LEFF
mesma maneira como fazem com o petróleo, os recursos estéticos e as rique- Aléi
zas genéticas que sáo abrigadas por suas reservas de biodiversidade —, os paí- ca da bi
ses do Norte encontram neste artifício legal (na fictícia justita do mercado e cionais
do comércio justo) um salvo-conduto para liquidar suas dívidas ecológicas, distribu
sem que isso signifique uma redugáo efetiva de suas emissóes a níveis que gáo eco:
assegurem o equilíbrio ecológico e a sustentabilidade do planeta. de nova
Esta é a eficácia da retórica e da política do desenvolvimento sustentado tribuigáo
e de suas estratégias de simulagáo, que ao mesmo tempo que concentra o conserv:
poder económico sobre a natureza, elude o interesse global pela conserva- qualidac
gáo e burla os direitos coletivos das populagóes indígenas. Dessa maneira, a gáo eco
mercantilizagáo da natureza sob a geopolítica económico-ecológica emer- (Pengue.
gente aprofunda as diferengas entre países ricos e pobres usando os princí- interesse
pios do desenvolvimento sustentável. A nova globalidade justifica as vanta- de, devz
gens comparativas entre os países do Norte e os do Sul, que se véem cons- incalcuU
trangidos a valorizar a capacidade de seus solos, suas matas e sua biodiversi- A ge
dade para absorver os excedentes de emissóes de gases de efeito estufa dos compara
países ricos e a mercantilizar em condigóes náo eqüitativas os recursos gené- de sua o
ticos e ecoturísticos de suas reservas de biodiversidade. As diferengas entre valorizas
países centrais e periféricos náo resultam mais apenas da pilhagem e da supe- Sul tem
rexploragáo dos recursos. As assimetrias da distribuigáo ecológica sáo camu- os efeito:
fiadas sob as novas fungóes atribuídas á natureza pela lógica do "desenvolvi- no Cone
mento limpo". de furacc
Para alguns governos, essas políticas resultam positivas tanto no plano Niño ou
económico como no ecológico. O caso da Costa Rica tornou-se exemplar franja int
por suas políticas de desenvolvimento sustentado sob as regras do MDL e Por <
dos MIC, promovendo a conservagáo da biodiversidade e a plantagáo de capacida
matas artificiais para incrementar a capacidade de captura das emissóes capital n
excedentes dos países do Norte. Nesse sentido, a biodiversidade adquire um campos t
papel económico passivo e enganoso no balango das emissóes de gases de naturais
efeito estufa e dos processos de mitigagáo do aquecimento do planeta. Esse assume a
intercámbio de fungóes parece trazer benefícios aos países tropicais: em populag¿
troca da artificializagáo dos ecossistemas do Norte, do avango da industria- cedendo
lizagáo e da agricultura altamente capitalizada e tecnologizada, o Sul se per- sustentáv
mitiria o luxo de viver de uma "economia natural" — da generosidade da tar — quo
máe terra aproveitando as "vantagens comparativas" da localizagáo geo- cantis qu,
gráfica de seus territórios para a captura de gases de efeitos estufa. de de seu
152
RACIONALIDADE AMBIENTAL
153
ENRIQUE LEFF
154
RACIONALIDADE AMBIENTAL
155
ENRIQUE LEFF
estamos em urna sociedade na qual o intercámbio se torna cada vez mais Alérr
improvável, na qual as coisas podem cada vez menos ser de fato negociadas, dades pa
porque se perderam as regras ou porque o intercámbio, ao generalizar-se, produtivi
fez emergir os últimos objetos irredutíveis ao intercámbio, e estes se conver- ecológico
teram em uma verdadeira encruzilhada [...] O incambiável é o objeto puro, cial prod
aquele cuja poténcia impede que seja possuído ou intercambiado oferece n
(Baudrillard, 193: 52). tentável,
do. Trata
Ademais, é impossível cegar á eqüidade através do intercámbio, porque de novos
este supóe forrar o valor de mercado como unidade de medida, e assim se
perde o valor ecológico e cultural da natureza, que é desprovida, irremedia-
velmente, de sua qualidade substantiva e se desnaturaliza para ser codifica-
CONSTRUI
da como valores económicos. Como aponta Gorz, "a ordem baseada no
DA DIFERE
mercado é fundamentalmente ameagada guando a gente percebe que nem
todos os valores sáo quantificáveis, que o dinheiro náo pode comprar tudo,
Em face c
e que aquilo que náo é possível comprar é algo essencial, ou até o essencial
as leis do
(Gorz, 1989: 116)."
tempo (L
Nesse campo de controvérsias e de procura por opgóes, o predomínio
(CNDH,
das estratégias de valorizagáo económica da natureza exclui alternativas de
democrát
manejo produtivo da biodiversidade, o qual vem gerando uma oposigáo das reafirmal
populagóes indígenas e camponesas a submeter o valor de suas matas á fun- da cultura
gáo de captura do carbono. O MDL náo representa um instrumento neutro mais alto
para os diferentes países e atores sociais do desenvolvimento sustentável. As degrada&Z
vantagens recebidas por alguns países dificilmente podem ser generalizadas sentido cli
como um modelo ou uma norma para outras regióes e comunidades que náo A sus
entram de modo táo decidido no jogo da "implementagáo conjunta". 17 As culturais e
transagóes económico-ecológicas — como o intercámbio de dívida por natu- res sociais
reza — atuam em espagos e montantes marginais, de maneira que suas estra- lizam pote
tégias compensatórias náo conseguem frear as causas e os efeitos ecodestru- necessida(
tivos gerados pela racionalidade económica dominante. O progresso tecno- O territór
lógico orientado para a reconversáo ecológica está diminuindo os ritmos de reconstrui
produgáo de gases de efeito estufa, mas náo chega a reverter um processo suas forma
que já excedeu os umbrais do equilíbrio ecológico e comegou a desencadear tégias de
severos impactos no ambiente e na humanidade, sobretudo nos territórios e onde as si
nas comunidades mais vulneráveis. os limites
156
RACIONALIDADE AMBIENTAL
fica-
CONSTRUINDO NOVOS TERRITORIOS DE VIDA: PARA UMA POLÍTICA
a no
DA DIFERENCA, DA IDENTIDADE, DO SER E DO TEMPO
ne m
udo,
Em face do processo de globalizagáo regido pela racionalidade económica e
ncial
as leis do mercado, está emergindo uma política do lugar, do espato e do
tempo (Leff, 2001c) mobilizada por novos direitos culturais dos poyos
iínio
(CNDH, 1999; Sandoval e García, 1999), legitimando regras mais plurais e
is de
democráticas de convivéncia social e de reapropriagáo da natureza. Nessa
) das
reafirmagáo das identidades manifesta-se o real da natureza e o verdadeiro
fun-
da cultura diante de urna lógica económica que, tendo sido construída no
utro mais alto grau de racionalidade do ser humano, gerou um processo de
1. As degradagáo socioambiental que afeta as condigóes de sustentabilidade e o
adas sentido da existéncia humana.
náo A sustentabilidade está enraizada em bases ecológicas, em identidades
7 As
culturais e em territórios de vida; desdobra-se no espato social, onde os ato-
atu- res sociais exercem seu poder de controle da degradagáo ambiental e mobi-
nra- lizam potenciais ambientais em projetos autogerenciados para satisfazer as
tru- necessidades e aspiragóes que a globalizagáo económica náo pode cumprir.
mo- O território é o locus dos desejos, demandas e reclamos da populagáo para
s de reconstruir seus mundos de vida e reconfigurar suas identidades através de
suas formas culturais de valorizagáo dos recursos ambientais de novas estra-
lear tégias de reapropriagáo da natureza. Se a economia global gera o espato
os e onde as sinergias negativas da degradagáo socioambiental tornam patentes
os limites do crescimento, no espato local sáo forjadas novas territorialida-
ENRIQUE LEFF
158
RACIONALIDADE AMBIENTAL
159
ENRIQUE LEFF
de
A sustentabilidade emerge como urna fratura da razáo modernizadora, que
que leva a construir urna racionalidade produtiva fundada no potencial eco-
lógico da biosfera e nos sentidos civilizatórios da diversidade cultural. A ad
racionalidade ambiental náo é a atualizagáo da razáo pura na complexidade cor
ambiental; é urna estratégia conceitual que orienta urna práxis de emancipa- ext
gáo do mundo hiperobjetivado e do logocentrismo do conhecimento. É um prc
retorno á ordem simbólica para ressignificar o mundo. No entanto, a instau- um
ragáo de valores culturais náo se dá como urna atribuigáo de códigos pré- des
designados á natureza. A idade náo é uma esséncia inscrita no código da cul-
tura. A autonomia se estabelece em um processo de resisténcia e confronta- No
gáo á racionalidade económica e á geopolítica do desenvolvimento sustenta- nhecim
do. Nesse processo, sáo reinventados os significados, interesses e direitos da singular
cultura em relasáo á natureza. Mas, se a sustentabilidade tem por condigán culturas
desprender-se do peso do Mundo Objeto e da hiper-realidade gerada pelas dialétic
formas dominantes de conhecimento, tampouco poderá realizar-se na abs- dissolve
tragáo da ordem simbólica sem referentes nem conexóes com o real. A recu- reza, en
peragáo do sentido da vida se enlata assim com os potenciais e os limites da do mun
natureza e da cultura. nutrida(
A política da diferenga fundada em uma ontologia do ser e da ética da Od
outridade projeta-se na perspectiva de urna reconstrugáo do mundo e de reconh(
urna abertura da história. A política da diferensa emerge de um ponto de convertí
saturagáo da globalizagáo e como resisténcia ao cerco imposto sobre o ser termos
diverso por um pensamento único e homogeneizante. O direito á diferenga eqüidad
é uma reivindicagáo fundada no princípio primogénito do ser, mas que se to sustei
manifesta como reagáo aos princípios de universalidade, naturalidade, supe- tégia de
rioridade promovida pelo processo de globalizagáo, que váo absorvendo e COMO o
desprovendo de substantividade as diversas formas do ser. A política da dife- A p(
renga náo emerge nem da confrontagáo nem do consenso das singularidades engloba(
160
RACIONALIDADE AMBIENTAL
n um das distintas culturas que surgiram ao longo da história, pois, como assinala
ae só Baudrillard,
:odos
Tipor Outras culturas nunca reclamaram a universalidade. Como nunca reclama-
agóes ram ser diferentes até que a diferenga lhes foi injetada pela forga como parte
egras de um tipo de guerra do ópio cultural. Essas culturas vivem com base em
sua própria singularidade, sua própría excepcionalidade, na irredutibilidade
de seus próprios rituais e valores. Náo encontram consolo na ilusáo letal de
dora, que todas as diferengas podem conciliar-se — ilusáo que para elas só signi-
eco- fica seu aniquilamento [...] Dominar os símbolos universais da outridade e
al. A a diferenga é dominar o mundo [...] Na lógica da diversidade na unidade, do
dade consenso das diferengas, o radicalmente Outro é intolerável: náo pode ser
cipa- exterminado, mas também náo pode ser aceito, de maneira que tem que
UM promover-se o outro negociável, o outro da diferenga. É aqui que cometa
tstau- urna forma mais sutil de extermínio, urna forma que envolve todas as virtu-
, pré- des da modernidade (Baudrillard, 1993: 132, 133). 20
a cul-
onta- No entanto, a etapa em que as culturas viviam na inocéncia e no desco-
enta- nhecimento de sua "diferenga", habitando simplesmente a autonomia de sua
os da singularidade, ficou para trás na história da humanidade. No encontro de
digáo culturas, o conquistador que se impóe ao outro conquistado desencadeia a
¡pelas dialética do senhor e do escravo. O processo de globalizagáo da economia
abs- dissolveu o mundo de coexisténcia da diversidade; ignora a cultura e a natu-
ecu- reza, englobando-as no código de valor de mercado. A hipereconomizagáo
es da do mundo avanga subjugando culturas, moldando a diferenga, eludindo a
outridade e ignorando seu grande Outro: o ambiente.
:a da O discurso da globalizagáo económica, ao mesmo tempo que apregoa
e de reconhecimento ás diferengas étnicas, apresenta urna estratégia para
:o de converté-las ao credo das leis supremas do mercado e para recodificá-las em
o ser termos de valores económicos. Mesmo tendo incorporado o princípio de
•enga eqüidade ao imperativo da sustentabilidade, as políticas de desenvolvimen-
le se to sustentado incrementaram as desigualdades sociais ao induzir urna estra-
upe- tégia de assimilagáo e extermínio do ambiente e da diversidade cultural
do e como o absolutamente outro da racionalidade económica.
ife- A política da diferenga é uma política de resisténcia da cultura a ser
Jades englobada pelo mercado e pela razáo económica; a partir desse princípio de
161
ENRIQUE LEFF
Apern
demarcagáo da globalizagáo económica, constrói-se urna nova racionalidade
rengas sus
que emerge da potencia do ser (da natureza, da cultura, da tecnologia), da
ca que em
hibridagáo de processos materiais e simbólicos que abrem a via para um
gáo entre
mundo inter-relacionado e interdependente que náo tem mais um eixo cen-
É o enrai;
tral e um único pólo de atragáo, mas sim se constitui na convivencia de indi-
sentido (c
vidualidades singulares, de diversidades culturais e de racionalidades dife-
campo po
renciadas em novos territórios existenciais.
A ret(
A outridade que vem do ambiente náo se manifesta apenas em sua pre-
estratégia
senga antagónica, como uma reagáo á racionalidade dominante e um proces-
positivo ic
so inelutável de decomposigáo; aparece, sobretudo, como princípio ontoló-
ideológicc
gico do ser (Heidegger) e um valor ético (Levinas) que abrem alternativas á
de apropri
globalizagáo homogeneizante. Nessa perspectiva, a diferenciagáo náo é um
tos tradici,
processo "virulento", a metástase que leva á clonagem por contágio da con-
A resis
tigüidade e a legitimar as desigualdades ecossociais, dando continuidade á
versáo das
narrativa baudrillardiana. A "fatalidade" da degradagáo ambiental náo vem
emergem
de um "agente náo humano"; sua "hiper-realidade" é produto do pensa-
vontade de
mento globalizador e coisificante, da epistemologia e das formas de conhe-
além de In
cimento que avangam afirmando sua positividade, objetivando o mundo e
partir dos
negando o nao-saber (Bataille, 2001).
A geor
Baudrillard torna transparente, tematiza e temporaliza as estratégias
uma geop(
fatais da hiper-realidade que irrompe na cena do mundo (do pensamento)
joga de un
na pós-modernidade. No entanto, a simulagáo e o simulacro náo sáo ineren-
civilizagáo
tes ao real-em-si, a uma esséncia ontológica das coisas. Sáo um efeito do
dos (Fouc
conhecimento sobre o real, mas estáo ao mesmo tempo na própria "nature-
ambiental
za" da ordem simbólica. Refletem, no mundo, a impossibilidade de nomear
novos terri
a diferenga como "estrutura originária", a proibigáo de proferir o nome de
ontologias,
um "deus" como origem e causa de todas as coisas.
cimento qu
dos que hal
A différence, apenas anunciada, desaparece, se oculta ao identificar-se com
A capit
as diferengas efetivas que constituem a concatenagáo do significante.
de resistérb
Nomear a diferenga náo faz nada além de abrir o sistema das diferengas que
tal, como tl
constituem o simbólico em sua efetiva estrutura diferencial; revela as dife-
tórico de r(
rengas como différence, quer dizer, em sua natureza de simulacros [...] de
tagáo de pc
vestígios sem original, e desse modo submetidas a uma sorte de epoché, de
tabilidade
suspensáo do consentimento metafísico que as archai sempre pretenderam
se articulan
no ámbito da mentalidade representativa (Vattimo, 1985: 134).
162
RACIONALIDADE AMBIENTAL
163
ENRIQUE LEFF
NOTAS
zagáo cultural da natureza, assim como de um novo paradigma de sustenta-
bilidade no qual os recursos ambientais aparecem como potencialidades
1. "A
capazes de reconstruir o processo económico dentro de uma nova racionali- pro fusáo
dade produtiva, elaborando um projeto social fundado nas autonomias cul- ni ficante
turais, na democracia e na produtividade da natureza (Leff, 2000). Isso [...] A sedo
implica, por sua vez, reconectar a ordem simbólica e cultural, deslocada e todo signi
tido e real
alienada, com a ordem do real, com a natureza como urna lei-limite e como mundo ter
potencial para a construgáo de um mundo sustentável. A racionalidade do seu lug,
ambiental enfrenta dessa maneira as estratégias fatais da globalizagáo e do mos comp
desenvolvimento sustentado. ve rdadeira
2. Cf.
3. O c
de poder e
sustentabil
ficados atr
como nos
desenvolvi;
políticas e
diferenciag
políticas qt
te, nas pers
desenvolvir,
dentro das
distingue di
racionalida,
"sustainabl■
uma consisi
so mantém
tentado/sus
4. "0 o
na maior cli
que a proxi
lidade de vc
cia do muno
mais os lim
absorvente,
isso fosse pc
de transparí
seria para tc
vez iguais:
comegou ve,
164
tenta- NOTAS
dades
1. "A idéia de que o significante antecede, dispersado por todas as partes, em urna
Lonali- profusáo que felizmente jamais esgota o significado. Essa ordem superabundante do sig-
as cul- nificante é a da magia (e da poesia); náo é urna ordem do azar nem da indeterminagáo
). Isso [..] A sedugáo mágica do mundo deve ser reduzida, aniquilada. E o será no dia em que
cada e todo significante tiver recebido um significado, guando tudo se tiver convertido em sen-
como tido e realidade. Teremos chegado, evidentemente, ao fim do mundo. Literalmente, o
mundo terá chegado ao seu fim 'guando todos os encadeamentos sedutores tenham cedi-
lidade do seu lugar aos encadeamentos racionais. Essa é a empresa catastrófica com a qual esta-
D edo mos comprometidos: resolver toda a fatalidade na causalidade ou na probabilidade... é a
verdadeira entropia" (Baudrillard, 1983: 168).
2. Cf. caps. 5-7, infra.
3. 0 discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável é um campo de estratégias
de poder e de disputa dos sentidos diferenciados que adotam o conceito e as políticas de
sustentabilidade. Se bem que náo existe urna definigáo clara e consensual sobre os signi-
ficados atribuídos ao conceito de sustentabilidade (sustainable development), no Brasil,
como nos países de fala portuguesa, tem-se adotado de forma generalizada a expressáo
desenvolvimento sustentável, que em si náo distingue as diferentes acepgóes, sentidos,
políticas e agóes sociais alternativas mobilizadas por dito conceito. Neste livro farei uma
diferenciagáo básica entre desenvolvimento sustentado para referir-me ao discurso e ás
políticas que inscrevem a sustentabilidade dentro da racionalidade económica dominan-
te, nas perspectivas da economía ambiental e das políticas neoliberais; e designarei como
desenvolvimento sustentável as teorias, políticas e agóes que colocara a sustentabilidade
dentro das condigóes ecológicas e culturais de um processo de reconstrugáo social que se
distingue do cerco da racionalidade económica e que se orienta para a construgáo de uma
racionalidade ambiental. Em alguns casos, mantenho a tradugáo oficial ao portugués de
"sustainable development" como "desenvolvimento sustentável", sem que isso implique
urna consistencia com o sentido teórico-político do conceito. Em outras, onde o discur-
so mantém a ambivaléncia e polivaléncia desses termos, fálarei de desenvolvimento sus-
tentado/sustentável.
4. "0 esquizofrénico foi privado de toda a cena, aberto a tudo apesar de si mesmo
na maior das confusóes [...] O que o caracteriza é menos o afastamento do real [...] do
que a proximidade absoluta, a instantaneidade total das coisas, sem defesa, sem possibi-
lidade de volta, o fim da interioridade e da intimidade, a superexposigáo e a transparén-
cia do mundo, que o atravessam sem que possa fazer-lhes frente. Já náo pode produzir
mais os limites do seu próprio ser, já náo pode refletir-se mais: náo é senáo urna tela
absorvente, urna placa giratória e insensível de todas as suas redes de influencia [...] Se
isso fosse possível, esse éxtase obsceno e generalizado de todas as fungóes seria o estado
de transparencia desejado, o estado de reconciliagáo do sujeito e do mundo, no fundo
seria para todos nós o juízo final e já teria tido lugar. Duas eventualidades enormes, tal-
vez iguais: nada ainda aconteceu, nosso mal-estar vem do fato de que nada no fundo
comegou verdadeiramente (libertagáo, revolugáo, progresso...): utopia finalista. A outra
165
ENRIQUE LEFF
eventualidade é que tudo já aconteceu. Já estamos muito além do fim. Tudo o que era 12. Hoj
metáfora se materializou, colapsou na realidade. Nosso destino está ali: é o fim do fim. grandes cort
Estamos em um universo transfinito" (Baudrillard, 1983: 76). triais, como
5. "Á medida que o sistema dispóe de políticas referentes ao meio ambiente, este últi- 13. As
mo se estreita: o bom éxito de tais políticas se avaliará [...] pela própria desaparigáo do con- sáo traduzid
ceito de meio ambiente, que terminará por ser assimilado ao sistema" (Sachs, 1982: 36) em relagáo
6. "As condigóes da produgáo náo sáo apenas transformadas pelo capital. Devem, restamento
também, ser transformadas através do discurso [...] Urna vez completada a conquista cujos solos s
semiótica da natureza, torna-se imperativo o uso racional e sustentável do ambiente. Ali que eles abso
está radicada a lógica subjacente dos discursos do desenvolvimento sustentável e da bio- 14. Na
diversidade" (Escobar, 1995: 202-3). ecossistemas
7. Este foi o projeto prometéico empreendido pelo Wuppertal Institut e pelo World de carbono 1
Resources Institute com o propósito de reduzir o uso de recursos naturais por unidade mesmo tem'
de produto gratas ao aumento da eficiéncia tecnológica e á mudanga na estrutura da e na apropri
demanda. 15. Ver
8. Esse discurso conciliador pretende reunir todos os grupos de interesse para alcangar 16. Enc
consensos e dirimir conflitos socioambientais, sem perceber, que embora existam interesses matas no m(
e posigóes negociáveis, existem outros fatores que náo poderáo harmonizar-se no "concer- Amazónia ac
to" dos protagonistas do drama atual da desigualdade social e da insustentabilidade. biodiversidai
9. Neste sentido, ante a ficgáo do seqüestro do carbono pela natureza e da tomada especulativo:
da natureza como refém pela economia, posturas mais lúcidas e críticas da economia eco- carbono em
lógica afirmam que "este objetivo de redugáo deve ser fixado fora do mercado, através 17. Nes
de um debate científico-político em um terreno de incertezas factuais e científicas, o Indígenas sol
mesmo que da política de interesses. Assim, a questáo náo é a internalizagáo exata das saram sua ol
externalidades no sistema de pregos (o qual é impossível no caso de tratar com aconteci- caria "uma fi
mentos futuros e incertos), segundo as indicagóes de um mercado ecologicamente de gases de e
ampliado" (Martínez-Alier e Roca, 2000: 459). sáo de sumic
10. Cf. caps. 6 e 9, infra. terras e terrii
11. 0 conceito de território sintetiza, melhor que nenhum outro, a reaproximagáo colonialismo
entre o real e o simbólico no campo da ecologia política, entre modelos cognoscitivos, de nossas ter
suportes materiais e agóes sociais nas formas humanas de ser no mundo. A diferenga do vatizagáo de
espato geográfico, o território sempre foi o espato habitado por relagóes de poder, espa- inclusáo de s
gos demarcados onde se estabelecem domínios e propriedades, onde se semeiam e culti- energia de c
vas as culturas. Sáo espagos étnicos. Além da sintomática transposigáo metafórica da carbono que
política do espato geográfico, que moveu a história pela conquista de territórios ao ter- 18. Ver
reno mais etéreo das idéias em que se demarcam objetos de conhecimento e se estabele- 19. O st
cem os domínios disciplinares do saber (Foucault, 1980), o território é "lugar" de signi- por onde caz
ficagáo de práticas, hábitat de culturas, suporte do Ser, ao mesmo tempo que o ser cul- identidade q
tural forja seus territórios simbólicos e existenciais em relagáo com o real que habita. A 20. A cr
relagáo cultura-natureza é jogada no território, em termos de territorializagóes e dester- contexto de
ritorializagóes (Guattari, 2000), que sáo as formas de se dar urna geografia á terra a par- dialético da
tir de práticas nas quais se reconfiguram identidades (Porto-Gongalves, 2001) (veja-se cal seráo des
cap. 6, infra.)
166
RACIONALIDADE AMBIENTAL
que era 12.Hoje em dia, os cinco gigantes da biotecnologia concentram mais riqueza que os
do fim. grandes consórcios das indústrias de petróleo e as transnacionais de outros setores indus-
triais, como indicam as análises de Silvia Ribeiro e Hope Shand (Leff e Bastida, 2001).
Iste últi- 13.As estratégias "win win" do mecanismo de desenvolvimento limpo muitas vezes
-
do con- sáo traduzidas em projetos e agóes "lose lose". Como observam Martínez-Alier e Roca
-
1: 36) em relagá'o á conversáo de 75 mil hectares de bosque andino no Equador para seu reflo-
Deve m, restamento com eucaliptos e pinheiros: "guando se plantam pinheiros em seus páramos,
>nquista cujos solos sáo muito ricos em matéria orgánica, é liberado mais carbono do que aquele
mte. Ali que eles absorveráo: urna solugáo lose lose" (Martínez-Alier e Roca, 2000: 461).
-
167
CAPÍTULO 4 A lei-limite da natureza: entropia,
produtividade neguentrópica e
desenvolvimento sustentável
A LEI DA ENTROPIA E O VALOR ECONÓMICO
171
ENRIQUE LEFF
urna racionalidade que leva, a princípio, á desnaturalizagáo da própria natu- dos signos,
reza e á insustentabilidade do processo de produgáo. go parecen
A ciéncia económica nasce dentro da visáo mecanicista que fundamenta vel seduz o
o paradigma científico da modernidade, que assim é estendido ao campo da cado sem
produgáo. A economia emerge como ciéncia da classificagáo racional de pensament
recursos escassos e do equilíbrio dos fatores da produgáo: capital, trabalho e determinisi
esse fator "residual" — a ciéncia e a tecnologia — em que repousa a elevagáo natureza e
da produtividade e que se converteu na forga produtiva predominante. Dessa emerge a e
maneira, a natureza é desnaturalizada, fracionada e mutilada; sua organizagáo se impóe
ecossistémica e termodinámica é ignorada e convertida em recursos naturais mento sust
discretos, em matérias-primas usadas como simples insumos no processo de sua conexá
produgáo, que náo sáo produtoras de urna substáncia de valor. A natureza é Essa ps
concebida como um bem abundante e gratuito, como urna ordem que tem olhar críticl
capacidade própria de regeneragáo, cuja existéncia náo dependa diretamente go e do obj1
do comportamento económico. A natureza é remetida a um "campo de exter- a hiperobje
nalidade" do sistema económico. este procesa
A natureza está se vingando desse desprezo da humanidade. A degrada-
gáo ecológica do planeta surge como urna explosáo de urna verdade ontoló- Urna re'
gica negada pela teoria económica. Com a crise ambiental, a economia náo gáo do
enfrenta mais problemas de escassez relativa de recursos — aquela que era radical.
resolvida pelo progresso tecnológico e a abertura de novos campos de ditávarr
exploragáo da natureza —, e sim urna escassez global que náo é "natural" e que por
sim gerada pela destruigáo das condigóes ecológicas de sustentabilidade da a favor
economia global, como resultado dos níveis de entropia gerados em escala ma, ex(
planetária pelo processo económico: desflorestamento e perda da cobertura desta. A
vegetal, contaminagáo do ar, água e solos, aquecimento global. substán(
A crise ambiental irrompeu em um mundo no qual a economia ficou davam s
desprovida de lei e de valor, no qual a natureza se desnaturaliza e se coisifi- de: sua
ca, em que a dialética procura ancorar-se nas leis da natureza, em que o ocupa sl
mundo se converte em urna hiper-realidade onde o simbólico parece perder ria e sin
sua referencialidade e sua conexáo com o real.' Exatamente nesse ponto, se inter
guando as estratégias do código económico triunfam sobre a lei do valor, (Baudril
guando os conceitos perdem sua referéncia no real, guando o simbólico
parece emancipar-se do fático e a ecologia fracassa em sua tentativa de enrai- A econc
zar o mundo na ordem da vida; guando o projeto da racionalidade científi- camento da
ca entra em colapso e o mundo parece flutuar na incerteza e na relatividade ontológico.
172
RACIONALIDADE AMBIENTAL
atu- dos signos, guando a hiper-realidade gerada pelas estratégias fatais do códi-
go parecem burlar o pensamento e o discurso do desenvolvimento sustentá-
n-Ita vel seduz o interesse prático ao procurar um equilíbrio guiado por um mer-
da cado sem valores; guando o construtivismo e a hermenéutica conduzem o
1 de pensamento á conformidade e ao jogo de sentidos, mais além de qualquer
lo e determinismo ontológico; guando sáo vencidas a lei e a norma fundadas na
tgáo natureza e na ética; nesse vazio ontológico e nesse reino da dissimulagáo,
essa emerge a entropia como lei-limite da racionalidade económica. A natureza
tgáo se impóe ás falácias, ás ficgóes e ás especulagóes do discurso do desenvolvi-
erais mento sustentado: as de urna ordem simbólica autónoma desprendida de
) de sua conexáo com o real.
za é Essa psicose do conhecimento do mundo náo é a invengáo de um novo
tem olhar crítico do mundo pós-moderno que faz prevalecer o domínio do códi-
ente go e do objeto, mas sim resultado da racionalidade económica que produziu
:ter- a hiperobjetivagáo, hipereconomizagáo e hiperecologizagáo do mundo. É
este processo económico o que gerou
ida-
oló- Uma revolugáo [que] pós fim á economia "clássica" do valor, urna revolu-
náo gá'o do próprio valor que, além de sua forma mercantil, a leva á sua forma
era radical. Esta revolugáo consiste em que os dois aspectos do valor, que acre-
; de ditávamos serem coerentes e que estavam eternamente vinculados como
1" e que por urna lei natural, estáo desarticulados, o valor referencial se nulifica
da a favor do jogo estrutural do valor. A dimensáo estrutural torna-se autóno-
cala ma, excluindo a dimensáo referencial, estabelecendo-se sobre a morte
cura desta. Acabaram-se os referenciais de produgáo, de significagáo, de afeto, de
substáncia, de história, toda essa equivalencia com conteúdos "reais" que
cou clavan.' seu peso ao signo ao ancorá-lo com urna certa carga útil, de gravida-
sif i- de: sua forma de equivalente representativo. O outro estágio do valor
:e o ocupa seu lugar, o da relatividade total, da comunicagáo geral, combinató-
•der ria e simulatória. Simulagáo no sentido de que de agora em diante os signos
no, se intercambiaráo entre eles sem intercambiar-se por nada com o real
lor, (Baudrillard, 1976: 18).
tico
rai- A economia é a ordem na qual se manifesta mais radicalmente o deslo-
tífi- camento da razáo moderna, o desprendimento da teoria de seu referente
ade ontológico. A racionalidade económica transformou o ser humano em homo
ENRIQUE LEFF
174
RACIONALIDADE AMBIENTAL
para do testemunho de Jevons e Walras, náo tinham uma aspiragáo maior que a
um de criar uma ciéncia económica seguindo o padráo exato da mecánica [...] a
men- concepgáo do processo económico como uma analogia mecánica dominou
fonte desde entáo, por completo, o pensamento económico. Nessa representagáo,
1 eco- o processo nem induz a mudanga qualitativa alguma, nem se vé afetado pela
► pro- mudanga qualitativa do ambiente no qual se encontra ancorado. É um pro-
os de cesso isolado, autocontido e aistórico — um fluxo entre produgáo e consu-
rodu- mo sem saídas nem entradas, como é pintado pelos livros de textos elemen-
:a, de tares [...] em nenhum dos numerosos modelos económicos existe uma ver-
za do tente que dé conta da contribuigáo perene da natureza (Georgescu-Roegen,
ropia 1971: 1, 2).
pela
iental Para Georgescu-Roegen, esse mecanismo está na base do desconheci-
mento da contribuigáo da natureza ao processo económico; tanto no estudo
ando da renda de Ricardo, em que a terra aparece como um fator imune a qual-
cado, quer mudanga qualitativa, como na teoria da produgáo e da reprodugáo eco-
a que nómica de Marx, para quem a natureza que se oferece gratuitamente ao pro-
igicas cesso económico náo contribui para a formagáo de valor, ficando desvincu-
:coló- lada das condigóes da produgáo. O "paradoxo" da história da economia e de
nico, sua obsessáo mecanicista é que na época em que Jevons e Walras apresenta-
lagáo vam as pedras angulares da economia moderna, as revolugóes teóricas no
itre o campo da física — da termodinámica estatística, da teoria da relatividade e
urge, da mecánica quántica — derrubavam o dogma mecanicista, tanto nas cien-
cesso cias naturais como na filosofia. Porém, mais paradoxal ainda é o fato de que
le da a termodinámica havia surgido como uma física do valor económico. 3 O
:onó- descobrimento da lei da entropia, formulada por Sadi Carnot em 1824 e
deve mais tarde, em 1856, por Claussius, foi impulsionado pela necessidade de se
tífico incrementar a eficiéncia da tecnologia. O problema que colocaram para si
:s até fui o de determinar as condigóes sob as quais seria possível obter uma maior
eficiéncia no trabalho mecánico produzido por uma unidade de calor livre.
A lei da entropia é filha da racionalidade económica e tecnológica, do
xclu- imperativo de se maximizar a produtividade e minimizar a perda de energia.
a, na Em sua procura da ordem, controle e eficiéncia, essa racionalidade desenca-
lente deou as sinergias negativas que haveriam de levar á degradagáo da natureza.
]A Nesse sentido, a escassez como princípio que fundamenta a ciéncia econó-
gun- mica troca de sinal e adquire um novo significado. O problema dos limites
175
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176
RACIONALIDADE AMBIENTAL
ráveis crescente produgáo de entropia (de gases de efeito estufa, de calor) associa-
los e da á extragáo, transformagáo e consumo de energia fóssil, inclusive a produ-
ursos gáo de hidrocarburetos sintéticos através da liquefagáo do carváo ou o uso
la lei- direto deste elemento, assim corno de outras fontes tradicionais de energia
cesso (termoelétricas a partir da fissáo e fusáo atómica, extragáo de metais náo fer-
'erso. rosos do fundo dos oceanos e energia hidrelétrica) (Dragan e Demetrescu,
nossa 1986: 138-40).
eco- A lei da entropia como condigáo e limite do processo económico
tergia converte-se, assim, em argumento adicional para o questionamento da vali-
-a, na dez da teoria do valor fundada no trabalho e na mudanga tecnológica. 4 Além
do mais, a entropia como condigáo de sustentabilidade do processo económi-
e os co muda o sentido da relagáo do valor económico com a natureza. Pois na lei
le de clássica do valor, e em toda a economia anterior a Georgescu-Roegen, a ati-
rece- vidade económica transformava a natureza em capital económico através do
los e trabalho, em um processo no qual a natureza era abundante, renovável e gra-
de se tuita, e, portanto, inócua em termos de sua contribuig'áo tanto á formagáo do
rento valor económico como á degradagáo entrópica. Pelo contrário, guando se
ques- associa a lei da entropia ao processo produtivo, a contribuigáo da natureza á
)apel produgáo de riqueza material adquire um valor inverso, no sentido de que no
anis- processo económico a matéria e a energia passam da abundáncia á escassez,
íbrio da utilidade á inutilidade e do uso ao dejeto, em um processo inelutável de
pri- degradagáo de entropia. O processo económico poderia ser definido, entáo,
des- como a transformagáo da energia existente em formas utilizáveis para estados
apaz de energia inutilizáveis, oferecendo no caminho apenas "utilidades tempo-
ricos rais" (Dragan e Demetrescu, 1986: 147).
olvi- O vínculo do processo económico com a lei da entropia, a dependéncia
s da da economia á natureza, vem questionar a idéia de urna economia emanci-
náo pada da necessidade, o imaginário de um crescimento económico sem limi-
sitos tes e a ilusáo de que entrarnos em uma era de pós-escassez, que vai "além da
par- produgáo". Ao mesmo tempo, reconhece a escassez material produzida pelo
crescimento económico — o esgotamento de bens naturais, a contaminagáo
o se dos servigos ambientais, a desestruturagáo dos ecossistemas e a degradagáo
OS e da energia — como um efeito da lei inelutável da entropia magnificada pelo
que processo económico. A segunda lei da termodinámica, lei-limite da natureza,
icas restabelece as relagóes entre o real da ordem natural e a ordem simbólica dos
da signos do mercado.
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Essa constatagáo deu início a urna reflexáo destinada a refundar o pro- planejl
cesso económico a partir dos princípios da termodinámica — desde suas dade e
bases energéticas e suas condigóes ecológicas de sustentabilidade — e para em quo
reconsiderar a teoria do valor económico com base nas leis da natureza. cultura
Nesse sentido, Georgescu-Roegen apontava que
Para C
Urna vez que o processo económico consiste, materialmente, em urna trans- mite ás "ei
formagáo de baixa entropia em alta entropia, quer dizer, em dejeto [calor], organizagá
e posto que esta transformagáo é irreversível, os recursos naturais deveriam ambiente;
representar, necessariamente, urna parte da nogáo de valor económico. E qualidade
porque o processo económico náo é automático, mas sim volitivo, os servi-
os de todos os agentes, humanos e materiais, também pertencem á mesma A desp
faceta dessa nogáo. Em relagáo á outra faceta, deveríamos observar que sos orc
seria totalmente absurdo pensar que o processo económico existe apenas que os
para produzir dejetos. A conclusáo irrefutável é que o produto verdadeiro agora",
desse processo é um fluxo imaterial — o desfrute da vida. Este fluxo cons- peculia
tituí a segunda faceta do valor económico (Georgescu-Roegen, 1971: 18). te pelo
tico, di
Georgescu-Roegen procura fundamentar uma nova teoria económica físicos,
através de um princípio material (a lei da entropia) e de um princípio ético, que o j
cultural e subjetivo (o desfrute da vida). Náo é formulada, pois, uma teoria causa fi
quantitativa do valor — urna física da economia —, e se afasta, consciente- gáo qui
mente, de toda tentativa de recuperar a teoria do valor-energia preconizada domíni
por Engels em sua Dialética da natureza. Georgescu-Roegen rompe com os posto
cánones da ciéncia objetiva e abre um campo heurístico mais abrangente e nenhun
integrado ao processo económico, reconhecendo o papel exercido pela cul- sive as
tura nas formas de produgáo e na evolugáo do consumo exossomático de urna rt
energia, que geram a degradagáo entrópica da matéria. Nesse sentido, afir- Nenhui
mou que poderia
Ainda que parega paradoxal, a lei da entropia é uma lei elementar da maté- Essa ca
ria que náo nos deixa outra alternativa a náo ser reconhecer o papel da tra- vida perten
digáo cultural no processo económico. A dissipagáo da energia, como é pro- permite quo
clamada por essa lei, se produz automaticamente em toda parte. Isso é assim o establishr
porque a reversáo da entropia, como se vé em cada linha de produgáo, leva géncia da h
a marca indelével da atividade proposta. E a maneira como esta atividade é emergente o
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
zaté- Essa característica peculiar do mundo orgánico é o que faz com que a
tra- vida pertenga a urna ordem ontológica diferente da do resto da natureza e
pro- permite que a bioeconomia evite a epistemologia mecanicista.s No entanto,
ssim o establishment económico mostrou-se incapaz de se comover ante a emer-
leva géncia da lei da entropia no cenário da ciéncia. É sintomático que a ciéncia
de é emergente da complexidade, que questiona radicalmente as crengas e certe-
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da nature
definir e c
ENTROPIA, BIOECONOMIA E ECONOMIA ECOLÓGICA
do urna re
do planeta
Georgescu-Roegen introduziu a lei da entropia na crítica da economia con- nifica reví
vencional, readaptando o conceito tal como fora formulado pela teoria clás- termo diM
sica da termodinámica dos processos próximos ao equilíbrio (mais que da (Boltzmar
termodinámica estatística ou das estruturas dissipativas) para aplicá-la ao assim com
processo económico, em que verá sua manifestagáo empírica na perda irre- logia e da
cuperável de matéria e energia útil (reciclável), tanto no sistema ecológico conta da i
como dentro do processo económico.? Nesse sentido, afirma que digma bioi
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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reza e dos sentidos da cultura que abra as vias da sustentabilidade no contex- O inci
to da globalizagáo económico-ecológica. do em reli
O conceito económico de entropia precisa, assim, ser definido em sua sintética d
escala planetária e nos níveis locais em que opera. Isso significa romper o processos
imaginário de urna lei geral da entropia no sentido de urna degradagáo ine- processo
lutável e irreversível que atuaria da mesma maneira em escala cósmica e pla- extraindo
netária, nos processos próximos ao equilíbrio (processos tecnológicos) e nos viva (bion
processos afastados do equilíbrio (processos biológicos, ecológicos, económi- bioenergia
cos). Certamente, a vida no planeta Terra náo haverá de mudar o curso da lei pia gerada
universal da entropia em escala cósmica nem a seta do tempo na vida terrena. te. No ent
Mas esse náo é o problema teórico e prático da economia diante da natureza o sistema
em termos da conservagáo da vida no planeta e da sustentabilidade económi- cada ser vi
ca e social. O desafio que se apresenta é o de saber se a produtividade da vida de suas re]
é capaz de equilibrar a degradagáo entrópica gerada pela racionalidade econó- matéria e
mica, a qual, em vez de criar ordem do caos (Prigogine), gera entropia a par- em diferer
tir da ordem da natureza, revertendo o princípio de consumo produtivo da relagáo coi
natureza (Marx) em consumo improdutivo, entrópico e insustentável. Ve jam
Georgescu-Roegen atrai o conceito de entropia para um novo terreno urna reser
teórico, aplicando o princípio da segunda lei da termodinámica ao processo radiante.
macroeconómico e ampliando-o através de sua "quarta lei da entropia", biomassa a
para incluir, junto com a degradagáo da energia útil, a perda irrecuperável sistémica.
da matéria no processo económico. No entanto, Georgescu-Roegen náo ela- resultado (
bora uma nova economia sobre os princípios da vida e as potencialidades da dos fluxos
organizagáo ecológica do planeta; náo incorpora um conceito de neguentro- entropia qi
pia (partindo de Schródinger) que, além da crítica ao processo económico a rega a entr
partir da entropia como lei-limite da natureza, dé fundamento a urna bioe- fera, na ati
conomia propriamente dita, fundada na produtividade da vida. É certo que, até as tran
mesmo dentro de um sistema aberto e afastado do equilíbrio da economia, para mante
náo escapa á degradagáo entrópica, proveniente tanto do desgaste e dos láo para tu
limites da reciclagem de materiais (a quarta lei) como da degradagáo da um ecossis
energia utilizada (segunda lei), ao passar de energia baixa a energia de alta produz, de
entropia, e por sua transformagáo em calor. Mas isso náo significa ignorar com ou sen
os processos neguentrópicos que emergem da organizagáo dos sistemas eco- ta a entrop
lógicos na biosfera como fonte de urna produtividade sustentável e sustenta- biomassa n
da e como único processo capaz de equilibrar os processos económicos res- George
ponsáveis pela degradagáo entrópica da Terra. blema da d
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:essos acesso aos recursos naturais ante a crescente escassez ecológica gerada pela
omia racionalidade económico-tecnológica dominante. No entanto, essa visáo do
pro- ambiente como restrigáo, como custo e como limite imposto pelas leis da
ta do ecologia e da termodinámica é insuficiente para reverter as atuais tendéncias
verso da racionalidade económica em diregáo á degradagáo entrópica. Para atingir
pelo um desenvolvimento sustentável, é necessário internalizar a contribuigáo da
je em produtividade ecológica no processo económico e conceber o ambiente
como um potencial para a construgáo de uma racionalidade produtiva alter-
;tema nativa.
s bio- Os processos biológicos que contribuem para a formagáo de um stock de
lento matérias-primas haviam sido considerados até antes da crise ambiental como
vivos, urna oferta gratuita de recursos naturais. Agora sáo avaliados pela economia
ala, e ambiental como um custo do crescimento económico. No entanto, na fun-
>logia damentagáo de um novo paradigma produtivo de uma economia sustentá-
!vald, vel, os bens e servigos ambientais devem ser entendidos como um potencial
partir produtivo que depende tanto dos limites físicos e da escassez de recursos
mico corno de estratégias sociais que possam administrar os potenciais ecológicos
lo sis- da natureza. Os sistemas vivos náo estabelecem apenas um conjunto de con-
; pro- dilóes que a economia deve respeitar e funcionam como umbrais da capaci-
lergia dade de carga dos ecossistemas. A natureza, como um conjunto de sistemas
unto, de suporte da vida, potenciais ecológicos e de servigos ambientais, é condi-
iples- láo fundamental para a existéncia de uma economia sustentável.
uma As condigóes ecológicas da produgáo aparecem, assim, como um poten-
lómi- cial para um processo alternativo de produgáo. Essa possibilidade foi nega-
Derda da pelas correntes dominantes da economia e foi insuficientemente explora-
lagáo da pela economia ecológica e a bioeconomia. Tais escolas reconhecem que a
s sáo energia solar atua como fonte primária da vida e que os organismos vivos
n ter- funcionam como sistemas complexos emergentes, que gratas a seus proces-
sos de auto-organizagáo retardam a degradagáo entrópica. Esses paradigmas
incei- emergentes questionam o modelo mecanicista da economia a partir da pers-
agóes pectiva de sua ineficiéncia energética e da entropia crescente gerada pelo
olhar transfluxo (throughput) de energia nos processos produtivos que destroem
Ser o as bases biológicas e ecológicas da produgáo. Por sua vez, os sistemas termo-
coló- dinámicos abertos e as estruturas dissipativas oferecem uma base científica á
exa- desmistificagáo dos falsos fundamentos da ideologia do progresso e do cres-
pelo cimento económico ilimitado. No entanto, o processo de produgáo de bio-
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idou- que a quantidade de energia solar que pode ser captada e transformada pela
biosfera fique entre 1 e 2% do total de energia que chega ao planeta. No
cons- entanto, o ponto em discussáo náo é se esta porcentagem é pequena ou
sua grande, mas sim o quanto é suficiente para sustentar urna economia baseada
az de em um equilíbrio entrópico-neguentrópico. A energia equivalente da produ-
áo de tividade primária líquida dos ecossistemas ainda excede a quantidade de
:entá- energia de origen fóssil que é produzida e consumida pelos processos eco-
pelo nómicos. Esses dados sáo importantes para se ver as potencialidades atuais
ioten- dos processos naturais e transitar de uma economia contaminante e náo
)mas- renovável a uma economia enraizada nas fontes de neguentropia dos siste-
efeito mas ecológicos e na produtividade sustentável de recursos renováveis. Para
cres- isso, é necessário gerar práticas agroecológicas e agroflorestais orientadas
líbrio para magnificar a capacidade de captura de energia solar e sua transforma-
L. Isso gáo biomassa, assim como estratégias que permitan urna distribuigáo e
ilagáo apropriagáo mais eqüitativas dos recursos ambientais do planeta.
sécu- A principal fonte dessa bioeconomia é o potencial de formagáo de bio-
áveis, massa da terra. O potencial biológico da formagáo de biomassa foi estimado
gases em uma taxa anual média de 8% nos ecossistemas tropicais do planeta. No
entanto, a formagáo de biomassa náo aparece como urna produgáo direta de
:onsi- valores de uso, de maneira que esta biomassa diferenciada deve seguir pro-
mana cessos tecnológicos de transformagáo para produzir bens que satisfagam as
da na necessidades humanas. A produtividade primária líquida dos ecossistemas
anual pode aumentar através de processos fotossintéticos e biotecnológicos que
75 ) , 22 incrementen os rendimentos ecológicos sustentáveis em vez de destruir o
1m de suporte tecnológico da produgáo, corno no caso dos sistemas agrícolas
mária baseados na homogeneizagáo de cultivos comerciais e na aplicagáo intensiva
imen- de agroquímicos. O desenvolvimento científico e tecnológico deve ser
tiento orientado para incrementar processos de produtividade primária e para
gás, transformar seus produtos em valor de uso de baixa entropia. A produtivi-
pro- dade primária dos ecossistemas pode ser transformada através de processos
;siste- de regenernáo seletiva dos ecossistemas. Isso náo apenas permitirá gerar
uma alta produgáo sustentável das espécies de maior interesse para o consu-
do de mo humano sem degradar o potencial produtivo dos ecossistemas, mas per-
mitirá que o manejo da sucessáo secundária magnifique a capacidade de cap-
struir tagáo de dióxido de carbono por esses processos dissipativos afastados do
»ra-se equilíbrio. A biotecnologia pode incrementar a produtividade ecológica pre-
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tidos existen
servando a capacidade produtiva dos ecossistemas complexos, dando um
pós-normal"
manejo produtivo e sustentável aos recursos naturais (Leff, 2000).
Esse paradigma de produtividade ecotecnológica náo tem como finali- pativo de tor
e Ravetz, 19!
dade alcangar um crescimento sustentado da economia, posto que, mesmo
recuperando e magnificando a produtividade neguentrópica e a capacidade Os enfoc
de produgáo de biomassa, a biosfera apresenta limites ecológicos e termodi- rístico, conec
námicos que deveráo levar, ao lado de processos demográficos e produtivos, urna nova pe
a um "equilíbrio dinámico" que conserve o potencial dessa "ordem produti- fluéncia dos
cos, ecológic
va". Nessa perspectiva, é possível prever um cenário em que a populasáo
humana chegará a um estado estacionário no curso do presente século, bilidade, náo
enquanto se opera a transigáo da presente ordem económica insustentável cessos físicos
como lei-limi
para um sistema bioeconómico sustentável. Ao mesmo tempo, promove-se a
da da ordem
apropriagáo social dos bens e servigos ambientais — das estruturas dissipati-
cos de entrof
vas da biosfera — na construgáo de uma racionalidade ambiental para edifi-
em seus camr
car sociedades sustentáveis.
mos do equilí
mica de estru
fóricos, náo
energia (a set
NEGUENTROPIA, SUSTENTABILIDADE E CULTURA
ordem a parti
A crise ambiental impós a necessidade de se internalizar as condigóes ecoló- neguentropia
gicas para dar bases de sustentabilidade á economia. O mundo converteu-se sustentabilida
num sistema complexo que desborda as capacidades das ciéncias naturais e sociedade org
sociais para apreender suas dinámicas emergentes, imprescindíveis com base de nas formal
nos domínios disciplinares do conhecimento. Dessa maneira, impós-se a ambiental, no
necessidade de reconstruir os paradigmas científicos e elaborar novas apro- vés das racion
ximagóes sistémicas e métodos interdisciplinares para apreender a comple- A econom
xidade ambiental, transcendendo o espato restrito da articulagáo das disci- tado náo leva
plinas científicas e abrindo um espato para a incorporagáo de novos saberes. constrangimel
A necessidade de novos métodos interdisciplinares para estudar a com- ambientais da
plexidade dos sistemas socioeconómicos e para democratizar o conhecimen- nhecendo os
to, como base para uma gestáo sustentável do potencial ambiental, levou á Georgescu-Ro
revisáo das concepgóes do mundo geradas pela visáo mecanicista da realida- processo econ
a que podem
de, deslocando o conhecimento quantitativo, unitário e matematizado das
ciéncias para paradigmas heurísticos mais abrangentes — ainda que menos colapso do sise
mensuráveis mais arraigados no interesse social e mais próximos dos sen- dade, da maté
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produgáo" sujeita aos avangos da tecnologia "limpa", do controle das emis- ecotecnológ
sóes de gases de efeito estufa e seus efeitos no aquecimento global através tentável, ni(
das licengas transacionáveis de emissóes; e da mudanga dos padróes de pro- góes de proa
dugáo e de consumo fundados em urna ética empresarial e na "soberania" dos da cultL
dos consumidores. Na melhor das hipóteses, essas agóes poderáo desacele- processos vi
rar o ritmo de destruigáo ecológica para continuar marchando com passo solar em um
mais lento, mas náo menos firme, pelo caminho que conduz ao colapso eco- Esse par
lógico e á morte entrópica do planeta. cendem a cr
A mudanga social e as transformagóes produtivas orientadas para a sus- processo prc
tentabilidade náo resultam da extensáo do conceito de entropia á ordem as condigóes
cultural e ao campo social ou da aplicagáo das leis da termodinámica e dos valecente, a
principios da ecologia á gestáo ambiental. O caráter organizativo dos siste- nalidade am
mas ecológicos e o funcionamento dos sistemas termodinámicos devem cas, investigl
orientar processos produtivos sustentáveis, mas isso significa a assimilagáo potencialida,
cultural dos conceitos de entropia e de neguentropia. A transigáo para a sus- Esse novo pa
tentabilidade náo é conduzida pela aplicagáo de leis naturais á sociedade, tos humanos
mas sim por significados e estratégias sociais — que incluem valores cultu- das comunid
rais, desejos humanos e poderes políticos —, que colocam em jogo os para- nio de recur
digmas científicos e tecnológicos, mas que váo mais além da aplicagáo com- urna nova tec
pulsiva de uma engenharia ecológica e de urna energética social, baseadas ca e de racioi
nas teorias da ecologia e da termodinámica. 24 ca antiecológ
A visáo entrópica da economia dissipa as ilusóes de que a reciclagem tec- sidade cultur
nológica de materiais, a desmaterializagáo da produgáo e o crescimento eco- nos potencia]
nómico sem limites, que emergem da racionalidade económica e tecnológi- A constri
ca dominantes, possam conduzir á construgáo de sociedades sustentáveis. tentabilidade
Ao mesmo tempo, os propósitos do desenvolvimento sustentável e da justi- pelo controlo
ga ambiental se baseiam em valores culturais e sociais que mobilizam a socie- intervém na
dade pela autonomia e a participagáo em processos de reapropriagáo da cia, a autono
natureza, que transcendem a incorporagáo dos conceitos científicos de á incorporagl
entropia e auto-organizagáo como forma de conhecimento e objetivos tica. Dos prir
sociais. As pessoas lutam por principios de autodeterminagáo sem fundar se desprende
estas demandas legítimas nas leis da entropia. No entanto, diante das pers- naturais náo
pectivas pouco promissoras do "desenvolvimento sustentável", a racionali- humana sobr(
dade ambiental, informada pelo conceito de entropia, postula um novo guiados pelas
paradigma produtivo baseado nas potencialidades neguentrópicas dos ecos- mas sem uma
sistemas naturais e da organizagáo cultural. O paradigma de produtividade via de constri
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sustentabilidade estará guiada por urna ressignificagáo e revalorizagáo social Isso sig
da natureza que haverá de conduzir até a apropriagáo cultural dos processos organizativ
ecológicos. decisóes e r
Essa mudanga de perspectiva desloca o enfoque determinista que orien- trugáo de u
taría urna possível planificagáo das práticas sociais baseada na previsáo do ca se integr
comportamento dos ecossistemas. O problema náo se complica apenas por- saberes na
que os ecossistemas sáo sistemas complexos auto-organizativos, mas porque ultrapassa
sáo afetados pela economia global e por urna diversidade de práticas de de correspc
apropriagáo da natureza, em que, para moldar o ecossistema (conservá-lo, Os modelo!
manejá-lo), intervém náo apenas os conhecimentos científicos, mas os dife- processos,
rentes saberes culturais. De maneira que, urna vez que aceitamos o grau de nificagáo e
liberdade (de incerteza) através do qual se modifica (ás vezes de forma catas- xa da maté
trófica) o comportamento dos ecossistemas, o papel da ciéncia ecológica na expressa no
tomada de decisóes náo é táo-somente o de informar sobre os cenários pos- pies reflexo
síveis, sobre "as possibilidades ecológicas" (atratores) para saber quais pro- entropia e
mover e quais desestimular" (Kay, 2001: 7). A questáo é saber como have- Simbólico q
ráo de evoluir os ecossistemas para urna produtividade sustentável e susten- Os mov
tada considerando sua intervengáo a partir das diferentes cosmovisóes e dados nos p
valorizagóes culturais da natureza. volvimento
Essa proposta transcende as perspectivas ecológicas abertas pelos pro- acordo con
cessos dissipativos dos sistemas holárquicos abertos, ao fazer intervir na ambiental, i
complexidade do manejo ecossistémico a ordem simbólica e cultural. Na na gestáo pi
perspectiva da construgáo de urna racionalidade ambiental, a dinámica dos tário. 26 Nes
ecossistemas náo se rege pelo jogo de "atratores" que conduzem os destinos saberes amt
incertos dos sistemas evolutivos através de suas flutuagóes e estados catas- produtivid¿i
tróficos. A "criatividade" e o "propósito" se inscrevem como condigáo do plasmam na
real na ordem simbólica, da significagáo e do sentido. Os saberes culturais digma de su
váo guiando, modulando e atuando sobre os processos ecossistémicos para a novas forr
levá-los a estados de maior produtividade ecotecnológica (máxima utiliza- námicas e e(
gáo de exergia e produtividade neguentrópica), de maneira que os riscos volvimento
ecológicos implícitos nesses processos (por exemplo, o uso do fogo) se con- dades centr
vertem em processos socialmente intervindos, controlados e reorientados globalizagác
pelo conhecimento, o saber e a agáo social. Dessa maneira, prepara-se urna de um munc
mudanga de paradigma social de produgáo, fundado nas bases e princípios produzam si
da termodinámica, assim como nas significagóes culturais, no manejo parti- Enquanto a
cipativo dos recursos e na apropriagáo social da natureza. desgasta as
208
RACIONALIDADE AMBIENTAL
)cial Isso significa passar da idéia de sistemas ecológicos como sistemas auto-
:ssos organizativos, e do novo papel atribuído á ciéncia pós-normal na tomada de
decisóes e na orientagáo das agóes para um futuro sustentável, 25 para a cons-
-ien- trugáo de urna racionalidade ambiental, em que a complexidade ecossistémi-
D do ca se integra á complexidade ambiental que emerge a partir da cultura e dos
por- saberes na gestáo participativa da natureza. Tal complexidade ambiental
rque ultrapassa os marcos de urna termodinámica de segunda ordem e o principio
s de de correspondéncia entre o modelo teórico e urna realidade complexizada.
á-lo, Os modelos morfogenéticos causais, de autocatálise e retroalimentagóes de
dife- processos, se deslocam até o campo da relagáo da ordem simbólica, da sig-
u de nificagáo e do sentido que se forjam na ordem cultural e na ordem comple-
atas- xa da matéria. A assimilagáo cultural da ordem complexa do real que se
:a na expressa nos processos entrópicos, caóticos e neguentrópicos náo é um sim-
pos- pies reflexo da complexidade do mundo externo na mente. A dialética entre
pro- entropia e neguentropia expressa esse novo encontr o do Real com o
[ave- Simbólico que reconstrói o campo da economia.
;ten- Os movimentos sociais pela apropriagáo dos processos produtivos, fun-
les e dados nos potenciais da natureza e da cultura, estáo levando assim ao desen-
volvimento de estratégias de manejo sustentável dos recursos naturais de
pro- acordo com os princípios de autonomia cultural, eqüidade social e justita
✓na ambiental, internalizando as condigóes da natureza e a lei-limite da entropia
. Na na gestáo produtiva da biodiversidade em escala local e no ámbito comuni-
dos tário.26 Nessa hibridagáo de processos biofísicos, culturais e económicos, os
inos saberes ambientais das comunidades haveráo de incorporar o princípio de
atas- produtividade neguentrópica, gerando novas práticas produtivas que se
Ddo plasmara na construgáo de urna nova racionalidade produtiva e em um para-
irais digma de sustentabilidade. A construgáo de sociedades sustentáveis conduz
para a novas formas de organizagáo social que incorporam as condigóes termodi-
liza- námicas e ecológicas da produgáo para alcangar os propósitos de um desen-
scos volvimento sustentável, diversificado e eqüitativo. Diante do rumo de socie-
con- Jades centralizadas, segmentadas e desiguais submetidas aos desígnios da
idos globalizagáo económica e á normatividade ecológica, abre-se a alternativa
urna de um mundo sustentável, integrado por comunidades descentralizadas que
pios produzam suas condigóes de vida em harmonia com seu entorno ecológico.
arti- Enquanto a economia de mercado gera urna tendéncia homogeneizante que
desgasta as fontes da produgáo ecológica e da diversidade cultural, a racio-
209
ENRIQUE LEFF
dárias:
TEMPO E ENTROPIA, A CONSTRMO DE UM FUTURO SUSTENTÁVEL
gas da t
210
RACIONALIDADE AMBIENTAL
211
ENRIQUE LEFF
NOTAS
dissipativas a servigo da vida, da vida humana, da construgáo de um mundo
durável, de mundos de vida diversos e de sociedades sustentáveis. Nesse sen- 1. "0
tido, abre-se a possibilidade para a construgáo de um novo paradigma de Hoje, todo s
produgáo sustentável que se inscreve no processo de construgáo de urna realidade de
racionalidade ambiental. que substitu
dos por moc
1976: 8-9).
2. Ante
impossibilidi
mente, á exi
pp. 157-181
3. "A ru
co e, basicar
como a mai:
somente um
todos os nívt
4. Ver c
5. Georj
náo confund
— com o prc
reza inerte, r
mais radical 1
lico, no senti
base mais pr(
za e sociedad
sos biológico
dissipativas (
pela linguage
6. Georj
filosóficas e
lei da termo(
ás formulag&
como advertt
as remotas in
pia náo pode,
ticas desta or(
de diversidad
morte térmica
a consciéncia
7. A ent
geral, e ao mi
apresenta o "
212
RACIONALIDADE AMBIENTAL
NOTAS
ndo
sen- 1. "0 princípio de realidade coincidia com urna determinada fase da lei do valor.
a de Hoje, todo sistema cambaleia na indeterminagáo, toda a realidade é absorvida pela hiper-
ama realidade do código e da simulagáo. Agora somos regidos pelo princípio de simulagáo,
que substituiu o velho princípio de realidade. As finalidades desapareceram; somos gera-
dos por modelos. Náo há mais ideologia; náo há nada além de simulacros"(Baudrillard,
1976: 8-9).
2. Antes de Georgescu-Roegen, Frederick Soddy (1877-1956) havia percebido a
impossibilidade de se manter um crescimento exponencial da economia, devido, justa-
mente, á existencia da lei da entropia (cf. Martínez-Alier e Schlüpmann, 1991, cap. VIII,
pp. 157 - 181).
3. "A nova ciencia da termodinámica comegou como uma física do valor económi-
co e, basicamente, ainda pode ser considerada assim. A própria lei da entropia emerge
como a mais económica de todas as leis naturais [posto que] a lei da entropia é táo-
somente um aspecto de um fato mais geral, pois esta lei é a base da economia da vida em
todos os níveis" (Georgescu-Roegen, 1971: 3).
4. Ver cap. 1, supra.
5. Georgescu-Roegen afirma sua posigáo dualista diante do monismo mecanicista, e
náo confunde a "causa final" — a teleonomia e o acaso que caracterizam a vida (Monod)
— com o propósito da vida humana. Georgescu-Roegen mantém a diferenga entre natu-
reza inerte, natureza viva e natureza humana. No entanto, náo vai indagar no domínio
mais radical e fundamental da diferenga entre natureza e cultura, entre o real e o simbó-
lico, no sentido do propósito como significagáo, desejo e vontade humana, que está na
base mais profunda do dualismo ontológico e epistemológico das relagóes entre nature-
za e sociedade. Pois náo se deve confundir o acaso e a teleonomia que guiam os proces-
sos biológicos (Monod), ou as flutuagóes, desequilibrios e irreversibilidade das estruturas
dissipativas (Prigogine), com o propósito orientado e extraviado pela ordem simbólica,
pela linguagem, pelo desejo e pelo poder.
6. George Steiner adverte que náo existe uma história adequada das implicagóes
filosóficas e psicológicas da lei da entropia; e pergunta-se sobre a influencia da segunda
leí da termodinámica na sensibilidade e na linguagem, sobretudo em relagáo ás idéias e
ás formulagóes lingüísticas a respeito dos tempos futuros. A pergunta náo é ociosa, pois,
como adverte Steiner, "o bom senso só é medianamente convincente guando replica que
as remotas imensidades do tempo consideradas pelas especulagóes teóricas sobre a entro-
pia podem comover urna imaginagáo sá, que as magnitudes e as generalidades estatís-
ticas desta ordem náo sáo vividas de um modo concreto [...] Mas, qualquer que seja o grau
de diversidade individual e cultural, existe um ponto no tempo, existem coordenadas da
morte térmica, em que a ameaga da entropia máxima poderla carregar-se de realidade para
a consciencia coletiva" (Steiner, 1992/2001: 168).
7. A entropia como "lei-limite da natureza", que compreende em sua forma mais
geral, e ao mesmo tempo concreta, a diversidade de processos de degradagáo ambiental,
apresenta o "paradoxo" de que o próprio conceito de entropia se afasta das condigóes de
213
ENRIQUE LEFF
214
RACIONALIDADE AMBIENTAL
e das energia disponível e seu uso eficiente para sustentar sua estrutura e fungóes". No entan-
-se ao to, náo foi desenvolvido um método para medir a evolugáo desta ordem complexa, sua
signi- entropia interna e suas descargas de entropia no exterior. A aplicabilidade deste princí-
pio se restringe pela "dificuldade de definir fronteiras claras no espato e no tempo para
a esfe- os componentes que interagem em um sistema hierárquico de múltiplos níveis"
nerca- (Gianpietro, 1993: 207-208).
tneira, 12.Nesse sentido, Günther afirma que "o processo ordenador deste sistema auto-
:clades poiético está associado á sucessáo dos ecossistemas até a maximizagáo de sua capacidade
zes de para captar energia solar e produzir entropia" (nesse caso: calor térmico que se exporta
imilar, do sistema). Isso poderia ser o reflexo de urna mudanga em diregáo á máxima produgáo
mento de entropia do sistema, já que "o sistema (vivo) aumenta em organizagáo e em conse-
vagáo qüéncia decresce sua entropia interna guando sáo incrementados os mecanismos de reci-
clagem e de retroalimentagáo que evoluem conforme o sistema se afasta do equilibrio.
istema Em conseqüéncia, esperaríamos que a produgáo máxima de entropia incrementasse a
radia- complexidade do sistema" (Günther, 1993: 268, 265).
ra náo 13."0 conceito de integridade ecológica significa "deixar de administrar os ecossis-
ico da temas para alcangar um estado fixo, seja urna mata clímax ideal e prístina ou um campo
de milho. Os ecossistemas náo sáo coisas estáticas, mas sim entidades dinámicas consti-
qu arta tuidas por processos auto-organizativos. Os objetos de manejo que signifiquem manter
Nesse algum estado fixo em um ecossistema ou a maximizagáo de alguma fungáo (biomassa,
sáo da produtividade, número de espécies) ou minimizar alguma outra fungáo (irrupgáo de pra-
ntidos gas) sempre conduziram ao desastre em algum ponto, náo importa sua boa intengáo. De-
403). vemos reconhecer que os ecossistemas representam um equilibrio, um ponto ótimo de
nando operagáo que está em permanente mudanga para adaptar-se a um ambiente em mutagáo"
micro (Kay e Schneider, 1994: 8).
ica do 14.Em outra parte, Kay reitera que "os sistemas em náo-equilíbrio, através de seu
intercambio de matéria e/ou energia com o mundo externo, podem manter-se por um
ampu- período afastados do equilibrio termodinámico em estados estacionários estáveis produ-
s espé- zidos localmente. Fazem isto ao custo de incrementar a entropia do sistema 'global' mais
es ter- amplo no qual se assentam; em conseqüéncia, seguindo a segunda lei, a entropia global,
to, ele no sentido global, deve ser incrementada" (Kay, 2000: 4).
unida- 15.0 desflorestamento e a mudanga do uso do solo aparecem como causa crescen-
) fluxo te do aquecimento global ao lado das emissóes provenientes dos combustíveis fósseis:
ndade "As emissóes de carbono através da mudanga do uso de terras tropicais indicam urna con-
níveis. tribuigáo substancial ao aquecimento global. Para os países tropicais, á escala mundial no
bstán- período 1981-90, as emissóes líquidas do desmatamento de vegetagáo natural e matas
inefi- secundárias (incluindo tanto os fluxos de biomassa como de solos) foram de 2,0 x 10 9
le bio- toneladas de carbono (t C), correspondentes a 2,0 - 2,4 x 109 do equivalente de C em CO 2
1). Por considerapt quecimnoadtsrPocldeKit.
afir- Somando-se a isso as emissóes de 0,4 x 10 9 t C devido a mudangas de categorias no uso
r para do solo, á parte o desflorestamento, chega-se a um total para a mudanga do uso da terra
limen- (sem considerar a captagáo de matas intactas, queimas recorrentes de savanas ou incen-
ide de dios em bosques intactos) de 2,4 x 10 9 t C, equivalente a 2,4-2,9 x 10 9 toneladas de car-
215
ENRIQUE LEFF
váo equivalente do CO2. Levando-se em conta as emissóes anuais médias de combustí- um potenc
veis fósseis de 6,0 x 10 9 t C no período 1981-90 [...] os 2,4 x 10 9 das emissóes prove- plexo de r1
nientes da mudanga do uso da terra representam 29% do total combinado" (Fearnside, te, da evol
2001: 171). cultural e
16. "A dispersáo de 'calor degradado' de um sistema em seu ambiente, ao lado da 21.
dispersáo de materiais, freqüentemente é considerada como o epítome da degradado usadas por
irreversível de estruturas de energia potencialmente `úteis' (Georgescu-Roegen, 1971) mento dos
[...] Mas esta 'clissipagáo náo deve ser vista como uma degradagáo e sim como uma face- Roegen,
ta de urna reestruturagáo organizacional" (O'Connor, 1991: 105). 22. Es
17. Omar Masera (informe pessoal). seu valor c
18. O'Connor observou que "a inter-relagáo entre diferentes níveis de estrutura, duzem, as
entre constrangimentos ao nível macro e atividades ao nível micro, conduz para urna a comunid.
fenomenologia complexa de estabilidade e mudanga em diferentes escalas espaciais e toneladas e
temporais". Nesse sentido, observa que "a multiplicidade de escalas relevantes em termos produtivas
de estrutura e mudanga, cada urna das quais requer suas próprias modalidades de análi- ocorrem m
se, é a razáo pela qual as medidas e conceitos de organizagáo unidimensionais resultam disparidad(
táo desprovidos de utilidade [assim como o fato de que] o conceito de entropia em si náo toneladas,
pode servir muito como urna variável explicativa de tendéncias organizacionais guando eficiéncia g
prevalecen condigóes afastadas do equilíbrio [pois] mesmo aceitando que a produgáo de ria líquida
entropia está associada inelutavelmente a toda a mudanga e atividade de desenvolvimen- visível na s
to, náo é óbvio que o curso particular dos eventos, históricos e outros, possa explicar-se anuais de a
em forma dedutiva dos princípios da termodinámica" (O'Connor, 1991: 108, 111, 113). Essas colhei
No entanto, esta idéia se mantém em um nível de abstragáo e relatividade ao sugerir que comparadas
"todo tipo de diferentes modelos e conceitos — multifacetados e mais ou menos situados se incremer
e específicos — sáo necessários e pertinentes á análise de sistemas socioeconómicos e que a prodi
ecológicos", sem especificar as relagóes entre economia e ecologia, produgáo entrópica e matéria sec
neguentrópica. extragáo en
19. Przybylsky Tadeusz (1993) enfatizou o valor da entropia na relagáo com o equi- (toneladas e
líbrio ecológico dos gases atmosféricos do planeta (oxigénio e dióxido de carbono). O dizer, 8.00(
desflorestamento diminui a produgáo de biomassa e, como resultado, reduz a taxa de elétrica, carl
assimilagáo do dióxido de carbono pela atmosfera. Dessa maneira, o conceito de entro- Para urna pr
pia se relaciona com o equilíbrio ecológico. A redugáo da biomassa incrementa a entropia sária urna su
ao degradar o ordenamento ecológico e a produtividade neguentrópica do processo o petróleo,
fotossintético. A destruigáo dos ecossistemas florestais, a erosáo das terras férteis e a energéticas
desertificagáo favorecem a acumulagáo de gases de efeito estufa e o aquecimento global por biomass
do planeta. lizar as chan
20. Em textos anteriores, propus o conceito de produtividade ecotecnológica como cial do biogl
a articulagáo de dois níveis de produtividade: a produtividade primária dos ecossistemas 23. Qui
— a produgáo de biomassa proveniente da fotossíntese — e a produtividade tecnológica origem solar
que transforma os recursos naturais em valores de uso naturais e em mercadorias para o cessa anual!'
consumo humano (Leff, 1975) Esse paradigma produtivo foi apresentado como urna Essa cifra ce
"racionalidade produtiva alternativa" que daria suporte a urna "sociedade neguentrópi- que corresp(
ca" (Leff, 1984). Nessa estratégia conceitual, a produgáo sustentável é concebida como mil vezes mc
216
RACIONALIDADE AMBIENTAL
217
ENRIQUE LEFF
2000: 269). No entanto, sua argumentagá'o se baseia mais na crescente contaminagáo coragáo
química e nos riscos á saúde, e na necessidade de transitar para tecnologias limpas, do que des
que na construgáo de uma nova racionalidade produtiva fundada nos potenciais neguen- limite e
trópicos do planeta. Certamente a diversidade biológica na qual toma corpo esta produ- afirma c
tividade natural enfrenta o critério até agora dominante da vantagem que oferece a terrível
homogeneidade das matérias-primas de origem fóssil, sobretudo guando a este se agrega aos ouvi
o das economias de escala. Náo obstante, a correta avaliagáo dos custos e riscos ecológi- las necel
cos envolvidos, assim como a biosseguranga e a distribuigáo económica e ecológica, se dos, par
convertem em critérios para promover economias locais de menor escala, porém mais 28.
sustentáveis. A aposta de Scheer coincide com a nossa proposta de uma produtividade Mesmo,
ecotecnológica sustentada fundada nos princípios da racionalidade ambiental, guando do anal
observa que "sobre a base de energias e matérias-primas solares voltam a ser possíveis as organiza
retroalimentagóes do desenvolvimento económico global com os ciclos tecnológicos, necessid
com estruturas de economia e cultura regional estáveis e com instituigóes democráticas" Mesmo
(2000: 32). 2000: 4
24. A prescrigáo de urna determinada ordem social em termos de sua entropia resul- irreversi
ta elusivo guando, efetivamente, urna sociedade mais hierarquizada e desigual — como habita a
tem sido a sociedade capitalista, a experiéncia histórica do socialismo real e a atual ainda ná
ordem global — induz processos mais entrópicos de uso e transformagáo da natureza do o querer
que sociedades tradicionais menos hierarquizadas e mais "ecológicas". Nesse sentido, heurístic
Giampietro afirmou que "guando o sistema analisado é um sistema com urna dinámica desejo a.
complexa que envolve diversos níveis, sua caracterizagáo de seu comportamento como vontade
`ordenado' ou 'desordenado' se torna elusiva; isso significa que a associagáo freqüente do futuro?
incremento de entropia como um aumento da 'clesordem' só pode explicar-se por uma
avaliagáo 'antropomórfica', mais que como mudangas nos níveis de entropia" (Giam-
pietro, 1993: 219). Em todo caso, a assimilagáo dos conceitos de entropia e neguentro-
pia na organizagáo social abrem uma via para a construgáo de sociedades sustentáveis.
25. Nesse sentido, James Kay afirma que "no paradigma pós-normal, o papel do
cientista na tomada de decisóes se desloca da inferéncia do que haverá de ocorrer, quer
dizer, fazer predigóes que sáo a base de decisóes, ao de prover os tomadores de decisóes
e a comunidade com uma apreciagáo [...] de como o futuro poderá evoluir [...] A ciéncia,
fazendo uso de diferentes tradigóes epistemológicas, ajuda a identificar constrangimen-
tos conhecidos e possibilidades dos sistemas holárquicos abertos. Um diálogo explora o
desejável e o factível, e os concilia em uma visáo de como prosseguir. Os cientistas infor-
mam este diálogo prevendo as narrativas através de um processo do qual participam
como iguais ao lado de outros na tarefa de articular a visáo e de identificar caminhos para
o futuro" (Kay, et al., 1999: 8, 18).
26. Ver cap. 9, infra.
27. Haveria que indagar sobre o tempo desses acontecimentos: sobre o tempo inter-
no da dessujeitagáo e criatividade; sobre os tempos políticos da mudanga social; sobre os
tempos que se engancham com esses tempos cósmicos, biológicos e termodinámicos, mas
cuja temporalidade náo é urna temporalidade genérica das flutuagóes e criatividade da
matéria. Pois as "setas do desejo por outra margem" (Nietzsche) sáo langadas de um
218
RACIONALIDADE AMBIENTAL
rinagáo coraláo que náo bate no mesmo ritmo da seta do tempo da entropia universal. Haverá
pas, do que desentranhar os enigmas desse tempo que transforma o saber da entropia, da lei-
ieguen- limite e potencial da natureza, em urna vontade de poder, pois em sua lucidez o louco
produ- afirma diante dos ouvidos surdos do mundo dominado: "Meu tempo ainda náo é. Este
:rece a terrível acontecimento ainda está a caminho, ainda vagabundeando; ainda náo chegou
agrega aos ouvidos dos homens. O relámpago e o trováo necessitam de tempo; a luz das estre-
cológi- las necessita de tempo; os atos necessitam de tempo; ainda depois de terem sido realiza-
lica, se dos, para serem vistos e ouvidos" (Nietzsche, 1974: III, 125).
n mais 28. 0 eterno retorno, como é próprio de todo devir, náo é o retorno do Mesmo ao
[vidade Mesmo, náo é urna compulsáo pela repetigáo do Ser, nem se inscreve, além de um senti-
liando do analógico ou metafórico, no jogo de retroalimentagóes no processo de auto-
íveis as organizagáo da matéria. "Regressar é precisamente o ser do devir; o uno do múltiplo, a
5gicos, necessidade do azar. Há que evitar fazer do eterno retorno um retomo do Mesmo... O
áticas" Mesmo náo regressa, o regressar e apenas ele é o Mesmo do qual devém" (Deleuze,
2000: 46). 0 eterno retorno náo é a manifestagáo de urna identidade inamovível; é a
I resul- irreversibilidade do tempo vivido, o jogo de urna memória inelutável e indefectível que
• como habita a repressáo e a abertura do Ser na abertura para o futuro, para o porvir, para o que
a atual ainda náo é do Ser em seu devir. Afirmagáo enigmática entre a vontade e o pensamento,
.eza do o querer e a agáo na produgáo da "liberdade da vontade" que ultrapassa a compreensáo
:ntido, heurística de uma termodinámica aplicada á ordem de ser-aí. Pois o que desencadeia o
'árnica desejo ao ponto de que a vontade de poder querer dé lugar a um querer poder, que a
como vontade de poder gere a poténcia da agáo capaz de desconstruir o passado para abrir o
nte do futuro?
Ir urna
Giam-
entro-
veis.
pel do
quer
!cisóes
.éncia,
;imen-
lora o
infor-
zipam
s para
inter-
)re os
mas
de da
um
CAPÍTULO 5 A construláo da racionalidade
ambiental
A GLOBALIZAV1/40 ECONÓMICA E A MORTE DA NATUREZA
223
ENRIQUE LEFF
sica dos recursos naturais e da contaminagáo) supóe que o sistema económi- Iluminisr
co pode internalizar os custos ecológicos e as preferéncias das geragóes futu- homem d
ras, atribuindo direitos de propriedade e pregos de mercado aos recursos ca newto
naturais e servigos ambientais, de maneira que estes pudessem integrar-se ás modelo n
engrenagens dos mecanismos de mercado que se encarregariam de regular o e potenci
equilíbrio ecológico e a eqüidade social. No entanto, a reintegragáo da natu- materiais
reza e da economia enfrenta o problema de traduzir os custos de conserva- mercado.
gáo e restauragáo em urna medida homogénea de valor. A economia ecoló- A ton
gica assinalou a incomensurabilidade dos processos energéticos, ecológicos da visibili
e distributivos com a contabilidade económica, assim como a impossibilida- ficas soba
de de reduzir os valores da natureza, da cultura e da qualidade de vida á con- paradigm
digáo de simples mercadorias,2 e os limites que impóem as leis da entropia lógico ani
ao crescimento económico. A valorizagáo dos recursos naturais está sujeita a complacé
temporalidades ecológicas de regeneragáo e produtividade, que náo corres- campo ca
pondem aos ciclos económicos, e a processos sociais e culturais que náo produtiva
podem reduzir-se á esfera económica. A internalizagáo das condigóes ambien- do homet
tais da produgáo implica, assim, a necessidade de caracterizar os processos desnudad
sociais que subjazem e desde onde se atribui um valor — económico, natural fratura te,
— á natureza. nicana an
A crise de recursos deslocou a natureza do campo da reflexáo filosófica No er
e da contemplagáo estética para reintegrá-la ao processo económico. A natu- nal — ter
reza deixou de ser um objeto de trabalho e uma matéria-prima para piaeda i
converter-se em uma condigáo, um potencial e um meio de produgáo. A freio no
conservagáo dos mecanismos reguladores e processos produtivos da nature- — fundad
za aparecem assim como condigáo de sobrevivéncia e fonte de riqueza, indu- processo
zindo processos de apropriagáo dos meios ecológicos de produgáo e a defi- nómicas
nigáo de novos estilos de vida. No entanto, a problemática ambiental supe- montandc
ra o propósito de realizar "ajustes (ecológicos) estruturais" no sistema eco- lizar a nat
nómico e de construir um futuro sustentável através de agóes racionais com volvimern
ajuste a valores ambientais. clarividen
Desde tempos imemoriais a sociedade humana tem incorporado normas des socia
morais que provaram ser fundamentais para a sobrevivéncia e a convivéncia torno dol
humanas. A proibigáo do incesto foi uma lei interna da cultura que o homem para ecoll
aprendeu antes de ser formulada por algum antropólogo, e o mito de Édipo económic
marcou a condigáo do desejo a partir de onde foi tragada a história da sub- tóes estáo
jetividade e da cultura humana. No entanto, a racionalidade científica do ticas ambi
224
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
so pro-
res e os ziguezagues do mercado mundial. A globalizagáo económica acelera
idade é
a apropriagáo destrutiva da natureza e a degradagáo entrópica do planeta.
ecossis-
Nesse sentido, a diversidade cultural e a diversificagáo de estilos de desenvol-
ade ea
vimento atuam como um princípio conservacionista que desativa os efeitos
a fonte
ecodestrutivos da produgáo em grande escala para o mercado globalizado.
agá° de
As propostas da economia ecológica e da tecnologia para submeter o sis-
terres-
tema económico ás suas condigóes ecossistémicas de sustentabilidade
esta no
enfrentam as condigóes ecológicas da sustentabilidade dentro de seus meca-
nismos operativos.? O sistema económico, fundado na rentabilidade de
Icnoló-
curto prazo, náo pode funcionar a náo ser como um processo cumulativo e
zes que
expansivo, alimentando-se de stocks e fluxos crescentes de matéria e energia
de dos
procedentes dos ecossistemas locais e da ecoesfera global do planeta. Náo
lveu-se
basta, assim, postular a estabilizagáo da economia (e da populagáo) em
alizar a
algum momento no próximo século, sem questionar a possibilidade de deter
Seifert,
a escala e desconstruir a economia para internalizar as condigóes de susten-
náo da
tabilidade ecológica. A ecologizagáo da economia náo é um problema de
m cada
adequagáo de ritmos e escalas, mas de mudanga de estrutura e construgáo de
m limi-
uma nova racionalidade.
áo com
Nessa perspectiva, náo apenas é impossível um crescimento económico
ar urna
sustentado; também uma economia de estado estacionário, tal como pro-
demó-
posta por Daly (1993), regida pelos princípios da racionalidade económica,
1 segue
é insustentável no longo prazo. No marco dessa racionalidade, a única saída
ia pela
possível seria uma estratégia de decrescimento; mas a racionalidade econó-
:áo tec-
mica — á diferenga das sementes terminator — náo tem inscritos em seu
ómico. "código genético" os mecanismos de sua própria desativagáo. As políticas
. escala
neoliberais, orientadas a recuperar e manter um crescimento económico sus-
-opia. e
tentado, negam as leis da termodinámica. Por isso a economia ecológica
'mente
questiona os programas neoliberais de crescimento sustentado (Quiroga,
outra
1994). A economia global, em sua inércia cumulativa, alcangou urna escala
eguen-
que ultrapassa os limites de sustentabilidade do planeta; as externalidades
ica dos
do sistema geraram um estado de escassez absoluta, urna deseconomia glo-
nove a bal e generalizada. A partir dessa perspectiva, surgiu a proposta de transitar
rativas para urna "economia de estado estacionário" (Daly, 1991) baseada nos
npo, a seguintes princípios:
a vul-
pode-
229
In
ENRIQUE LEFF
a) que os recursos náo renováveis sejam explorados a ritmos que permi- estacionáril
tam sua reposigáo por recursos renováveis; 8 humanidad
b) que as emissóes de dejetos náo excedam a capacidade de assimilagáo levar a ecor
dos ambientes locais e do ecossistema planetário. boa admini
queira que
O estado estacionário seria aquele no qual se mantém constantes tanto tável estaria
a populagáo como o stock de artefatos ou capital exossomático. Daly adota ca e a espera
o conceito de capital de Fisher, como um stock, quer dizer, um inventário de O problema
bens de produgáo, bens de consumo e corpos humanos. A satisfagáo de económico,
necessidades se entende como um fluxo incomensurável que se traduz em cionário. M
um "bem psíquico" (Daly, 1993: 326). Para atingir tal estado, Daly sugere de trinta an
deixar que a economia opere dentro de certas "condigóes físicas de equilí- mais de vint
brio ecológico que devem ser impostas ao mercado em termos de agregados solugóes atr,
quantitativos de ordem física" (1003: 249). A possibilidade de introduzir racionalidad
essas reformas na economia dependeria do "crescimento moral" das pes- e alcangar u
soas, e de urna hierarquia de valores objetivos, capaz de ordenar e ajustar processo lev
interesses diversos, controlando o mercado e reordenando a economia. Em gáo da racio
urna economia assim normatizada, um aviáo su
neste mundo
Os pregos de mercado náo deveriam determinar as taxas de fluxo massa- A difere
energia através da fronteira economia-ecossistema ou determinar a distri- processos, é
buigáo de recursos entre diferentes pessoas [...] A primeira é urna decisáo ambiental.
ecológica, a segunda urna decisáo ética que deve determinar os pregos, ao seu campo d
invés de ser determinada por eles (Daly, 1993: 374 5).
-
alteridade e
de e globaliz
A proposta de Daly constitui, náo um modelo axiomatizado de urna todas as esfe
racionalidade ecológica para a sustentabilidade, mas sim um conjunto de sua própria
princípios — ecológicos, morais e religiosos — que deveriam conduzir á natureza e a
agáo racional de acordo com certos valores e certas condigóes de sustentabi- de sustentab
lidade. Nesse sentido, a economia ecológica estaria propondo urna norma á economia ec
racionalidade formal do capital. Em princípio, ninguém poderia se opor aos um ajuste de
objetivos buscados por esta regulagáo social e ecológica do mercado. 9 E, no so histórico
entanto, náo é claro que a economia possa conduzir sua fungáo de atribuir zar e a legith
racional e eficientemente fatores produtivos e recursos, deixando que as Se o cres
condigóes ecológicas e distributivas sejam fixadas por princípios e valores nómica náo 1
extra-económicos. Daly reconhece que mesmo urna economia de estado construir ota
230
RACIONALIDADE AMBIENTAL
231
ENRIQUE LEFF
Em um <
cípios da sustentabilidade. Se os recursos da natureza sáo limitados, se a
locais, a nol
segunda lei da termodinámica é inescapável, se a seta do tempo é inelutável
do mercado
e se manifesta na desestruturagáo dos ecossistemas e na degradagáo do
nem estratél
ambiente; se a capacidade da ciéncia e da tecnologia para reverter a entro-
economia gl
pia e para desmaterializar a economia é ilusória e incerta; entáo urna razáo
locais suster
guiada pelo instinto de sobrevivéncia e pela erotizagáo da vida deve levar a
de diversas i
humanidade a procurar novas vias civilizatórias, antes de ficar enredada na
mais viável
complacéncia generalizada dentro do fanatismo totalitário da ordem econó-
A comp,
mica estabelecida, na trenca de que isso representa um estágio mais alto do
biológica, ci
desenvolvimento da civilizagáo e que expressa a vontade dos deuses. Além do
real, do ima
propósito de incorporar os custos ecológicos dentro de uma racionalidade
da epopéia 1
que os rechaga e exclui, é necessário formular urna nova economia que fun-
e é esta con
cione sobre a base dos potenciais ecológicos do planeta, do poder do saber,
de utopia,
da ciéncia e tecnologia, e das formas culturais de significagáo da natureza.
construgáo r
Para a economia ecológica e a biotecnologia, os limites entrópicos
náo racionai
devem acoplar-se a urna moral que limita o consumo exossomático. No
mercado. Iss
entanto, a solugáo náo está em urna ética da frugalidade e do tempo livre,
rar os aspect
mas sim em uma reorientagáo do desejo para gerar novos processos emanci-
de vida dos 1
patórios e a construgáo de um novo paradigma produtivo fundado na pro-
dutividade ecológica, nos valores culturais, nos significados subjetivos e na
criatividade humana. A construgáo de um novo paradigma produtivo funda-
do em princípios e bases de racionalidade ambiental implica urna estratégia
LIMITES DO M
de desconstrugáo da racionalidade económica através de atores sociais capa-
E PRODUJO
zes de mobilizar processos políticos que conduzam a transformagóes produ-
tivas e do saber para alcangar os propósitos de sustentabilidade, mais do que
O problema
através de normas que possam impor-se ao capital e aos consumidores para
rar as condig
reformar a economia. Além da capitalizagáo da natureza pela via de urna
sibilidade de
racionalizagáo económico-ecológica formal, a sustentabilidade se debate no
mercado, ma
campo emergente da ecologia política, onde entram em jogo as percepgóes
zagáo do mui
e interesses dos grupos majoritários da sociedade, das populagóes do
sáo ao cresci
Terceiro Mundo e dos poyos indígenas, que resistem a serem globalizados,
implica um u
reduzidos á condigáo de produtores e consumidores de um sistema de mer-
de de supone
cado esverdeado. Diante das perspectivas do desenvolvimento sustentável,
capacidade d
esses movimentos sociais reivindicam seus espagos de autonomia para
e, em última
reapropriar-se de seu patrim 'ónio de recursos naturais e culturais e para defi-
tanto na deg,
nir novos estilos de vida. 10
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ugar vidade e convivéncia. Isso leva a descobrir que as práticas cotidianas, os sen-
n as timentos, os saberes empíricos e as tradigóes, os mitos e os ritos constituem
defi- diferentes matrizes de racionalidade que dáo coeréncía e sentido ás diferen-
irais tes formas de organizagáo cultural. As diferentes racionalidades culturais
:ncia náo sáo integráveis em um padráo único ou estandardizado de racionalida-
liza- de ambiental; náo se submetem ao modelo hegemónico e uniformizador "de
seus uma lógica polar, dicotómica e excludente" (Oliveira Cunha, 1996).
Jade A insustentabilidade ecológica e a impossível valorizagáo económica do
mia, homem, da cultura, da ecologia a longo prazo apresentam o limite da via
ivin- unidimensional e reducionista da racionalidade económica e instrumental.
cep- Ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de pensar futuros alternativos e de
mpo gerar outros valores e princípios produtivos para construir novos sentidos
nali- civilizatórios, desde a valorizagáo do diverso e do qualitativo. No entanto, a
lo, o ética ambiental é incapaz de conter a destruigáo da natureza enquanto esta
o. O se limitar, simplesmente, a estabelecer códigos de conduta que se institucio-
bens nalizem através de normas sancionáveis dentro dos princípios jurídicos do
[a de direito positivo que a lógica formal da racionalidade económica comple-
brida. menta. As políticas da sustentabilidade estáo recodificando os valores con-
dan- servacionistas dentro da racionalidade do mercado, traduzindo os princípios
! ser, éticos em urna avaliagáo de custos, em urna vontade e disponibilidade de
suas pagamento, em que o substantivo da cultura passa a ser negociado através de
procedimentos jurídicos normais e traduzido em dinheiro. Nesse marco jurí-
cno- dico, as comunidades indígenas só poderiam aspirar a reapropriar-se de seu
itras património histórico de recursos mostrando sua vontade e capacidade para
; em preservá-lo como reservas de biodiversidade, convertendo-o em valor econó-
bsti- mico como reservas de recursos genéticos, espagos cénicos e capacidade de
e da captura de carbono. Dessa maneira, estas podem ser pagas como recursos
dife- ecoturísticos ou serem capitalizadas por empresas de biotecnologia dispostas
fim a apropriar-se de seu capital genético e de seu valor económico potencial.
ijeti- Nessa perspectiva, só se poderia preservar a natureza através de sua reconver-
que sáo em valores transacionáveis no mercado. Assim, a racionalidade económi-
.cio- ca mercantiliza a natureza, as condutas ecológicas e os valores culturais.
prá- No entanto, a natureza e a cultura resistem a tal obrigagáo. O princípio
píri- de democracia na gestáo dos recursos naturais náo pode converter-se em um
na a mecanismo de sujeigáo que legitimaria a participagáo na tomada de decisóes
luti- apenas enquanto os sujeitos assumissem urna posigáo negociadora no esque-
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pessoas. Essas concepgóes do mundo se refletem na esfera jurídica nas regras cazes. A rac
processuais abstratas do direito, e na esfera económica se traduzem em teo- de axiológic
rias da produgáo e em princípios do cálculo económico que determinara as rentes. Ness
formas sociais de apropriagáo da natureza, da exploragáo de recursos e na agáo tradici
degradagáo do ambiente. A racionalidade instrumental implica a consecugáo economias
metódica de determinado objetivo prático através de um cálculo preciso de suportam ot
meios eficazes. Na esfera económica, traduz-se em uma elaboragáo e uso de Para W
técnicas eficientes de produgáo e em formas eficazes de controle da nature- formal, sob
za, assim como na racionalidade do comportamento social para alcangar ciona com
certos objetivos (económicos, políticos); na esfera do direito, se plasma nos dade instrur
ordenamentos legais que normatizam a conduta dos agentes sociais.
A racionalidade material ou substantiva ordena a agáo social em padróes O centre
baseados em postulados de valor. Se bem que a opgáo entre distintos siste- mento e
mas de valores náo possa justificar-se racionalmente, a forma como os sujei- consegui
tos orientara suas agóes conforme entes valores é suscetível de avaliagáo em ao extre
termos de processos de racionalizagáo ideológica, de consisténcia de suas
"exigéncias" e "mandatos", e da eficácia de agóes sociais para alcangar seus O conce
objetivos. Weber afirmará que o conceito de racionalidade material sentidos se <
trou sua for(
é completamente equivocado. [Nele] se apresentam exigéncias éticas, políti- o funcionan
cas, utilitárias, hedonistas, estamentais, igualitárias ou de qualquer outra de racionali(
classe e desse modo se medem as conseqüéncias da gestáo económica [...] tica ambien
segundo valores e fins materiais [...] Atua estritamente de um modo racional sociais e nati
segundo valores quem, sem consideragáo das conseqüéncias previsíveis, age da sobre os c
a servigo de suas convicgóes sobre o que o dever, a dignidade, a beleza, a nómicos e ji
sabedoria religiosa, a piedade ou a transcendéncia de urna "causa", qualquer sociais; que
que seja o seu género, parecem ordenar-lhe. Urna agáo racional segundo a eficácia aos
valores é sempre [...] urna agáo segundo "mandatos" ou de acordo com "exi- Nesses terml
géncias" que o ator cré dirigidas a ele (e em relagáo ás quais o ator se cré — mais que
comprometido) (Weber, 1983: 64 5; 20 1).
- - de processos
depredadora
Os postulados de valor variara em conteúdo, compreensáo e coeréncia de outra raci
interna em sua relagáo com as bases materiais que dáo suporte a toda a0o so de gestác
que conduz á sua consecugáo. No entanto, a agáo orientada por valores orientada pe
pode também romper ou extrapolar os princípios da racionalidade formal e Na análi
instrumental dentro de um esquema de relagóes entre objetivos e meios efi- significagáo
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vagáo dos pr
carta os aspectos subjetivos como um desvio ou resíduo da conduta lógica
ideal. Weber abre, assim, a possibilidade de incorporar ao estudo da racio- táo ambienta
góes técnica!
nalidade social os aspectos qualitativos dos valores culturais, assim como as
ambiental, qi
motivagóes e forras sociais que se plasmam no campo da ecologia política.
desenvolvimi
Enquanto Pareto ressalta os tragos ideais comuns, Weber compreende os sis-
inventários
temas sociais e intelectuais dentro de seus tragos singulares. Com o conceito
património e
de racionalidade substantiva, Weber rechaga a validade de uma hierarquia
universal de objetivos, contrapondo urna diversidade de valores e estabelecen- 1996), para i
tais aos instri
do a incomensurabilidade de objetivos e meios entre diferentes racionalida-
manejo dos r
des. 13 Os processos de racionalizagáo — movimentos sociais, transformagóes
Os princ:
teóricas, ordenamentos jurídicos — que orientam a construgáo de urna racio-
tionados pela
nalidade ambiental sáo suscetíveis de serem sistematizados e de lhes serem
dade do dese
atribuídas prioridades, mas náo é possível estabelecer neles urna ordem hie-
ta está domir
rárquica de racionalidade. 14 Nesse sentido, Weber abre o pensamento socio-
dade ambiem
lógico para a análise da diversidade cultural, dos sentidos subjetivos e dos
tiva, que inc.
valores éticos que mobilizam os atores sociais do ambientalismo em uma pers-
sobre o quan
pectiva afim com os princípios de pluralidade política e diversidade cultural.
e os potencia
O conceito de racionalidade, como um sistema de raciocínios, valores,
ecotecnológi
normas e agóes que relaciona meios e fins, permite analisar a coeréncia de
implica a nec
um conjunto de processos sociais que intervém na construgáo de urna teoria
execugáo, e c
da produgáo e da organizagáo social fundada nos potenciais da natureza e
agóes sociais
nos valores culturais. O conceito de racionalidade ambiental permitiria sis-
A constit
tematizar os princípios materiais e axiológicos de sua teoria, organizar a
sustentabilida
constelagáo de argumentos que configuram o saber ambiental, e analisar a
formagáo da :
coeréncia e eficácia do conjunto de agóes deslocadas para a consecugáo de
das práticas
seus objetivos. Ao mesmo tempo, permite ver a confrontagáo e a conviven-
mentam seus
cia de racionalidades que náo se submetem a urna lógica unificadora, suas
de ambiental
estratégias de poder e o diálogo possível que estabelecem em urna política da
cipativa da sc
diferenga. 15
um saber am
O pensamento ambiental elaborou princípios conceituais, políticos e éti-
ao comporta:
cos que sustentam urna teoria alternativa do desenvolvimento, que incorpo-
organizagóes
ra os potenciais da natureza e os valores da democracia participativa a novos
que deveriam
esquemas de organizagáo social. Esta teoria está legitimando um conjunto
ambiental exi
de direitos que normatizam o comportamento social para gerar estratégias
modernidade
materiais e mobilizam agóes sociais para gerar estratégias alternativas de
trugáo da raci
produgáo, assim como novos padróes de consumo e estilos de vida. A efeti-
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sáo do náo se deduz de urna ontología do real, mas que emerge de urna dialógica
classes guiada pela outridade.
A racionalidade capitalista associou-se á racionalidade científica e tecno-
Dios de lógica no propósito de incrementar a capacidade de controle social da reali-
[ilhem, dade e urna eficácia crescente entre meios e fins. A problemática ambiental
Lom i a), questiona a legitimidade desta racionalidade social fundada em urna racio-
cómica nalidade científica que aparece como o instrumento mais elevado de racio-
lidades nalidade, capaz de resolver, a partir de seu crescente poder de predigáo, as
lentos, "irracionalidades" ou externalidades do sistema. 18
aciona- A transigáo de urna racionalidade capitalista para urna racionalidade
riplexo ambiental implica a confrontagáo de interesses e a combinagáo de objetivos
truídos comuns de diversos atores sociais que incidem em todas as instáncias dos
sas. Os aparatos do Estado (Althusser, 1971). Estes configurara o campo conflitivo
tvés de da questáo ambiental, que prevalece e se manifesta além do propósito do
idas da discurso e da política de desenvolvimento sustentado de dissolver esse con-
as con- flito através de um consenso mundial em torno dos desafios da "mudanga
riicos e global" e em face do "futuro comum" da humanidade. Nesse contexto, o
entre a saber ambiental se apresenta como um pensamento crítico que avanga com
um propósito estratégico, transformando os conceitos e métodos de uma
nalida- infinidade de disciplinas e construindo novos instrumentos para a gestáo
ambiental. Isso conduz a um primeiro nível na construgáo de uma racionali-
:iedade dade ambiental, que implicaria o ordenamento de um conjunto de objetivos,
públi- explícitos e implícitos, do desenvolvimento sustentável; de instrumentos e
er, que meios; de métodos e técnicas de produgáo; de regras sociais, normas jurídi-
ío com cas e valores culturais; de sistemas de conhecimento e de significagáo; de
impli- teorias e conceitos. A racionalidade ambiental estaria constituída por um
ecoló- conjunto de critérios para a tomada de decisóes dos agentes sociais, para
[porta- orientar as políticas públicas, normatizar os processos de produgáo e consu-
ges- mo e legitimar as agóes e comportamentos de diferentes atores e grupos
le urna sociais para alcangar certos fins definíveis e objetivos de desenvolvimento
[o eco- sustentável. 19
Tesses, Nesse "primeiro nível", a racionalidade ambiental intervém ainda den-
)cieda- tro da norma que conduz o pensamento e a agáo segundo novos objetivos e
; opos- valores: ao integrar processos de racionalidade teórica, instrumental e subs-
mheci- tantiva, a categoria de racionalidade ambiental permite analisar a coeréncia
ca que dos princípios do ecologismo em suas formagóes discursivas, as reformas
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nalidade formal pode nos dizer algo sobre o modo de abastecimento mate- outra racic
rial (Weber, 1983: 83). cagóes culi
c) uma
Além do sentido que adquire esse primeiro nível de compreensáo e apli- funcionais
cabilidade dos princípios de uma racionalidade ambiental, entendida como desenvolvi
novos imperativos e objetivos a alcangar, esta náo poderia reduzir-se a urna da racional
investigagáo de operagóes ou a um método sistémico com o propósito de zes — que
organizar mais eficazmente meios limitados para alcangar os objetivos — a transigác
mais ecológicos e complexos, porém quantificáveis — da sustentabilidade. poder do n
O ambientalismo questiona a racionalidade formal e instrumental da civili- d) urna
zagáo moderna — a codificagáo e valorizagáo da natureza em termos de um góes que cc
cálculo de capital e a racionalidade económica guiada pelas forgas cegas do sas, que dá
mercado —, para construir outra racionalidade, fundada em outros princí- tivas. A rac
pios e valores, em outros forgas materiais e meios técnicos, através da mobi- ambientais
lizagáo de recursos humanos, naturais, culturais e gnosiológicos que impe- lidade forro
dem que suas estratégias possam ser avaliadas em termos do modelo de
racionalidade gerado pelo capitalismo. Trata-se, entáo, de analisar os pro- Além d.
cessos de legitimagáo e as possibilidades de realizagáo dos propósitos trans- racionalidal
formadores do ambientalismo, diante das restrigóes impostas a seu processo apresenta o
de construgáo pela institucionalizagáo dos mecanismos de mercado, da que esta pa
razáo tecnológica e da lógica do poder estabelecidos. A racionalidade lizada, com
ambiental se constrói, assim, mediante a articulagáo de quatro níveis de te de urna s
racionalidade: para a comí
produtivil
a) uma racionalidade material ou substantiva que estabelece o sistema de
movimento
valores que normatizam os comportamentos sociais e orientam as agóes para
racionalidac
a construgáo de urna racionalidade social fundada nos princípios teóricos
social. No el
(saber ambiental), materiais (racionalidade ecológica) e éticos (racionalidade
meios "ecoll
axiológica) da sustentabilidade.
rar a incerte
b) uma racionalidade teórica que constrói os conceitos que articulam os
valores da racionalidade substantiva com os processos materiais que a sus- multicriteril
tentam. A teoria torna inteligível urna concepgáo da organizagáo social em outros saber
seu conjunto e dessa maneira orienta a agáo prática para a sua construgáo.
Fora de toda lógica que se construiria em urna racionalidade formal que
codifica e constrange todas as ordens de racionalidade (como a lógica formal
do capital), a racionalidade teórica ambiental dá suporte á construgáo de
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áo.
lue
nal
de
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icio-
:oló-
. um RACIONALIDADE AMBIENTAL CULTURAL
Ices-
téc- Weber considera a cultura como um conjunto de esferas ou sistemas conec-
para tados empiricamente com o racionalismo ocidental. Assim, reconhece esfe-
anis- ras culturais de valor que compreendem a ciéncia e as técnicas, as artes, a
literatura, o direito e a moral; sistemas culturais de aléío, nos quais se elabo-
ao ram sistematicamente essas tradilóes em ámbitos organizativos institucio-
ítico nais; os sistemas centrais de aldo — economia capitalista, Estado moderno,
rter família —, que fixam estas estruturas na sociedade, e os sistemas de persona-
téc- lidade, que estabelecem as disposigóes para a agáo e as orientagóes valorati-
ubs- vas que subjazem o comportamento metódico na vida (Habermas, 1989:
Pelo 224). Estas esferas culturais de valor, mesmo em sua incomparabilidade e
Lado diversidade, se inscrevem em um processo de racionalizagáo dessa cultura
agáo suprema da modernidade que emerge do princípio de racionalidade.
yo, Weber náo se refere á dispersáo do conceito de racionalidade para pen-
esso sar as matrizes de racionalidade (de pensamento-agáo) das sociedades tradi-
lude cionais. No entanto, o princípio de racionalidade substantiva que estabelece
ca e o valor da diversidade e do processo de diversificagáo ecológica e cultural
desconstrói o conceito de racionalidade cultural entendido como urna
e os ordem homogénea — e inclusive hegemónica — para plasmá-lo em suas
:jam diferengas irredutíveis. Apesar de este princípio de diversificagáo ter acom-
259
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urna ordem
panhado a evolugáo da natureza e da cultura, náo foi até agora o princípio
ambiente. Al
de urna consciéncia ética ou de urna deontologia universal.
de vulnerabil
A categoria de racionalidade integra as diversas formas organizacionais
para os culth
culturais e as racionalidades das diferentes formagóes socioeconómicas, dos
peito de ter s
poyos e comunidades, que constituem as nagóes do mundo globalizado. Os
práticas trad
valores do ambientalismo incluem o direito dos poyos á ressignificagáo e á
norma e regr
reapropriagáo da natureza que habitam, e o princípio de gestáo ambiental
urna raciona
implica a participagáo direta das comunidades no manejo de seus recursos.
local. Nesse
A racionalidade ambiental náo é a racionalizagáo dos valores intrínsecos da
económica qi
natureza ou de urna "esséncia" das culturas. Os valores "intrínsecos" da
de económici
natureza que reclamam as políticas conservacionistas já sáo um valor cultu-
a racionalida
ral atribuído á natureza. Os valores que se entrelagam nas práticas tradicio-
nais e condu2
nais de urna formagáo cultural incorporara certos princípios da organizagáo
des e novas r
ecológica do meio em que se assentam e florescem os diversos grupos étni-
Por outro la(
cos; por sua vez, a cultura imprime seu selo na natureza através de suas for-
direitos — es
mas de significagáo do meio e dos usos socialmente sancionados dos recur-
tos culturais.
sos. A racionalidade ambiental acolhe assim as diferentes formas culturais de
to e igualdad
aproveitamento dos recursos das comunidades para satisfazer suas necessi-
locais onde a
dades fundamentais e sua qualidade de vida. Nesse sentido, a racionalidade
nos usos e co
ambiental cultural organiza e dá especificidade ao processo de mediagáo
Mas, enq
entre a sociedade e a natureza, através dos estilos étnicos e das normas cul-
váo penetran,
turais de aproveitamento dos recursos naturais. 22
tar os valore
A racionalidade ambiental cultural estabelece um vínculo entre o princí-
ambiental se
pio de diversidade cultural e sua realizagáo dentro de organizagóes culturais
que leva a su
específicas. Dessa maneira, conduz a um diálogo de saberes, entre os saberes
moderna, atr
encarnados em identidades culturais e os saberes que, a partir da ética, da
antropologia.
técnica e do direito, fortalecen as identidades e capacidades locais. O pro-
de juízo rack
cesso de racionalizagáo ambiental implica, assim, a realizagáo de um proces-
logia evolutiv
so de desconstrugáo da cultura dominante e hegemónica para incorporar os
tivos".23 A ras
valores de urna cultura ecológica e ambiental, ao mesmo tempo que se abre
de económica
ao encontro dos valores de outras culturas e urna política da interculturali-
dade, que náo está isenta de contradigóes e antagonismos.
A política cultural que emerge no encontro de racionalidades culturais
se confronta com os princípios da racionalidade ambiental substantiva — do
conjunto de princípios e valores ecológicos que vem se legitimando como
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
ais
do
no
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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conceito que integra as condigóes ecológicas de produgáo sustentável aos urna ética
processos de significagáo que conformam formas diversas de organiznáo cánones pi
cultural. A controvérsia entre racionalidades se desloca do terreno neutro da cípios mai!
discussáo teórica ao das estratégias sociais pela apropriagáo da natureza. ríos
e a ética 1
Os pri:
cursivas e
ÉTICA PARA A VIDA E RACIONALIDADE AMBIENTAL intrínsecos
e refuncio:
No discurso e nas políticas do desenvolvimento sustentado vém sendo outro lado
cunhados um conjunto de slogans e clichés com os quais se pretende confor- e operacio:
mar urna certa ética do desenvolvimento sustentável. Enunciados de princí- bases mate
pios tais como "pensar globalmente e agir localmente", o princípio da pre- tivo altern1
caugáo, as responsabilidades comuns mas diferenciadas, o consentimento sociais no
prévio informado etc., que surgem a partir dos Princípios do Rio promulga- direitos co
dos na Conferéncia sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento celebrada no estratégias
Rio, em 1992, adquiriram direito de cidadania, plasmando-se em urna Carta maneira, o
da Terra. Inspirados no pensamento e em urna teologia (ecológica) da liber- car uma ni
tagáo (Boff, 1996), estes princípios náo apenas circulam no imaginário abs- ecológica,
trato da consciéncia ecológica de uma cidadania ambiental emergente e nos dade const
instrumentos legais que servem para normatizar condutas e sancionar agóes cia formal
de atores sociais. Por sua vez, váo se inserindo nas formagóes discursivas e de racional
na negagáo de interesses que entram em jogo nos instrumentos da governa-
bilidade do desenvolvimento sustentado. Dessa maneira, urna certa "ética A racio
do desenvolvimento sustentável" vai sendo tecida nas disputas entre as náo pe
regras de biosseguranga e os imperativos do crescimento económico, entre quer di
regras comerciais da OMC e os regimes ambientais dos Acordos Ambientais a uma/
Multilaterais, e nas negociagóes das Convengóes sobre Mudanga Climática abstrah
e Biodiversidade. Os princípios de racionalidade substantiva levam tensáo ás ser inte
vias nas quais váo se moldando os acordos internacionais para conduzir mental
"racionalmente" agóes combinadas para um "desenvolvimento sustentável". ponto (
No entanto, os enunciados "éticos" que se plasmam no discurso do ticamer
desenvolvimento sustentável náo chegam a constituir urna deontologia, quer idéia tc
dizer, um conjunto de princípios que através do consenso alcancem legitimi- (Haber,
dade e operatividade para reorientar os processos de racionalizagáo da cul-
tura global; náo constituem princípios universais que levem a estabelecer
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
aos urna ética formal e a orientar agóes racionais segundo valores, dentro dos
lgáo cánones prevalecentes da racionalizagáo social. Menos ainda o sáo os prin-
o da cípios mais críticos e raciais de urna ética ambiental que antepóe aos crité-
dos ecológicos os princípios de diversidade cultural, a política da diferenga
e a ética da outridade (PNUMA, 2002).
Os princípios éticos do ecologismo foram assimilados ás estratégias dis-
cursivas e ás políticas do desenvolvimento sustentado; inclusive os valores
intrínsecos que fundamentam urna política conservacionista sáo codificados
e refuncionalizados dentro do processo de racionalizagáo económica. Por
ndo outro lado, os princípios éticos do ambientalismo radical sáo sistematizados
for- e operacionalizados através de conceitos, teorias e técnicas para construir as
ncí- bases materiais de uma nova racionalidade social e de um paradigma produ-
pre- tivo alternativo. Estes se moldam em um ideário que mobiliza novos atores
:rito sociais no campo da ecologia política, e através da legitimagáo de novos
lga- direitos coletivos chegam a incidir nas políticas ambientais e a gerar novas
1 no estratégias produtivas, instrumentos tecnológicos e normas jurídicas. Dessa
irta maneira, os valores do ambientalismo se traduzem em potenciais para edifi-
Der- car urna nova ordem económica mundial sobre bases de sustentabilidade
ibs- ecológica, de eqüidade social e diversidade cultural. A ética da sustentabili-
nos dade constrói estratégias de poder que deslocam o requisito de sua coerén-
:líes cia formal como condigáo de legitimidade para reintegrar-se a urna ordem
as e de racionalidade formal e operativa, no sentido apontado por Habermas:
na-
tica A racionalidade dos valores que subjazem ás preferéncias de agáo se mede
: as náo pelo seu conteúdo material, mas sim por suas propriedades formais,
are quer dizer, vendo se sáo fundamentais o bastante para poder servir de base
tais a urna forma de vida regida por princípios. Apenas os valores que podem ser
:ica abstraídos, e generalizados e transformados assim em princípios, que podem
ás ser interiorizados como princípios basicamente formais e aplicados procedi-
Izir mentalmente, podem exercer urna forga orientadora de agáo intensa a
11". ponto de transcender as situagóes concretas, e, no limite, penetrar sistema-
do ticamente em todos os ámbitos da vida, pór sob a forga unificadora de uma
ler idéia toda urna biografia e inclusive a história inteira de grupos sociais
ni- (Habermas, 1989: 232).
ul-
:er
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
que o
aceito
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idade
"ver-
per-
razáo
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) seja
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
cién-
) evi-
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Esta
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vas e
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apre-
encer
275
CAPÍTULO 6 Ecologia política e saber ambiental
O SABER E O DISCURSO AMBIENTAL
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ENRIQUE LEFF
280
RACIONALIDADE AMBIENTAL
eci- tituídas por urna multiplicidade de interesses e práticas sociais; nas estraté-
gias de poder inscritas no discurso teórico das ciéncias (economia, ecologia,
ver antropologia, direito); no saber camponés e das comunidades indígenas
de integrado a seus sistemas gnosiológicos, seus valores culturais e suas práticas
:.co- tradicionais de uso da natureza; no saber ambiental inscrito nas políticas de
siti- desenvolvimento sustentável, em suas estratégias e em suas práticas discursi-
cre- vas, e em seus instrumentos normativos e jurídicos.
s do A partir daí é possível apreender o saber ambiental que vai se configu-
: de rando no tecido discursivo da mudanga global, na disputa de sentidos e os
de interesses em conflito que atravessam o campo ambiental e as políticas de
tido desenvolvimento sustentável; captar sua insergáo em diferentes espagos ins-
tr u- titucionais e sua incorporagáo em diferentes domínios do conhecimento,
d se induzindo transformagóes diferenciadas nos objetos científicos, seus campos
ivel, temáticos e suas práticas disciplinares.
;rito
rsos
D de SABER AMBIENTAL E SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
ente
prá- A questáo aparece como um sintoma da crise da razáo da civilizagáo moder-
uto- na, como urna crítica da ordem social e do modelo económico dominante, e
itos como urna proposta para fundamentar urna racionalidade alternativa. O
)nal saber ambiental problematiza o conhecimento científico e tecnológico que
rio- foi produzido, aplicado e legitimado pela racionalidade formal dominante, e
icu- se abre para novos métodos, capazes de integrar os aportes de diferentes dis-
:nto ciplinas, para gerar análises mais abrangentes e integradas da realidade global
e complexa na qual se articulam processos sociais e naturais de diversas
¡Cies ordens de materialidade, assim como saberes inseridos em distintas matrizes
1m o de racionalidade. Os problemas gnosiológicos da problemática ambiental se
,líti- concentraram em seus aspectos axiológicos e metodológicos. Assim foi for-
;óes mulado o estudo dos valores que impulsionam a consciéncia ambiental e sur-
am, giu a preocupagáo em elaborar um pensamento e um método da complexida-
res- de capazes de apreender as inter-relagóes entre processos naturais e sociais
náo que determinam as mudangas ambientais globais. No entanto, tem se dado
do- menos atengáo ás raízes epistemológicas da crise ambiental e ás transforma-
ms- lóes do conhecimento que induz a problemática ambiental.
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cas em
"leí básica de evolugáo de White" — para quem a evolugáo da cultura impli-
te" de
ca o incremento no controle e uso de energia (Adams, 1987; Rappaport,
uestáo
1971) —, em diregáo ao neofuncionalismo e ao neo-evolucionismo em antro-
Taliza-
pologia, que incorporam os princípios da racionalidade energética e ecológi-
vés de
ca, de adaptagáo funcional de populagóes ao meio e a "capacidade de supor-
gia do
a es m o te" dos ecossistemas na explicagáo da organizagáo cultural (Vessuri, 1986).
ento e Mais recentemente, surgiu uma antropología ambiental com urna perspectiva
fenomenológica, questionando os enfoques da ecologia evolutiva (Descola e
rdicio-
Pálsson, 1996). De sua parte, a ecologia funcional gerou os conceitos de resi-
aberes
liéncia, taxa ecológica de exploragáo e capacidade de carga, para incorporar
le rea-
os efeitos das práticas produtivas e dos processos económicos na estrutura e
gáo de
no funcionamento dos ecossistemas (Gallopín, 1986).
.tir do A geografia e a ecologia procuraran novos campos de colaboragáo (Ber-
trand, 1982; Tricart e Killian, 1982) para "espacializar" a ecologia e dar-lhe
nto de
rígidas escalas temporais, de modo que lhe permita captar os mecanismos de apro-
saber priagáo dos recursos naturais através dos processos de produgáo rural e
para- construir unidades operacionais de manejo dos recursos naturais. Do
como mesmo modo, surgiram novos campos da geografia física e da ecologia da
nheci- paisagem, urna geografia e urna ecologia humanas, assim como novos méto-
éncias dos que procuram integrar a análise cartográfica da geografia descritiva ás
ial, ao explicagóes da ecologia ao estudo dos ecossistemas (Toledo, 1994a).
lto de A economia neoclássica respondeu ao desafio com os conceitos de capi-
saber tal natural, de "fungóes de dano", "máximo rendimento sustentável" ou
s e das "capacidade máxima de exploragáo" dos recursos naturais na construgáo de
uma nova economia ambiental, e gerou um debate com a economia ecológi-
nática ca sobre a sustentabilidade forte e débil (Pearce e Turner, 1990, Daly, 1991);
próxi- a bioeconomia incorporou a lei da entropia á análise do processo económi-
co (Georgescu-Roegen, 1971) e propós a transigáo para um estado estacio-
ogia e
nário da economia (Daly, 1991). Por sua vez, o ecomarxismo procurou
práti-
incorporar as condigóes económicas da produgáo e os processos naturais da
micos
dinámica do capital no desenvolvimento de suas forgas produtivas (Leff,
igmas
1993; J. O'Connor, 2001).
Esses processos de transformagáo ambiental dos paradigmas das ciéncias
cultu-
náo se produzem por um desenvolvimento interno de seus programas de
:icula-
investigagáo, mas por urna demanda externa. Tal processo tampouco pode
- e da
ser explicado como urna "finalizagáo das ciéncias" (Bahme et al., 1976), no
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mento (Leff, coord., 1986/2000) que leva a repensar o ser e suas vias de
r áo
lo" complexidade, para reabrir os canais da história e dar curso ao saber
ber ambiental no sentido da reconstrugáo do mundo e da reapropriagáo social
), o da natureza.
Nossa percepgáo do mundo foi cercada pela racionalidade da moderni-
?or
dade. O logocentrismo do conhecimento moderno e a racionalidade econó-
an-
ece mica conduziram um processo de globalizagáo que tende a unificar os olha-
nas res e as identidades de um mundo diversificado e complexo. A construgáo
:a a da racionalidade ambiental implica, pois, a desconstrugáo do pensamento
ocidental: remete á compreensáo do pensamento que se enraizou em falsas
una
certezas sobre o mundo; a descobrir e a reavivar a complexidade do ser que
>re-
ficou cindido e bloqueado pela positividade do ente, por urna epistemologia
do
gerada com o fim de apropriar-se do mundo coisificando-o, objetivando-o,
esas
rta- homogeneizando-o. A racionalidade da modernidade ultrapassa a complexi-
dade ambiental ao topar com seus limites, com a alienagáo e a incerteza do
as e
mundo economizado, arrastado por um insustentável processo de produgáo
tica
que se constituiu no eixo sobre o qual gira o processo de globalizagáo.
O saber ambiental problematiza o pensamento metafísico e a racionali-
dade científica, abrindo novas vias de transformagáo do conhecimento a
partir das margens da ciéncia e da filosofia modernas. No saber ambiental
flui a seiva epistémica que reconstitui as formas do ser e do pensar para
apreender a complexidade ambiental. Se o que caracteriza o homem é a
len- constituigáo do ser pelo pensar, a questáo da complexidade náo se reduz ao
reflexo de urna realidade complexa no pensamento. A complexidade
ssos
ambiental emerge do encontro de um mundo em vias de complexidade com
real
a construgáo do pensamento complexo. O saber ambiental se distingue do
nó-
.des pensamento da complexidade que concebeu a complexidade como um pro-
cesso de auto-organizagáo da matéria, da qual emerge urna consciéncia eco-
rise
tu a lógica que viria completar e recompor o mundo fragmentado e alienado,
herdado dessa civilizagáo em crise, através do pensamento sistémico.
tífi-
lo e A racionalidade ambiental rompe com esse pensamento sistémico e tota-
Ztal
lizador para reconstruir o mundo a partir da ontologia do ser, da potencia-
lidade do real, do sentido da ordem simbólica e de urna ética de outridade;
om
para restabelecer o vínculo entre o ser, o saber e o pensar. Esta via de com-
la e
preensáo e acesso á complexidade ambiental faz sua entrada pela porta da
uo
sci-
desnaturalizagáo da história que culminou na tecnificagáo e economicizagáo
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do mundo, em que o ser e o pensar foram seduzidos e absorvidos pela racio- projeto epis
nalidade formal e instrumental da modernidade, ou seja, pelo cálculo e a nhecimento
planificagáo, pela determinagáo e a legalidade. Este mundo dominado, com as bases da
sua falsa seguranga, chega a seu limite e se expressa na crise ambiental. A sional, da ci
complexidade ambiental náo chega por urna evolugáo "natural" da matéria co do mund
e do homem que os conduz para um mundo tecnificado e economicizado, ambiente. C
mas corno um efeito da intervengáo do pensamento no mundo. S ó assim é partir da fati
possível dar um salto para fora do ecologismo naturalista e situar-se no verdade a pl
ambientalismo como política do conhecimento e da diferenga, no campo do Na críti
poder, no saber ambiental, em um projeto de reconstrugáo social a partir do como adequ
reconhecimento da diversidade e o encontro com a outridade. multiplicida
A sustentabilidade é a marca de urna crise de urna época que interroga verdade, ma
as origens de sua emergéncia no tempo atual e sua projegáo até um futuro mobilizado j
possível, que leva á construgáo de urna racionalidade alternativa fora do infinito, o ir
campo da metafísica, do logocentrismo e da racionalidade económica que dizer-se e pc
produziram a modernidade insustentável (Leis, 2001). A construgáo da pelo pensara
racionalidade ambiental remete á reconstituigáo de identidades através do dizer sua ver
saber. A complexidade ambiental implica urna reformulagáo do conheci- Os sentir
mento e um novo saber; contém urna reapropriagáo do mundo a partir do de interesses
ser, através do poder no saber e da vontade de poder, que é um querer saber. des" náo é
A solugáo da crise ambiental — global e planetária — náo poderá se dar Como verda
apenas pela via de urna gestáo racional da natureza, do risco ecológico e da a forga dos s
mudanga global. A crise ambiental interroga o conhecimento, questiona o seres que for
projeto epistemológico que procurou a unidade, a uniformidade e a horno- rais, sentido;
geneidade do ser e do pensar; o projeto de unificagáo do mundo através da carregadas dl
idéia absoluta e da razáo totalizadora; a idéia de sua transcendéncia e a tran- dades do rea
sigáo para um futuro sustentável, negando o limite, o tempo e a história. A magáo de nu
crise ambiental desloca a pergunta sobre a natureza da natureza e o ser no dam a reconl
mundo a partir da seta do tempo e da lei da entropia como condigáo da vida, de verdades s
desde a morte como lei-limite na cultura que constituem a ordem simbólica, sado — que c
do poder e do saber; a partir da diferenga, da diversidade e da outridade que discurso da c
abrem o canal da história. urna violéncil
A crise ambiental é o resultado do desconhecimento da lei da entropia, como forma
que desencadeou no imaginário economicista a ilusáo de um crescimento lidade domin
sem limites, de urna produgáo infinita. A crise ambiental anuncia o fim desse néutica ambil
projeto. Mas por isso sua solugáo náo poderia se basear no refinamento do que atravessa
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lo na láo do pensado para pensar o ainda náo pensado, para desentranhar o mais
[os de entranhável de nossos saberes e para dar curso ao futuro porvir. É um saber
.se na que se sustenta na incerteza e no "ainda náo" do saber, movido pelo desejo
a pas- de vida que se projeta para a construgáo do inédito, através do pensamento
e da agáo, na perspectiva do infinito, na diferenga e na alteridade.
cagáo
e do
ureza
os na COMPLEXIDADE E DIFERENCIA. IDENTIDADE E OUTRIDADE
:ecem
tégias A complexidade ambiental náo é a ecologizagáo do mundo. O pensamento
n que complexo ultrapassa a visáo cibernética de urna realidade que se estrutura e
espa- evolui através de um conjunto de inter-relagóes e retroalimentagóes, corno
Drmal um processo de desenvolvimento que vai da auto-organizagáo da matéria á
ecologizagáo do pensamento (Morin, 1977, 1980, 1986). A complexidade
rangi- náo é só a incorporagáo da incerteza, o caos e a possibilidade da natureza
gica e (Prigogine, 1997). 0 saber ambiental reconhece as potencialidades do real,
dom í- incorpora valores e identidades no saber e interioriza as condigóes da subje-
les da tividade e do ser na construgáo de urna racionalidade ambiental.
e sua O ambiente é a falta de conhecimento que impulsiona o saber. É o outro
idade — o absolutamente outro — diante do espírito totalitário da racionalidade
dade. dominante. O saber ambiental se projeta até o infinito do impensado — o por
10 do pensar —, reconstituindo identidades na reapropriagáo do mundo. A racio-
onhe- nalidade ambiental conduz ao reposicionamento do ser através do saber;
lade e emerge da poténcia do real, a forga e a mobilizagáo do desejo que transcen-
É um de o mundo totalitário. O ambiente é o outro complexo na ordem do real e
do simbólico, que transcende a realidade unidimensional e sua globalidade
ser e homogeneizante, para dar curso ao porvir de um futuro sustentável, aberto
undo ao infinitivo pelo poder da criatividade, da diversidade e da diferenga.
pgias, O saber ambiental náo é apenas um pensamento alternativo capaz de
ingue incorporar os saberes subjugados na retotalizagáo de um mundo ecologiza-
bre o do. A racionalidade ambiental gera o inédito no encontro com a outridade,
les de no enlace de diferengas, na complexidade dos seres e na diversificagáo de
pgóes identidades. No conceito de ambiente subjazem urna ontología e urna ética
vos e opostas a todo princípio homogeneizante, a todo conhecimento unitário, a
istru- toda globalidade totalizadora. O saber ambiental enfrenta as estratégias de
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dissolugáo das diferengas em um campo comum e sob urna lei universal. mico sem 1
Dessa maneira, fertiliza o campo de urna política da diferenga, de conviven- da conscié
cia no dissenso. evolugáo d
A complexidade ambiental é o espato onde se encontram e enlagam a com a eme
complexidade do real e do conhecimento, do ser e do saber, do tempo e das racionalida
identidades. A complexidade ambiental é o entrelagamento da ordem física, gia de pod
biológica e cultural; a hibridagáo entre a economia, a tecnologia, a vida e o gáo natural
simbólico. Essa complexidade do real náo surge a partir de um novo olhar O proj,
— holístico, interdisciplinar — para um mundo cuja complexidade lhes é conhecime
imanente, mas que foi invisível para os paradigmas disciplinares. Mais além do da verd.
da complexidade crescente das ordens ónticas que emergem no processo de sáo, do pril
auto-organizagáo da physis (a passagem do mundo cósmico á organizagáo to do mun
vivente e á ordem simbólica), a matéria complexificou-se pela re-flexáo do mundo alie
conhecimento sobre o real. O conhecimento, em vez de constituir um con- as regras de
junto de teorias e formas de organizagáo do pensamento para o entendimen- lidade; pele
to das coisas e do mundo objetivo, passou a ser uma ordem conceitual e um do.2 A ideo
conjunto de artefatos que intervém e transformam o real, que tecnologizou dárias a um
e economicizou o mundo. A relagáo da teoria com o real náo é mais urna manifestag.
simples relagáo de conhecimento. Mais além das relagóes que se estabelecem inalterável.
entre o ideal e o material na ordem da cultura e nas racionalidades das socie- As estr
dades "tradicionais" (Godelier, 1984), a racionalizagáo e a tecnologizagáo moderno si
do conhecimento na modernidade o levaram a intervir e desordenar o pró- a compreer
prio ser das coisas. Dessa maneira, o ser biológico chegou a hibridar-se com ciéncia mol
a razáo tecnológica e com a ordem discursiva gerando novos entes — horizonte d
cyborgs — feitos de organismo, tecnologias e signos (Haraway, 1991, 1997; científico d
Escobar, 1995, 1999). e o princípi
O real sempre foi complexo; as estruturas dissipativas sempre existiram e as estrutu
e sáo mais reais do que os processos reversíveis e em equilíbrio da termodi- saber ambie
námica clássica. A ciéncia simplificadora, ao ignorar o real, construiu urna possibilida(
economia mecanicista e urna racionalidade tecnológica que negaram as racionalida(
potencialidades da natureza; as aplicagóes do conhecimento fracionado, do ram os para
pensamento unidimensional, da eficiéncia tecnológica, aceleraram a degra- dos; das m.
dagáo entrópica do planeta por efeito de suas sinergias negativas. A crise marcado pe
ambiental é a primeira crise do mundo real produzida pelo desconhecimen- lizagáo do c
to do conhecimento, desde a concepgáo científica do mundo e o domínio mas das cié]
tecnológico da natureza que geram a falsa certeza de um crescimento econó- to unidimei
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des econór,
tégias de apropriagáo dos recursos ecológicos, os bens naturais e os servigos que se assu
ambientais. As metáforas da ecologia política se tornam solidárias do limite trumentos
de sentido da globalizagáo regida pelo valor universal do mercado para lan- que surgem
gar o mundo a urna reconstrugáo das relagóes do real com o simbólico, da
propriagáo
produgáo com o saber. Nesse c
A ecologia política emerge no Hinterland da economia ecológica para idéia da díi
analisar os processos de significagáo, valorizagáo e apropriagáo da natureza,
dentro dos
nem pela atribuigáo de normas ecológicas á economia; esses conflitos
trumentos c
socioambientais se formulam em termos de controvérsias derivadas de for-
nómica dos
mas diversas — e muitas vezes antagónicas — de significagáo da natureza,
gica póe a d
em que os valores políticos e culturais ultrapassam o campo da economia
bio desigual
política, inclusive de urna economia política dos recursos naturais e servigos
recursos nat
ambientais. Daí surge essa estranha politizagáo "da ecologia".
é consubstai
Na ecologia política aninharam-se termos que derivam de campos con-
resulta de si
tíguos — por exemplo, a economia ecológica —, corno o de distribuigáo
rexplorou s
ecológica,5 definido como urna categoria para abranger as externalidades
Essa dívida
ambientais e os movimentos sociais que emergem de "conflitos distributi-
que consiga
vos"; quer dizer, para dar conta da carga desigual dos custos ecológicos e
um despojo
seus efeitos nas variedades do ambientalismo emergente, incluindo movi-
culturas que
mentos de resisténcia ao neoliberalismo, de compensagáo por danos ecoló-
eficaz e efici
gicos e de justita ambiental. A distribuigáo ecológica compreende, pois, os
Hoje, a
processos extra-económicos (ecológicos e políticos) que vinculara a econo-
taliza através.
mia ecológica á economia política, em analogia com o conceito de distribui-
prospecgáo
gáo em economia, que desloca a racionalidade económica ao campo da eco-
das empresa
nomia política. O conflito distributivo introduz na economia política do
de das nagóc
ambiente as condigóes ecológicas de sobrevivéncia e produgáo sustentável,
ta o territóri
assim como o conflito social que emerge das formas dominantes de apro-
cia e o patri]
priagáo da natureza e a contaminagáo ambiental. No entanto, a distribuigáo
na história. 1
ecológica aponta para processos de valoragáo da natureza que náo corres-
Tal diferenga
ponden aos critérios de racionalidade económica para a atribuigáo de pre-
turais estabe
gos de mercado e custos crematísticos ao ambiente, mobilizando atores
vel entre dív:
sociais por interesses materiais e simbólicos (de sobrevivéncia, identidade,
buigáo ecoló
autonomia e qualidade de vida), mais além das demandas estritamente eco-
O campe
nómicas de propriedade dos meios de produgáo, de emprego, de distribui-
território da
gáo de renda e de desenvolvimento. A distribuigáo ecológica se refere á
ras do ambie
repartigáo desigual dos custos e potenciais ecológicos, dessas "externalida-
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uro,
A fungáo fundamental do discurso no surgimento da razáo foi ignorada até
ilém urna época muito recente. A fungáo do verbo se compreendia em sua depen-
déncia diante da razáo: o verbo que reflete o pensamento. O nominalismo
foi o primeiro a dar ao verbo outra fungáo: a de instrumento da razáo.
Fungáo simbólica da palavra que simboliza o náo pensável, antes que signi-
ficante de conteúdos pensados, este simbolismo remetia á associagáo com
certo número de dados conscientes, intuitivos, que, sendo suficientes, náo
exigiam do pensamento. A teoria náo tinha outro objetivo a náo ser a expli-
o da cagáo de urna diferenga entre o pensar, incapaz de apontar para um objeto
agáo geral, e a linguagem que parecia referir-se a ele. Diferenga que a crítica de
Ipou Husserl mostrou como de caráter aparente, ao subordinar completamente a
;che, palavra á razáo. A palavra é urna janela; caso se torne véu, há que rechagá-
:ida, la. Em Heidegger, a palavra esperangosa de Husserl toma a cor e o peso de
a res urna realidade histórica. Mas continua ligada ao processo da compreensáo
em [...] Merleau-Ponty [...] mostrou que o pensar descarnado, que pensa a pala-
tre a vra antes de pronunciá-la, o pensamento que constitui o mundo da palavra,
se as que a adere ao mundo — previamente constituído de significagóes, em urna
mais operagáo sempre transcendental —, era um mito. Já o pensamento consiste
2/do em elaborar o sistema de signos, na língua de um poyo ou de urna civiliza-
sej o, gáo, para receber a significagáo dessa própria operagáo. Vai á aventura, na
nas medida em que náo parte de urna representagáo prévia, nem dessas signifi-
s de cagóes, nem de frases a articular. O pensamento quase opera, pois, no "eu
eco- posso" do corpo. Opera no antes de representar ou de constituir esse corpo.
)rpo A significagáo surpreende o próprio pensamento que o pensou [...] Náo é a
a da mediagáo do signo que faz a significagáo; a significagáo (cujo acontecimen-
smo to original é o cara a cara) é que torna possível a fungáo do signo [... Esse]
hoje "algo" que se chama significagáo surge no ser com a linguagem, porque a
em esséncia da linguagem é a relagáo com o Outro (Levinas, 1977/1997: 218-
9, itálicos meus).
roes
ram Hoje, a teoria e o conhecimento intervém de outra maneira no ser, no
:ur- ente, no organismo, no corpo. A ciéncia se torna tecnologia; náo se limita a
s de observar, mas penetra o real, desnaturalizando-o, dessubstantivando-o,
ela- tecnologizando-o. O dualismo entre o conceito e o real da relagáo de conhe-
cimento que reduz a compreensáo do mundo a essa identidade, que dentro do
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tural, em que náo existe urna equivaléncia nem tradugáo possível entre sig- A políti(
nificagóes diferenciadas. A distribuigáo sempre apela a urna matéria homo- e posigóes.
génea: a renda, a riqueza, a natureza, a cultura, o poder. Porém, mais além atribui á di/
do direito genérico a ter direitos, e em particular aos direitos da cultura, os mas a abre a
valores que dáo substáncia a cada cultura, objeto de direito, sáo radialmen- Dessa mane
te heterogéneos. Nesse sentido, os direitos culturais implicara transcender samento úni
tanto os princípios gerais do direito positivo corno a idéia genérica do ser al tória para a
heideggeriano, ainda herdeiros de urna ontologia universal, específica e direito a dif
localizada; do ser que, sendo, abre a história para a diferenga a partir de seu que ainda n
"ser diferente". A ecologia política opera um processo similar ao que Marx partir do reí
realizou com o idealismo hegeliano, ao "pór sobre seus pés" a filosofia da A ecolol
pós-modernidade (Heidegger, Derrida), ao voltar ao Ser e á diferenga a tribuigáo dt
substáncia de urna ecologia política. A diversidade essencial da ordem sim- significagóel
bólica e cultural se converte em matéria da política da difereno. existéncia qi
Mas a diferenga de valores e visóes culturais náo se converte por direito culturais á r
próprio em forga política. A legitimagáo dessa diferenga que lhe dá valor e dade de ben
poder provém de urna sorte de efeitos de saturagáo da homogeneizagáo for- mas culturai
gada da vida induzida pelo pensamento metafísico e pela racionalidade Isso está lev:
modernizante. É da resisténcia do ser ao domínio da homogeneidade hege- cular e forta
mónica, da coisificagáo objetivante, da igualdade ineqüitativa, que surge a da construgl
diferenga no encontro com a outridade, na confrontagáo da racionalidade tal e uma p
dominante com o que lhe é externo e com aquilo que exclui, rompendo com vozes do Fói
a identidade da igualdade e a unidade do universal. Dessa tensáo, estabelece- dos (subcorr
se o campo de poder da ecologia política, da demarcagáo do pensamento As reivi
único e a razáo unidimensional, para valorizar a diferenga do ser e converté- genéricos dc
lo em um campo de forgas políticas. duais, sáo i
Hoje é possível afirmar que "as lutas pela diferenga cultural, as identida- reclama um
des étnicas e as autonomias locais sobre o território e os recursos estáo con- afirma Escol
tribuindo para definir a agenda dos conflitos ambientais mais além do
campo económico e ecológico", reivindicando as "formas étnicas de alteri- Náo é n
dade comprometidas com a justita social e a igualdade na diferenga" argumen
(Escobar, 2000: 6, 13). Essa reivindicando náo se justifica em um essencialis- tura e al
mo étnico nem em direitos fincados nos princípios jurídicos e metafísicos do gáo da di
indivíduo, mas sim no direito do Ser; tanto nos valores intrínsecos da natu- testagáo.
reza e direitos humanos diferenciados culturalmente corno no direito a dis- tivo [...]
sentir dos sentidos preestabelecidos e legitimados por poderes hegemónicos. conectad
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A democracia ambiental náo se forja nas urnas dos partidos verdes ou Urna
ecológicos. Náo é a democracia representativa dos órgáos do Estado, das leis sendo res
do mercado ou da disseminagáo do conhecimento. A democracia ambiental assume u
convoca a uma democracia direta. É o campo da reconstituigáo de identida- identidad
des (políticas) e da reapropriagáo da natureza. A política da diferenga náo só de orden
reconhece a existéncia e o valor dos saberes tradicionais como faz o discur- imutáveis
so do desenvolvimento sustentável com deferéncia, paternalismo e condes- dagáo"
cendéncia. Esses saberes fundam novos direitos do ser cultural e um direito relagáo et
á diferenga, que é o de náo se sujeitar á camisa-de-forga de um imperativo temologil
ecológico nem submeter-se á lei de ferro do mercado. A justita ambiental
está mais além da procura de urna eqüidade na distribuigáo ecológica, na socioamb
compensagáo de danos, na distribuigáo de benefícios da etnobioprospecláo. A con
A democracia ambiental abre a porta a outra justita, a dos direitos coletivos, "ser enq u
a do direito de ser, de criar, de pensar, de produzir, de viver. conhecer
que tem
autenticid
— do em]
ECOLOGIA POLÍTICA/EPISTEMOLOGIA POLÍTICA ontológicl
cam das id
A ecologia política é a política da reapropriagáo social da natureza. Suas fumara o
estratégias náo apenas orientam as aplicagóes do conhecimento, mas se mol- modos de
dam na luta teórica pela produgáo e apropriagáo de conceitos em urna dis- ficados de
puta de sentidos no campo discursivo da sustentabilidade. O ambientalismo Náo se tra
crítico combate as ideologias que sustentam urna racionalidade insustentável objeto sob
e orienta agóes no sentido da construgáo de sociedades sustentáveis em um vidual, pes
campo de confrontagóes teóricas e de relagóes de poder no saber. As catego- te de urna
rias e os conceitos teóricos descem das alturas do pensamento e se enraízam entidades
no campo das lutas políticas. O sujeito, o étnico, a identidade, a difereina simbólica,
deixam de ser categorias epistemológicas e teóricas para converter-se em náo se reg
política cultural, da identidade, da diferenga. 12 Assim se estáo reconfiguran- ordem m c
do os significados de nogóes como biodiversidade, território, autonomia e princípio c
autogestáo, dentro de estratégias discursivas em que se "fazem direitos", sar é derru
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ordens epistemológicas náo se sustentam mais. Hoje o mundo se constrói (e pulsáo epist(
destrói) a partir das formas e estratégias do conhecimento. O conhecimento espato de pl
intervém no real; transforma-o e reconstitui urna nova dialética entre o ser saber que fo
e o pensar. Mais além da relagáo de conhecimento entre ordens ontológicas irrenunciáve
e gnosiológicas, emerge, na epistemologia ambiental, urna relagáo fluida do desejo e
entre registros, códigos e regimes que inter-relacionam o real, o imaginário explorar o d
e o simbólico, náo apenas no sentido de que as diversas ordens ontológicas riéncia do m
da matéria implicam diferentes formas de raciocínio, de construgóes lógicas, A polític
métodos de investigagáo e procedimentos de verificagáo ou falsificagáo, mas ciais e civili2
nas formas como o real e o simbólico estáo entrelagados por "efeitos de ultrapassa o
conhecimento". Nessa perspectiva, o conhecimento náo se apresenta como em sua vonta
urna apropriagáo cognoscitiva do mundo, mas invade o real, a matéria e a vés de teoria
natureza, transformando-as através de suas estratégias de conhecimento. Por jogadas no e
isso, o conhecimento nunca é neutro (objetivo). Mais além de qualquer inten- um encontro
gáo subjetiva, está atravessado (constituído) por estratégias de poder que conheciment
"encarnam" na matéria, na vida e no ser. e o imaginár
A epistemologia ambiental transcende o jogo de inter-relagóes, interde- mais além de
pendéncias e retroalimentagóes do pensamento complexo, baseado em urna za, a adotar
ecologia generalizada ou em um naturalismo dialético. Mais além de todo modelo de re
naturalismo, localiza-se na ordem simbólica e na produgáo de sentido. A Esse reen
ecologia política náo se desprende da ordem ecológica preestabelecida, nem é que coloca
de urna ciéncia que faria valer urna consciéncia-verdade capaz de vencer os relagáo com
interesses antiecológicos e antidemocráticos, mas no campo político, onde o imaginário d
destino da natureza e da humanidade aposta em um processo de criagáo de
sentidos (mais que de verdades) e em suas estratégias de poder. o real, ficand
A ecologia política formula urna redefinigáo do conhecimento a partir racionalidad(
do saber ambiental. A epistemologia ambiental se estabelece mais além do do simbólico
campo estrito e restrito da filosofia da ciéncia objetiva, dos fundamentos e teoria, do dis
pressupostos dos paradigmas teóricos da ciéncia positivista. Se a epistemo- volvimento
logia "normal" conduz o pensamento no sentido do estabelecimento de de por outras
regras de construgáo do conhecimento científico, da relagáo de verdade via infinita d
entre o conceito e o real, da teoria e da realidade objetiva, a epistemologia ciéncia e da t
ambiental parte do questionamento dos paradigmas fechados do círculo das no real que s
ciéncias a partir do lugar de externalidade que neles ocupa o saber ambien- o campo da v
tal, para aportar uma indagagáo sobre a relagáo do saber e do ser, de sua A episten
mútua relagáo constitutiva. A epistemologia ambiental emerge ali onde a da representa
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pela vivéncia existencial, a qual nunca chega a decifrar o enigma da rela0o dos atravé
do amor e a sexualidade com o ser para estabelecer a origem do conheci- ciencia da
mento na diferenga entre os sexos, o nexo do saber com essa fonte originá- enfrentan
ria do ser. advento d,
Para Levinas, a tentagáo da tentagáo a que cede a filosofia é a de cons- oblitera o
truir um saber que conjure os perigos do desconhecido e assegure a existén- humana,
cia. Contra a tentagáo epistemológica de gerar um conhecimento que cerca é o homen
a realidade para controlá-la, o saber que navega entre as águas inquietas da al 1 nologia,
vida, sorvendo-a e saboreando-a, chegando a sabé-la, mas sem chegar nunca mundo de
ao conhecimento, deixando sempre aberta a porta do desejo de continuar falta em se
sabendo e continuar sendo, deixando ao ato de vida a alteridade e a outrida- sível saber
de, que transcende a unidade e a universalidade do conhecimento, para do ser con
poder continuar percebendo ao "outro como outro, como estranho a todo cendéncia
cálculo, como próximo" (1996: 64). Náo ea
Sem dúvida, praticamente todo mundo tem hoje consciéncia de proble- ordem cro
mas ecológicos que afetam sua qualidade de vida; mas estes se encontram outro náo
fragmentados e segmentados segundo sua especificidade local. Mais ainda, cia se conv
nem todas as formas e graus de consciéncia geram movimentos sociais. Ou Eu por obr
melhor, prevalece o contrário, e os problemas mais gerais, como o aqueci- parável e ú
mento global, sáo percebidos a partir de concepgóes muito diferentes, desde que é urna
aquelas que véem ali a fatalidade de catástrofes naturais até as que os enten-
dem como a manifestagáo da lei-limite da entropia e efeito da racionalidade O Outr
económica. O ambientalismo é, pois, um caleidoscópio de teorias, ideolo- gáo, as
gias, estratégias e agóes náo unificadas por urna consciéncia de espécie, salvo se situa
pelo fato de que o discurso ecológico comegou a penetrar todas as línguas e se apro
todas as linguagens, todos os ideários e todos os imaginários. A lei-limite da seu gén
entropia que sustentaria a partir da ciéncia tais previsóes, e os desastres tinguiri
"naturais" que foram desencadeados nos últimos anos, ainda parecem dis- mente
solver sua evidéncia nos cálculos de probabilidades, na incerteza vaga dos condici
acontecimentos, no curto horizonte das avaliagóes e a multiplicidade de cri- COMO a
térios pelos quais sáo elaborados seus indicadores. O que prevalece é urna outro, i
dispersáo de visóes e previsóes sobre a existéncia humana e sua relagáo com de [...]
a natureza, mas náo a diversidade de consciéncias alimentadas por interesses ciona n
e valores diferenciados. ciéncia
A recomposigáo do mundo pela via da diferenciagáo do ser e do sentido espírito
rompe o esquema imaginário de urna combinagáo de interesses diferencia- essénck
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evinas,
ra social e das reivindicagóes de igualdade com os lugares privilegiados dos
homens em determinada ordem estabelecida.
Embora náo exista um movimento ecofeminista formalmente constituí-
.el agáo
do e amante, este se expressa nas idéias, teorias e práticas que dáo suporte e
:ol ógi-
orientam as lutas atuais das mulheres para identificar as causas fundamentais
Ldo. O
dos problemas ambientais e os vínculos entre a degradagáo ambiental e as
a rede
estruturas do poder social, económico e político (Mellor, 1997). Esse pro-
)s com pósito expresso do movimento leva a indagar: qual a especificidade do lugar
m, em a partir do qual as mulheres compreendem — enquanto mulheres — a crise
novas ambiental e aportam urna visáo própria para a construgáo de urna racionali-
1 saber. dade ambiental? Há urna afinidade natural das mulheres com a natureza que
legitima suas reivindicagóes sociais e as torna porta-vozes privilegiadas dos
direitos da natureza? Como se inscrevem as formas particulares de cognigáo
e sensibilidade das mulheres e as identidades de género na desconstrugáo das
lógicas de dominagáo? De que maneira as diferentes visóes de género, além
de suas reivindicagóes legítimas de igualdade dentro do modelo estabeleci-
ites em do, abrem perspectivas para um desenvolvimento sustentável, eqüitativo e
esde o justo?
oragáo A partir da formulagáo de Simone de Beauvoir de que nenhuma revolu-
sociais gáo pode dissolver a estrutura social da maneira como a revolugáo social
nagóes pode modificar as diferengas de classe, o ecofeminismo tentou abrir um
a visáo debate sobre o lugar que a diferenga de géneros ocupa nos processos de hie-
tureza rarquizagáo social organizados em torno do falocentrismo na divisáo histó-
eira as rica do trabalho e em seus impactos ambientais. Porém, o debate girou em
torno da condigáo biológica da mulher na divisáo sexual-social do trabalho
ecolo- e nas relagóes de dominagáo dentro das estruturas hierárquicas estabelecidas
a polí- pelo patriarcado. Menor foi o interesse em questionar a brecha instaurada
t favor no ser pela diferenga dos sexos, essa diferenga originária e particular que
;tas ou produz a outridade sexual significada pela linguagem. O pensamento ecofe-
s aber- minista torna como referéncia boa parte do pensamento ecologista sobre o
ítica a dualismo como causa da objetivagáo da natureza e dominagáo da mulher
que conduz á crise ambiental, estendendo a diferenga de género desde sua
5er da
origem biológico-simbólica até sua construgáo socioistórica. Se náo há urna
iestáo
causa natural da diferenga entre os sexos que justifique a desigualdade e a
tvolvi-
dominagáo da mulher — o que leva o debate ao terreno de urna ética políti-
trutu-
ca, além do plano do natural —, a questáo ecofeminista se desloca para urna
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indagagáo sobre a diferenga dos sexos que, através de processos de significa- urna comp
gáo e na ordem simbólica da cultura, produz efeitos nas formas de identifi- de sua for
cagáo dos sujeitos, nas hierarquias sociais, nas relagóes de dominagáo a par- social, des
tir da diferenga de géneros como construgáo simbólico-social. Pois, além de jogos de 1
todo essencialismo e naturalismo, natural ou
posigáo de
a diferenga dos géneros precede a diferenga dos sexos [...] a diferenga está, gáo com a
desde sempre, na ordem do significante, na ordem simbólica, a partir de onde guagem qi
distribui emblemas e atributos de género. Estes atributos se ressignificam senhor. 18
como diferenga sexual no caminho das identificagóes que levaram o ser superiorid
humano a ser homem ou mulher, ou qualquer combinagáo de ambos [...] por- "lugar" pro
que o conteúdo do que pode ser masculino e feminino náo tem nenhuma económica
essencialidade natural, adquire diferentes modalidades de acordo com urna lugar do fa
historicidade socialmente determinada e com variantes no tempo e no espato O ecos
[...] O que é que conserva um caráter estruturante e fundante? O que é fun- sociais do
dante é a diferenla dos sexos, e essa diferenga é um efeito do significante. Daí nagáo da n
a promogáo ao primeiro plano do significante Falo, que é o significante da o pensame
diferenga. Lugar da repressáo originária, trago que funda o sujeito separando- de uso da I
o, cortando-o, diferenciando-o do Outro, promovido a objeto do desejo já e nem por is
desde sempre perdido [...] Se o falocentrismo é a releváncia do significante gerontocrai
fálico em relagáo á castragáo simbólica, a falocracia emana de urna ordem gáo femini5
totalmente distinta: é a maneira na qual a diferenga se organiza como apro- visáo lineal
priagáo diferenciada de privilégios e poderes. Da diferenga deriva um ordena- formula o r
mento hierárquico de dominagáo e submissáo (Saal, 1998: 24, 33). tabilidade
diferengas.
O que foi dito nos levaria a questionar o papel desempenhado pela inter- masculina,
digáo do incesto na desigualdade dos sexos, o lugar do complexo de Édipo no perspectiva
estabelecimento das relagóes de domínio do homem sobre a mulher e o sen- ta da nature
tido em que a falocracia organiza esse poder de submissáo. O fato de que na estrutur.
desde sempre e em toda cultura existe e funciona urna lei que permite o aces- mulher e d
so de certas mulheres, ao mesmo tempo que formula a interdigáo de outras, saber além
e que sempre existiu urna hierarquizagáo cujas posigóes mais elevadas estáo em determi
reservadas aos homens pareceria confirmar a universalidade do Édipo. Mas, Além d,
se esse domínio náo é de urna ordem natural, tampouco estaria determinado patriarcado
pelo simbólico (fálico). É justamente pela falta em ser que instala a ordem terra com a
simbólica que o desejo desemboca em urna vontade de domínio a procura de ta e cuidad'
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rifica- uma completude. A partir desse suporte (essa falha), o homem toma recursos
fi- de sua fortaleza física para estabelecer uma supremacia na ordem natural e
a par- social, desenvolvendo estratégias discursivas, teóricas e jurídicas nas quais os
Im de jogos de linguagem se convertem em armas de dominagáo. Náo há nada
natural ou essencial na ordem simbólica que autorize o homem a ocupar urna
posigáo de superioridade. Mas, a partir de uma posigáo de poder em sua rela-
1 está, gáo com a mulher (e com os outros), ele construiu e se apropriou de urna lin-
onde guagem que opera como dispositivo de poder. Construiu seu discurso de
dicam senhor. 18 A hierarquia e o domínio do homem náo se fundam em nenhuma
o ser superioridade legítima. No entanto, a política feminista se sustenta nesse
.1 por- "lugar" preestabelecido para a mulher pela estrutura simbólica e a estrutura
thu ma económica que tem suas origens no dom-intercámbio de mulheres;" no
n urna lugar do falo e das fungóes de produgáo e reprodugáo. 20
Ispago O ecofeminismo, seguindo o feminismo radical, vé nas hierarquias
é fun- sociais do patriarcado a causa principal da destruigáo ecológica e da domi-
:e. Daí nagáo da mulher. O patriarcado aparece como a forma social que organiza
nte da o pensamento, a cultura e as relagóes de género. As cosmogonias e formas
raudo- de uso da natureza sáo mais "ecológicas" em sociedades tradicionais. Mas
jo já e nem por isso as relagóes sociais sáo menos patriarcais e impera menos a
'icante gerontocracia e a dominagáo da mulher. Para essas sociedades, a reivindica-
)rdem do feminista vem de fora, da cultura moderna (ocidental), o que rompe a
apro- visáo linear da origem patriarcal da crise ambiental, ao mesmo tempo que
rdena- formula o problema das reivindicagóes culturais dos poyos diante da susten-
tabilidade e das reivindicagóes de género em um encontro intercultural de
diferengas. Se o conhecimento do mundo aparece como urna construgáo
inter- masculina, seria necessária sua desconstrugáo feminista. No entanto, essa
po no perspectiva ecofeminista náo consegue romper com a concepgáo essencialis-
D sen- ta da natureza e da mulher ou com a visáo construtivista do lugar da mulher
e que na estrutura social. É daí que se formula urna reivindicagáo conjugada da
aces- mulher e da natureza que náo chega a explicitar urna visáo feminina do
utras, saber além de suas atribuigóes naturais, de sua sensibilidade e de seu lugar
estáo em determinada estrutura de poder.
Mas, Além dos papéis atribuídos pela tradigáo, das relagóes de poder que o
inado patriarcado estabelece, das metáforas que comparam a fertilidade da máe
irdem terra com a fungáo biológica reprodutora da mulher, com as tarefas de cole-
ira de ta e cuidado da terra, enfim, da distribuigáo de papéis sociais e a divisáo
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sexual do trabalho, a política do género formula a questáo de urna diferen- mulher (ges
ga originária e radical: a de ser homem e ser mulher, a diferenga dos sexos resisténcia
como constitutiva da ordem simbólica, lugar onde se inscrevem a língua de inteligén
para atribuir e distribuir os lugares dos seres humanos (mulheres e homens) tos sob o r(
e as coisas do mundo em cosmovisóes e estruturas sociais; lugares onde sen- direito que
tidos sáo gerados, sensibilidades sáo produzidas e sáo atribuidas formas de que o horro(
ser no mundo, de pensar o mundo, de sentir o mundo; lugares onde se esta- recuperar, p
belece a diferenga entre o afá de controle da natureza, a abertura ao enigma ao equipara
da existéncia e a sedugáo do infinito. A partir dessa divisáo originária se separam e d
constroem — culturalmente — as diferengas de género: a razáo, a sensibili- de diferenga
dade e a visáo da mulher e do homem na cultura ocidental (coisificadora e como, na di,
dominante); seus contrastes com as culturas orientais e tradicionais (mais
sensuais, menos possessivas). Sobre esse fundo, a cultura distribui papéis ordem do de
sociais e configura diferentes formas de ser diante da natureza. Esses enig- tica humana
mas e interrogagóes sobre a relagáo do género na ordem do ser, da lingua- sexos, além
gem, da significagáo e do sentido desnaturalizam a questáo do género; buigáo (natu
levam a olhá-la a partir dessa disjungáo náo natural da diferenga dos sexos designam pe
que constitui a ordem simbólica da natureza humana, de onde emanam as questáo que
relagóes de poder e as hierarquias sociais. Dessa maneira, é possível trans- erotismo:
cender o olhar naturalista que procura revalorizar as fungóes e relagóes com
a natureza a partir das capacidades naturais do homem e da mulher, ou das Há, talv<
hierarquias que levam á exploragáo do homem, da natureza e da mulher. ordem rr
O ecofeminismo se debate entre a visáo essencialista da mulher vincula- ordem —
da á natureza por suas condigóes "naturais" e a visáo construtivista que mundo. 1
interroga os processos sociais que levaram a codificar e a hierarquizar as erótico, c
relagóes de género com a natureza. A política da diferenga interroga o pró-
prio do género, da divisáo dos sexos em sua relagáo com o pensamento e a Náo há u
construgáo da realidade; procura entender corno se enlagam a divisáo dos te desse prop
sexos e a constituigáo da ordem simbólica com a disjungáo do ser e o ente, a lógicos) da jt
coisificagáo do mundo e o estabelecimento de hierarquias sociais, quer justita de géi
dizer, a constituigáo e legitimagáo de relagóes de dominagáo do homem identidade e
sobre a mulher e sobre a natureza. A ecologia política enlata, assim, a ordem sexuais. Quai
da natureza, a linguagem, a cultura e o género como agentes conjugados na de género, pa
construgáo das relagóes cultura-natureza. Pois a diferer
Nessa perspectiva, o que distingue a mulher do homem náo é tanto sua justita que da
afinidade com a natureza pelas fungóes orgánico-naturais que cumpre como nutro (será n<
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cida- gáo entre as luzes e as sombras do saber, na relagáo original do Eros, entre a
vida e a morte, na fusáo sexual na qual o homem vem e a mulher se esvai. A
um e ecologia política se abre ao enigma pelo qual a diferenga de género gera
a em diferentes formas de identificagáo, distintas formas de saber e de sentir nas
lugar quais o ser vem á vida e se assombra diante do nada.
ouco
todo
:1 dos
lagáo ÉTICA, EMANCIPA .Á0, SUSTENTABILIDADE
olup-
ii A ecologia política busca sua identidade teórica e política em um mundo em
:ntrá- mutagáo, em que as concepgóes e conceitos que até agora orientaram a inte-
no, o ligibilidade do mundo e a agáo prática parecem desvanecer-se do campo da
Iinguagem significativa. Mas o pensamento dominante resiste a abandonar o
dicionário das práticas discursivas que envolvem a ecologia política (como a
, por todos os velhos e novos discursos que acompanham a desconstrugáo do
mundo) apesar de terem perdido coeréncia teórica e ressoem como o eco
nostálgico de um mundo para sempre passado, para sempre perdido: o do
ite, o pensamento dialético, o da universalidade e unidade das ciéncias, o da
U-1 esséncia das coisas e da transcendéncia dos fatos. E, no entanto, algo novo
.1teri- luta para sair e manifestar-se neste mundo de incerteza, de caos e confusáo,
nesse de sombras e penumbras, onde, através da demoligáo e dos resquícios da
ssén- racionalidade monolítica e monopólica do pensamento totalitário se asso-
lnáo mam as primeiras luzes da complexidade ambiental: lucidez mínima na
r em inconformidade, necessidade de compreensáo, desejo de emancipagáo, von-
Icon- tade de poder.
mte. A emancipagáo do projeto objetivador do mundo fundado na metafísi-
rida- ca, na epistemologia positivista e no pensamento totalizador, levado a seu
limite pela racionalizagáo modernizadora da lógica formal da racionalidade
económica, náo está radicada em uma reivindicagáo do sujeito separado,
;ares ilhado e esterilizado através da ética científica que convidava a náo intervir
urna nos sentimentos nem no desejo na razáo pura e no conhecimento objetivo.
iltu- O sujeito renasce da impossível totalizagáo de urna consciéncia (de espécie),
a na fixando-se na invengáo e proliferagáo de novas identidades, na emergéncia
ama de novos atores sociais habitados pelo desejo e pelo direito de ser no mundo.
-ela-
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A "morte do sujeito" [...] foi sucedida por um novo e estendido interesse nos necessário
múltiplas identidades que estáo emergindo e proliferando em nosso mundo por náo ut
contemporáneo [...] Talvez a morte do Sujeito [...] tenha sido a principal pre- rida ao po
condigáo desse renovado interesse pela questáo da subjetividade. Talvez seja recuperad
a mesma impossibilidade de seguir referindo as expressóes concretas e finitas entre as ra
de urna subjetividade multiforme a um centro transcendental o que torna relagáo coi
possível concentrar nossa atengáo na própria multiplicidade [...] no próprio foi forjada
momento em que se colapsa o terreno da subjetividade absoluta, também se A vont
colapsa a própria possibilidade de um objeto absoluto [...] Sou um sujeito nómica, ne
precisamente porque náo posso ser urna consciéncia absoluta, porque algo nem como
constitutivamente alheio me confronta; e náo pode haver um objeto puro prazer e fel
como resultado desta opacidade/alienagáo que mostra os tragos do sujeito no desejo de
objeto. Assim, urna vez que o objetivismo desapareceu como um "obstáculo gosto pela ,
epistemológico", tornou-se possível desenvolver todas as implicagóes da
"morte do sujeito" [...] o veneno secreto que o habitava, a possibilidade de Enquar
sua segunda morte: "a morte da morte do sujeito"; a proliferagáo de finitu- de ficgáo e
des concretas cujas limitagóes sáo a fonte de sua forga; e perceber que pode possíveis,
haver "sujeitos" porque a brecha que "o Sujeito" supostamente devia fechar, nunca mais
na realidade náo pode ser preenchida (Laclau, 1996: 20-21), abranger, e
real aos int
A ética ambiental é urna ética da emancipagáo no sentido de urna volta poder perv
ao Ser que contém urna reapropriagáo do mundo: da cultura, das identida- aleatorieda
des, da natureza. É a atualizagáo da vontade de poder. Mas a reativagáo um princíp
dessa vontade está além de qualquer voluntarismo. Sobretudo na "era do cia do pens
vazio" (Lipovetsky, 1986), na qual foi desativada a vontade como agéncia e controlado
dispositivo á máo do sujeito. O sujeito cedeu involuntariamente a urna von- maior.
tade suprema e externa. Parece ter se dissipado, assim, a vontade de libertar- A crise
se dos poderes totalitários: do senhor, do capital, do chefe, do hierarca. dade e univ
Nem a luta de classes nem a rebeliáo parecem abrir portas a essa necessida- racionalida
de de emancipaldo, táo proclamada por Marcuse. A vida flutua em um espa- tecnológica
go vazio, sujeita ao acaso, á incerteza, á entropia, a processos de degradagáo sob o signa
da vida em que a vontade como propósito náo aponta para um fim, urna luz, mundos de
urna saída. A ideologia dominante nos faz desejar conforme os desígnios do cionáveis.
poder estabelecido. A vontade adormeceu e foi depositada num banco que hiperecono
náo responde a nossos interesses, foi delegada a um dispositivo externo para igualdade e
adquirir coisas, bens, inclusive sonhos, desejos, beleza e poder. Já náo é bou sendo
336
RACIONALIDADE AMBIENTAL
e nas necessário nos mobilizarmos, agir, nem desejar. O desejo morre de inanigáo
indo por náo utilizagáo e inutilidade da própria vontade, porque esta foi transfe-
pre- rida ao poder da tecnologia e do mercado. A vontade de poder através da
s seja recuperagáo do sentido náo pode provir da razáo pura, de um consenso
nitas entre as razóes encobertas pelo processo de racionalizagáo. A ética como
orna relagáo com o Outro faz reviver o Ser dos escombros da racionalidade que
iprio foi forjada pelo Mundo Objeto.
m se A vontade de poder (Nietzsche, 1968) náo é a que afirma a razáo eco-
jeito nómica, nem como vontade de exercer seu poder sobre o mundo e as coisas,
algo nem como seu imaginário de conduzir a uma via ilimitada de progresso, de
puro prazer e felicidade. A vontade de poder se inscreve na ética ambiental como
o no desejo de vida (do desejo que habita o ser), de uma vida que anime náo só o
.culo gosto pela vida, mas que dé vida a um pensamento que fecunde a vida huma-
:s da na no caminho de seu poder querer viver.
[e de Enquanto os jogos de linguagem para continuar imaginando este mundo
nitu- de ficgáo e virtualidade sáo infinitos, também o sáo para perseguir futuros
)ode possíveis, construir utopias, para reconduzir a vida. E o pensamento, que
:har, nunca mais será o único nem servirá como instrumento de poder, procura
abranger, enlatar seu poder simbólico e seus imaginários para reconduzir o
real aos interesses da vida. E, se este processo náo haverá de sucumbir ao
'olta poder perverso e anónimo da hiper-realidade e da simulagáo guiadas pela
ida- aleatoriedade das coisas e pelos desígnios dos poderes dominantes, é porque
igáo um princípio básico continua sustentando a existéncia na razáo e na coerén-
do cia do pensamento, em um mundo que nunca será totalmente conhecido e
la e controlado pelo pensamento; que nunca mais será regido por razóes de forja
.on- maior.
tar- A crise ambiental marca o limite do logocentrismo, da vontade de uni-
rca. dade e universalidade da ciéncia, do pensamento único e unidimensional, da
rda- racionalidade entre fins e meios, da produtividade económica e da eficiéncia
tecnológica, do equivalente universal como medida de todas as coisas, que
gáo sob o signo monetário e a lógica do mercado recodificaram o mundo e os
luz, mundos de vida em termos de valores de mercado intercambiáveis e transa-
do cionáveis. A emancipagáo dessa racionalidade se formula como libertagáo da
fue hipereconomicizagáo do mundo. Isso implica ressignificar a liberdade, a
ara igualdade e a fraternidade como princípios de urna moral política que aca-
Dé
bou sendo cooptada pelo liberalismo económico e político — pela equaliza-
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
pelo A ecologia política náo apenas explora e atua no campo do poder que se
va de estabelece dentro do conflito de interesses pela apropriagáo da natureza; é
versi- necessário repensar a política a partir de uma nova visáo das relagóes da
resses natureza, da cultura e da tecnologia. A ecologia política abre, assim, novos
espagos de atuagáo na complexidade ambiental emergente e se inscreve em
sen- um projeto libertário para abolir toda relagáo hierárquica e toda forma de
seria dominagáo através de movimentos sociais e práticas políticas. A ecologia
dente política se funda em um novo pensamento e em urna nova ética: urna ética
iifica- política para renovar o sentido da vida (Leff, 2002; PNUMA, 2002).
i abre A emancipagáo náo é urna distribuigáo do poder, dos meios e estratégias
► gres- políticas para prover condigóes de produgáo, decisáo e participagáo em urna
lo da política de eqüidade e democracia. A emancipagáo vem mais de dentro, da
vontade de poder que tem suas raízes no ser e náo na ordem jurídica da jus-
tiga e na ordem económica da distribui0o. O "empoderamento" com o qual
se pretende dar voz aos sem-voz náo lhes devolve a palavra própria. A eman-
cipagáo do Ser é a libertagáo da palavra e do pensamento para exercer o
aci das direito de Ser, que está além das reivindicagóes por urna distribuigáo ecoló-
lis, as gica e urna justita ambiental.
initá- Assim, na imaginagáo abolicionista e no pensamento libertário que inspi-
nana, ras a ecologia política, a dissolugáo do poder de urna minoria privilegiada
ara a para sujeitar as maiorias excluídas se converte em urna tarefa prioritária. A
Esta ecologia política é urna árvore cultivada pelos movimentos sociais que se pro-
lo da tegem sob sua folhagem; urna árvore com galhos que enlagam diversas lín-
rein- guas, urna Babel onde haveremos de nos compreender a partir de nossas dife-
dade rengas, onde cada vez que alcemos o brago para alcangar seus frutos deguste-
ersos mos o sabor de cada terreno da nossa geografia, de cada colheita de nossa bis-
tória, de cada vinho de nossa invengáo. Percorrendo esse caminho, havere-
mos de dar nome próprio a sua seiva, como aqueles seringueiros que se
rén- inventaram corno seres neste mundo sob o nome da árvore da qual com seu
smo engenho extraíram o alimento de seus corpos e o espírito de sua cultura.
erri-
ne a
)rir-
ten-
es e
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NOTAS 8. Horkh
que "náo há se
1. "Durante muito tempo, o indivíduo se identificou gragas á referéncia dos demais ser penetrado
e á manifestagáo de seu vínculo com outro (familia, juramento de fidelidade, protegáo); reflexo mimét
depois se identificou mediante o discurso verdadeiro que era capaz de formular. A con- se o `reconhec
fissáo da verdade se inscreveu no coragáo dos procedimentos de individuagáo por parte a constelagáo
do poder [...] uma `história política da verdade' deveria dar a volta mostrando que a ver- mediata da sír
dade náo é livre por natureza, nem serva do erro, que sua produgáo está toda, inteira, na terminolog
atravessada por relagóes de poder" (Foucault, 1977: 74, 76). ga do existent
2. Ver cap. 3, supra. dade da lingul
3. Pode-se tratar da filosofia (a metafísica, inclusive a ontoteologia) sem deixar que só o existente
se imponha, com esta pretensáo de unidade, a totalidade inatacável e imperial de uma metafísica. Fir
ordem? [...] Poderemos, pois, chamar de diferenla essa discórdia `ativa', em movimento, sucessores, os
de forgas diferentes e de diferenga de forgas que Nietzsche opóe a todo o sistema da gra- coletivo do qu
mática metafísica em todas as partes em que dominam a cultura, a filosofia e a ciéncia" 9. Com o
(Derrida: 23, 53). lismo decisóril
4. "É a presenta de uma pluralidade de ser-aí que impede que se pense a integraláo tato de urna tr
hermenéutica do horizonte da presenta como urna Aufhebung dialética. A resisténcia do tos das massas
outro á integragáo [...] náo é um acidente histórico [...e sim] a condigáo natural de que ficagáo deixa
parte toda interpretagáo" (Vattimo, 1998: 144). (Guattari, 198
5. A distribuigáo ecológica designa as assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais, 10. A crít
temporais, no uso que os seres humanos fazem dos recursos e servigos ambientais, cagáo da ecolc
comercializados ou nao, quer dizer, a diminuigáo dos recursos naturais (incluindo a gia com a poli
perda de biodiversidade) e as cargas de contaminagáo (Martínez-Alier, 1997). cista; urna idee
6. Nos trés regimes de natureza que Escobar analisa, o substrato "natural" é orgáni- municáveis, er
co, ecossistémico, biodiverso. A diferenga está na ordem náo natural que o significa e o mo jurídico el
invade, que o "hibrida". As naturezas "orgánicas" se caracterizam por estarem significa- vindicagáo do
das pelo cultural; sua especificidade repousa menos em serem "orgánicas" do que pelo res da res pub)
fato de estarem organizadas culturalmente. A biodiversidade náo é apenas um ente natu- da argumentas
ral ecossistémico gerado pela evolugáo biológica, mas um ente hí b rido de natureza e cul- política da dift
tura, produto da coevolugáo da natureza pelas diferentes formas de significagáo cultural. gra ao mercad,
Sáo naturezas cultivadas, culturalizadas. O regime de naturezas capitalizadas se caracte- Tais suspeitas
riza por estar codificado pelas formas de dominagáo das ciéncias e circunscrito aos pro- ga a urna ética
cessos de valorizagáo do mercado e do capital. O regime da tecnonatureza — ao que nicativa (ver c
Escobar atribui urna autonomia relativa e um caráter criativo e estratégico na produgáo 11. Nesse
de "alteridade" e novidade embora abra possibilidades diferenciáveis dos processos genética, náo
de "hibridagáo" com a natureza "orgánica", náo tem autonomia, enquanto está forte- nificagáo náo
mente determinado pelo processo de racionalizagáo do capital, como no caso da biotec- cena da preser
nologia. Em todo caso, a conjungáo das "naturezas orgánico-culturais" e a "tecnonature- passado e deb
za", enquanto se desprende de sua "naturalidade" e sai dos regimes de racionalizagáo constituindo o
económica, tecnológica, ecológica e cultural que as contém, contribui para a construgáo quer dizer, nei
de regimes de racionalidade ambiental. sário que o sei
7. Ver cap. 2, supra. podemos char
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iginária, 18. Para Moscovici, o domínio dos homens tem se escorado no uso que deram á lei
da proibig'áo do incesto, aferrando-se nela como urna lei simbólica transistórica para
de cole- manter seu domínio da ordem estabelecida. Mas, se for assim, seria necessário mostrar o
garam a anacronismo da lei de proibigáo do incesto nas sociedades modernas, a possibilidade de
eu livro transgredi-la e de transcender á culpa por sua transgressáo.
19. "0 intercambio [...] o dom das mulheres póe em jogo os interesses de quem dá,
:a como mas se funda na generosidade. Isto responde ao duplo aspecto do 'clom-intercámbio', da
7) dessa mstituigáo a que se deu o nome de potlach [...] a superagáo e a culminagáo do cálculo [...]
ocia náo trata-se de [...] urna espécie de revolugá'o interna cuja intensidade deve ter sido grande,
nstante- posto que o pavor embargava os espíritos somente em pensar no descumprimento. Este
e instala é o movimento que provavelmente está na origem do potlach das mulheres, quer dizer,
estes na exogamia, do dom paradoxal do objeto da cobiga. Por que teriam se imposto com
la ultra- tanta forga — e em todas as partes — urna sangáo, a da proibigao, se náo houvesse se
tssado a oposto a um impulso difícil de vencer, como é o da atividade genésica? Reciprocamente,
icarnam náo foi designado á cobiga o objeto da proibigáo pelo mero fato da proibigáo? Nao o foi
os sofri- ao menos no princípio? O fato de a proibigáo ser de natureza sexual parece que subli-
er-aqui- nhou o valor sexual de seu objeto. Ou melhor, deu um valor erótico a determinado obje-
que isso to [...] Mas esta evolugáo contraditória estava dada de antemáo. A vida erótica náo póde
tempo ser regulada além de um certo tempo. Ao final, as regras tiveram como resultado expul-
:onceito sar o erotismo fora das regras. Urna vez dissociado o erotismo do matrimónio, este
>rmagáo cobrou um sentido diante de tudo o que fosse material [...] as regras que apontavam a
está em repartigáo das mulheres-objeto de cobiga foram as que asseguraram a repartigáo das
)ropria- mulheres-forga de trabalho" (Bataille, 1997: 218-9).
s se ter- 20. "A apropriagáo do poder, a ocupagan do lugar do falo, a assungáo imaginária
nraízam dessa completude que náo possui, traz como conseqüéncia a anulagáo das mulheres, e ás
vezes também a psicose do filho [...] Nesse campo assim deslindado, onde as reivindica-
góes políticas das mulheres encontram sua legitimidade [...] Dada sua condigáo de repro-
:imento dutora, apropriar-se da mulheres é apropriar-se da produtora de produtores e, em con-
losofia, seqüéncia, é também a primeira expropriagáo" (Saal, 1998: 38). A partir dessa visco
isamen- "freudo-marxista" o feminismo encontraria urna via de emancipagáo na medida em que
) social a mulher se afasta da fungáo reprodutora e se libera desse lugar atribuído pela estrutura
López económica, mas também na medida em que consegue desconstruir o lugar designado pela
s e das teoria psicanalítica ao complexo de Édipo e á lei de proibigáo do incesto, dessujeitando-
se da racionalidade económica e da racionalizagáo das formagóes do inconsciente
► dosos (Deleuze e Guattari, 1985).
a quan- 21. Um caminho para compreender o feminino na ordem do poder talvez esteja ins-
enas de crito na concepgáo de justita proveniente da Biblia (Velho Testamento) que assinala, ao
eaga de definir a palavra sanedrín, como o significante por antonomásia da justita em seu senti-
do fundamental de responsabilidade em relagáo ao outro, em um espago semicircular que
é con- provoca o olhar frente a frente com um vaso de flores onde a justita é' separada da ten-
; o sen- tagáo por urna coroa de flores, e náo pelas muralhas, fronteiras, fortificagóes e cárceres
ilhado com as quais a ordem jurídica e judicial pretenden, em nossas sociedades ocidentais,
separar o bom do mau (Levinas, 1996).
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CAPÍTULO 7 Racionalidade ambiental, outridade e
diálogo de saberes
INTROD U q.A- O
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á de
1 (de Habermas procura situar a racionalidade do momento atual mais além
nvo- da retotalizagáo do conhecimento pela via da razáo teórica, o pensamento
ntro sistémico e a interdisciplinaridade das ciéncias. No entanto, essa crítica do
góes saber totalizante, da essencialidade ontológica que sustenta as teorias objeti-
vantes e de urna consciéncia geral fundada na idéia de um sujeito transcen-
dental, transfere a supremacia do conceito científico e a categoria filosófica
que sustenta a racionalidade teórica e instrumental a urna razáo imanente á
linguagem como suporte da sua racionalidade comunicativa. Nesse sentido,
Habermas procura
que, Introduzir urna teoria da agáo comunicativa que dé razáo dos fundamentos
que normativos de urna teoria crítica da sociedade [...] dentro da qual pode ser
itru- retomado aquele projeto de estudos interdisciplinares sobre o tipo seletivo
)nar de racionalizagáo que representa a modernizagáo capitalista [a partir] do
r da conceito de razáo comunicativa, de uma razáo imanente ao uso da lingua-
que gem, guando este uso se enderega ao entendimento (1990: 563).
pria
ram Com sua teoria da agáo comunicativa, Habermas procura entender
seu como a razáo objetivamente cindida pode ainda manter uma unidade, e
como estabelecer urna mediagáo entre as culturas de especialistas e a prática
ro é cotidiana. Ante a recusa de um saber totalizador, a racionalidade comunica-
nos tiva enfrenta o desafio de tornar inteligível a dispersáo de enunciados e atos
cial de fala. Baseado em urna teoria da argumentagáo, procura urna fórmula
razoável para alcangar consensos por meio de urna comunicagáo que se
icia expressa através da linguagem racional, superando as sombras de irraciona-
lidade que reflete o fracasso do Iluminismo ante a impossível transparéncia
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e da aquele que segue urna norma vigente e é capaz de justificar sua agáo diante
riori de um crítico, interpretando urna dada situagáo á luz de expectativas legíti-
erar mas de comportamento. E inclusive chamamos de racional aquele que
pec- expressa verazmente um desejo, um sentimento, um estado de ánimo, que
revela um segredo, que confessa um feito etc., e que depois convence um crí-
tico da autenticidade da vivéncia assim desvelada, tirando as conseqüéncias
rado práticas e comportando-se de forma coerente com o dito [incluindo as]
s de manifestagóes carregadas de sentido inteligíveis em seu contexto, que estáo
;ária vinculadas a urna pretensáo de validez suscetível de crítica (ibid, 1989: 34).
:r-se
r no Dessa maneira, urna agáo náo é racional somente por ser objetiva e cor-
:on- responder a "fatos", mas por ser argumentável racionalmente e suscetível de
?lite crítica. Nesse sentido, a racionalidade comunicativa exclui as razóes inefá-
que veis e as motivagóes irracionais, considerando válidas táo-só as expressóes
)der que possam estabelecer urna intersubjetividade fundada em um código cul-
dar, tural e modelos de valor compartilhado, de modo que
uni-
as agóes reguladas por normas, as auto-apresentagóes expressivas e as mani-
festagóes e consideragóes valorativas vém completar os atos de fala consta-
sea-
tativos para configurar urna prática comunicativa que sobre o transfundo de
for-
um mundo de vida tende á consecugáo, manutengáo e renovagáo de um
óes
consenso que repousa no reconhecimento intersubjetivo de pretensóes de
n as
validez suscetíveis de crítica (ibid.: 36).
elas
3 de
Nesse sentido, os valores sáo válidos na medida em que remetam a jul-
. de
gamentos objetivos que se expressam através de urna capacidade argumen-
tativa sobre um saber de fundo, delimitando o campo da racionalidade
►ara iquele no qual um fato ou um valor possa fundamentar-se objetivamente e
:nte ser suscetível de crítica. Nesse sentido, considera que
náo
isso uma manifestagáo cumpre os pressupostos da racionalidade se e apenas se
encarna um saber falível, guardando, assim, urna relagáo com o mundo obje-
tivo, isto é, com os fatos, e resultando acessível a um ajuizamento objetivo
►-se (ibid.: 26).
ca.
111^
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por razóes [...] É precisamente isto o que nos autoriza a abrigar a esperanga que se
de obter, através da clarificagáo das propriedades formais da interagáo va e er
orientada para o entendimento, um conceito de racionalidade que expresse nio de
a relagáo que entre si guardam os momentos da razáo separados na moder- camen
nidade, seja rastreando-os nas esferas culturais do valor, nas formas diferen- que a
ciadas de argumentagáo ou na própria prática comunicativa cotidiana Assim,
(ibid.: 500). sujeito
conser
Entretanto, a razáo integradora e consensual que Habermas propóe própril
resulta de urna racionalizagáo do social estabelecido e do pensamento do indivíc
social pelo funcionamento da racionalidade imanente á agáo comunicativa, espécie
mais que de urna política da diferenga capaz de conciliar visóes e interesses
diversos mediante um diálogo de saberes. A racionalidade comunicativa O ent•
seria a que corresponderia á fungáo unificadora do social do estado demo- Habermas
cráticb da modernidade: tentável qt
além do di
Se partimos do fato de que a espécie humana se mantém através das ativida- abre-se par
des socialmente coordenadas de seus membros e de que esta coordenagáo náo se sub
tem que estabelecer-se por meio da comunicagáo, e nos ámbitos centrais estruturagá
por meio de urna comunicagáo tendente a um acordo, entáo a reprodugáo tentabilidai
da espécie exige, também, o cumprimento das condigóes da racionalidade espécie", a
imanente á agáo comunicativa. Estas condigóes se tornam acessíveis na cido e do "
modernidade — quer dizer, com a descentragáo da compreensáo do mundo No enti
e a diferenciagáo de distintos aspectos universais de validez [...] No proces- sáo as forn
so de autopreservagáo, ao ter agora que satisfazer ás condigóes de raciona- pela qual a
lidade da agáo comunicativa, passa a depender das operagóes interpretati- de urna raci
vas dos sujeitos que coordenam sua agáo através de pretensóes de validez gias de pod
suscetíveis de crítica. Daí que a característica da posigáo da consciencia sistémico e
moderna náo seja tanto a unidade de autopreservagáo e autoconsciéncia e muitas ve;
corno essa situagáo de que sáo expressáo da filosofia social burguesa e a filo- tentabilidad
sofia burguesa da história: que o plexo da vida social se reproduz através de resolugái
das agóes "racionais segundo fins" de seus membros, controlados por melos de urna raci
generalizados de comunicagáo, e, simultaneamente, através de urna vontade ro comum"
comum ancorada na prática comunicativa de todos os indivíduos [...] A partir
diferenga da razáo instrumental, a razáo comunicativa náo pode submeter- analisa as r
se sem resistencias a urna autopreservagáo cega. Refere-se náo a um sujeito entendimen
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inteligibilida
analisando os modos de uso da linguagem, pode-se esclarecer o que signifi-
do mundo d:
ca que um falante [...] entabule urna relagáo pragmática com: algo no
mundo objetivo (corno totalidade das entidades sobre as quais sáo possíveis
as novas
enunciados verdadeiros); com algo no mundo social (como totalidade das
truindo a
relagóes interpessoais legitimamente regulamentadas); com algo no mundo
Diante d
subjetivo (como totalidade de suas próprias vivéncias ás quais cada um tem
posigáo e
um acesso privilegiado e que o falante pode manifestar verazmente diante
como me
de um público), relagáo na qual os referentes do ato da fala aparecem ao
vida se n
falante como algo objetivo, como algo normativo ou corno algo subjetivo
intersubje
(Habermas, 1990: 171).
dem desd
mundo ol
Habermas define, assim, o saber como a experiéncia subjetiva que pode
transferir-se para o entendimento e ser tematizada:
A raciona
fenomenológ
Enquanto o assunto se converte em ingrediente de urna situagáo, pode ser
ser no mund
conhecido e ser problematizado como fato, corno conteúdo de uma norma,
diversidade c
como conteúdo de urna vivéncia. Antes de tornar-se relevante para urna
uma razáo u
situagáo, essa própria circunstancia só está dada no modo de urna auto-
mítico e as m
evidéncia do mundo da vida com a qual o afetado está familiarizado intuiti-
vamente sem contar com a possibilidade de urna problematizagáo. Nem
A prova d
sequer é algo "sabido", em sentido estrito, se o saber se caracteriza por
sáo mode
poder ser fundamentado e colocado em questáo. Só os limitados fragmen-
deria de c
tos do mundo da vida que caem dentro do horizonte de urna situagáo cons-
aclarassen
tituem um contexto de agáo orientada para o entendimento que pode ser
gem que r
tematizado e aparecer sob a categoria de saber (ibid.: 176).
prendido ]
A racionalidade comunicativa se constitui, assim, a partir do fundo de
O saber a
um saber, um saber que remete á consciéncia que se levanta acima da evidén-
tradicionais,
cia do mundo da vida para colocar á prova sua objetividade, para ser funda-
um pretenso
mentado e questionado, tematizado e problematizado. O saber sai de sua
razáo econórr
ínterioridade para entrar no ámbito da norma, da objetividade da relagáo
dimento da ri
intersubjetiva, afastado da relagáo ser-saber, dos saberes comuns diferencia-
sustentabilida
dos e de seus dissensos. A outridade (o saber do outro, o saber em poténcia,
pensável desc
o náo-saber) fica fora do entendimento, para dissolver-se na familiaridade
naturalizagáo
da cultura constituída pelo saber comum, para conformar-se ás formas da
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1 de
O saber ambiental torna problemáticos os mundos de vida modernos e
lén-
' tradicionais, e questiona a centralidade, a universalidade e a generalidade de
Ida-
um pretenso saber totalizante ordenador do processo de globalizagáo. A
sua
razáo económica e instrumental e os processos de racionalizagáo no enten-
gáo
dimento da realidade foram saturados e ultrapassados. A transigáo para a
cia-
sustentabilidade anuncia outro saber, outra racionalidade, que transcende o
cia,
pensável desde a ontologia e a epistemologia herdeiras da metafísica e a
ade
naturalizagáo da cultura.'
da
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como O infinito náo é existir sem limites, mas a abertura á invengáo do ser pela
falar agáo do limite no real (entropia) e no simbólico (a morte). A realidade do ente
— coisa, dado, fato —, como uma soma articulada de determinagóes de pro-
cessos objetivos, ignora e nega a "indeterminagáo absoluta do há", postulan-
rior e do um "existir sem existentes", negando a existéncia no tempo e o tempo do
ser e do real. O ente que se manifesta na realidade presente se "produz" no
tempo e abre o possível como poténcia indeterminada do ser. A diferenga náo
volta se dá apenas na disjungáo do ser e na diversidade do ser. Se dá em uma rela-
Ilagáo láo de alteridade que rechaga a totalidade e a globalidade, que abre, assim, o
). Em infinito na dialética do Ser do real e do Ser-aí, com o Outro e com o outro. A
) com abertura e fertilidade do ser que surge do encontro com o outro é algo invisí-
afinal vel, imprevisível a partir de urna visáo, um conhecimento e um saber que
ia. De pudessem antecipar-se aos "fatos", ao advento do ser em um devir do possí-
) qual vel já inscrito na poténcia do real como epigénese, novidade, acaso e teleono-
que é mia. O chamado do infinito é a convocagáo áquilo que só poderia provir de
Ls, em um encontro com um outro que náo se conforma nem se dissolve na univer-
1 e ao salidade, generalidade, unidade ou mesmidade do pensamento sobre o
iuncia mundo presente. O que emerge no encontro com a outridade escapa a toda
vontade, a toda idéia e a todo poder sobre sua realizalcio possível:
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rosto ao associar formas diferenciadas de significar o real, o fenómeno, a rea- ao qual reí
lidade objetiva; ao descongelar os sentidos da natureza, que ficaram fixados saber, o fut
pela palavra, fazendo dialogar "naturezas" que foram denominadas por dife- nológico; r
rentes linguagens. A palavra que encadeia significantes e fixa significados ontologia
desencadeia, por sua vez, novos sentidos. crita no ser
O encontro entre matrizes de racionalidade que articulam o material e o esboga as ic
simbólico em uma diversidade de identidades culturais é plasmada em um que haverá,
campo de relagóes e estratégias de poder no saber, por encobrimentos ideo- rior e póstu
lógicos que velam os olhares, que sujeitam os sujeitos, e que o encontro cara seu pensar'
a cara náo consegue desvelar. O diálogo de saberes está habitado pelo náo- tempo que
saber, pelo impronunciável, por uma marca que está aquém e mais além da
palavra, mais além do ser e do saber. É a abertura á idéia de infinito alimen- O temp
tado pela fome do desejo. O rastro diz Levinas, é "o mais além do qual pro- ser do e
vém o rosto". É com o (
outro h,
o Ausente absolutamente prescrito, absolutamente passado, retirado naqui- mo —
lo que Paul Valéry chama de profond jadis, jadis jamais assez e que nenhu- com o
ma introspecgáo saberia descobrir em Si [...] A idéia do Infinito é Desejo. saber, q
Consiste, paradoxalmente, em pensar mais do que é pensado, conservando- sua dia(
o, no entanto, em sua desmesura em relagáo ao pensamento, em entrar em assegur:
relagáo com o inapreensível, garantindo seu estatuto de inapreensível 1993: 6
(Levinas, 2000.: 67, 64).
O temp
É o trago que olha desde o limite para o infinito e inaugura o possível: ra para o im
do pensame
A clara distingáo entre os diversos possíveis, o dom de ir ao limite do mais compreensá
distante procedem da tranqüila atengáo. O jogo sem volta de mim mesmo, diálogo de s
o ir mais além de todo o dado, exige náo só este riso infinito, mas também horizonte d
esta lenta meditagáo (insensata, mas por excesso). É a penumbra e o equívo- e o náo-sab(
co. A poesia afasta ao mesmo tempo o dia e a noite. Náo pode questionar dade de real
nem pór em agáo este mundo que me ata (Bataille, 1996: 161). go comum (
dade cultura
O saber que habita o ser leva consigo o rastro de algo que foi, que náo — mais alér
procede de, mas que precede a minha existéncia, que náo logro pensar, com- e a produth
preender, dizer. É ante-pensamento por obra da ordem simbólica. Renas- de outridad
cimento a partir da palavra, a fala e o encontro com a outridade. O infinito
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:nte O segredo que é para o outro é o que se revela apenas para o outro Ao
ido denegar este segredo, a filosofia haveria chegado a habitar num mal-
entendido do que há que conhecer, a saber, que há sigilo e que é incompa-
eci- rável com conhecer, com o conhecimento e com a objetividade, como na
ina- "interioridade subjetiva" incomparável que Kierkegaard extrai de cada reta-
gáo do conhecimento do tipo sujeito/objeto [...] Talvez seja ali que encon-
tremos o sigilo, a saber, que náo é urna questáo de conhecer e que está ali
do, para ninguém. Um segredo náo pertence, nunca se pode dizer que este (chez
te é soi) [...] Tal é o Unheimlichkeit do Geheimnis, e devemos questionar, siste-
maticamente, o alcance desse conceito em suas fungóes, de forma regulada,
em dois sistemas de pensamento que se estendem igualmente, embora de
!cer diferentes maneiras, mais além da axiomática do si mesmo ou do chez soi
ltra como ego cogito, corno consciéncia da intencionalidade representativa, por
irio exemplo, e de maneira exemplar em Freud e Heidegger. A questáo do eu
ima mesmo [self]: "quem sou eu?", náo no sentido de "quem sou eu", mas de
ruel "quem é esse eu?" que pode dizer "quem?" O que é o "eu", e o que se passa
L na com a responsabilidade urna vez que a identidade do "eu" treme em segre-
ten- do? (Derrida, 1996: 92).
A
te a A idéia desse outro náo cognoscível questiona a idéia do saber e do
Len- conhecimento que gerou o pensamento metafísico e filosófico. Mas, se o
.O horizonte do devir ao que abre a outridade se dá em urna relagáo que está
As mais além do ser e náo está estruturada como um saber, nem por isso é indi-
;us- ferente ao pensamento. Mesuro que a relagáo do pensamento com o Outro
r-se contenha uma relagáo além de toda ontologia e de toda epistemologia, nem
;tó- por isso é alheia ao ser e ao saber, á relagáo do ser com o saber. O vínculo
:iar do ser com o saber náo é urna relagáo de conhecimento, de representagáo da
um realidade no pensamento, de identidade do conceito com o real. Mas a rela-
em gáo ética do encontro "cara a cara" com o Outro tampouco se produz em
," um mundo separado da ordem ontológica: da poténcia do real que se des-
dobra no tempo para um futuro de possibilidades; de um ser-aí que, na
ma ordem do sujeito e mais além do caráter genérico do ser humano (do ser
do para a morte), encarna como ser no mundo, se enraíza em formas de identi-
eu dade que, sem estarem encravadas em urna ordem intemporal e manter-se
imutáveis dentro de urna estrutura mítica, que, mais além de toda essencia-
lidade como marca inalterável de urna origem que garantira sua imanéncia
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no ser e sua permanéncia no tempo, conserva e projeta o sido até o que ques procui
ainda náo é. Mas, ao mesmo tempo, nessa relagáo de outridade, o tempo se mento que,
abre para algo novo que náo está prefigurado nem determinado na gerativi- aos princípi
dade da matéria e na poténcia do real; que está mais além do ser, de toda cipl inari dad
ontologia e toda epistemologia. O saber se produz no horizonte de urna dia- centrismo d
cronia que transcende a sincronia dos tempos que confluem em um presen- do mundo;
te, que puderam refletir-se e expressar-se em uma consciéncia que emerge compreend(
"organicamente" da evolugáo do cosmos para a génese de uma noosfera. relagáo ao
Nesse sentido, o diálogo de saberes se inscreve na perspectiva de urna "dia- impossível d
cronia [que] seja mais que uma sincronizagáo, [em que] a proximidade seja Entre as
mais preciosa que o fato de dar-se, que a fidelidade do inigualável seja escorre a or
melhor que a consciéncia de si" (ibid.: 70). que escapan
Nesse sentido, a relagáo com o Outro e a idéia de Infinito desde o tempo res que náo
do Outro permitem pensar o saber ambiental como o campo de externalida- gram em um
de (o Outro) do conhecimento científico, e o diálogo de saberes como a rela- tíficas const
gáo de outridade que abre a história para um futuro sustentável. Mi se cons- dos saberes
trói o campo da racionalidade ambiental na qual as ciéncias e a economia se saber ambie:
confrontam com esse Outro absoluto que é o Ambiente. Nesse encontro, urna "dimen
váo se constituindo identidades estratégicas que váo dialogando com outros de conhecin
que lhes sáo semelhantes enquanto compartilham sua diferenciagáo com o de conhecin
Mesmo comum (o pensamento único); singularidades que haveráo de se conhecimen
situar sempre como um diante do outro, tornando ética, política e pedagó- cias. É a ext<
gica sua relagáo de outridade. Esta é a fecundidade do diálogo de saberes conhecimeni
que, partindo da condigáo existencial do ser e da ética da outridade, se des- cionamento
dobra em um campo de diversidades culturais. o ator dissid
A susten
ria, mas náo
da racionalic
INTERDISCIPLINARIDADE, INTERCULTURALIDADE, cionável a ix
INTERSUBJETIVIDADE E DIÁLOGO DE SABERES dade ou da r
é um campo
A crise ambiental foi associada ao fracionamento do conhecimento. Dessa diálogo de sl
maneira, a compreensáo do mundo atual reclamou um pensamento da com- tos na aprop
plexidade para reintegrar os membros mutilados ao corpo da ciéncia. A do reconhec
interdisciplinaridade e a teoria de sistemas emergem como dispositivos aportara suas
metodológicos para a constituigáo de um saber holístico. Esses novos enfo- lizado; mas i
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lui-
diferenciadas a um discurso universal sobre a natureza e o "desenvolvimen-
Pas to sustentável", pela sujeigáo a um sistema (lógico, ecológico, económico)
en- que tira substáncia do ser para submeté-lo ao poder de uma lógica suprema
:u1- (economicizagáo da natureza, do homem, da cultura). O diálogo de saberes
ter- se inscreve na desconstrugáo do mundo globalizado preso á forma de repre-
am sentagáo da realidade que produz o logocentrismo e o pensamento único.
Pois, como assinala Levinas,
das
do
A relagáo com as coisas, a dominagáo das coisas, esta maneira de estar sobre
;ru-
elas, consiste precisamente em náo abordá-las jamais a partir da sua indivi-
dualidade [que] só existe (e é) acessível a partir da generalidade, a partir do
mi-
universal, a partir das idéias, a partir da lei. Apreendemos a coisa a partir de
he-
seu conceito. A violéncia, que parece ser a aplicagáo de uma forga a um ser,
na realidade nega ao ser toda sua individualidade, tomando-o como ele-
eve
mento de seu cálculo e como caso particular de um conceito. Essa maneira
:res
gáo de a realidade sensível oferecer-se através de sua generalidade, de ter um
sentido náo a partir dela mesma, mas sim a partir de relagóes que sustenta
tica
com todos os outros elementos da representagáo [de um sistema] e no seio
eta-
ade de uma representagáo que já se apoderou do mundo, é o que se pode cha-
do mar de forma desta realidade (ibid.: 2000: 86-7).
ata-
Nessa denúncia da violéncia do conceito, da teoria e do pensamento sis-
.O
témico, Levinas parece reivindicar os saberes subjugados pelo peso do poder
ata-
: da de urna ordem lógica suprema, de uma lei universal, dos saberes institucio-
um nalizados, cujo melhor exame nos foi legado por Michel Foucault. Contra a
ade violéncia da sujeigáo ás relagóes sistémicas sob o domínio da racionalidade
i, a económica e da racionalidade instrumental, levanta-se a voz da outridade
mo através do diálogo de saberes. É ali que Levinas faz intervir a expressáo do
tosto, que, mais do que o reflexo de um pensamento que anima ao conheci-
to mento do outro, convoca a um ato de interlocugáo no qual seres diferentes
-es- se subordinam um ao outro em um diálogo de saberes no qual se estabelece
sso um campo de sentidos plurais que provém da diversidade do ser. Nesse diá-
ais; logo adquirem expressáo seres culturais constituídos por seus saberes, cujos
be- conflitos poderáo ser resolvidos no consenso gerado através de urna racio-
ge- nalidade comunicativa, mas que náo dissolvem suas diferentes no conheci-
" es mento do outro ou em um saber de fundo comum:
379
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O que é expresso náo é um pensamento que anima ao outro [autrui], é tam- saber am
bém o outro [autrui] presente nesse pensamento. A expressáo torna presen- náo é a c
tes o comunicado e o comunicante, eles se confundem nela. Mas isso tam- poténcia
pouco quer dizer que a expressáo nos brinda conhecimento do outro Infinito q
[autrui]. A expressáo nos fala de alguém, náo é um dado sobre urna coexis- di al ética.
téncia, náo suscita, além do saber, urna atitude; a expressáo convida alguém abre o m
a falar. A atitude mais direta para um ser Kath Autó náo é o conhecimento mesma cc
que podernos ter dele, mas, precisamente, a negociagáo social com ele [...] tram e di
O ser presente domina ou penetra sua própria aparigáo: ele é o interlocu- nhece sua
tor. Os seres que se apresentam um ao outro se subordinam um ao outro. outridade
Tal subordinagáo constitui o acontecimento prirneiro de urna transigáo É nes!
entre liberdades e de um mandamento [...]. Um ser manda no outro, sem pria relag
que isso seja simplesmente em fungáo de um todo que abraga, de um siste- produz m
ma, e sem que isto seja por tirania (ibid.: 88).
A inte
No dizer de Lenger (em sua entrevista a Levinas), este "mostra fenome- mas n
nologicamente que o Dizer do outro antecede o Cogito e que inaugura pela sofism
primeira vez cada sentido possível de cada pensamento possível" (ibid.; torna
105). Essa relagáo ética desloca a subjetividade transcendental para a exte- locuto
rioridade do ser, que é, ao mesmo tempo, a exteriorizagáo do conhecimen- solitár
to para o saber em relagáo com o ser e o real e náo apenas do eu em relagáo
com o próximo. O diálogo de saberes reenlaga assim a ética, a ontologia e a O diál
epistemologia. É um trancado do real, do simbólico e do imaginário tensio- tividade d
nado pela outridade situada na diversidade cultural. consenso.
Em face do projeto totalizante do conhecimento objetivo e da fixagáo res sociais
do conhecimento no presente, da história baseada em "fatos", de um futuro se negocia
limitado á extrapolagáo das tendéncias da realidade, sem mudangas, sem cria- entre seres
tividade, sem possibilidade, o diálogo de saberes restabelece a relagáo entre o conciliagál
ser e o saber, abre o conceito genérico do ser (Heidegger) para pensar a diver- demais. O
sidade do ser cultural dentro de uma política da diferenga e para a reapro- logo de sa
priagáo do mundo arraigado na reconstituigáo das identidades culturais. tos que ah
O diálogo de saberes póe em contato seres e saberes que náo se subme- relagáo do
tem nem retotalizam como simples variantes do Uno e o Mesmo. Sáo rela- na realida
góes de outridade em relagáo ás suas diferengas irreconciliáveis; mas que, ao objetivida(
mesmo tempo, se dáo em um "fundo" de Outridade, em um espato e um O futL
tempo que estáo fora da positividade do conhecimento, na esfera de um nháo de ui
380
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381
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e que
cursivo e social. O diálogo de saberes se manifesta na disputa de sentidos da
o que
sustentabilidade e se expressa por interesses contrapostos em torno da apro-
ge do
priagáo da natureza. Mas o conflito social gerado pela externalizagáo (exter-
nbém
mínio) da natureza náo se reabsorve em urna retotalizagáo do saber. O con-
am eu
flito ambiental náo é solucionável (reintegrável no Uno e no Mesmo) por
• em
meio do conhecimento objetivo da ciencia nem pela reintegragáo interdisci-
Junto
plinar do saber, deslocando a problemática de um conflito pela reapropria-
cul-
¡áo social da natureza. É, sim, onde a interdisciplinaridade se desloca em
as que
diregáo ao diálogo de saberes.
ias de
O diálogo de saberes articula palavras em discursos que váo além e dife-
)utros
rem de postulados de urna axiomática, de urna racionalidade instaurada em
urna realidade, para dar coeréncia e consistencia áquilo que hoje cometa a
iálogo
manifestar-se no encontro e enlagamento de discursividades, de pensamen-
lidade
tos, de falas e de agóes que a relagáo entre o ser e o saber formula. Trata-se
holís-
do campo de urna política da diferenga que póe em movimento urna relagáo
talida-
do ser e do real com o Outro e com o Infinito. O saber ambiental é o espa-
o urna
go de dissidéncia do conhecimento centrado, da epistemologia acovardada
Ltro de
em seu trono unitário e em seu reino universal. O saber ambiental combate
vísível
todo totalitarismo do conhecimento: em seu propósito holista, sistémico,
de, na
transparente; em seu objetivo coisificador e em seu afá de controlar e domi-
lógico
nar o mundo. O saber ambiental náo aspira á totalidade, e sim ao infinito;
enfrenta, assim, o logocentrismo das ciencias e os regimes de poder que dis-
3e sua
criminan' os saberes náo científicos.
belece
Diante de urna epistemologia que procura empunhar a palavra para
mun-
designar os objetos da realidade, no diálogo de saberes a fala é empenhada
mento
em um sentido dialógico em face do outro, em uma construgáo da realidade
ositivo
fundada náo no crescimento do conhecimento que avanga em sua adequa-
stenta-
láo a um objeto preexistente, mas na construgáo de urna realidade possível
isóes e
fundada em urna ética da outridade. Levinas recupera assim o sentido origi-
as que
nário da palavra:
socio-
A fungáo original da palavra náo consiste em designar um objeto para entrar
.o pro-
em comunicagáo com outro, em um jogo que carece de maiores conseqüén-
enlaga
cias; mas sim em assumir a respeito de alguém urna responsabilidade peran-
Dnias e
te alguém. Falar é empenhar interesses humanos. A responsabilidade seria a
lo dis-
esséncia da linguagem [...1 Reconhecer a prioridade do objetivo náo exclui
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que as pessoas desempenhem um papel: náo há coragáo sem razáo, e náo há própri
razáo sem coragáo (Levinas, 1996: 40, 50). 2000:
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aáo há própria aparéncia, de trás de sua forma, urna abertura na abertura (Levinas,
2000: 63, 60).
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lento
-
so póe em relagáo com aquilo que continua sendo essencialmente transcen-
[heci- dente [...] No Discurso, a diferenga que se acusa inevitavelmente entre o
-esses Outro como meu tema e o Outro como meu interlocutor, eximido do tema
apro- que por um instante parecia possuí-lo, póe logo em tela de juízo o sentido
a ser que dou a meu interlocutor. Por isso, a estrutura formal da linguagem anun-
;Ihor, cia a inviolabilidade ética do Outro [...] O fato de o rosto manter, pelo dis-
esul- curso, urna relagáo comigo náo o alinha no Mesmo. Permanece absoluto na
entá- relagáo. A dialética solipsista da consciéncia, sempre suspeita de ficar cativa
no Mesmo, se interrompe. A relagáo ética que sustenta o discurso náo é,
pelo efetivamente, urna variedade da consciéncia cujo ralo parte do Eu. Esse
abre questionamento parte do outro (Levinas, 1977/1997: 208-9).
io do
lógi- A palavra nova náo encontra o campo lavrado, nem livres as vias de
ituro acesso: náo só pelas cargas denotativas da linguagem que arrasta a realidade
Dr da
presente, mas sobretudo pelas estratégias de poder no saber, que dificultam
.erca- as possibilidades da sustentabilidade convertendo-as em urna retórica do
adesenvolvimento sustentado", na afirmagáo de um presente insustentável.
urna O diálogo de saberes abre assim urna via de compreensáo do mundo
fazendo-se e transformando-se em sua diversidade, para além de um conhe-
cimento holístico da realidade a partir de saberes objetivos sobre processos
ermi- coisificados, realizados. O conhecimento marginaliza o sujeito e o sentido; o
riente entendimento compreende as relagóes entre processos no encontro das for-
.oduz mas diferenciadas de significagáo do outro, dos outros. O diálogo de sabe-
mum res se oferece como um processo de comunicagáo de saberes, de intercam-
esen- bio de experiéncias e complementagáo de conhecimentos. Mas náo é urna
eren- metodologia para estabelecer urna comunidade de aprendizagem, assim
iz
como o pensamento da complexidade náo é um método para a interdiscipli-
zie, a naridade das ciéncias. O diálogo de saberes náo apenas estabelece um espa-
)es: a lo de sinergias e complementaridades entre os saberes existentes a respeito
qual do mundo atual e a realidade presente, mas aponta para a produgáo (mais
que a geragáo óntico-epistémica-científica-tecnológica) de novas formas de
m. A compreensáo do mundo que emergem do intercambio dialógico de saberes
dade e da disputa de sentidos da sustentabilidade na reapropriagáo social da natu-
reza e da cultura.
con-
no o
wur-
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quimera mais do que como urna utopia, guando o terror na era da globali- Deve:
zagáo impóe a desconfianga em relagáo ao outro, guando a sociedade homo- E o qi
geneizada em suas formas de ser e pensar vé em seu semelhante o reflexo E o qi
fantasmagórico de um mesmo que lhe reafirma sua identidade aterrorizada, E ona
esvaziada de significado e de sentido (Heine: Der Doppelg&nger).
E, no entanto, só a relagáo com o outro abre a vida para sair da mesmi-
dade ensimesmada do eu que se afirma na presenta e no empirismo da rea-
lidade. A outridade é a condigáo do ser — do ser ali fora do eu pois, O ser
como especula Paul Auster, "ser está sempre fora, nunca dentro de mim mes- Steiner
mo" (1990: 132). Fazendo soar o chamado do inconsciente freudiano: "wo seja em u
Es war sol Ich werden" e a poética de Baudelaire: "il me semble que je serais
toujours bien lá of4 je ne suis pas", Auster afirma "wherever I am not is the Ser n1
place where I am mysel'. Este enunciado viria a problematizar as propostas exces1
heidegeeriana e levinasiana; a primeira, por pensar o ser como ancoragem e em se
fundamento de toda ontologia; a outra, por pensar todo encontro com a que s<
outridade desde a ipseidade do eu como o lugar de onde a mesmidade pode torna'
olhar o outro, migrar até o outro. O ser fora do próprio eu (self), significa com".
que o ser náo se constitui na afirmagáo do eu a partir das determinagóes que sacrifí
lhe chegam do inconsciente, mas desde urna exterioridade do eu próprio, 20011
em relagáo com o outro. Dizer que sou no lugar no qual náo estou, significa
que náo sou ali, mas em um lugar além, fora do mundo, fora de meu mundo. O diá
Meu ser náo se constitui em urna relagáo interna, mas em urna relagáo com diferencia
urna outridade que náo é a do outro inconsciente ou da condigáo existencial perspectil
do ser para a morte, mas da externalidade do eu e do ser. Sair ao encontro síntese di¿
com o outro é desandar o caminho para chegar a esse lugar onde ainda náo de saberel
sou, onde náo estou, do qual ainda náo há um saber; lugar onde o saber seus saber
encarna no ser; onde o saber se sente e se torna sentido, seguindo a trilha diferencia
apontada por Eliot: culturais <
de sua ori
Para chegar aonde estás, para ir aonde nao estás, tir e desis
Deves ir por um caminho no qual nao há éxtase. entre seres
Para chegar ao que nao sabes humana, e
Deves pegar o caminho que é o caminho da ignorancia. gáo de ra<
Para possuir o que nao possuis, que enlagz
Deves ir pelo caminho da despossessao. pensamen
Para chegar ao que ndo és conhecim<
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do ser, do saber: produgáo infinita de sentidos que, entre filiagóes e outrida- bitadas no
des, aduba o solo da fertilidade humana. nem pela
O diálogo de saberes transcende, assim, o solipsismo do sujeito e da A rela
razáo individual e a ipseidade do eu em sua relagáo com o outro. É, sobre- segue con
tudo, o encontro de identidades coletivas fundadas em autonomias cultu- língua e n
rais, a partir de onde se desdobra um diálogo intercultural. É nesse sentido linguagem
e nesse contexto que están emergindo projetos, estudos e movimentos duz pela 1
sociais nos quais a autonomia cultural aparece como condigáo do desenvol- gem— qt
vimento sustentável e uma sociedade fundada na convivéncia de sujeitos um efeito
autónomos baseados em suas diversidades culturais e em urna política da invisível, i
diferenga. 9 nificáncia
O diálogo de saberes náo se dá em uma multirreferencialidade com a O diá]
complexidade do real a partir de um saber de fundo. Pelo contrário, o diá- designagáe
logo de saberes produz um saber sem fundo, aberto ao infinito pela intera- um de sígn
gáo do ser e do saber com o mundo, em que a relagáo do real com o simbó- forjada pel
lico transcende o significado da palavra e da coisa e ultrapassa a relagáo de poder da
significagáo entre o conceito e a realidade. O diálogo de saberes na diversi- sobrevoar
dade cultural e no contexto de uma política da diferenga náo se dá em um emancipa (
saber de fundo porque a comunicagáo é um intercámbio de sentidos, nem olhares; a
sempre e náo de todo convergentes, entre interlocutores com linguagens, está além
significáncias, intengóes e interesses diferentes; sentidos ancorados em um enfrenta se
eu (individual) e em um nós (coletivo) que náo se fundem em um todos, lidades e se
salvo pela condigáo comum de todos os homens como mortais, que afirma já pensado
o silogismo e confirma a experiéncia. energia, ge
Náo há saber de fundo em urna agáo comunicativa que implica um diá- outro, com
logo entre desiguais e diferentes, porque toda comunicagáo procura um tente; com
entendimento, e entender é sempre traduzir (Steiner, 2001a). Toda palavra cido, e con
pronunciada, toda mensagem emitida, todo sentido compartilhado póe em logo prepai
movimento um deciframento e compreensáo a partir do lugar do outro, que dá lugar á 1
náo dissolve sua diferenga em um entendimento comum; o que dissolveria a
significáncia mesma da linguagem e do ser no qual se aninha um significado A fruta
entre signo e referente. Como um jogo intergaláctico, o diálogo de saberes é E a bese
o encontro de sóis que se iluminam, se chocam e se dispersara a partir de Pois as
diferentes trajetórias, trocando luzes e cores, transformando a matéria com E as !vi
um fogo que náo consome a autonomia dos astros que em sua interagáo fun-
dem seus corpos celestiais para gerar novas estrelas que deambulam desor-
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ida- bitadas na entropia do firmamento que náo está selado pela palavra divina
nem pela lei universal. Espato exterior á espera da palavra humana.
; da A relagáo entre as palavras e as coisas, entre o conceito e o real, náo con-
bre- segue completar um mundo, nem sequer entre os falantes de uma mesma
Iltu- língua e no seio de urna cultura. Sempre há algo do real que se anuncia na
tido linguagem, embora nem sempre se anuncie pela palavra. A realidade se pro-
-nos duz pela linguagem. Há um algo que é gerado pela significáncia da lingua-
vol- gem — que náo é nem a designagáo da realidade já dada pela palavra nem
litos um efeito de conhecimento — que, no entanto, náo advém á presenta, é
a da invisível, impensável e inefável. Esse algo por vir que nasce da relagáo de sig-
nificáncia entre o real e o simbólico é ativado pelo diálogo de saberes.
,m a O diálogo de saberes abre os sentidos que se fecham e se esgotam na
diá- designagáo do mundo pela palavra, em que a existéncia fica consignada em
:era- um desígnio, em urna dívida-significado-culpa do ser em relagáo á realidade
rrbó- forjada pelo signo e o código, ante a qual o sujeito resignado, submetido ao
o de poder da palavra que fixa o real em urna realidade, deixa de bater asas e
ersi- sobrevoar o mundo em busca de novos significados. O diálogo de saberes
um emancipa o poder da palavra a partir da tensáo de outras linguagens e outros
nem olhares; a partir da outridade do ser e do saber. Tensáo de seres-saberes que
;ens, está além da dialógica e da dialética de sentidos preestabelecidos; que
um enfrenta seres constituídos por saberes encarnados em sentimentos, sensua-
dos, lidades e sentidos que náo se recheiam e saturam na totalidade do já sido, do
irma já pensado, do já atribuído pela palavra. Estes seres-saberes se carregam de
energia, geram sinergias em sua abertura e tensáo com a outridade: com o
diá- outro, com o nada e com o náo-saber; com a diferenga e diversidade do exis-
. um tente; com o advento da existéncia em sua relagáo com o sido, com o conhe-
avra cido, e com o porvir; com o por pensar e com o que ainda náo é. Este diá-
em logo prepara o campo para urna fertilizagáo infinita de sentidos pela palavra,
que dá lugar á palavra nova, pois
ria a
:ado A fruta da estalcio passada foi comida
res é E a besta bern alimentada chutará o prato vazio
r de Pois as palavras do ano passado pertencem á linguagem do ano passado
com E as palavras do ano seguinte esperam urna nova voz.
fun-
sor- Eliot, Four quartets
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O futuro sustentável será o fruto desse tempo novo, em que a palavra Daí si
possa banhar com seu frescor o ser seqüestrado e o real paralisado pela pala- ginária c1(
vra envelhecida, pela arma teórica que conquistou o ser e encarcerou-o em emerge e
sua realidade. Pois desde a metafísica, o pensamento tem coisificado o relagóes c
mundo, encerrando-o em seus conceitos e categorias (ser, natureza, ente, linguagen
coisa, idéia, mente, corpo). Em toda essa revoada de palavras langadas ao góes de p
vento desde a antiga Babel, a significáncia do mundo se reativa a partir da seja neces
poténcia da fala no movimento do diálogo de saberes (ao contrário do extra- saber e su
viado desejo de construir dicionários e glossários que fixem o sentido dos Náo
conceitos para atingir um consenso e uma compreensáo da complexidade mos do p
ambiental sobre um fundo comum de saber). A racionalidade ambiental náo produtiva
se submete a uma lógica da linguagem, pois a palavra é como o amor ciga- co basead
no: un enfant de Bohéme qui n'a jamais connu de loi. socialismo
É assim que a ética se reencontra com a ontologia e com a gnosiologia de econói
na relagáo do real, do imaginário e do simbólico, no ato de pensar e de sentir, Náo é a ol
de ser no mundo e de construir um mundo a partir de um ser diverso enraiza- produgáo
do em sua cultura, em suas formas de significar seus mundos de vida, a partir Sua objeti
de urna ética da outridade e de uma política da diferenga. A racionalidade ciéncia ná
ambiental na qual se inscreve o diálogo de saberes conduz a um novo concei- saída para
to do social — das relagóes sociais, do tecido social —, em que se inscrevem ridade de
os processos de sociabilidade do ser e do saber. Contra a idéia de que a socia- Levinas al
bilidade proviria da autonomia do sujeito e sua capacidade como falante,
Vigotsky compreendeu que "todas as fungóes psíquicas superiores surgem de A exis
urna colaboragáo social, [que] a linguagem interior surge da diferenciagáo da interic
fungáo originariamente social da linguagem, da progressiva individualizagáo possib
que se produz sobre a base de sua esséncia social" (Marina, 1998: 86). interic
A constituigáo originária do próprio eu proviria de sua esséncia social. A vidadc
outridade encontraria seu fundamento no "humano" sobre a base de seu Co
"ser social". A língua e a faculdade da linguagem náo sáo propriedades indi- e com ,
viduais, mas surgem da sociabilidade originária do ser humano. O que
"supóe admitir que a mente 'individual' é, na realidade, social, em sua géne- seu sir
se e seu funcionamento. A linguagem interior se origina pela introjegáo da fram
fala comunicativa, e dela retém suas propriedades. Os signos, em seu caráter (Levin
externo, sáo instrumentos objetivos da relagáo com outros. Ao se tornarem
interiores, convertem-se em instrumentos internos e subjetivos da relagáo O ser
com um mesmo" (ibid.: 87). mas imane
396
RACIONALIDADE AMBIENTAL
avra Daí surge a pergunta sobre essa "esséncia social", uma sociabilidade ori-
)ala- ginária do ser humano anterior á linguagem e á fala comunicativa, de onde
) e rn emerge e se configura o próprio eu que vai ao encontro do outro. Mas que
lo o relalóes constituem o social, se este tecido náo é feito primordialmente de
:nte, linguagem? Onde encontramos a esséncia social guando esta foge das rela-
s ao góes de produgáo, da significagáo da língua e da ordem da cultura? Talvez
.r da seja necessário rastreá-la na ordem do poder, das estratégias de poder no
ara- saber e sua encarnagáo no ser.
dos Náo podemos hoje conceber a geragáo do humano e do social em ter-
Jade mos do paradigma do progresso fundado no desenvolvimento das forgas
náo produtivas, dessa razáo dialética posta a servigo de um materialismo históri-
ziga- co baseado em sua base económica. Náo apenas pelo fracasso histórico do
socialismo real, mas porque a crise ambiental marca o limite da racionalida-
[ogia de económica e instrumental que orientou os objetivos da modernidade.
Náo é a objetividade da dialética entre forgas produtivas e relagóes sociais de
aiza- produgáo o que abre a história através de suas mudangas revolucionárias.
partir Sua objetividade fica enredada no sistema de representagáo de onde a cons-
dade ciéncia náo consegue desalienar-se da coisificagáo económica do mundo. A
ncei- saída para um mundo sustentável e com sentido existencial está na exterio-
wem ridade desse mundo coisificado e sua abertura para o ser. Nesse sentido,
ocia- Levinas afirma:
ante,
rn de A existéncia do homem permanece fenomenal enquanto continua sendo
io da interioridade. A linguagem pela qual um ser existe para outro, é sua única
agáo possibilidade de existir urna existéncia que é mais do que sua existéncia
interior [...] Entre a subjetividade fechada em sua interioridade e a subjeti-
al. A vidade mal entendida na história está a assisténcia da subjetividade que fala
seu [—] Com a exterioridade, que náo é a das coisas, desaparece o simbolismo
indi- e cometa a ordem do ser [...] O que falta á existéncia interior náo é um ser
que superlativo, que prolongue e amplifique os equívocos da interioridade e de
;éne- seu simbolismo, mas sim urna ordem na qual todos os simbolismos se deci-
o da fram pelos seres que se apresentam absolutamente: que se expressam
ráter (Levinas, 1977/1997: 220, 195).
are m
agáo O ser náo se desvela através de urna esséncia, de urna verdade oculta,
mas imanente. O ser se expressa através de um saber, que náo é um código
1 397
El
ENRIQUE LEFF
interno, mas um tecido de relagáo entre o interno e o externo, entre o mate- cometo ps
rial e o simbólico, entre o objeto e seu ambiente, entre o presente e o devir, estado da
entre o eu e o outro. O ser se constitui em relagáo com um saber e se expres- idéia univ<
sa por um discurso ante outro discurso — como o sentido que náo provém diálogo de
da relagáo unívoca do signo e o significado da coisa, mas do enlagamento de significag¿
um significante com outros significantes em um tecido discursivo. O diálo- ideologias
go de saberes é um diálogo de seres diante de urna exterioridade. Abre o que O diál
o signo fecha ao designar o ser como um ente, corno urna coisa. Póe em jogo saber: as q
novamente a palavra viva, o significante aberto diante de outro significante: volvem en
vida a part
O ser, a coisa em si, náo é, com relagáo ao fenómeno, o oculto. Sua presen- á integragá
ga se apresenta em sua palavra. Colocar a coisa em si como oculta implica- racionaliclz
ria supor que ela é para o fenómeno o que o fenómeno é para a aparéncia. culturais e
A verdade do desvelamento é a verdade do fenómeno oculto sob as aparén- toda relagá
cias. A verdade da coisa em si náo se desvela. A coisa em si se expressa. A no sentido
expressáo manifesta a presenta do ser, náo retirando simplesmente o véu do sociais (cu
fenómeno. É, de seu, presenta de um rosto e a partir daqui, chamada e ensi- mundo. Al(
namento, entrada em relaldo comigo, relagáo ética. Além disso, a expressáo o diálogo d
náo manifesta a presenta do ser ao remontar do signo ao significado. priagáo cul
Apresenta o significante. O significante, aquele que doa o signo, náo é o sig- O diálc
nificado. É necessário ter estado em sociedade de significantes para que o ce neste cal
signo possa aparecer como signo. O significante deve, pois, apresentar ante de, onde n
todo signo, por si mesmo: apresentar um rosto. A palavra [...] desbloqueia autonomia,
o que todo signo fecha no próprio momento em que abre a passagem que gáo/apr opr
leva ao significado, fazendo o significante assistir a esta manifestagáo do sig- que emerge
nificado. Essa assisténcia mede o excesso da linguagem falada sobre a lin- logo de sal
guagem escrita tornada signo [...] A linguagem náo agrupa os símbolos em mundo atuve
sistemas, decifra os símbolos. Mas, na medida em que esta significagáo ori- sobretudo c
ginal do Outro já teve lugar, na medida em que um ente se apresentou e foi nificam sua:
auxiliado, os signos distintos aos signos verbais podem servir de linguagem cultura don
(ibid.: 199). diálogo con
res tradicio
O significante deve representar-se para ressignificar o mundo, para sal- converte er
var a linguagem de seus desvios em toda denotagáo e conotagáo que desde a terapéutica
formagáo social estabelece e cristaliza significados nos imaginários sociais, foi bloquea)
na referéncia do signo com o real, do discurso com a realidade. O novo mas foram
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
399
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NOTAS
Náo é necessário remeter á poesia para questionar o propósito represen-
tativo da linguagem. A arito comunicativa desdobrada para estabelecer con- 1. "Dian
sensos em torno de urna visito e de urna política do desenvolvimento susten- comunicagáo
tável náo é produto da criatividade da linguagem nem do diálogo racional. informagáo,
dever-se-ia cc
O consenso é mobilizado por processos comunicacionais que respondem a
reza enquant<
estratégias de poder que trabalham no próprio tecido do discurso e da polí- 147). Cf. cap
tica, em que os conceitos, os termos e os instrumentos da gestáo do desen- 2. "0 es
volvimento sustentado sito organizados (inovados, negociados, aplicados) mascara, miss
pela lógica do poder da racionalidade dominadora e náo por urna racionali- urna significa(
dado" (Levinl
dade dialógica crítica. O consenso se sustenta em um discurso automático
3. Georg
que se difunde por contágio e mimetismo e náo por uma resposta racional to estável. M.
de interlocutores heterónomos. Os termos se estabelecem pela forga do uso que náo poss<
e da convengáo, sem dar conta da razáo teórica do discurso ou da razáo prá- cagáo entre es
tica que orienta o sentido das agóes. "um agencian
viduagáo subj
A formagáo de urna racionalidade ambiental é um processo de renova-
gáo do mundo, de desconstrugáo dos fundamentos da civilizagáo ocidental relagóes de fo
e das falácias da globalizagáo económica. O diálogo de saberes aponta para ticipar dessa c
um renascimento que náo surgirá da palavra mestra de um deus, mas do a divisáo do tr
encontro dos seres humanos que habitam o mundo desde suas culturas e se [...] O agem
fluxos materia
desde suas condigóes existenciais. O diálogo de saberes náo é a introjegáo dos
ou urna metali
principios preestabelecidos no saber de fundo do pensamento ou de urna de fundo cabe
ética ecologista, mas do encontro de ambos nasce o sentido coletivo, a partir já conhece os <
de suas diversidades e diferengas, seus consensos e dissensos, de suas condi- lizada está pril
góes ecológicas e culturais de existéncia. os fluxos semi(
outras realidac
Em outro lugar que náo o da criagáo filosófica, teórica e poética que 4. Contra
estende suas asas e se torna mundo, a construgáo de um futuro sustentável que se trata de
terá que forjar-se no cadinho de um diálogo de saberes, onde nasce o novo "Projegáo ilógi
no encontro com a outridade, a diversidade e a diferenga; sem hierarquias, um sistema de
a partir do direito humano de fazer-se um lugar no mundo e a ser com os existe nenhur
(Baudrillard, 1
demais. Condigáo de dignidade da existéncia humana que hoje reclama seu 5. Nesse t
direito de reapropriagáo da natureza através da palavra e da fala. ria da traduldo
hermenéutica c
ra dada pode ti
emancipagáo n
suporte episten
isso, apenas sus
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NOTAS
401
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402
entes
unos
;ens e
.essáo
ssível
,
405
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406
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al
1970, e depois do ocaso do socialismo real, o surgimento da ordem unipo-
á
lar da economía neoliberal esteve acompanhado por avangos nas formas e
;i- práticas da democracia política, na emergéncia da sociedade civil e fortale-
te
cimento dos direitos humanos. A cultura da pós-modernidade póe em rele-
á
vo o valor da pluralidade e da diferenga. Assim, o mundo antes dividido
IS,
entre os pólos capitalismo-socialismo, leste-oeste, centro-periferia, Norte-
:S-
Sul aparece agora atravessado pelas tensóes geradas pela tendéncia homoge-
O-
neizadora da razáo económica, em face da emergéncia de novos atores
iS-
sociais e lutas populares por suas autonomías étnicas e por seus direitos cul-
as
turais. O protesto social contra a deterioragáo ambiental e as reivindicagóes
.a-
de melhora da qualidade de vida estáo levando a questáo ambiental para o
terreno dos direitos humanos. Ao lado do reconhecimento da importáncia
de
de se preservar a biodiversidade do planeta, estáo se legitimando as reivin-
gi-
dicagóes das comunidades indígenas e camponesas para preservar seu patri-
áo
mónio de recursos naturais e culturais.
tal
Os processos de degradagáo ecológica, de desintegragáo cultural e de
la-
iniqüidade social, gerados pela hipereconomicizagáo do mundo, con-
de
verteram-se em custo ecológico-social crescente no processo de globaliza-
tto
gáo. As políticas de desenvolvimento sustentável procuram interiorizar estes
ilí-
custos para garantir as condigóes ambientais de um processo de produgáo
)n-
durável a longo prazo. No entanto, a transigáo para a sustentabilidade está
ise
gerando posigóes teóricas e políticas diferenciadas. Diante das propostas
a
que procuram solugóes tecnológicas, assim como a atribuigáo de pregos de
áo
mercado e direitos de propriedade aos "bens e servigos ambientais" do pla-
os neta, nos movimentos ambientalistas dos países do Sul está se configurando
os urna concepgáo alternativa na qual as condigóes de sustentabilidade se
ica baseiam nos potenciais ecológicos da natureza, na diversidade cultural, na
Lo democracia participativa e numa política da diferenga. Nessa perspectiva, a
íes diversidade ecológica e cultural náo apenas é considerada como um princí-
es- pio ético — como um valor intrínseco, náo mercantil — mas como meios de
ul- produlcio e potenciais produtivos que conformam um sistema de recursos
tm naturais, culturais e tecnológicos capazes de reorientar a produgáo para a
do satisfagáo das necessidades básicas, reconhecendo os valores culturais das
sa- populagóes do Terceiro Mundo. O princípio de diversidade náo apenas é
os concebido como um património cultural que deve ser conservado, mas
como uma condigáo para a construgáo de um futuro sustentável. Esta visáo
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ecológicos
mentalidades, resisténcias — de sua própria história de submissáo e lutas sociedades
libertárias — para deixar-se "racionalizar" pelas razóes de forga maior da pecuária e
economía e a ecologia. cas e ecolói
Os objetivos da transigáo democrática e os princípios do ambientalismo ecossistema
— a participagáo da sociedade civil na gestáo de seus recursos ambientais e entanto, a
de seus estilos diversos de vida, enfrentam os esquemas do crescimento que propriedad(
destrói a natureza e concentra o poder, abrindo-se para um projeto social urna racion
fundado nos princípios da produtividade ecológica, da diversidade cultural superexplor
e da democracia participativa. A ecologia política emerge ante os impactos dutivos inch.
da racionalidade económica (guiada pela maximizagáo dos lucros e do exce- talistas até
dente económico em curto prazo, com seus efeitos na concentragáo do
dicionais co
poder económico e político), sobre a degradagáo do meio e a destruigáo da
Assim, p
base de recursos naturais, abrindo canais para um desenvolvimento mais dades cultur
democrático, eqüitativo e sustentável. — indígenas
propriar prc
gáo de suas
cendo a imp,
DIVERSIDADE CULTURAL, AUTOGESTÁO COMUNITÁRIA
de de aprov,
E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
diversas culti
manter o eqt
Nos anos 1970, o discurso do ecodesenvolvimento formulou um conjunto
provendo, a<
de princípios para alcangar um desenvolvimento sustentável: o reconheci-
e oportunida
mento do valor da diversidade biológica e cultural; o fortalecimento das
através de pi
capacidades (self-reliance) das comunidades; a promogáo da participagáo
(McNeely e 1
cidadá na gestáo dos recursos naturais e do meio ambiente (Sachs, 1982). As
Esses pri
estratégias do ecodesenvolvimento orientavam a descentralizagáo dos pro-
estáo sendo
cessos produtivos com base nas condigóes ecológicas e geográficas de cada
como nas prc
regiáo, incorporando os valores culturais das comunidades na definigáo de
indígenas (In
seus projetos de desenvolvimento e seus estilos de vida. Fundado nesses
do valor da
princípios, surgiu um processo social pela defesa, protegáo e reapropriagáo
Mundial sobt
de seu património de recursos naturais, formulando alternativas á ordem
para o Desen
económica dominante.
na nova ordei
As bases culturais do desenvolvimento sustentável se manifestam tanto
nomia e dive
no ámbito urbano como no rural, já que todo grupo humano é portador e
humanos fun
parte de urna cultura. No entanto, sua expressáo mais clara em relagáo á
processos del
construgáo de um paradigma produtivo alternativo, fundado nos potenciais
414
as
la
1 RACIONALIDADE AMBIENTAL
415
ENRIQUE LEFF
democrática dos países do Terceiro Mundo (Díaz Polanco, 1991; González trugáo de
Casanova e Roitman, 1996; Sánchez, 1999). A necessidade de se respeitar os tar os pc
princípios de autonomia, participagáo e autodeterminagáo dos poyos náo mento su
apenas se apresenta como uma condigáo para a preservagáo de sua cultura e cas prodt
suas identidades étnicas, mas também como urna estratégia para adaptar as Estes mo
populagóes indígenas á modernidade, integrá-las á sociedade nacional e á mento de
ordem económica mundial (Goodland, 1985). Além da vontade de integrar de uso d,
a diversidade cultural á ordem económica global dominante, a reivindicagáo manejo p
das autonomias culturais dos poyos é a reclamagáo de um direito das comu- rais de m
nidades á preservagáo de sua língua, seus costumes e crengas, á decisáo sobre do equilíl
suas próprias instituigóes, á reapropriagáo de seus territórios e de sua natu- tentabilid
reza como hábitat e meios de produgáo, e á reinvengáo e readaptagáo de A rey
suas práticas de uso dos recursos. autogerid
As estratégias de manejo produtivo da biodiversidade das populagóes gam a ser
indígenas e camponesas náo se sujeitam ás políticas conservacionistas para do Tercei
estabelecer áreas de reserva dos recursos naturais, ou para ajustar-se aos nico com
mecanismos da geopolítica do desenvolvimento sustentado, muitas vezes em ficagáo cc
conflito com os interesses e direitos das populagóes locais. 6 A dimensáo cul- textos ge(
tural do desenvolvimento sustentável reformula as condigóes e potenciais da vas e inot
produgáo no meio rural, incluindo náo apenas os poyos indígenas e as popu- suas práti
lagóes camponesas, mas, em geral, as comunidades rurais e urbanas que, Assim, a
arraigada suas identidades culturais, participam da gestáo de seus recursos seus nívei
naturais. Essa estratégia de desenvolvimento sustentável se funda em urna social e a
nova ética e em novos princípios produtivos do desenvolvimento, tanto para produtiva
preservar a base de recurso como para assegurar a sobrevivéncia e elevar o Segun
bem-estar das maiorias marginalizadas dos benefícios do atual desenvolvi- cos, assin
mento e de uma populagáo crescente que ultrapassa os umbrais da pobreza base, dese
extrema. que inclue
Na transigáo para a sustentabilidade, debatem-se diversas estratégias. curam cr]
Por um lado, o progresso da racionalizagáo económica avanga em um pro- fomentar
cesso de capitalizagáo da natureza e da cultura, procurando refuncionalizar dos gover
as condigóes ecológicas e comunitárias (os custos ecológicos e as demandas tentável e
culturais) em formas "ecologizadas" de reprodugáo e expansáo do capital. adaptadas
Por outro lado, emergem novos movimentos camponeses e indígenas pela pectiva de
reapropriagáo de seus estilos de vida e seu património de recursos naturais e náo se dis
culturais, que, dessa maneira, se convertem em atores privilegiados na cons- de ambier
416
RACIONALIDADE AMBIENTAL
ález trugáo de urna racionalidade ambiental. Essas lutas sociais procuram resga-
r os tar os potenciais ecológicos incorporados aos estilos étnicos de aproveita-
náo mento sustentável dos recursos, imbricados nos valores culturais e nas práti-
ra e cas produtivas das sociedades rurais da América Latina e doTerceiro Mundo.
ir as Estes movimentos teóricos e políticos estariam levando assim ao enriqueci-
eá mento do património natural e cultural cristalizado em práticas tradicionais
grar de uso da natureza, o que gera um potencial ecológico e cultural para o
agáo manejo produtivo sustentável da natureza. Nesse sentido, as práticas cultu-
mu- rais de manejo dos ecossistemas náo apenas contribuem para a preservagáo
Din re do equilíbrio ecológico do planeta, como também para potencializar a sus-
iatu- tentabilidade das comunidades rurais.
D de
A revalorizagáo dos saberes tradicionais e a revitalizagáo de economias
autogeridas para satisfazer as necessidades básicas das comunidades come-
góes gam a ser incorporadas ás demandas de novos atores sociais no meio rural
para do Terceiro Mundo.? Os saberes autóctones articulam o conhecimento téc-
aos nico com as cosmovisóes dos poyos, integrando assim os processos de signi-
s em ficagáo cultural em que se decantam percepgóes e práticas arraigadas a con-
cul- textos geográficos, ecológicos e sociais específicos. As capacidades adaptad-
is da vas e inovadoras dos camponeses derivam de anos de experimentagóes de
opu- suas práticas tradicionais e de coevolugáo com as transformagóes do meio.
que, Assim, a reapropriagáo de seus saberes náo somente contribui para elevar
arsos seus níveis de produgáo, como fortalece as identidades étnicas, a coesáo
urna social e a imaginagáo cultural, que determinam a capacidade de autogestáo
para produtiva das comunidades.
rar o Seguindo esse impulso histórico, diversos grupos de cientistas e técni-
olvi- cos, assim como promotores do desenvolvimento rural e comunidades de
Ireza base, desenvolveram diversas experiéncias de manejo de recursos naturais,
que incluem a cultura como um "recurso" comunitário. Desta maneira, pro-
gias. curam criar condigóes políticas no interior da sociedade nacional para
pro- fomentar as iniciativas de projetos de pequena escala, promovendo apoios
lizar dos governos para reforgar as capacidades de subsisténcia e produgáo sus-
ndas tentável das comunidades, e para multiplicar alternativas ecologicamente
vital. adaptadas a partir da fertilizagáo de projetos culturais diversos. Nessa pers-
pela pectiva do desenvolvimento sustentável, os valores éticos do ambientalismo
ais e náo se dissolvem nos objetivos da produtividade económica. A racionalida-
ons- de ambiental se assenta no suporte material do ecossistema e na ordem sim-
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
Ito permitem recuperar as formas dos usos dos recursos vegetais das sociedades
:os tradicionais, assim como de muitos grupos étnicos e comunidades campone-
se sas que mantém práticas de uso sustentável de seus recursos. Estas práticas
los produtivas incorporam princípios de urna racionalidade ecológica no uso dos
)1(- recursos que se refletem tanto nas formagóes ideológicas como nos instru-
do mentos técnicos de cada organizagáo cultural, gerada no desenvolvimento de
am uma economia "natural" baseada em longos processos de adaptagáo ambien-
lis- tal e de assimilagáo cultural.
das No entanto, a organizagáo cultural náo se constitui nem é guiada por
ati- um determinismo biológico ou geográfico. A tecnologia e as práticas produ-
ge- tivas de cada formagáo social estáo entretecidas com suas formagóes ideoló-
rin- gicas, a simbolizagáo de seu ambiente, o significado social dos recursos e os
dos referentes naturais de suas crengas religiosas; esses processos geram estilos
nto étnicos (Leroi-Gourhan, 1964-5) de percepgáo e apropriagáo, formas de
acesso socialmente sancionado, práticas de manejo dos ecossistemas e
:am padróes culturais de uso e consumo dos recursos, que configuraram as
aos "ideologias agrícolas tradicionais" (Alcorn, 1993) e diversas "estratégias de
ou produgáo mesoamericanas" (Boege, 1988) baseadas no aproveitamento
lgáo múltiplo e sustentável dos "ecossistemas-recurso" (Morello, 1986). Na pers-
glo- pectiva da construgáo de uma racionalidade ambiental baseada na diversida-
rva- de cultural, náo interessa apenas conhecer as classificagóes e taxonomias que
1
am- refletem o saber da flora e da fauna das diversas etnias, mas todo um siste-
mas ma de crengas e saberes, de mitos e rituais, que conformam os "modelos
os e holísticos" de percepgáo e aproveitamento dos recursos ambientais das cul-
erais turas tradicionais (Pitt, 1985), e que estáo intimamente relacionados com a
urna organizagáo económica e as práticas produtivas das sociedades tradicionais
e de (Godelier, 1974; Meillasoux, 1977).
con- O estilo étnico adquire, assim, urna especificidade própria no desenho
ts de de práticas diferenciadas de manejo dos recursos que constituem a riqueza
pro- do património cultural e dos recursos naturais dos povos. 8 Esta organizagáo
ira a cultural vai se readaptando aos processos de aculturagáo e de mudanga tec-
nológica, reafirmando e transformando seus tragos de identidade. Dessa
irem forma, as culturas indígenas americanas conservaram e redefiniram suas
das identidades étnicas através dos processos de miscigenagáo ocorridos desde a
itiva conquista espanhola e portuguesa. Hoje em dia, em face do processo de
que racionalizagáo económica levado pelos imperativos da globalizagáo, adquire
421
ENRIQUE LEFF
particular interesse a sobrevivéncia das etnias e sua articulagáo com novas para a rea
estratégias de uso dos recursos, diante do impacto da modernizagáo da agri- duz á negó
cultura. ser assimil
A cultura aparece assim como urna ordem tensionada entre a racionali- Dianti
zagáo económica e a construgáo de urna racionalidade ambiental. A cultura portáncia
se converte em um "recurso social" que se articula com a base de recursos Morello,
naturais. 9 Nesse sentido, as disciplinas etnológicas e antropológicas se arti- mula-se, a
culan-1 com a ecologia para definir o património de recursos naturais e cul- turais nas
turais de diferentes etnias e grupos culturais; para compreender as práticas zagáo cult
culturais de uso dos recursos e aplicá-las ás estratégias de um desenvolvi- para o de:
mento sustentável (Leff, 1985; Leff e Carabias, 1993). A cultura constitui um Mundo, qi
conjunto de processos "mediadores" entre as determinagóes históricas, polí- em urna di
ticas, económicas e geográficas sobre o uso do solo e os recursos, e a trans-
formagáo efetiva dos ecossistemas naturais. Desse modo, as práticas tradicio-
nais de percepgáo e uso dos recursos atuam como um "mecanismo" amorte-
cedor da degradagáo ambiental, inclusive nos casos nos quais se incrementa a PATRIMÓNII
demanda económica e intensifica-se o ritmo de exploragáo dos recursos de ECOLÓGICA
determinada regiáo. No entanto, esta "resiliéncia cultural" vem desaparecen-
do com a desintegragáo das identidades étnicas e a organizagáo produtiva das Até muito
culturas tradicionais pelos processos de colonizagáo, capitalizagáo e moder- da produgí
nizagáo. Dessa maneira, além de ser guiada por urna cultura ecológica gené- de maximi;
rica, a sustentabilidade se constrói através das formas adotadas pelas naciona- hectare
lidades culturais de cada etnia, cada poyo e cada comunidade. inclusive, c
Os processos de aculturagáo continuam vulnerabilizando as identidades prazos. Os
étnicas através de processos de colonizagáo que deslocam as populagóes de energética
seus territórios, transformando-as em trabalhadores assalariados, pela impo- medir e val
sigáo de megaprojetos de desenvolvimento rural, pela implantagáo de de espato
"pólos de desenvolvimento" e de pacotes tecnológicos para maximizar os
benefícios económicos de cultivos comerciais e transgénicos, assim como uso naturai
pela pecuarizagáo nos trópicos, e mais particularmente nas áreas das flores- populagáo.
tas tropicais, que vem sendo implantada apesar de ser imprópria para as que apreser
condigóes ecológicas e edafológicas do trópico e alheia á cultura tradicional complexida
de uso dos recursos." Por sua vez, a degradagáo ambiental repercute no para o uso
abandono de muitas técnicas tradicionais, como ocorre com as práticas de ambiental c
silvicultura e de pesca (Cunha e Rougeulle, 1993). Muitas vezes, o contato dos fluxos
da populagáo autóctone com os processos de modernizagáo gera respostas gurar urna
422
RACIONALIDADE AMBIENTAL
Ivas para a reafirmagáo de seus valores tradicionais; mas, em outros casos, con-
gri- duz á negagáo de sua identidade ética e seus valores culturais, pelo desejo de
ser assimilada pela cultura dominante (Viveros, Casas e Caballero, 1993).
rali- Diante da perda de património cultural, vários autores assinalaram a im-
:ura portáncia de resgatar os "estilos de desenvolvimento pré-hispánicos (Gligo e
rsos Morello, 1980) e o "modo de produgáo camponés" (Toledo, 1980). For-
arti- mula-se, assim, o projeto de incorporar as bases ecológicas e os valores cul-
cul turais nas condigóes gerais da produgáo e de explorar o potencial da organi-
:icas zagáo cultural e da produtividade ecotecnológica de diversos ecossistemas
para o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais do Terceiro
um Mundo, quer dizer, de construir urna nova racionalidade produtiva baseada
)olí- em urna diversidade de racionalidades culturais.
.ans-
icio-
Drte-
ata a PATRIMONIO DE RECURSOS NATURAIS: COMPLEMENTARIDADES
›s de ECOLÓGICAS E CULTURAIS
!cen-
a das Até muito recentemente, seguindo as tendéncias geradas pela racionalizagáo
xler- da produgáo capitalista, a produgáo agrária foi impulsionada pelo critério
lené- de maximizar a produtividade agronómica da terra — a produgáo anual por
Lona- hectare —, sem considerar seus custos energéticos e socioambientais nem,
inclusive, os custos económicos vistos de urna perspectiva de médio a longo
lades prazos. Os estudos de Pimentel e Pimentel (1979) sobre a irracionalidade
es de energética da agricultura capitalizada levaram a elaborar indicadores para
.npo- medir e valorizar a fertilidade sustentável dos solos (produgáo por unidade
o de de espato e tempo), a eficiéncia energética (quilocalorias produzidas por
ar os quilocalorias investidas) e a produgáo sustentada de recursos (de valores de
:omo uso naturais), em relagáo ás necessidades básicas e á qualidade de vida da
ores- populagáo." Isso é particularmente importante nos ecossistemas tropicais,
ra as que apresentam a mais alta produtividade natural devido á sua diversidade e
ional complexidade, mas que, ao mesmo tempo, sáo os mais frágeis e inadequados
:e no para o uso intensivo do solo. Isso está levando a definir a sustentabilidade
as de ambiental do desenvolvimento agrícola através do ordenamento ecológico
ntato dos fluxos de matéria, energia e informagáo, que assenta as bases para asse-
.ostas I gurar urna produtividade ambientalmente sustentada. Da mesma maneira,
423
ENRIQUE LEFF
promove um novo paradigma de produgáo rural que se define através das destruigl
racionalidades culturais de uso dos recursos. democrac
Os recentes estudos sobre a racionalidade energética e ecológica dos sis- Apres
temas tradicionais de cultivo mostram como as práticas tradicionais de res cultur
lavoura e de uso de fertilizantes orgánicos, assim como a associagáo, relevo mento su;
e rotagáo de cultivos, conservam e, inclusive, incrementam o rendimento legitimagj
agrícola dos solos. Assim, a ciéncia e a prática da agroecologia vém regis- como dos
trando incrementos da produgáo em cultivos associados, confirmando o mónio na
valor de urna estratégia de manejo múltiplo e diversificado dos recursos na desenvolv
elevagáo da produtividade ecológica (Altieri, 1987, 1983). Por sua vez, a ca de uma
alternáncia de cultivos acelera o tempo de colheita, reduzindo a incidéncia rais e ecol
de pragas, assim como o consumo de água e de energia. A associagáo de tuir as rell
colheitas anuais de ciclo curto com cultivos perenes permite a obtengáo de mento susi
várias colheitas ao ano de maneira sustentada, incrementando a eficiéncia da Améric
do uso do solo. Por sua vez, a integragáo dessas práticas melhora a eficién- nio de rec
cia no uso do solo e a produtividade agroecológica, diminuindo, ao mesmo entorno at
tempo, a deterioragáo ambiental. nizagáo es]
A colocagáo em prática desses princípios agroecológicos torna necessá- góes socia]
ria a elaboragáo de indicadores que permitam avaliar projetos alternativos sustentável
de uso de recursos, náo apenas em termos de sua rentabilidade económica, O man
mas também de sua racionalidade energética e de seus benefícios quanto aos vida por d
efeitos de equilíbrio ecológico, eqüidade social e sustentabilidade ambiental. complemei
No entanto, náo é possível traduzir os valores e potenciais ambientais em muitas veza
pregos de mercado e homogeneizá-los nas contas nacionais que medem a étnico (Mu
produgáo económica de riqueza (Tsuru, 1971; Kapp, 1983); tampouco é ecológica c
possível reduzir tais valores a um cálculo energético. Certamente, podem-se forga de trl
simular modelos alternativos de uso dos recursos e atribuir valores compen- recursos (o
satórios ás externalidades negativas do processo económico e aos objetivos do a produ
náo económicos das estratégias de uso sustentável dos recursos. Mas, além micos. Da
das dificuldades para atribuir taxas de desconto a processos de longo prazo, cos e a coz.»
a valorizagáo do património de recursos naturais e culturais em termos eco- vagáo de ág
nómicos puros é um problema insolúvel. O valor económico atribuído á tividade agi
conservagáo da biodiversidade (valor de seus recursos genéticos, valor sumi- Essa es
douro de carbono, valores cénicos e ecoturísticos) náo correspondem aos práticas de
valores materiais e simbólicos atribuídos a partir das diferentes culturas. urna "cultui
Nenhum prego compensa a alienagáo e o desenraizamento produzidos pela das relagóe;
424
RACIONALIDADE AMBIENTAL
das destruigáo das identidades étnicas. Que valor de mercado tem a eqüidade, a
democracia, a qualidade de vida?
sis- Apresenta-se, assim, o problema de avaliar os princípios éticos, os valo-
s de res culturais e os potenciais qualitativos e incomensuráveis do desenvolvi-
levo mento sustentável. Este náo é apenas urna questáo técnica, mas implica a
ento legitimagáo de conhecimentos e valores tradicionais (Thrupp, 1993), assim
egis- como dos novos direitos ambientais. Mas, sobretudo, a valorizagáo do patri-
do o mónio natural e cultural corno princípios de urna estratégia alternativa de
)s na desenvolvimento fundada na diversidade cultural requer a elaboragáo teóri-
ez, a ca de urna nova racionalidade produtiva, que incorpore os processos cultu-
éncia rais e ecológicos como fundamento do processo produtivo capaz de consti-
ío de tuir as relagóes sociais e orientar as forras produtivas para um desenvolvi-
lo de mento sustentável. Nessa perspectiva, o legado cultural dos poyos indígenas
éncia da América Latina aparece como um recurso indissociável de seu patrimó-
icién- nio de recursos naturais e do vínculo estabelecido historicamente com seu
lesmo entorno através de suas práticas sociais e produtivas. Nesse sentido, a orga-
nizagáo espacial e temporal de cada cultura conforma um sistema de rela-
cessá- góes sociais de produgáo que potencializam o aproveitamento integrado,
ativos sustentável e duradouro dos recursos naturais. 12
O manejo ecológico dos recursos foi urna prática amplamente desenvol-
to aos vida por diversas culturas pré-hispánicas. Estas práticas contemplaram a
iental. complementaridade dos diversos espagos e pisos ecológicos de regióes que
lis e m muitas vezes se estendiam além do território e os ecossistemas de um grupo
dem a étnico (Murra, 1975; Denevan, 1980). Isso permitiu a otimizagáo da oferta
mco é ecológica de diversas regióes, baseada no uso estacional dos cultivos e da
le m-se forga de trabalho, dos espagos produtivos e dos tempos de regeneragáo dos
mpen- i recursos (o sistema de roca com suas queimadas e suas capoeiras), integran-
jetivos ' do a produgáo através do intercámbio inter-regional de excedentes econó-
;, além micos. Da mesma maneira, fomentou o aproveitamento dos recursos hídri-
prazo, cos e a construgáo de importantes obras ecológicas para a captagáo e conser-
DS eco- vagáo de água, para a prevengáo da erosáo (terragos) e para elevar a produ-
uído á tividade agrícola (chinampas13, camellones 14).
r sumi- Essa estratégia produtiva implicou o desenvolvimento náo apenas de
n-n aos práticas de uso dos recursos específicos de cada grupo étnico, mas de toda
ilturas. urna "cultura ecológica", que funcionava como suporte material e simbólico
os pela das relagóes sociais e das forgas produtivas das sociedades pré-hispánicas e
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ENRIQUE LEFF
426
RACIONALIDADE AMBIENTAL
ivos dutos provenientes de um território mais amplo. Desta maneira, foram esta-
os e belecidas regras consensuais sobre a administragáo e a regulagáo coletiva da
ten- produgáo, baseadas em longos processos de observagáo da natureza, de
stri- desenvolvimento técnico, de experimentagáo produtiva, de inovagáo de
icia- conhecimentos, de intercámbio de experiéncias e diálogo de saberes.
ITSOS No meio rural do Terceiro Mundo, a estrutura social está intimamente
etais associada aos valores da cultura, que normatizam a intervengáo do homem
ide e na transformagáo de seu entorno natural. Assim, o acesso social e cultural-
pró- mente sancionado aos recursos naturais, tanto através das tradigóes culturais
ara o como das formas de posse da terra (os ejidos mexicanos e a propriedade
comunitária da terra) e da divisáo do trabalho, favorece, em muitos casos,
com- práticas produtivas que utilizam de maneira ecologicamente racional os
arsos recursos naturais. Dessa maneira, na Índia as culturas tradicionais estabele-
idade cem relagóes específicas com o meio, desenvolvendo práticas de conserva-
'ersas gáo e de manejo sustentável de seus recursos através da diversificagáo de
zs is e nichos ecológicos ocupados por diferentes grupos endógamos, que se com-
:jo de plementam sem sobrepor-se em urna mesma regiáo. Cada família, tribo ou
Tejo e casta tem o direito de explorar urna parcela de terra ou de ter acesso a cer-
isida- tos recursos naturais sob a regulamentagáo da comunidade (Gagdil e Iver,
Jomi- 1993). Essas práticas incluem restrigóes sobre o território que cada grupo
icida- social pode ocupar e cujos recursos podem usufruir, sobre as técnicas, os
idíge- métodos e os períodos autorizados para a exploragáo dos recursos vegetais
mer- e animais; estabelecem-se, assim, urna divisáo do trabalho por sexo e idade,
;ervas e urna especializagáo ecológica de cada casta para o usufruto dos recursos
(Gagdil, 1985).
)mo a Dessa maneira, a organizagáo de cada formagáo social regula a utiliza-
defi- láo dos recursos para satisfazer as necessidades de seus membros. Esses sis-
;" que temas geram mecanismos que restringem o acesso, normatizam as práticas e
) atra- regulam os ritmos de extragáo dos recursos, estabelecendo lagos de paren-
e cada tesco e reciprocidade, direitos territoriais e formas de propriedade que favo-
-estais recem o uso sustentável e duradouro dos recursos. A percepgáo "holística"
ilo de do ambiente que caracteriza os sistemas gnosiológicos das sociedades tradi-
le dos cionais se inscreve em suas cosmovisóes, seus mitos, seus rituais e suas prá-
:rétni- ticas produtivas; o saber dos processos geofísicos (mudangas de estagóes e
fami- climas; ciclos biogeoquímicos, ecológicos e hidrológicos) se associa com o
e pro- conhecimento dos diferentes tipos de solo, permitindo utilizar os espagos
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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ENRIQUE LEFF
moderna
formas e níveis de produtividade. Através dos valores culturais de uma
de da pr
comunidade, o potencial ecológico e tecnológico é inserido em seus proces-
sos de trabalho e opera como urna forga produtiva. Nesse sentido, as insti- apropria(
tuigóes culturais — as formas de cooperagáo, o trabalho coletivo, a divisáo e preserva
des cultui
familiar e social do trabalho, o intercámbio intercomunitário — definem a
tabilidad(
produtividade cultural do desenvolvimento sustentável.
produtivi
A sustentabilidade do sistema produtivo implica a necessidade de cons-
to sustent
trugáo de urna tecnoestrutura que esteja normatizada pelas condigóes ecoló-
que se att
gicas do meio. No entanto, as formas efetivas de sua utilizagáo como meios
cas prodi
de produgáo estáo sujeitas ás condigóes de assimilagáo cultural de novas tec-
pela emez
nologias que potencializem os saberes técnicos tradicionais e possam ser
princípiol
administradas pelas próprias comunidades. Nesse sentido, é possível definir
tivas que
um sistema tecnológico apropriado como aquela estrutura que, estando
necessidal
caracterizada por sua adequagáo e integragáo ás condigóes ecológicas do
volviment
meio, concretiza-se através das práticas produtivas das comunidades e defi-
ne sua produtividade através do processo de apropriagáo coletiva e subjeti-
va dos meios ecotecnológicos de produgáo por parte dos produtores diretos.
Tal processo implica a assimilagáo cultural de novas habilidades, a interiori-
A CULTURA
zagáo de novos conhecimentos e a posse dos meios de produgáo e dos ins-
trumentos de controle que tornem possível a autogestáo de seus recursos
A cultura
produtivos.
ciéncia co
A partir da perspectiva cultural do desenvolvimento sustentável, a pro-
perdularia
dutividade tecnológica está associada com a capacidade de recuperar e
culturas -
melhorar as práticas tradicionais de uso dos recursos. Esses processos de
meio amb
inovagáo dependem das motivagóes das comunidades para a autogestáo de
gáo cultur
seus processos produtivos e de sua capacidade inovadora para incorporar
de evolugl
conhecimentos científicos e tecnológicos modernos que incrementem a pro-
restrutura'
dutividade de suas práticas tradicionais, sem destruir sua identidade étnica e
processos
seus valores culturais, dos quais depende sua vitalidade, o sentido existencial
lugáo se re
de seus estilos de vida, sua criatividade e sua energía social como fontes de
estilos étni
produtividade. A articulagáo desses processos ecológicos, tecnológicos e cul-
por um d(
turais define a base real de recursos de urna formagáo social e gera novos
ideograma
potenciais produtivos para o desenvolvimento sustentável.
tam; o prc
As práticas agroecológicas constituem um exemplo prático de aplicagáo
significant,
dos princípios do paradigma ecotecnológico. Essas práticas amalgamam o
dicionais -
conhecimento agrícola tradicional com elementos da ciéncia e da tecnologia
434
RACIONALIDADE AMBIENTAL
)ri-
A CULTURA E A PULSÁO AO GASTO: A PARTE MALDITA
ns-
sos
A cultura ecológica emerge na narrativa da globalizagáo como urna cons-
ciéncia conservacionista diante da racionalidade económica produtivista e
ro-
perdulária. O discurso da sustentabilidade tende a atribuir á cultura — e ás
re
culturas — uma vontade e urna capacidade intrínseca de preservagáo do
de
meio ambiente em que habitara como uma experiéncia vivida de conserva-
de
gáo cultural, como urna faculdade e um mecanismo adquirido no processo
,rar
de evolugáo ecocultural. E, no entanto, a cultura funciona corno urna "supe-
ro-
restrutura" da base orgánica da vida que assegura sua reprodugáo através de
:a e
processos de adaptagáo e transformagáo, onde as leis de conservagáo e evo-
cial
lugáo se refletem nas cosmovisóes e práticas culturais do uso da natureza. Os
de
estilos étnicos de aproveitamento da natureza náo seguem urna rota tragada
:u1-
por um determinismo geográfico ou biológico; suas cosmovisóes náo sáo
vos
ideogramas que correspondem e refletem fielmente a natureza onde habi-
tara; o processo de significagáo cultural da natureza náo é uma relagáo de
gáo
significante-significado. Por isso, embora as racionalidades das culturas tra-
no
dicionais — suas cosmovisóes e práticas — resultem mais afins ás condigóes
•gia
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ENRIQUE LEFF
436
RACIONALIDADE AMBIENTAL
✓erti- Náo se deve abordar o conjunto da atividade produtiva dentro das modifi-
m se cagóes que recebe daquilo que a cerca, aquilo que isso aporta a seu entor-
desse no? Se desenvolvemos incessantemente as forgas económicas, náo devemos
rtigi- nos formular os problemas gerais vinculados ao movimento da energia
Lture- sobre o globo? (Bataille, 1967: 58).
men-
cuali- Embora nessa época já estivesse flutuando no ambiente o conceito de
ureza entropia, na temática energética e ecológica emergente que impulsionou
:ém o precursores da economia ecológica como Patrick Geddes, Alfred Lotka,
ntido Frederick Soddy e Vladimir Vernadsky, tais perguntas críticas iriam se desen-
quais volver vinte anos mais tarde, com o surgimento de urna "consciencia ecoló-
um gica". Bataille transgride o dogma da racionalidade económica a partir do
ente- impulso da vida simbólica e da pulsáo do desejo que invadem o campo da
lado] cultura. Seu aporte náo consistiu, como em outros autores da época, em aco-
idora modar um conceito de entropia proveniente das ciencias naturais no campo
cultural que havia penetrado no ámbito científico. Procuraremos em váo nos
textos de Bataille a palavra entropia ou a aplicagáo do conceito á ordem cul-
lades tura1. 18 Bataille esboga urna nogáo de entropia social a partir da sua desco-
;ica e berta do gasto náo utilitarista no intercámbio destinado á pura perda. Em
3rga- urna clarividente visáo "pré-prigoginiana" sobre a vida humana afirmava:
al de
>U a A vida humana, distinta da existencia jurídica e tal como teve lugar de fato
ntr o- sobre o globo ilhado no espato celeste, do dia para a noite, de uma comar-
um ca a outra, náo pode, em nenhum caso, se limitar aos sistemas fechados que
liná- lhe sáo atribuídos nas concepgóes razoáveis. O imenso trabalho de abando-
r um no, de derramamento e de tormenta que a constituem poderiam expressar-
o do se dizendo que ela náo cometa senáo com um déficit desses sistemas: ao
stén- menos o que ela admite de ordem e de reserva náo tem sentido a náo ser a
arte" partir do momento em que as forgas ordenadas e reservadas se liberam e se
437
ENRIQUE LEFF
perdem em objetivos que náo podem se sujeitar a nada sobre o que seja pos- qüéncia d
sível prestar contas. É apenas por tal insubordinaláo, inclusive miserável, inelutáve]
que a espécie humana cessa de estar ilhada no esplendor sem condigáo das humanos]
coisas materiais (ibid.: 43-44). crescimen
co), que
Contra a visáo dos impulsos e interesses humanos formulados em termos dada, uml
de conservagáo e produgáo pela racionalidade económica, Bataille postula económic
urna razáo mais profunda do comportamento económico: a pulsáo para o
gasto, o desejo e vontade de urna perda pura, sem interesse nem retorno. Geral
Bataille antevé o móvel do prazer ante o fim de urna "necessidade" ou de um dilapii
valor económico fundado em um "tempo de trabalho socialmente necessá- efeito
rio" ou em urna racionalidade utilitarista. A festa, o desperdício e o desgaste do
aparecem corno o principio originário, o fim último que conduzem a motiva- mente
gáo pela motivagáo da poupanga e a racionaliznáo das condutas económicas. que e:
Diante do consumo produtivo da natureza, Bataille adianta a idéia de um monst
gasto improdutivo, de urna necessidade de perda desmesurada. Este gasto nal sil
náo se refere ao consumo entendido como o momento de "realizagáo da mer- riquez
cadoria" — condigáo sine gua non da revalorizagáo do capital — mas a um que se
gasto simbólico que, corno um sacrifício, aparece como urna perda pura, sem mia gE
um fim económico, como urna degradagáo de energia sem limite. O sentido extren
da nogáo de gasto surge guando a riqueza aparece como aquisigáo guando o mente
homem rico adquire um poder, mas se dirige completamente para a perda no movin
sentido de que esse poder se caracteriza como um poder de perder. É só pela
perda que traz emparelhadas a glória e a honra (ibid 34-5). A intt
Além do problema da internalizagáo de custos e benefícios ecológicos e das caverr
ambientais preconizados pela economia ambiental, e do problema da inco- Em seu de
mensurabilidade destacado pela economia ecológica, Bataille acentua a nada pela
impossível valorizagáo desse ato de perda pura, nesse impulsos ilógicos e excedente
irresistíveis de repúdio a bens materiais ou morais que teria sido possível uti- atuais de
lizar racionalmente [...] dessa degrada0o que, sob formas tanto sinistras nómica; a
como magníficas, náo deixou de dominar a existéncia social (ibid.: 44). (económic
Dessa maneira, antevé o que vinte anos depois seria plasmado pelo dis- dagáo"; o
curso ambiental. Sem recorrer a um conceito de entropia, Bataille vé a eco- urna prodl
nomia geral e sua crise como um conflito entre a superabundáncia de ener- dores de u
gia disponível e a necessidade de urna perda sem lucro do excedente de ener-
63). Pela
gia que náo pode servir ao crescimento do sistema. E tudo isso em conse-
populacio
438
RACIONALIDADE AMBIENTAL
439
ENRIQUE LEFF
a crialdo destrutiva do capital (Schumpeter, 1972) até a absorgáo do exceden- sos modc
te económico como estratégia do capital monopolista, seja através do consu- Bataille,
mo e a inversáo dos capitalistas, do esforgo em vender, ou do gasto na indús-
tria de guerra (Baran e Sweezy, 1970). Amo
Exuberáncia da vida e delírio da economia. No entanto, a parte maldita tia, no
se mantém oculta atrás da racionalidade económica que gera o inexorável passal
gasto exuberante do excedente económico ou do crescimento exponencial O que
da populagáo por superabundáncia da natureza. Essas "causas naturais" tituídI
velariam as verdadeiras causas e sentidos que ficam assim encobertos sob damei
urna cortina de fumara no pensamento que os pensa, é a impossível cons- tismo
ríamo
ciéncia de sua verdade. Se a primeira haverá de surgir da negra luz da entro-
limite
pia, a segunda haverá de refulgir na obscura lucidez do desejo, e ambas, do
víncul
poder da vida de consumir-se intensamente. A racionalidade ambiental esta-
e o asi
belece os vasos comunicantes entre o processo inelutável até a morte entró-
pica do planeta gerada pela racionalidade económica, com as forgas obscu-
Bataill
ras da subjetividade humana, com os intrincados labirintos da ordem simbó-
téncia hun
lica e com as singularidades de racionalidades culturais diferenciadas.
de um exc
A parte maldita da economia náo é apenas esse excesso de energia que
ética da fr
se dilapida por incapacidade do metabolismo humano e da racionalidade económic(
económica para reger seu crescimento e sua queda catastrófica em forma de valor capa
destruigáo de recursos e bens, de vidas humanas, nas guerras, na luta de d'as- o desejo hi
ses ou nos conflitos ambientais. A parte maldita é, também, a entropia em si, cesso econ
a perda inelutável de energia útil, sua degradagáo em calor. Esses dois pro- um fato cu
cessos se conjugam: tanto na dinámica populacional como no processo eco- mas simból
nómico, o impulso ao gasto pelo desejo é o princípio humano que desenca- no sacrifíci
deia, mobiliza e magnifica o metabolismo da matéria nos organismos vivos astecas no
e na economia global. A lei da cultura se enlata, assim, com a lei da entro- É a manife;
pia, náo como uma mera analogia ou como urna lei ontológica genérica do sipnáo da
ser e das coisas, mas como dois processos diferenciados que se desnudam e economia
entrelagam. É o real da morte entrópica em face da morte existencial e da em que o p
ordem simbólica; é a lei da entropia na organizagáo e desorganizagáo da Marcel Ma
matéria e da vida; é a lei contraditória do desejo entre a vida e a morte. bio median
O ecologismo postula urna ética da vida. E, no entanto, esta náo poderá
incorporar-se a urna nova racionalidade enquanto seguirmos ignorando a O polla
marca da morte que significa a vida humana, desde onde construímos nos- [...] Ná(
440
RACIONALIDADE AMBIENTAL
len- sos modos de vida e saímos ao encontro com a natureza. Pois, como afirma
isu- Bataille,
dús-
A morte, ruptura dessa descontinuidade individual na qual nos fixa a angús-
dita tia, nos é proposta como a verdade mais eminente que a vida [...] Há, na
ável passagem da atitude normal ao desejo, um fascínio fundamental pela morte.
acial O que está em jogo no erotismo é, sempre, urna dissolugáo das formas cons-
ais" tituídas [...] urna dissolugáo dessas formas de vida social, regular, que fun-
sob damentam a ordem descontínua das individualidades que somos [...] O ero-
tismo inaugura a morte. A morte leva a negar a duragáo individual. Pode-
ons-
ríamos, sem violéncia interior, assumir urna negagáo que nos conduz até o
Itr o-
limite de todo o possível? [...] É preciso muita forga para dar-se conta do
do
vínculo que há entre a promessa de vida — que é o sentido do erotismo —
:sta-
e o aspecto luxuoso da morte (Bataille, 1957/1997: 24, 23, 29, 63).
itró-
scu-
Bataille explora essa pulsáo ao gasto que provoca a erotizagáo da exis-
abó-
téncia humana no dom, que opera como urna forma cultural de dilapidagáo
de um excedente (de libido, de energia), que contrapóe o gasto ritual a urna
que
ética da frugalidade e da conservagáo. 19 Além de enlatar os fluxos do valor
Jade económico e valor energético e de abrir as perspectivas de urna teoria do
a de valor capaz de articular o valor económico com o desgaste energético e com
clas- o desejo humano — a natureza, a cultura, o material e o simbólico, no pro-
m si, cesso económico —, Bataille apresenta a tendéncia ao gasto (entropia) como
pro- um fato cultural, produto do desejo humano, que se torna manifesto nas for-
eco- mas simbólicas do intercámbio económico e do consumo. É o que Bataille vé
nca- no sacrifício e no dom que descobre na organizagáo económico-simbólica dos
, ivos astecas no México e no potlach dos índios do noroeste dos Estados Unidos.
itr o- É a manifestagáo de urna "entropia social" — do gasto sem utilidade, de dis-
a do sipagáo da riqueza — inscrita em urna racionalidade social diferente, em urna
im e economia fundada em relagóes de outridade, em relagóes de reciprocidade
e da em que o poder se adquire através da perda. A partir do Essai sur le don , de
o da Marcel Mauss, Bataille analisa o paradoxo do dom como forma de intercám-
bio mediante o qual se adquire um poder:
derá
do a O potlach deixa ver um vínculo entre as condutas religiosas e as da economia
nos- [...] Náo haveria potlach se [...] o problema último fosse a aquisigáo e nao a
441
ENRIQUE LEFF
dissipagáo das riquezas úteis [...] se há em nós mesmos, através do espato implica ut
onde vivemos, um movimento da energia que utilizamos, mas que náo é financiarn
redutível á utilidade [...] podemos ignorá-la, mas também podemos adaptar mas da pu
nossa atividade ao cumprimento disso que ocorre fora de nós mesmos. A za" do qu
solugáo do problema que é assim formulado demanda urna agáo em dois sen- intercámbi
tidos contrários: por um lado, devemos ultrapassar os limites mais próximos No ere
dentro dos quais atuamos normalmente, e, por outro, incorporar por algum nada antes
meio nosso excesso dentro de nossos limites. O problema apresentado é o do tuosidade
gasto excedente. Por um lado, devemos dar, perder ou destruir. Mas o dom convém, n
seria insensato [...] se náo tomasse o sentido de urna aquisigáo. E necessário que seu ins
que dar resulte em adquirir um poder. O dom tem a virtude de um excesso za o levam
do sujeito que dá, mas em trota do objeto doado o sujeito se apropria do da matéria
excesso: ele encara sua virtude, aquilo para o qual teve forra, como urna inscrita na
riqueza, como um poder que a partir de agora Ihe pertence. Enriquece-se de como na oi
um desprezo pela riqueza, e aquilo no que se mostra avaro é o efeito de sua falta em sE
generosidade. Mas náo poderia adquirir ele sozinho um poder feito de um
continuida
abandono do poder: se destruísse o objeto em sua solidáo, em siléncio, náo intercámbi
resultaria nenhum tipo de poder [...] mas, se destrói o objeto diante de outro, Quem
se o doa, o que dá toma efetivamente diante dos olhos do outro o poder de impulso pa
dar ou de destruir. Ele é rico de agora em diante por ter feito da riqueza o tável? Essa
uso desejado na esséncia da riqueza: é rico por haver consumido ostensiva- qual o hon
mente aquilo que náo é riqueza a náo ser que seja consumido. Mas a riqueza
de sua sex
efetuada dentro do potlach — no consumo para outro — náo tem existéncia mundo qu,
de fato, mas, porque o outro é modificado pelo que o outro é modificado consumo, 1
pelo consumo [...] a agáo que se exerce sobre os outros constitui, justamen-
tes á cultur
te, o poder do dom, que é adquirida pelo fato de perder. A virtude exemplar fica da inel
do potlach se dá nessa possibilidade do homem de apreender o que lhe esca-
pa, de conjugar os movimentos sem limite do universo com o limite que lhe
Limito-
pertence (Bataille, 1967: 106-7). está, ac
seu cre;
O potlach expressa urna racionalidade diferente da racionalidade econó- gáo nác
mica, a exploragáo do outro, o objetivo de maximizar lucros, o poder pela á mort(
propriedade e acumulagáo de bens de produgáo e de consumo. O potlach tenta a
estabelece urna relagáo paradoxal de poder que provém de dar, obrigando o da nec
1957/1:
outro a responder dando mais. A rivalidade com o outro acarreta corno con-
trapartida um dom maior. Esse intercámbio de dons, oferendas e presentes
442
RACIONALIDADE AMBIENTAL
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
)nó- quer dizer, se náo se mostrara de antemáo como um conflito entre a medi-
, roi- da e a desmedida? Na natureza, está oculta, na verdade, o desenho de uma
ntal fissura, urna medida e urna fronteira, e ligado a ela, urna capacidade para
da procriar, que é a arte. Mas também é certo que esta arte oculta na natureza
ans- só se faz patente mediante a obra, porque está originalmente dentro desta
iem (Heidegger, 197`12001: 68).
IZ á
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
ieá- NOTAS
uso
1. Nesse sentido, o imperialismo inglés, diz Steiner, associado a "toda a imagem que
Idas se tem no mundo de consumo de massas, do comércio e a comunicagáo internacionais,
ida- das artes populares, do conflito de geragóes, da tecnocracia, se encontra embebida de
.de" referéncias e hábitos lingüísticos ingleses e anglo-norte-americanos [...] sáo, em virtude
mte de sua própria difusáo planetária, agentes de primeira ordem na destruigáo da diversida-
de lingüística natural. Esta destruigáo poderá ser a mais irreparável das catástrofes ecoló-
Uno
gicas que caracterizam nossa época" (Steiner, 2001 a: 478-9).
Inis- 2. Ver cap. 9, infra.
n as 3. Nesse sentido, podemos identificar na América Latina (e em todo o mundo)
tdis- diversas modalidades de capitalismos ecologizados que sáo resultado do encontro entre
mor a racionalidade económico-ecológica, tal como se expressa no discurso, os mecanismos e
lín-
os instrumentos da geopolítica do desenvolvimento sustentável, e as identidades das dife-
rentes culturas nacionais e locais, cujos tragos culturais as tornam mais ou menos susce-
pela tíveis de se adaptar ou de resistir a um esquema de racionalidade legitimado por uma
írito ordem global externa, a partir do sentido de suas culturas.
4. Assim, o Informe Brundtland, elaborado pela Comissáo Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, afirma: "As populagóes tribais e indígenas requereráo urna
do
atengáo especial, já que as forgas do desenvolvimento económico perturbam seus estilos
de vida tradicionais [...] que podem oferecer ás sociedades modernas muitas ligóes na
rpo- administragáo dos recursos nos complexos ecossistemas de matas, de montanhas e de
pro zonas áridas. Algumas enfrentam a ameaga de serem extintas em conseqüéncia de um
do e desenvolvimento insensível, sobre o qual náo tém controle. Os seus direitos tradicionais
náo deveriam ser reconhecidos e dever-se la conceder-Ihes urna participagáo decisiva na for-
asce
mulagáo das políticas de desenvolvimento dos recursos de suas regióes [...] para aumen-
tar o bem-estar da comunidade em consonancia com seu estilo de vida" (WECD, 1987:
)rno 12, 116).
ter- 5. Nesse sentido, a Declaragáo dos Povos Indígenas e Camponeses sobre os Recursos
Naturais do México, aprovada no II Simpósio sobre Poyos Indígenas e Recursos Naturais
pen- no México, celebrado em Oaxtepec, Morelos, em 5-9 de junho de 1991, destacou a
importancia das identidades étnicas e os valores culturais no manejo sustentável dos
nali-
recursos naturais. Afirma-se, assim, a "grande transcendéncia dos poyos indígenas e cam-
um poneses da regiáo, como defensores dos recursos naturais, pois suas formas de percep-
Pele- gáo, conhecimento, uso e manejo da natureza permitem estabelecer opgóes contra os pla-
ador nos de exploragáo e usos industriais modernos, ecologicamente destrutivos". Do mesmo
do modo, se exige que "os indígenas e camponeses que vivem nas [...] reservas da biosfera e
tiva as zonas ecologicamente protegidas ou em suas áreas de influéncia participemos na ela-
boragáo dos regulamentos de manejo para a protegáo e aproveitamento dos recursos
naturais, assim corno na elaboragáo dos decretos para o estabelecimento de novas áreas
protegidas".
6. Ver cap. 3, supra.
7. Ver cap. 9, infra.
447
ENRIQUE LEFF
8. Para um estudo do "étnico" na cultura do milho no México, ver Boege, 1988. 15. A,
9. A cultura aparece como "o complemento dos recursos naturais nos sistemas pro- tivodm
dutivos camponeses-indígenas [...que] orienta o uso dos recursos, enquanto estes condi- mais (por<
cionam, até certo ponto, as opgóes de vida do grupo étnico. Assim concebida, a cultura nesas.
é um recurso social, capaz de ser usado destrutiva ou racionalmente, de perder-se ou 16. C
desenvolver-se" (Val-ése e Martin, 1993). mente, de
10. Todavia, cabe assinalar que "uma área de aproximadamente 36% do território como fina
brasileiro coberta por savana e sob clima tropical vem sendo há mais de trezentos anos próprio
ocupada com pecuária extensiva e, ainda assim, mantém uma elevadíssima biodiversida- nidade, a
de. Essas áreas sáo hoje objeto de intensas disputas entre os latifúndios modernos do cionais" e
agrobusiness e as populagóes camponesas e indígenas que lutam para manter o uso comu- conceito d
tro entre a
nitário dessas terras, sobretudo nos relevos planos das extensas chapadas" (Porto-
va de urna
Gongalves, comunicagáo pessoal).
das formal
11. 0 sistema de milpa, no México, extrai 12 Kcal por Kcal investidas, enquanto
ganizar su
nos sistemas agrícolas dos Estados Unidos varia de 2,7 a 3 Kcal. Esta relagáo muda guan-
conhecimc
do sáo aplicados insumos agroquímicos e maquinaria em solos delicados e frágeis do tró-
produtivid
pico, e em áreas onde as chuvas náo sáo estáveis. Assim, enquanto nos Estados Unidos se
produtivid
produzem entre 129 e 144 kg de gráo por litro de diesel, no México se obtém apenas 20
1975, 198
kg de cereais como trigo e sorgo, já que os solos tropicais sáo mais vulneráveis e mostram
17. VI
urna menor capacidade de resposta ao uso de agroquímicos para manter urna produtivi- 18. Al
dade sustentável (Pimentel e Pimentel, 1979). gáo da ene
12. "0 património cultural é um recurso importante para a regiáo [...] A sustentabi- depois, na
lidade das grandes estratégias agrícolas dos Andes, nas selvas tropicais, nas terras inundá- 19. "(
veis etc. requererá a incorporagáo de tecnologias maias, incaicas e pré-incaicas, astecas e humanidac
de outras etnias. Tais etnias camponesa tém um riquíssimo património tecnológico cuja do indivídi
deterioragáo provocou enormes custos ecológicos em numerosos países, especialmente mulados. S
no México e no Peru. Eles conseguiram resolver problemas nos quais a tecnologia do esta aspira
Norte fracassou ou está engatinhando, como, por exemplo, na articulagáo do policultivo tolerável. (
agrícola em pequenos desmatamentos com o uso extensivo da selva contígua (como 20. N:
fazem os descendentes dos maias); manejar rodeios mistos de múltiplos usos e propósi- esclarecer
tos para sobreviver em climas semi-áridos de alta variabilidade (como os aimará e os qué- fenheit) se
chuas na Bolívia); manejar a selva caducifólia para transformá-la em ecossistema polipro- humano, s
dutivo, inclusive em épocas de secas extraordinárias; desenvolver germoplasma que res-
ponda a climas de baixa predizibilidade de chuvas (variedades de milho e feijáo de ciclos [...] Projegi
muito curtos, curtos e longos); desenvolver variedades adaptáveis a distintos pisos altitu- re a ir adia
dinais (incas, maias) e ao gradiente latitudinal (poyos andinos, maias); desenvolver siste- que [Heic1(
mas de variedades de germoplasma de rápida resposta a distintos climas higrotérmicos, suas possit
como, por exemplo, no tomate, milho, feijáo, batata, abóboras" (Morello, 1990). projegáo d.
13. Campos elevados de culturas múltiplas, irrigadas por canais, com urna alta pro- sível planej
dutividade. nalidade fá
14. Também chamados de waru waru - — é uma técnica agrícola tradicional do alti-
plano peruano. Sáo terrenos elevados de plantio irrigados por canais.
448
RACIONALIDADE AMBIENTAL
449
CAPÍTULO 9 0 movimento ambiental pela
reapropriagáo social da natureza:
seringueiros, zapatistas,
afro-descendentes e poyos indígenas
da América Latina
A ECOLOGIA POLÍTICA E OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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ENRIQUE LEFF
e) pr
ginal" carentes de meios para gerar um processo generalizado de transfor-
mas corr
magóes sociais e institucionais ou radicalizar os meios da agáo política, rom-
f) or
pendo os canais institucionais de intermediagáo entre os indivíduos e o
além dos
Estado através das organizagóes e partidos políticos convencionais.
g) cr
Ao mesmo tempo, os novos movimentos ambientalistas mostram um
maximiza
grau maior de flexibilidade, adaptabilidade, capacidade de resposta e possi-
le econói
bilidades de radicalizar suas demandas, o que lhes dá vantagens estratégicas
em face das organizagóes políticas institucionalizadas, partidos políticos e
As es
sindicatos. Os novos movimentos políticos tém, assim, criado formas de
lares de I
agáo e de comportamento político diferenciadas. Em oposigáo a muitos dos
sujeigáo
novos movimentos políticos que surgem em torno de demandas morais e
centes —
sociais, individuais ou associadas a grupos definidos da populagáo (religio-
tagáo e se
sos, juvenis, estudantis, de género), os movimentos ambientalistas, nos paí-
nio de rey
ses subdesenvolvidos, estáo diretamente associados ás condigóes de produ-
do meso
gáo e satisfagáo das necessidades básicas da populagáo e están caracterizados
melhoria
por sua diversidade cultural e política. Isso lhes confere urna perspectiva
para a coi
mais global, apesar da heterogeneidade dos diferentes grupos ambientalis-
sóes sobre
tas, de suas diferentes perspectivas sociais, estratégias políticas e práticas
mas de as
concretas de agáo.
sóes de tr
Os movimentos ambientalistas podem caracterizar-se por urna série de
a se fragm
objetivos explícitos em seus programas de organizagáo e pelas manifestagóes
estratégia!
de suas estratégias políticas, assim corno pela organizagáo em torno da
as reivind
incorporagáo de valores e da resolugáo de problemas concretos, que encon-
políticos t
tram canais de expressáo, orientam aleles e desdobram estratégias de poder
de na ges
através de formas originais. Os movimentos ambientalistas se orientam por
ambientai;
um ou mais dos seguintes objetivos:
O mey
buigáo do
a) maior participagáo nos assuntos políticos e económicos e na gestáo
produgáo,
dos recursos ambientais.
dos órgáos
b) insergáo nos processos de democratizagáo do poder político e de des-
tais propu
centralizagáo económica.
c) defesa de seus territórios, seus recursos e seu ambiente, além das for- seus recurs
mas tradicionais de luta pela terra, emprego e salário. sóes para a
d) elaboragáo de novos modos de produgáo, estilos de vida e padróes de síveis sob
consumo afastados dos modelos capitalistas e urbanos globais, transnacio- étnica, susi
nais e estrangeiros. (Leff, 1992
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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contaminagáo e sua defesa dos recursos naturais, mas também por sua eficá- particu
cia na legitimagáo dos novos direitos ambientais e coletivos da cidadania e uso do.
dos poyos indígenas, na promogáo de novos saberes, conhecimentos cientí- fruto c
ficos e tecnológicos e sua aplicagáo em projetos de autogestáo dos recursos potenc
naturais, na elaboragáo de novos instrumentos para a gestáo ambiental e na desdob
melhoria das condigóes de existéncia e da qualidade de vida de diferentes ambien
grupos sociais. de pro(
O questionamento dos modelos e procedimentos da democracia repre- cuidad(
sentativa levou a nova esquerda dos anos 1960 — junto com os movimentos Ne:
da sociedade civil pela igualdade e justita social, a reivindicagáo dos direitos mentos
humanos das minorias e a transigáo para uma cultura política mais plural — mos (G
a propor novos esquemas para urna democracia participativa. Além da com- manifes
petigáo entre os partidos políticos e a alternáncia no poder, abriu-se um pro- gias e d
cesso social que pugna desde entáo por uma democracia substantiva, funda- esses m
da na participagáo direta da cidadania na tornada de decisóes que afeta seus
modos de vida. A ecologia social e um certo ecoanarquismo, guiados por um formas
pensamento ecologista, formulam corno necessária a descentralizagáo eco- pelos di
nómica, a municipalizagáo dos processos de produgáo e de tomada de deci- rar urna
sóes e a organizagáo de ecocomunidades autogestionárias e sustentáveis. 3 gama 1
Noenta,dmcriqupovestaclgi ,moa matas e
democracia representativa, se situa acima das condigóes de produgáo e de dos seri
existéncia dos poyos do Terceiro Mundo. Os atores sociais do "ecologismo Colómb
dos pobres" (Martínez-Alier, 1995) lutam pelo controle de suas condigóes mament
de produgáo, pela apropriagáo de seu património histórico de recursos natu- tos de r1
rais e pela reivindicagáo de suas identidades culturais. Nessa perspectiva, a incluem
democracia adquire um sentido mais amplo e com novas atribuigóes como valoriza(
um processo social orientado a fortalecer as capacidades de decisáo e de vimento
autogestáo para o desenvolvimento pleno das faculdades e do potencial pro- o deseco
dutivo dos poyos e das comunidades de cada regiáo. A democracia ambien- climática
tal estabelece um estreito vínculo entre as condigóes de sustentabilidade eco- conserva
lógica, pluralidade política, diversidade étnica e eqüidade social. ambient
O movimento ambientalista se caracteriza pela variedade de seus atores magáo d.
sociais e pela diversidade de suas reivindicagóes. Estas náo apenas se distin- lectual e
guem por regióes, grau de desenvolvimento dos países ou níveis de consumo Este
de diferentes classes sociais, mas emergem do interesse particular que vai se expressó
constituindo em diversos grupos sociais com relagáo a problemas ambientais destacar
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
461
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nesas, novos atores e movimentos sociais que estáo abrindo canais e sentidos REVALOI
para a construgáo da sustentabilidade a partir de suas identidades e culturas. EQÜIDAI
O discurso no qual se inscrevem as lutas das populagóes indígenas veio se
"ambientalizando", assim como as reivindicagóes de vários grupos campone- As dem.
ses. Há tragos e raízes profundas desse novo ambientalismo social nas deman- indígena
das de reapropriagáo de terras, de suas identidades culturais, das práticas e ria e leg
dos processos produtivos, assim como nas lutas pela democratizagáo dos Meio A
poderes locais e nacionais e pela descentralizagáo da economia até um desen- tiveram
volvimento regional guiado pelos princípios de ordenamento ecológico do indígena
território (Instituto Indigenista Interamericano, 1990). Nesse sentido, a orga- nas luta
nizagáo comunitária e o processo náo hierárquico, autónomo e participativo diversid,
na tomada de decisóes dos movimentos indígenas e camponeses adquirem enraizar
tonalidades e ressonáncias ambientalistas, embora muitos deles ainda náo discurso
expressem suas raízes ambientalistas em demandas concretas de reapropriagáo comunic
e autogestáo de seus recursos naturais (Sánchez, 1999). numero
As lutas pela terra estáo passando a ser lutas "económicas" pela apro- (Moguel
priagáo dos processos produtivos dos quais dependem as condigóes de vida nua pree
da populagáo e lutas "políticas" que questionam as estruturas de poder e sos natu
formulam uma participagáo ativa das populagóes nos processos de tomada demanda
de decisóes. As demandas de socializagáo da natureza váo além do resgate de mandas
um património natural e cultural e se apresentam como urna luta pela apro- terra e a
priagáo do potencial ecológico de seus recursos produtivos. Náo se trata, nagáo, e
pois, como pretenderia urna estratégia revolucionária ortodoxa, de uma cípios ec
simples reapropriagáo dos meios de produgáo pelas classes despossuídas e segundo
exploradas, mas de toda urna crítica do modo de produgáo fundado na A su
racionalidade económica e nos interesses do capital, e excludente das condi- priagáo c
góes ecológicas e dos potenciais produtivos da natureza e da cultura. Além nómica
da apropriagáo passiva dos processos produtivos guiados pela via unidimen- rializado
sional (económico-tecnológica) das forgas produtivas, a democracia ambien- genas. A
tal propugna a participagáo criativa das comunidades rurais na construgáo truindo
de urna nova economia. Esta está se forjando em urna nova racionalidade propósito
nas práticas produtivas de grupos camponeses e indígenas, fundadas nos processo
potenciais ecológicos de cada regiáo, assim corno nos valores culturais e nas e a valori
identidades de cada comunidade. tiva e qui
direitos c
priagáo
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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alguns casos, na economia, através da elevagáo de pregos dos recursos e cus- cálculo
tos ambientais, e, em outros casos, na determinagáo do valor de bens e ser- de amb
vigos ambientais até agora náo mercantilizados, que abrem uma disputa pela questio
valorizagáo da natureza. para a c
O movimento ambiental náo apenas transmite os custos ecológicos para ciais da
o sistema económico como urna resisténcia á capitalizagáo da natureza, atra- É n,
vés de urna luta social para melhorar as condigóes de sustentabilidade e qua- dade cu
lidade de vida, mas implica um confito pela apropriagáo da natureza. Esse sidade e
movimento social náo apenas incrementa os custos ecológicos do crescimen- racional
to económico, mas reduz, também, a parte da natureza que poderia ser apro- a irredu
priada pelo capital. A racionalidade ambiental orienta, assim, processos e diversas
agóes sociais para a desconstrugáo da racionalidade económica, a descentra- desenvo
lizagáo do processo de desenvolvimento e o descentramento das próprias possa
bases do processo produtivo. A revalorizagáo e a capitalizagáo da natureza sustentó
náo resolvem a contradigáo entre conservagáo e desenvolvimento ao incor- dade de
porar as condigóes ecológicas da produgáo ao crescimento sustentado da eco- A pr
nomia, mas levam a repensar o ambiente como um potencial para um desen- nem a a
volvimento alternativo que integre a natureza e a cultura como forgas produ- articulag
tivas. Nessa perspectiva, a natureza aparece como um meio de produgáo e da prodt
náo apenas como insumo de um processo tecnológico, como um objeto de gáo de ei
contemplagáo estética e de reflexáo filosófica. O ambiente se apresenta como gia nos r
um sistema complexo, objeto de um processo de reapropriagáo social. tável enc
A sustentabilidade do processo económico náo depende apenas da ela- Esses prt
boragáo de normas ecológicas que devam ser respeitadas pelo sistema eco- ras funci
nómico e do esbogo de um sistema jurídico ambiental que legisle e penalize e servige
agóes antiecológicas. Os movimentos sociais que, com suas demandas, reva- dos proc,
lorizan e reivindicam para si as condigóes ecológicas e comunitárias da pro- zagáo cul
dugáo, aparecem como suporte de outra racionalidade produtiva, em que se nam os p
entretecem de maneira sinérgica processos de ordem natural, tecnológica e A su!
social para gerar um potencial ambiental que foi ocultado pela ordem eco- potenciai
nómica dominante. A eqüidade no acesso e os benefícios dos bens e servigos princípio
ecológicos náo se reduzem á possível equalizagáo de custos e benefícios no os direitc
uso dos recursos ambientais dentro da atual racionalidade económica. Os desenvol
princípios de eqüidade e democracia — de uma ética de outridade e urna po- quer dize
lítica da diferenga — abrem novas perspectivas para a construgáo de socie- ambienta
dades sustentáveis, além do limitado esverdeamento da economia através do da nature
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ecológica mediante urna repartigáo mais justa dos custos da degradagáo e processi
contaminagáo ambiental, urna melhor avaliagáo do estoque de recursos nas grupos
contas nacionais e urna melhor distribuigáo da receita. Quer dizer, náo se Oq
trata de um problema de avaliagáo de custos e benefícios nas formas atuais tas se sil
de exploragáo e uso da natureza e da pretensáo de resolver a questáo da dis- propria(
tribuigáo ecológica mediante a atribuigáo de pregos e a designagáo de for- estáo se]
mas adequadas de propriedade aos recursos. formam
As condigóes de existéncia das comunidades dependem da legitimagáo de: da r
dos direitos de propriedade das populagóes sobre seu património de recur- sentido
sos naturais e de sua própria cultura, e da redefinigáo de seus processos de legitima]
produgáo, seus estilos de vida e seus sentidos existenciais. Assim, as lutas "descon
sociais pela reapropriagáo da natureza váo além da resolugáo dos conflitos orienta
ambientais através da valorizagáo económica da natureza e da concentragáo afianga t
de direitos sobre o uso dos recursos. Os novos direitos indígenas, ambientais e ambiei
e coletivos estáo desconstruindo os princípios nos quais se fundam os direi- jurídico
tos humanos individuais daqueles que, pretensamente, viriam a ser outorga- demandé
dos através de urna "distribuigáo de poder" a partir de cima para as comu- A eq
nidades, gerando novos direitos para a reapropriagáo da natureza e da cul- de bem-s
tura. As reivindicagóes de justita ambiental dos grupos indígenas, em suas buigáo d.
lutas pela dignidade, pela autonomia, pela democracia, pela participagáo e digáo pm
pela autogestáo, estáo ultrapassando as demandas tradicionais de justita em dos povs
termos de urna melhor distribuigáo dos benefícios derivados do modo de cada reg
produgáo, do estilo de vida e do sistema político dominante. cada con
A democracia ambiental questiona, assim, a possibilidade de alcangar probleml
uma justita em termos da igualdade e equivaléncia dos direitos de proprie- biológica
dade sobre os recursos guando o objetivo e os fins a alcangar se definem ambienta
através de visóes e valores diferenciados, muitas vezes opostos e antagóni- seu "met,
cos, de diversos grupos sociais em torno da apropriagáo da natureza. Dessa culturais
maneira, a aplicagáo das regras do direito náo dirime os conflitos em torno aproprias
da justita ambiental. A aplicagáo da lei náo impede que surjam desigualda- vés de rel
des onde os temas e objetos em disputa dependem de racionalidades e inte- lidade ec
resses diferenciados. A reapropriagáo da natureza aponta para o princípio sociais de
de eqüidade na diversidade, que implica a autodeterminagáo das necessida-
des, a autogestáo do potencial ecológico de cada regiáo em estilos alternati-
vos de desenvolvimento e a autonomia cultural de cada comunidade. Esses
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A que
assim como pela restituigáo ás comunidades agrárias de suas terras para campo, al
reverter o processo de empobrecimento do campo, a um movimento políti- sustentáv(
co e económico pela gestáo de suas condiçóes de vida e de seus processos incorpora
produtivos. A questáo ambiental reclama a preservagáo da base natural de
diferente)
recursos para urna produgáo sustentável, mobilizando as populagóes locais
relagáo cc
para a reapropriagáo de seus meios naturais de produgáo e de existéncia.
da nature:
Emana daí urna nova visáo da natureza, já náo apenas como urna abstragáo
A democr
ontológica da realidade, espato de contemplagáo estética, ou condigáo geral
apropriag
de desenvolvimento sustentável, mas como um novo potencial produtivo, objetivos
como um património histórico e cultural das comunidades rurais.
é proclam
O movimento ambientalista está desencadeando novas estratégias polí-
do desenv
ticas para a apropriagáo e socializagáo da natureza, e gerando novas práticas
a particip
produtivas para urna agricultura sustentável. Nesse sentido, as reivindica-
empregos
góes dos poyos indígenas já náo sáo apenas por seus espagos étnicos, por sua
ral e cresc
cultura, por sua língua e por suas tradigóes, mas também pela reapropriagáo
ineqüitati
de seus territórios de biodiversidade e pelo aproveitamento do potencial que
custos soc
encerram os recursos ecossistémicos nos quais se assentam para satisfazer
de eficách
suas necessidades e desenvolver sua cultura. Dessa maneira, redefinem-se os
legiados d
direitos humanos vinculados á posse, propriedade e usufruto dos bens e ser-
contamine
vigos da natureza.
A den
As novas lutas camponesas pelo desenvolvimento sustentável vém se
gáo e res()
associar e inter-relacionar com as lutas pela democracia, quer dizer, por urna
estratifica
decisáo consensual a partir das próprias bases das organizagóes populares
mecanism
por sua participagáo direta na gestáo de seus recursos produtivos. O movi-
política —
mento ambiental reivindica os princípios de descentralizagáo e autonomia
acontece
como fundamento de suas formas de organizagáo e tomada de decisáo,
os estame
opondo-se ás estruturas hierárquicas e aos sistemas centralizados de gestáo
ideológic.
pública que caracterizam as instituigóes políticas. Nas organizagóes produti-
dominagá
vas de base, esses princípios adquirem seu sentido mais amplo, procurando
sistema de
romper com a ideologia produtivista dominada pelos órgáos de decisáo do
mente san
poder económico, pelas instáncias de mediagáo na negociagáo dos interesses
com os m.
do camponés e pelas práticas de corrupgáo na obtengáo de créditos e insu-
talista ror
mos produtivos, assim como na mercantilizagáo dos produtos do campo.
homem e
Daí estáo surgindo os atores do ambientalismo nas zonas rurais do Terceiro
Os pr
Mundo, demandando novas formas de organizagáo autogestionária de seus
de domim
processos de produgáo e comercializagáo, e de seus mundos de vida.
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tivo, no qual sejam geradas condigóes para a erradicagáo da pobreza e para princíp
a satisfagáo das necessidades e aspiragóes dos diferentes grupos da popula- condig
gáo, em que a socializagáo e a apropriagáo dos recursos permitam reduzir a Ar
desigualdade económica e social. fato de
O princípio de gestáo participativa dos recursos ambientais implica unta básicas
democracia direta, na qual a agáo cidadá náo se restringe ao consenso social ecológi
que pode ser alcangado através dos mecanismos de mediagáo e representa- to suste
gáo dos altos níveis de tomada de decisóes. Essa democracia que nasce nas rural.
bases apresenta urna via direta de apropriagáo dos recursos produtivos para de se er
o manejo coletivo dos bens comuns da humanidade e os servigos ecológicos e com a
da natureza. Diante do domínio dos "tomadores de decisóes", eleitos interess
"democraticamente", hoje em dia emergem as identidades e autonomias dos os direi
poyos, regenerando suas capacidades de autogestáo dos processos produti- patrime'
vos para eliminar a pobreza, melhorar sua qualidade de vida e construir As t
comunidades sustentáveis. 5 O projeto de democracia ambiental enfrenta vimentc
assim a unificagáo forgada imposta pela ordem homogeneizadora hegemó- gica, nc
nica da globalizagáo económico-ecológica á natureza e ao homem, promo- interno
vendo uma reintegragáo do mundo a partir de sua diversidade, fundada em base de
natural
novas solidariedades sociais, na pluralidade de identidades culturais e na
sociais
diversificagáo de estilos de desenvolvimento sustentável.
Latina r
processo
económ
dagáo a
DEGRADA40 AMBIENTAL E PRODMO DE POBREZA
culturai
america
A degradagáo ambiental e o avango da pobreza se tém convertido nos signos vas no r
mais claros da crise social do nosso tempo. Passaram-se mais de 35 anos nidades
desde que Gunnar Myrdal (1968, 1971) advertiu para o drama e os desafios Od
do mundo pobre, resultado da "desigualdade mantida voluntariamente atra- a ver no
vés da estratificagáo económica e social e da passividade política das mas- za. O pc
sas". Foi se perfilando assim o direito dos países pobres a desenvolver-se e a tal, sem
tomar seu destino nas próprias máos. No entanto, as políticas públicas tém urna tul
sido incapazes de deter o incremento da pobreza. Esta náo apenas se perce homem,
be através das disparidades entre nagóes, mas da expansáo das desigualdades custos e
sociais dentro de cada país. A erradicagáo da matéria se apresenta como o Mundo,
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tido em uma queda de receita e de qualidade de vida das maiorias empobre- própria
cidas do Terceiro Mundo. Urna das manifestagóes do avango da pobreza tem suas ne
sido seus efeitos na desnutrigáo da populagáo. A deterioragáo alimentar é 0
maior nos estratos de renda mais baixa, que tiveram que suprimir de sua tropical
dieta o consumo de carne, peixe e produtos lácteos. Essa crise alimentar e pas, ver
nutricional afeta urna populagáo que já antes da crise tinha graves deficién- gáo e ai
cias nutricionais. recurso
A questáo da pobreza chegou, assim, a ocupar o centro da agenda inter- versida<
nacional, ao lado dos problemas ambientais e do desenvolvimento sustentá- Argueta
vel (Unep, 2002). No entanto, além dos lacerantes diagnósticos sobre o esta- Américl
do da pobreza, das novas metodologias e dos indicadores para medir a tanto p
pobreza rural e das metas do milénio para reverté-la; além do interesse em como p
conhecer as formas, o número, as condigóes e as linhas divisórias entre autoger
pobreza, pobreza absoluta e miséria extrema, torna-se imperativo gerar mias aul
novas estratégias para enfrentar a degradagáo socioambiental, explorando
vias de reconversdo da pobreza em processos produtivos que permitam satis-
fazer as necessidades básicas das comunidades rurais e urbanas. A pobreza
náo resulta apenas do crescimento demográfico que ultrapassa as capacida- DESENVC
DESENVC
des de absorgáo de máo-de-obra pelo sistema económico. O processo de
produldo de pobreza e degradacdo socioambiental é gerado pela racionalida-
de económica prevalecente. Esta superpopula0o pauperizada, que se mani- Até agor
festa como um problema social, constitui, ao mesmo tempo, um potencial tanto, di
fora, até
humano que náo pode ser apropriado diretamente pelo mercado de traba-
esgotanc
lho nem constitui campos de inversáo de capital. Por isso, é necessário rein-
za e desi
tegrar esses espagos marginalizados a um processo produtivo que beneficie
qualidad
diretamente as comunidades.
com o cli
As políticas de desenvolvimento na América Latina náo incorporaram as
As p
condigóes ecológicas e culturais a um processo de desenvolvimento susten-
mico nec
tável para melhorar a qualidade de vida dos grupos majoritários da socieda- go e a dis
de, enfrentando a problemática da pobreza rural a partir de suas raízes e em brecimer,
toda a sua complexidade (Carabias, Provencio e Toledo, 1994). Surge assim através d
um movimento social no campo que náo defende mais apenas os direitos za se pro
tradicionais pela terra, mas também as identidades e os valores culturais das brío amb
etnias e grupos camponeses; seu direito a estabelecer relagóes produtivas góes ecol
sustentáveis com seu entorno natural é urna estratégia para reconverter sua novas po]
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bientais inscritas nas lutas pelas autonomias dos poyos indígenas em relagáo
a seu potencial criativo para elaborar urna racionalidade social alternativa.
As lutas ecológicas e das populagóes indígenas vém questionar a capaci-
dade dos órgáos oficiais de dar atengáo aos poyos indígenas e suas instáncias
de mediagáo. Dessa maneira, questionam o princípio constitucional que
outorga ao Estado, corno proprietário dos recursos da nagáo, o direito de
dar em "concessáo" sua exploragáo, ceja ao próprio Estado (mineragáo,
hidrocarbonetos), á empresa ou, até, ao campesinato, através da divisáo da
terra, dos direitos de propriedade de territórios ou das condigóes da produ-
gáo no campo (presos de insumos, transferéncia de tecnologia e assessoria
etc.). 14 Essas lutas apresentam o direito de apropriagáo e autogestáo do
património natural dos poyos indígenas, o qual náo estaria regido nem por
um modelo económico homogéneo nem por urna ordem jurídica que uni-
formizaria os direitos das comunidades em funláo de um bem comum defi-
nido a partir do centro, a partir do Estado tutelar e do mercado, para deter-
minar desde ali a distribuigáo das condigóes da produgáo através das políti-
cas neoliberais no campo.
Na busca de novos espagos independentes, diversas organizagóes indíge-
nas do México promoveram a criagáo do Conselho para o Desenvolvimento
dos Poyos Indígenas, integrado por representantes genuínos dos diversos
poyos indígenas. O conselho viria a se converter em um meio de diálogo,
coordenagáo e gestáo direta dos indígenas diante do Estado, integrado por
conselhos locais, estatais e regionais, sem intermediários e com capacidade
própria de decisáo, apresentando alternativas viáveis para o desenvolvimen-
to dos poyos indígenas que partam deles próprios, gerando suas próprias
capacidades para autogerir seu processo de desenvolvimento. Isso apresenta
a necessidade de urna revisáo da Constituigáo, de maneira que náo apenas se
reconhega a existéncia das diferentes etnias, mas também as autonomías dos
poyos indígenas. Nesse processo, urna série de organizagóes autónomas dos
poyos indígenas, estáo surgindo, como a Nagáo Purépecha, o Movimento
Nacional por Regióes Autónomas Pluriétnicas, o Conselho 500 Anos de
Guerrero e numerosos movimentos agrários e comunitários, corno os de
Chiapas e Oaxaca, que incluem organizagóes de produtores, que expressam
a vontade de desenvolver-se a partir de suas próprias identidades étnicas.
Tais movimentos sociais estáo recuperando, através de seus usos, costumes e
práticas tradicionais, seu património de recursos naturais e culturais, e
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surgimento de um movimento inédito pela identidade e pelo território. Isso sos pro
levou á construcáo dos novos direitos das comunidades negras, que ficaram patrim
expressos na Lei 70 de 1993, ano em que se conforma o Processo de jo de sc
Comunidades Negras. 15 localiza
A luta dos poyos latino-americanos pela autonomia, e a ambientalizacáo sistema
de suas lutas, está mobilizando mudancas na ordem constitucional e jurídica transce
em torno dos novos direitos culturais: de autonomia, de identidade e pelo estabeb
território. Os movimentos indígenas esto ultrapassando os espacos ganhos gias do
com anterioridade pelos direitos humanos e sancionados pela lei vigente. do cana
No cadinho dos processos de legitimacáo dos direitos dos poyos, através de de um
suas lutas de resisténcia, suas estratégias de poder e suas formas de organiza- Os
cáo políticas em defesa de seu património de recursos naturais e culturais, poderia
estáo se forjando os novos atores do ambientalismo no meio rural, lavrando seco oL
o terreno e cimentando as bases de uma nova ordem social e produtiva. 16 surge d.
utopias
e de sus
co) para
A AMBIENTALIZAÇÁO DAS LUTAS CAMPONESAS, Os
AS P0PULA4ÓES INDÍGENAS E AFRO-DESCENDENTES terra á c
ambienl
As novas lutas sociais no campo — que podemos definir como ambientalis- car apee
tas no sentido de que articu1am demandas tradicionais com um processo cáo, istc
emergente de legitimacáo de seus direitos á autogestáo de seus recursos pro- agora d
dutivos e a transformacáo do sistema político e económico dominantes (a uma lut,
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RACIONALICADE AMBIENTAL
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assegur:
adquirindo ao mesmo tempo o controle dos servigos técnicos florestais e
para me
gerando um processo de inovagóes técnicas a partir das práticas tradicionais
As j
de uso dos recursos. As propostas para o aproveitamento sustentável das
vessada;
matas e dos recursos naturais estáo se arraigando em novas formas de orga-
volvime
nizagáo das comunidades para a defesa e o controle coletivo de seus recur-
preserve
sos, assim como para o desenvolvimento de estratégias produtivas alternati-
dos país
vas (Aguilar, Gutiérrez e Madrid, 1991). 18 Surgem, assim, novas práticas
intelecti
produtivas dentro de um desenvolvimento alternativo fundado no potencial
Por sua
produtivo dos ecossistemas do trópico, assim como na diversidade cultural
sos aos
e nas capacidades organizativas das comunidades rurais.
estratégi
A possibilidade de converter os recursos agrícolas e florestais em base do
a base d
desenvolvimento e bem-estar das comunidades rurais aparece, também,
góes bio
como meio para a efetiva protegáo da natureza, da biodiversidade e do equi-
Diat
líbrio ecológico do planeta. A consolidagáo desses processos dependerá do
so de reí
fortalecimento da capacidade organizativa das próprias comunidades para
produth
desenvolver alternativas produtivas que lhes permitam melhorar suas condi-
e as capa
góes de vida e aproveitar seus recursos de maneira sustentável. Dessa forma,
volvimei
os moradores das matas, das florestas tropicais e das áreas rurais do Terceiro
das flore
Mundo poderáo aliviar sua pobreza e conservar seu património de recursos
ecologic
como um potencial económico para satisfazer suas necessidades atuais e as
ser apen
das geragóes vindouras.
para apt
A criagáo desse potencial de desenvolvimento dependerá da produgáo
assim, ir
de tecnologias apropriadas para o manejo produtivo da biodiversidade dos
prática c
ecossistemas e para o aproveitamento múltiplo de seus recursos, revertendo
prios pr<
as tendéncias a transformá-los em plantagóes e cultivos especializados de
controle
alto rendimento no curto prazo. Abrem-se, assim, perspectivas promissoras
suas prál
para um desenvolvimento agroflorestal, gerando meios de produgáo apri-
Os n
morados, assimiláveis ás práticas produtivas das comunidades rurais. No
do conhi
entanto, o controle das empresas de biotecnologia sobre as cada vez mais
do mune
sofisticadas técnicas de engenharia genética deixa em desvantagem as popu-
mesmo t
lagóes indígenas e camponesas diante dos consórcios internacionais, que
tos das r
contam com os meios científicos e económicos para apropriar-se do material
ra, as pr
genético dos recursos que foram e sáo património histórico dos povoadores
autogest.
das regióes tropicais. Isso apresenta a necessidade de se desenvolver estraté-
agrícola
gias que náo apenas permitam ás comunidades rurais legitimar seus direitos
racionali
sobre seu património de recursos e a propriedade da terra, como também
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lutas sociais; sáo práticas mediante as quais se apropriam de sua natureza, tura
dando-lhe nome próprio. Sáo processos de reterritorializagáo — no sentido tizac
que Guattari dá ao termo — nos quais o homem se arraiga em um território :O:dmsae
e irriga seu destino: habitus que constrói um hábitat, ser cultural que se con-
forma e dá forma ao meio (Porto-Gongalves, 2004).
Os seringueiros estáo criando um novo território epistemológico em 2
que as relagóes sociedade-natureza estáo se reconstituindo. Náo se trata ape- e pel
nas de urna nova topologia social, mas de um processo de ressignificagáo e rente
transgressáo dos territórios do conhecimento para repensar o tempo e o salid
espato; é uma nova escritura na pele da terra que funda um novo lugar para devit
nomear o ser. Estes territórios se configuram na confrontagáo de interesses proje
entre o mercado mundial e a cultura local; neste campo de luta pela reapro- sidad
priagáo de um lugar onde habitar, os seringueiros deixaram marcas de sua sencli
cultura na terra e suas pegadas na história, construindo seu modo de vida em Proce
um território conformado pela cultura; de urna cultura que coevolui com a afirm
natureza, definindo urna identidade em confronto com "os de fora". O ter- natur
ritório seringueiro é o espato criado na disputa por um recurso ao qual a cul-
tura imprime o nome de urna natureza na qual se reconhece. Os seringuei- 1
ros chamaram de seringueira a esta árvore-máe, cujo leite é a seringa, alimen- n
to de um poyo do qual ele toma seu próprio nome.
O homem nomeia a árvore; a árvore se torna corpo. O território serin- 2.
gueiro é a terra extasiada pelo calor do sol e pela carícia da máo do homem: o
erotizagáo de seu mundo de vida, construgáo social de um espato habitado.
Sol e carne é a seringa, produto da fotossíntese e da cultura; cultura que con- nc
serva e cultiva a árvore como sustento de vida, extraindo sua seiva leitosa, e
fazendo-se cultura seringueira. A seringa nasce do encontro da terra cristali- 16
zada com a vida; do cortejo da vida com a rocha endurecida. É a carícia do-
rofílica do sol na casca da árvore; é o amor cortesáo da árvore com a terra e fi)
com o homem. O homem adorou a árvore; a árvore deitou raízes na terra e
absorveu do oásis subterráneo a seiva de sua cultura. O território desta geo- di
grafía é a vida feita corpo e símbolo, saberes e sabores, práticas e costumes.
A cultura dá nome, significado e sentido á natureza; escreve um território, vi,
imprime suas marcas na terra. É a terra lavrada, a árvore lavrada, da alvora- 11
da ao poente, sol radiante que vai engrossando seus troncos e estendendo
seus galhos para abrasar o homem. Da seringueira acariciada e seduzida pelo H
homem flui a vida de urna cultura. O seringueiro enlata a natureza e a cul- de seu
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tura para extrair o leite da seringa, sentido e sustento de um poyo. Terra ero-
tizada pela máo do homem, fertilizada com técnicas, com símbolos e signos.
O seringueiro vai se forjando nessa referéncia inesgotável com seu meio,
com esse mundo externo e estranho que é a natureza. Natureza desnaturali-
zada. Natureza cultivada, culturizada.
A partir dessa política cultural pela identidade, o clamor pela eqüidade
e pela sustentabilidade é urna luta pela diversidade, pelo direito de ser dife-
rente. O direito á singularidade e á autonomia diante da pressáo da univer-
salidade imposta pela globalizagáo dominadora. Esta política do ser e do
1 devir está emergindo na reconstituigáo das identidades e na inovagáo de
projetos culturais na transigáo para uma sustentabilidade fundada na diver-
sidade, na eqüidade e na justita. Urna nova racionalidade ambiental está
sendo forjada nos movimentos emergentes dos poyos indígenas, como no
Processo das Comunidades Negras do Pacífico Sul colombiano, as quais tém
afirmado novos princípios e direitos de organizagáo política a partir da
natureza e a cultura. Dessa maneira, estáo reivindicando:
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rio que insuflam a reinvengáo de sua identidade, onde se entretecem a iden- poder
tidade no tempo no qual nascem e a confrontagáo dos tempos nos quais se integra
debate sua existéncia e se abre seu futuro possível. Sua palavra está envolvi- A
da com as correntes da interculturalidade, na miscigenagáo e na hibridagáo campc
do ser cultural e na biodiversidade: se enc
tes loc
A relagáo entre poyos afro-descendentes e a natureza está determinada por estrat¿
alguns mandatos ancestrais, que recolhem uns critérios conservados de nos- emanc
sos ancestrais africanos, outros apropriados das culturas indígenas, e crité- que he
rios que foram definidos no processo de reconstrugáo social e cultural nos mecida
territórios onde se havia conquistado a liberdade [...] Os mortos nunca se cia nos
váo, ficam nas árvores, nos arroios, nos ríos, no fogo, na chuva, na margem gas. A
[...] O mandato ancestral: todos somos urna grande familia, nos designa um expres
grande respeito em relagáo aos demais seres da natureza que, como seres que or
viventes, as árvores, a terra, os animais, a água [...] tém direitos. As dinámi- nova q
cas de desdobramento, mobilidade, ocupagáo territorial e as práticas de uso des. É
e manejo da biodiversidade passam pela concepláo de que a trilogia territó- mudan
rio, cultura, biodiversidade é um todo íntegro, indivisível; o território que se alumbi
define como um espato para ser e a biodiversidade como o que permite per- que fea
manecer [...] os poyos afro-descendentes assumem a natureza como um sis- metafá
tema biocultural, em que a organizagáo social, as práticas produtivas, a reli- urna ID(
giosidade, a espiritualidade e a palavra [...] determinara um bem viver diferer
(Cortés, 2002: 217-8). incomi
do de (
Essas identidades "híbridas" náo se constroem apenas em oposigáo a tos ent
outras identidades, náo sáo só estratégias de resisténcia, náo sáo meras iden- outril
tidades políticas fragmentadas (Hobsbawm, 1996); sáo a relagáo do ser que Ne
se constitui com um nós, com um poyo: terras, ideologias, aspiragóes. As tentabi
lutas de emancipagáo sáo lutas de re-existéncia do Ser e de reapropriagáo da poyos
natureza. Náo sáo apenas clamores por urna melhor distribuigáo ecológica e para d.
económica, mas disputas de sentidos existenciais que se forjara na relagáo da acadén
cultura com a natureza. Isso implica que os poyos tomem a palavra. A des- comun
colonizagáo do saber implica aprender a falar diferente; é um direito á dife- discurs
renga e ás identidades comuns que passa por estratégias discursivas em que biano.
a poesia política pode enfrentar a verdade da ciéncia positivista; em que a acadén
justita ambiental descoloniza o direito positivo e a todos os dispositivos de transen
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NOTAS
1. Nesse sentido, vem seudo gerada urna estratégia política de articulagáo da diver-
sidade. Cf. Grünberg, 1995.
2. Bachelard havia afirmado que "a riqueza de um conceito científico se mede pelo
seu poder deformador. Esta riqueza nao pode ser atribuída a um fenómeno isolado que
teria reconhecida urna riqueza cada vez maior de caracteres, e seria cada mais rico em
compreensáo [...] Seria necessário deformar os conceitos primitivos, estudar suas
condigóes de aplicagáo e, sobretudo, incorporar as condigóes de aplicagáo de um con-
ceito no próprio sentido do conceito. É nessa última necessidade que reside [...] o caráter
dominante do novo racionalismo, correspondente a urna forte uniáo da expressáo e da
razao" (Bachelard, 1938: 61). Mas, por outro lado, a falta de conceitos torna invisíveis
os movimentos. Dessa maneira, diversos estudos sobre os novos movimentos sociais e
acerca das populagóes indígenas pela autonomia, limitam as "lutas ecológicas" á "exigén-
cia do controle e acesso aos recursos naturais (permissóes, licengas, concessóes etc.) e ao
manejo ambiental, sem abordar abertamente aspectos que tém a ver com um novo orde-
namento jurídico-político nacional e com questóes relativas ao poder e ao território"
(Sanchez, 1999: 13). Como veremos ao longo deste capítulo, embora a consciéncia
ecológica nem sempre seja um imaginário translúcido que se reflete diretamente na dis-
cursividade dos movimentos sociais, e, em muitos casos, esta consciéncia e sua expressáo
fiquem retardadas por motivos estratégicos que colocam em relevo as demandas por
autonomía e direitos culturais nas formas que adota urna política da diferenga e do ser
cultural na luta de poder com o Estado nacional (é o que ocorre com o movimento dos
poyos indígenas do México e outros países), em muitos casos, já visíveis, os atores sociais
das lutas dos poyos indígenas e camponeses estáo se constituindo através da reinvengáo
de identidades e estratégias políticas em uma relagáo direta com os processos de reapro-
priagáo da natureza e de seus processos produtivos.
3. Esta proposta adquiria sentido dentro da ilusáo de que a sociedade pós-industrial
teria transitado a um estágio de "pós-escassez"; urna vez satisfeitas as necessidades bási-
cas, a abundancia material abriria as portas aos valores da liberdade, á solidariedade e á
ecologia (Bookchin, 1991).
4. É emblemática a insurgéncia do Exército Zapatista de Liberagáo Nacional no
México, em 1994, e sua mais recente reorganizagáo em torno de comunidades autóno-
mas e autogestionárias.
5. A democracia ambiental se expressa, assim, dentro de procedimentos de uma
democracia de duas formas: 1) pela repartigáo eqüitativa dos recursos da comunidade
entre todas as unidades domésticas e familiares que a integram e, 2) por urna tomada de
decisóes coletivas e de consenso mediante as assembléias dos ejidos (Toledo, 1994b).
6. "Todos os Estados e todas as pessoas deveráo cooperar na tarefa essencial de
erradicar a pobreza como um requisito indispensável do desenvolvimento sustentável, a
fim de reduzir as disparidades na qualidade de vida e responder melhor ás necessidades
da maioria dos poyos do mundo" (ONU, 1992: princípio 5).
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como base da construgáo de uma expressáo organizativa autónoma que lute pela con- verifica]
quista de nossos direitos culturais, sociais, políticos, económicos e territoriais, e pela forma d
defesa dos recursos naturais e do meio ambiente" (Grueso, Rosero e Escobar, 1998: sistemas
180). locais, d
16. 0 projeto Latautonomy, financiado pela Unido Européia, é um exemplo dessa 20.
tentativa de implantar novos parámetros para estabelecer urna sociedade convivencial, a (20026
partir dos presentes processos de autonomia em sociedades indígenas da América Latina reagáo
para urna "política orientada ao desenvolvimento sustentável e á democratizagáo de um que exis
ambiente social". Seu objetivo principal é a elaborag'áo de um conceito de autonomia distinta!
multicultural como alternativa socioeconómica e marco político aos Estados nacionais sociais e
centralizados sobre a base de identidades culturais. Tomando como exemplo aquelas essas yo:
áreas indígenas da América Latina onde os processos de autonomia durante as últimas 21.
duas décadas criaram uma base política e socioeconómica para um desenvolvimento sus- braco; e
tentável, o projeto procura analisar e avalar os esforgos dos que fazem política tanto nas certas pi
organizagóes baseadas na comunidade como em organizagóes governamentais e náo go- recente
vernamentais, para criar um novo marco para o desenvolvimento de sociedades civis. tornou r
Com este fim, o primeiro objetivo científico do projeto será a investigagáo, análise e das Amé
avaliagáo dos conceitos e práticas de sociedades indígenas em seis áreas principais da integre s
América Latina: a regiáo de Chiapas, México, e a luta do movimento zapatista pela conjunta
autonomia municipal; a Regido Autónoma do Atlántico Norte (RAAN) da Nicarágua, á territol
e afro-c1(
onde a vida política e económica de toda uma regido está regulamentada pelo Estatuto
de Autonomia de 1986; a regiáo kuna de San Blas, Panamá, primeira área onde foi colo- exclusáo
cada em prática a idéia de autonomia multicultural, especialmente no nivel da educagáo de luta,
multilíngüe; a regiáo dos poyos indígenas da Venezuela, onde a nova Constituigáo de urna dívi
janeiro de 2000 levou a urna discussáo ampla dentro e fora das comunidades indígenas; 22.
a regiáo do Alto Rio Negro, Brasil, que foi declarada oficialmente, em 1998, Território
dos Indios, como resultado de uma abano de 34 diferentes poyos indígenas; a Serra do
Equador, onde a Confederagáo Nacional de Organizagóes Indígenas do Equador
(Conaie) conseguiu importantes espagos autónomos com um alto grau de autonomia ter-
ritorial, e luta no presente pela constituigáo de um estado plurinacional multiétnico e
pluricultural; a regiáo de Chapare, Bolivia, onde o movimento dos cocaleros de base indí-
gena multiétnica está lutando pelo controle dos municípios dentro do acordo da Lei de
Participagáo Popular.
17. Ver cap. 3, supra.
18. Nesse sentido, a Declaragáo do Fórum Nacional sobre o Setor Social Floresta!,
celebrado em Pátzcuaro, Michoacán, de 5 a 7 de abril de 1992, reafirma o valor das
experiéncias recentes de autogestáo dos recursos florestais, as quais tém "mostrado o
papel insubstituível das empresas camponesas no assentamento de 17 milhóes de mexi-
canos, na geragáo de empregos e produtos para consumo próprio e exportagáo, e para a
conservagáo da cobertura vegetal e da diversidade biológica" (El Cotidiano 1992: 49-52).
19. Nesse sentido, Lory Ann Thrupp (1993) assinala: "Alguns pesquisadores exa-
minam o conhecimento tradicional com métodos empíricos formais, tais como experi-
mentos controlados de laboratório. Essas pesquisas e análises sem dúvida sáo úteis para
512
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verificar a fimgáo e efetividade das práticas das populagóes locais. No entanto [...], esta
forma de sistematizagáo pode ser imprópria para avalar o verdadeiro significado desses
sistemas de conhecimento, ao se abstrair do contexto histórico e cultural das práticas
locais, de seus complexos matizes e de sua dimensáo filosófica e espiritual".
20. A nogáo de "reexisténcia" foi formulada por Carlos Walter Porto-Gongalves
(2002b e Leff et al., 2002). Implica dizer que náo apenas resistem e, assim, que agem em
reagáo a alguém, simplesmente. Significa dizer que se age a partir do que é próprio, de
que existem e, a partir de sua existencia, resistem guando se confrontam racionalidades
distintas. Daí, re-existem. Há protagonismo por todos os lados, mesmo sob relagóes
sociais e de poder assimétricas. É preciso uma ética da outridade para se estar aberto a
essas vozes, a esses corpos outros.
21. Os poyos indígenas e os afro-descendentes náo tém lutado até agora brago a
brago; em alguns casos, como no Pacífico colombiano, as populagóes indígenas gozam de
certas prerrogativas pelo reconhecimento do estado, anterior ao reconhecimento mais
recente outorgado ás populagóes afro-descendentes. Apenas nos últimos tempos se
tornou manifesta a vontade de juntar suas agendas, como aconteceu no I Fórum Social
das Américas, em 30 de julho de 2004, guando decidiram empreender uma política que
integre suas lutas a partir da interculturalidade. Ali manifestaram que "a luta tem que ser
conjunta, porque ambos os poyos sofrem discriminagáo racial, desrespeito a seus direitos
á territorialidade e á biodiversidade, assim como á sua cultura", porque ambos, indígenas
e afro-descendentes, sáo afetados por problemas comuns: territorialidade, desigualdade,
exclusáo social, racismo; mas, também, porque ambos os poyos mantém eixos comuns
de luta, como a reafirmagáo de sua identidade e a cultura de resistencia, e porque "há
uma dívida histórica com os poyos indígenas e com os afro-descentes".
22. Ver cap. 6, supra.
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Índice onomástico
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Dali, S., 77, 305 Georgescu-Roegen, N., 22, 23, 135, 174, Ibse]
Daly, H. E., 140, 147, 205, 229-231, 285 175, 177-184, 186-189, 195, 199, Ingo
Dante, A., 360 205, 210, 227, 285, 286, 437 Insti
de Beauvoir, S., 327 Giménez, G., 454 IUC]
De Oliveira Cunha, L. H., 237, 422 Gispert, M., 431 Iver,
Deleuze, G., 16, 211, 270, 311 Givone, S., 68, 109
Demetrescu, M. C., 177 Gliessman, S. R., 496 Jalée
Denevan, W. M., 425 Gligo, N., 423, 426 Jevoi
Derrida, J., 16, 62, 123, 127, 133, 295, Godelier, M., 255, 294, 421 Jona:
308, 311-313, 366-369, 373, 390 Goldmann, L., 88, 114
Descartes, 11, 49, 308 Gómez-Pompa, A., 419, 431 Kant
Descola, Ph., 103, 104, 106, 285, 319 Gongalves, C. W. P., 14, 149, 158, 307, Kapp
Devall, B., 78, 305 481, 485-486, 488, 493, 502 Kay,
Díaz Polanco, H., 416 González Casanova, P., 115, 416, 496 Kien
Diegues, A. C., 430 Goodland, R., 416 Killia
Doce, J., 369 Gorz, A., 156 Kosil
Dos Santos, Th., 342 Grinevald, J., 184, 187, 194, 195 Krish
Dragan, J. C., 177 Grueso, L., 503, 506 Kuhn
Dwivedi, O. P., Guattari, F., 16, 158, 311, 502
Guha, R., 461, 493 Lacar
Echeverría, B., 57, 160 Gunder-Frank, A., 453 Laclai
Édipo, 328, 334 Gutiérrez, P., 498 Land(
Eliot, T. S., 392, 393, 395 Lazos
Elizalde, A., 483 Habermas, J., 22, 23, 94, 249, 259, 267, Lefeb'
Emmanuel, A., 142 269, 325, 349-352, 354-358 Leff, I
Engels, F., 52, 79, 85, 87, 98, 114 Hall, S., 506 12'
Escobar, A., 138, 294, 305, 307, 310- Haraway, D., 103, 107, 294, 305, 320 27'
314, 318, 493, 503, 506 Hecht, S., 430 34'
Evans Pritchard, 159 Hegel, W. F., 49, 79, 85, 86, 88, 89, 96, 471
EZLN, 491 99, 112, 294 Lenge
Heidegger, M., 16, 23, 95, 100, 101, Lénin,
Fanon, F., 508 162, 249, 270, 296, 309, 311, 312, Leroi1
Fearnside., P. M., 155 361, 362, 373, 380, 390, 393, 444, Levina
Feuerbach, L., 49, 50 445 21(
Foucault, M., 12, 16, 22, 54, 60, 87, 91, Heine, H., 392 33 l
100, 163, 280, 308, 317, 379 Hinterberger, F., 228
37c
Freud, S., 295, 317, 322, 354, 373 Hobsbawn, E., 504
38";
Funtowicz, S., 86, 205 Hólderlin, 13
Lévi-S1
Hopenhayn, M., 483 Lipove
Gagdil, M., 427 Horkheimer, M., 16, 84, 270, 350, 355,
López-
Gallo Mendoza, G., 247 409
Lotka,
Gallopín, G., 285 Humboldt, 106
Lukacs
García Colorado, G., 157, 239, 283 Husserl, E., 102, 309
Geddes, P., 437
534
RACIONALIDADE AMBIENTAL
535
ENRIQUE LEFF
Pálsson, G., 103, 104, 285, 319 Sessions, G., 78, 305
Paré, L., 430 Sevilla, E., 496
Parra, M., 432 Shiva, V., 326
Passet, R., 134, 147, 184 Smith, A., 171
Pearce, D., 151, 285 Soddy, F., 437
Pécheux, M., 234 Spinoza, 308
Pengue, W., 153, 492 Steiner, G., 361, 393, 394, 399, 410,
Piaget, J., 102 411, 445, 446
Pimentel, D., 423 Stengers, I., 108, 138
Pitt, D., 415, 421 Steward, 201, 284
PNUMA, 267, 339 Sunkel, 0., 483
Polanyi, K., 235, 238 Sweezy, P., 440 agáo
Popper, K., 60
Poster, M., 66 Thompson, E., 158, 234
Prigogine, I., 22, 23, 87, 108, 138, 180- Thrupp, L. A., 425 11
182, 187, 192, 196, 210, 211, 293, Toledo, V. M., 285, 423, 431, 480, 481 atore:
295, 296, 320, 360 Tricart, J., 285 -
Tsuru, Sh., 424 acord
Quiroga, R., 229 Turner, K., 285 acumi
-c
Rappaport R. A., 285 Unep, 480 -d
Ravetz, J., 86, 205 Uribe, M., 496 -d
Redclift, M., 138 -d
Ricardo, D., 171, 175 Valéry, P., 370 -d
Rimbaud, 15 Vattimo, G., 123, 162, 311 afro-d
Rist, S., 496 Vayda, A. P., 419 agenci
Rodin, L. E., 202 Vernadsky, V., 194, 437 Agend
Roitman, M., 416 Vessuri, H., 285 agroec
Rorty, R., 110, 304 Vigotsky, 396 agro&
Rosero, C., 503, 506 Viola, E., 453 - c
Rougeulle, M. D., 422 Viola, P., 14 alterid
Rubel, M., 38 Viveros, J. L., 423 ambiei
Vuskovic, P., 481 245
Saal, F., 328 298
Sachs, I., 134, 414 Walker, K. J., 240, 242 ambier
San Martín, J., 496 Walras, 175 118
Sánchez, C., 416, 462 Weber, M., 22, 243-246, 249, 253, 254, 162
Sandoval, I. E., 157 259, 268, 269, 350 195
Sartre, J. P., 68, 79, 94-99 White, L., 201, 285 Améric
Schmidt, A., 48, 49, 51-56 Whorf, B. L., 106 477
Schródinger, E., 179, 182, 186, 189, 192, Wittgenstein, L., 308 antinat
198 Wuppertal Institut, 228 antropl
Schumpeter, J., 440 - es
Sejenovich, H., 247 Zizumbo, D., 432
536
Índice temático
agáo apropriagáo
- racional, 230, 238, 243, 244, 247 - capitalista, 61, 138
- social, 58, 59, 78, 86, 87, 98, 113, - cognoscitiva do mundo, 316
116 - coletiva, 167, 200, 264
atores sociais - cultural, 147, 157, 208
- do ambientalismo, 113 - de conceitos, 314
acordos ambientais multilaterais, 266 - da biodiversidade, 153
acumulagáo - da natureza, 53, 61, 65, 79, 111,
- capitalista, 39, 40, 45, 46, 50, 52 112, 114, 136-138, 142, 145, 147-
- de bens, 236 149, 163, 171, 201, 207, 208, 241,
- de biomassa, 217 244, 264-266, 292, 297, 302, 303,
- de carbono, 167, 191 306, 307, 332, 339, 375, 377, 382,
- de produtos, 273 383, 391, 406, 415, 455, 461, 462,
afro-descendentes, 138 464, 466, 471, 477, 484, 486, 487,
agenciamento, 211, 342, 371, 401 492
Agenda 21, 138 - das estruturas dissipativas, 180, 181,
agroecologia, 424 185, 189, 197, 201, 204, 205, 210-
agrofloresta 212, 294, 295
- comunitária, 462, 500 - dos processos produtivos, 209
alteridade, 109, 115 - dos recursos ecológicos, 302
ambientalismo (s), 113, 238, 241, 242, - dos recursos naturais, 139, 143, 282,
245,-247, 254, 256, 260, 267, 280, 285
298, 302, 313, 314, 324 - do conhecimento, 60
ambiente, 51, 64, 80, 89, 91, -93, 103, - do mundo, 390, 399
118, 119, 127, 132-143, 156, 161, - do poder, 343
162, 175, 179, 181, 183, 184, 190, - destrutiva da natureza, 229
195, 199 - económica, 57, 153
América Latina, 303, 417, 425, 451, 475, - material e simbólica da natureza, 318
477, 479-481, 490, 497 - produtiva da natureza, 41, 60, 149
antinatura, 134 - social da natureza, 94, 115, 116,
antropologia 163, 205, 208, 241, 305, 348
- estrutural, 286 aquecimento
537
ENRIQUE LEFF
538
RACIONALIDADE AMBIENTAL
539
ENRIQUE LEFF
contaminagáo, 133, 135, 149, 155, 172, 252, 272, 327, 406, 422, 453, 473, 30
177, 195, 199, 202, 218, 224, 228, 476-479, 500 44
247, 256, 302, 340, 406, 419, 460, democracia 48
461, 466, 467, 479, 492, 494 - ambiental, 314, 460, 462, 466, 468, -c
coisificagáo 471, 473-476, 509 -c
- da natureza, 65 - direta, 314, 338, 471, 475, 476, - d
- do mundo, 57, 96, 108, 319, 330 491, 494 -h
cosmovisáo, 78, 167, 318, 371 - na produgáo, 474, 491 31,
Costa Rica, 152 - participativa, 144, 246, 407, 414, 46(
crise 460, 469, 495 - ir
- ambiental, 55, 59, 64, 77, 93, 126, - política, 81, 407, 468, 469, 474 - ir
131-135, 137, 139, 140, 163, 172, - representativa, 314, 460, 469, 471 - p
174, 176, 185, 204, 223, 226, 249, dependéncia tecnológica, 477 - tr
256, 263, 281, 282, 288, 290-292, dióxido de carbono, 135, 149, 151, 154, 501
294, 299, 304, 319, 322, 325, 327, 167, 191, 194, 195, 203, 216 - tr
329, 337, 347, 374, 381, 388, 397, direito (s) - uI
406, 453, 478 - á diferenga, 160, 163, 166, 229, desenv
- da civilizagáo, 405 245, 312, 314, 341, 356, 377, 389, - er
- da natureza, 304, 347 408, 469, 487, 504, 505, 507, 511 - es
- da racionalidade económica, 238 - á gestáo participativa, 408 - so
- da razáo, 281 - á sobrevivéncia, 77, 159 - su
- de identidade, 196 - a ter direitos, 261, 365 77,
- de recursos, 224 - ambientais, 163, 253, 280, 419, 425, 156,
- do conhecimento, 59, 347 457, 460, 486 188,
- do desenvolvimento, 347 - ao território, 299, 503 225,
- do mundo, 294 - cidadáos, 144, 236, 326, 467, 473, 242,
- do pensamento ocidental, 288 475 258,
- do sistema, 231 - coletivos, 152, 176, 267, 314 283,
- ecológica, 143, 288, 304 - culturais, 139, 157, 261, 312, 407, 347-
cultura 412, 415, 457, 474, 486, 487, 490, 400,
- da modernidade, 443 506, 509, 512 420,
- da pós-modernidade, 407 - da mulher, 261, 326 435,
- democrática, 473, 475, 505 - da natureza, 327 476,
- dominante, 260, 399, 423, 446 - de apropriagáo, 418, 461 492-,
- ecológica, 260, 261, 418, 419, 422, - de contaminagáo, 155 desconst
425, 428, 435, 468 - de propriedade, 74, 137, 139, 143, 141,
- global, 266, 405 150, 224, 303, 332, 407, 420, 461, 260,
- moderna, 320, 329 466, 469, 477, 481, 487-489, 499, 329, ,
- tradicional, 422 511 412,
cyborg (s), 119 - de propriedade intelectual, 74, 143, desflores
150, 303, 420, 461, 487-489 201,
degradagáo ambiental, 134-137, 144, - de reapropriagáo da natureza, 116, desnatur.
155, 157, 162, 184, 205, 213, 225, 133, 149, 157, 206, 260, 299, 303, 304,
540
RACIONALIDADE AMBIENTAL
304, 314, 376, 386, 400, 411 420, desordem, 105, 196, 218, 273, 331, 444
445, 446, 454, 463, 466, 467, 486, desvalorizagáo
487, 499, 504, 506, 507, 509 - do capital, 40
- de ser, 299, 304, 314, 335, 339, 503 - do valor, 31, 43
- do mercado, 311 dívida ecológica, 150, 155, 299, 303
- do ser, 149, 289, 297, 314, 326 développment durable, 138
- humanos, 207, 241, 261, 263, 311- dialética
313, 320, 365, 407, 415, 460, 461, - da história, 56, 73, 77, 111
466-468, 470, 472, 475, 486, 487, 490 - da natureza, 52, 77, 78, 84-86, 98,
- indígenas, 311, 463, 466, 467, 472 99, 178
- individuais, 313, 338 - da negagáo, 211
- positivo, 237, 312, 488, 504 - da transcendéncia, 87
- tradicionais, 163, 447, 463, 480, - do amo e do escravo, 161
501 - do concreto, 100
- transacionáveis, 149 - do iluminismo, 84, 350
- universais, 420, 486 - do modo de produgáo, 63
desenvolvimento - do poder, 82
- endógeno, 478, 481, 483, 484, 499 - do processo laboral, 52, 73
- estratégia de, 416, 510 - do ser, 363
- social, 478, 481-483, 511 - dos meios e fins, 67
- sustentável, 60, 61, 64, 65, 67-69, - ecológica, 112
77, 112, 115, 117, 135-138, 149, 152- - social, 31, 47, 110, 116, 120, 250,
156, 165, 166,169, 173, 176, 185, 262, 410
188, 191, 193, 200, 206, 209, 223, - transcendental, 48, 50, 52, 56.
225, 226, 231, 232, 236, 238, 239, dialógica, 88, 111, 115, 251, 395, 400
242, 245, 247, 248, 251, 255, 256, diálogo
258, 261, 262, 266, 273, 274, 279- - de saberes, 110, 111, 116, 126, 127,
283, 299, 314, 318, 321, 326, 327, 130, 260, 269, 292, 296-298, 317,
347-349, 357, 378, 379, 386, 394, 345, 347, 349, 350, 356, 360, 361,
400, 406-408, 411, 414, 416-418, 364-371, 374-386, 388-391, 393-395,
420, 422, 423, 425, 428, 432, 434, 398-400, 410-412, 427, 505
435, 447, 461, 463, 465, 470-473, - de seres, 398
476, 477, 480, 481, 483, 485, 487, - intercultural, 394
492-494, 501, 505, 509, 510, 512 diferenga entre os sexos, 324, 327, 334
desconstrugáo, 56, 59, 74, 96, 134, 136, dimensáo estrutural, 64, 173
141, 144, 157, 231, 232, 247, 249, discurso
260, 289, 307, 311, 318, 321, 327, - ambiental, 252, 258, 279, 287, 367,
329, 332, 335, 375, 377, 379, 400, 438
412, 446, 464 - ambientalista, 248, 257, 459
desflorestamento, 135, 148, 172, 184, - científico, 51, 113, 128
201, 202, 215, 216, 406 - crítico, 258
desnaturalizagáo, 106, 148, 172, 289, - da ecologia política, 338
304, 306 - da globalizaláo, 143, 161
541
ENRIQUE LEFF
542
RACIONALIDADE AMBIENTAL
- dialético, 52, 53, 55, 62, 66, 67, 78, - do mundo, 131, 146
79 ecossistema(s)
- dos pobres, 460, 477, 478, 483 - auto-organizados, 188, 214
- funcionalista, 286, 318 - clímax, 151, 183, 190, 192
- naturalista, 290, 306, 326, 330, 331 - complexo(s), 129, 189, 190, 195,
ecologizagáo 204
- da cultura, 446 - contíguos, 183, 192, 302
- da economia, 137, 148, 229 - degradagáo do, 79, 132, 134-137,
- da ordem económica, 280 141, 143, 144, 155, 157, 159, 162,
- da ordem social, 250 172, 174-178, 181-191, 195-197,
- das relagóes sociais, 306 199-201, 205, 207
- do mundo, 293 - do Norte, 150, 152
- do pensamento, 293 - florestais, 155, 191
- do planeta, 377 - Iocais, 135, 154, 210
ecomarxismo, 31, 285 - naturais, 139, 145, 150, 154, 191
economia - produtivos, 135, 174, 185, 195, 200,
- ambiental, 31 202, 204, 206, 207, 209
- capitalista, 96 - recurso, 155, 158, 186, 214
- "clássica" do valor, 173, 177 - secundários, 167
- convencional, 180, 205, 210 - terrestres, 217
- de estado estacionário, 191 - tropicais, 74, 151-153, 191, 193,
- de mercado, 144, 209 203
- do desenvolvimento sustentável, ecosofias, 257, 305
135-138, 149, 152-156, 169, 173, ecotécnicas, 258, 283
176, 185, 186, 188, 191, 193, 200, efeito estufa, 81, 135, 148, 149, 151,
206, 209 152, 155, 156, 177, 188, 191, 195,
- e ecologia, 149, 216 200-202, 206
- ecológica, 134, 148, 174, 180, 184- emancipagáo, 33, 133, 138, 160
186, 197, 202 entropia
- global, 133, 157, 172, 207 - cósmica, 198
- mecanicista, 294 - da biosfera, 189, 202
- moderna, 175 - do universo, 199
- mundial, 202 - em sistemas fechados, 198, 199
- neguentrópica, 194 - global, 192, 195, 198
- neoclássica, 223, 272, 283, 285 - interna, 215
- neoliberal, 144 - lei limite da, 132, 133, 164, 169,
- política, 149, 227, 302, 305, 311 173, 174, 177, 181, 182, 187, 196,
- standard, 184 205, 207, 209
- sustentável, 32, 61, 139, 174, 185, - negativa, 186, 189, 198, 200
207, 228, 257, 286, 317 - neguentrópica, 154, 169, 181, 183,
- vulgar, 34, 48 186-195, 197-202, 204, 207-210
economizagáo - social, 403, 436, 437, 441
- da natureza, 148 episteme, 33, 54, 77
543
ENRIQUE LEFF
544
RACIONALIDADE AMBIENTAL
- de suporte da vida, 179, 185 - biológica, 80, 83, 86, 88, 89, 99,
- de um modo de produgáo, 32, 33, 111, 116, 189, 190, 194, 199, 250,
35, 39, 47, 49, 50, 52, 55-59, 63, 85, 296, 307, 308, 340, 376, 390, 488
107, 115 - cultural, 201
- dissipativas, 180, 181, 185, 189, - da cultura, 285
197, 201, 204, 205, 210-212 - da matéria, 96, 125
- do real, 95 - da natureza, 260, 295, 340, 361,
- económica, 64, 329 436, 495
- formal, 333, 387 - dialética, 117, 128
- genética, 308, 410 - do pensamento, 90, 292, 300
- mítica, 373 - ecocultural, 435
- molecular, 369 - ecológica, 325
- significante, 114 - natural, 80, 84, 86, 99, 234, 290,
- simbólica, 77, 317, 329 295
- social (ais), 40, 51, 52, 327, 329, - social. 80, 327, 350
332 exegese, 48, 53, 291, 399
- socioecológica, 92 exergia, 192, 193, 195, 208
- teórica, 286 externalidade (es)
estruturalismo, 86, 90, 92, 97, 112, 128, - ambiental (ais), 134, 136, 223, 241,
247, 252, 258, 283, 302
300
EZLN (Exército Zapatista de Libertagáo
ética
Nacional), 491
- ambiental, 237, 250, 267-269, 271,
336, 337 falo, 328, 329, 332
- conservacionista, 226, 264 falocentrismo, 327, 328
- da frugalidade, 232, 338, 441 falocracia, 326, 328
- da natureza, 86 feminino, 109, 328, 331, 332, 334, 343
- da outridade, 101, 160, 262, 267, fenomenologia, 49, 52, 54, 55, 86, 104,
374, 378, 383, 396, 410, 472 109, 216, 325, 352, 371
- da vida, 305, 322, 323 finalidade, 62, 117, 127, 128, 130, 141,
- do conhecimento, 60 204, 236, 270, 367, 368, 371, 449
- do desenvolvimento sustentável, 266 fluxo
- ecológica, 127, 321 - de matérias e de energia, 175, 184,
- empresarial, 206 195, 230
- naturalista, 80, 113 formagáo (óes)
- objetiva, 101, 112 - culturais, 255, 326
- protestante, 268 - de biomassa, 155, 167, 183, 186,
- racional, 268 188, 190-193, 197-204
etnobioprospecgáo, 303, 314 - de valor, 37, 45, 46, 48, 175
etnobotánica, 284 - discursivas, 308, 321
etnociéncias, 297 - do inconsciente, 295, 308, 332
etnotécnica, 284 - ideológicas, 51, 63, 79, 81, 244,
evolugáo 292, 457, 471
545
ENRIQUE LEFF
147, 149, 176, 188, 200, 201, 207, incomensurabilidade, 155, 159, 224, 226, -c
209 231, 246 -c
- económica, 153, 244 Índia, 154, 427, 461, 471 18
- participativa, 135, 200, 209 indígena (s), 299, 378 -d
- racional, 127, 132 - comunidade (s), 117 -d
gnosiologia, 305, 396 - cultura (s), 421 18'
- direitos, 311 -d
546
RACIONALIDADE AMBIENTAL
547
ENRIQUE LEFF
método (s) interdisciplinar (es), 204, 239, 462, 464, 467, 468, 475, 478, 486, 2,
279, 283, 306, 375 487, 489, 491, 493, 501, 506, 507,
México, 441, 489, 490 509 3(
modelo (s) movimentos históricos 41
- alternativos, 424 - camponeses, 144, 416, 417, 447,
- civilizatório, 223 448, 458, 459, 462, 463, 468, 474, natur
- cognoscitivo (s), 109, 355, 386, 402 480, 491, 492, 496, 508, 509
- de codificagáo, 68, 131, 159, 254, - da história, 48-52, 54, 56, 58, 64, 11
348, 409 73, 77, 79, 87, 88, 92, 94-99, 101, 11
- de explicagáo, 274 111, 114, 115, 128, 132, 159-161, 21
- de modernidade, 136 175, 180, 210, 211, 235, 236, 239, 3C
- de racionalidade, 133, 254, 317 240, 288-290, 292, 296, 301, 304, 38
- de regressáo múltipla, 149 306, 313, 322, 333, 347-349, 351, 46
- de simulagáo, 126 356, 365, 371, 372, 375, 376, 380, 49
- ecológico, 86 385, 386, 391, 408, 411, 445, 479 -
- económico (s), 281, 489 - da sociedade, 34, 50, 52-56, 73, 78- - c
- estratégico, 128 81, 83, 86, 92, 94, 99, 104, 111, 114, 12
- holístico, 92, 93, 107, 294, 319, 115, 118-120, 145, 179, 187, 207, - c
374, 378, 382, 387 232, 235, 243, 245, 247, 248, 250, 43
- mecanicista, 49, 50, 91, 129, 134, 273, 274, 287, 326, 350, 351, 371, -c
138, 144, 172, 174, 175, 179, 185, 384, 388, 407, 414, 417, 418, 432, - r
204, 211, 213, 225, 236, 265, 294, 453, 455, 457, 459, 460, 467, 469, 15
306 471, 473, 475, 480, 482, 484, 495 371
548
RACIONALIDADE AMBIENTAL
- de emancipagáo, 33, 160, 291, 296, 454, 463, 466, 467, 486, 487, 499,
333, 335, 336, 343, 504, 506 504, 506, 507, 509
- de resisténcia, 158, 160, 161, 163, - regimes de, 340
236, 265, 291, 297, 299, 302, 303, naturalismo
307, 399, 461, 488, 490, 493, 501, - dialético, 52, 67, 75, 83, 84, 86, 89,
504, 513 94, 97, 98, 101, 111, 113, 116, 316,
- ecofeminista, 326, 327, 329, 331 320,
- em defeca da natureza, 78 neguentropia, 182, 183, 189, 192, 195,
- libertário, 81, 339 197, 198, 203-206, 209, 218, 228,
- populares, 59 444
- teóricos, 417 neo-evolucionismo, 285
mudanga climática, 145, 147, 266, 274, neofuncionalismo, 285
321, 461, 472 neoliberalismo
mulher, 130, 261, 323, 326-335, 343, - ambiental, 151, 163, 205
477 - económico, 205
mundo objeto, 125-129, 133, 141, 159, - social, 482, 483
160, 337 niilismo, 92, 100, 211, 270
mundo (s) de vida, 66, 78, 107, 125, 126, norma (s)
146, 157, 159, 163, 205, 212, 235, - culturais, 260, 265
243, 248, 288, 291, 296, 297, 301, - de vida, 123, 274
307, 310, 337, 342, 348, 352, 359, - ecológica (s), 226, 241, 274, 302,
360, 364, 365, 377, 396, 399, 410, 303, 464
411, 465, 470 - jurídicas, 241, 251, 252, 262, 267,
454
natureza - legal (ais), 148, 252
- apropriagáo da, 53, 61, 65, 79, 111, - social, 274, 323, 488
112, 114, 136-138, 142, 145, 147- neguentrópicos (processos), 57, 181, 182,
149, 163, 171, 201, 207, 208, 241, 186, 187, 191, 192, 194, 209, 218
244, 264-266, 292, 297, 302, 303,
306, 307, 332, 339, 375, 377, 382, objetivagáo
383, 391, 406, 415, 455, 461, 463, - da natureza, 77, 327
464, 466, 471, 477, 484, 486, 487, - da realidade, 54, 62
492 - do mundo, 67, 123, 125, 145, 146
- capitalizada, 305, 307 - do ser, 149, 289, 297, 314, 326
- conceito de, 48-50, 56, 66, 68, 111, ontologia
123, 132, 307 - da diferenga, 101
- consumo produtivo da, 182, 197, - da natureza, 78, 101
438 - da outridade, 332
- orgánica, 93, 305, 326, 340 da práxis, 49
- reapropriagáo da, 116, 133, 149, - do objeto, 127
157, 206, 260, 299, 303, 304, 314, - do real, 124, 251
376, 386, 400, 411, 420, 445, 446, - do ser, 149, 289, 297, 314, 326
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RACIONALIDADE AMBIENTAL
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- sociais, 77, 96, 136, 158, 209, 232, 161, 162, 175, 179, 181, 183, 184,
240, 246, 301, 302, 303, 324, 339, 190, 195, 199
394, 408, 413, 446, 453-455, 459, 462, - do capital, 46
464, 467, 468, 475, 478, 486, 487, - do mercado, 40, 311
489, 491, 493, 501, 506, 507, 509 - dos recursos, 139, 143, 282, 285
- subjetivos, 61, 67, 232, 236, 246, - do património, 61, 143, 145, 153,
263, 265 163, 207, 232, 237, 247, 256, 259,
- trabalho, 31-34 299, 303, 342, 357, 407, 408, 414-
- tradicionais, 163, 447, 463, 480, 501 417, 421-425, 428, 432, 448, 454,
valorizagáo 457, 460, 462, 463, 466, 468, 470,
- cultural, 147, 157, 208 472, 477, 484, 485, 487-491, 493,
- da biodiversidade, 153 495, 497, 498, 500, 511
- da complexidade ambiental, 60, 61, - económica, 31, 32, 146, 171, 172,
69, 75, 93, 110, 160, 204, 209, 233, 174, 175
239, 256, 288-290, 292, 299, 301, - significativa, 80, 265, 335, 409, 449
306, 320, 335, 339, 342, 396, 412 vontade
- da diversidade, 338 - de dominagáo, 262, 333, 408, 499
- da natureza, 53, 61, 65, 79, 111, 112, - de poder, 78, 92, 116, 145, 163,
114, 136-138, 142, 145, 147-149, 163, 166, 201, 210
171, 201, 207, 208, 241, 244, 264- - de saber, 110, 111, 116, 126, 127,
266, 292, 297, 302, 303, 306, 307, 130, 260, 269, 292, 296-298, 317,
332, 339, 375, 377, 382, 383, 391, 345, 347, 349, 350, 356, 360, 361,
406, 415, 455, 461, 462, 464, 466, 364-371, 374-386, 388-391, 393-395,
471, 477, 484, 486, 487, 492 398-400, 410-412, 427, 505
- do ambiente, 51, 64, 80, 89, 91, -93,
103, 118, 119, 127, 132-143, 156, Zapatista, 508, 509, 512
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