Você está na página 1de 10

A influência do conceito ideal de cavaleiro medieval no personagem

Aragorn, na trilogia ‘’ O Senhor dos Anéis’’.

Caroline Carvalho de Almeida


Rio de Janeiro
2021
1. Introdução

A idade média foi um período que deixou sua marca na história. Foi um período
extenso o bastante para perpetuar pelo eco da sociedade atual, conseguindo ganhar um
lugar nas áreas literária, cinematográfica e tecnológica, como os videogames.
Sendo uma parte tão grande da história, — e que marcou os períodos que vieram
depois — a idade média conseguiu fazer parte de uma das maiores obras literárias que
percorreu o mundo: a trilogia do Senhor dos Anéis.
Dentro da obra do autor J.R.R Tolkien, é possível notar pontos específicos que nos
lembram a idade medieval. Um dos grandes pontos que possui a essência do medievo
que compõe a obra é a ordem da Cavalaria, e ainda mais, podemos ver essa
característica fortemente presente em um dos personagens mais importantes dos livros:
Aragorn.
Aragorn é um dos personagens que ganha vida dentro da trilogia. Suas características,
seus valores, sua bravura, sua noção de honra, lealdade e amizade possuem influência
da cavalaria medieval, uma das ordens mais importantes da idade medieval, provando a
influência do período na obra de Tolkien.

2. A Cavalaria Medieval e seus valores

A cavalaria medieval se tornou uma ordem que adquiriu um grande prestígio social,
passando por uma fase de cristianização. O surgimento dessa classe não acontece de
repente, e não surgiu de um canto qualquer; sua construção se deu devido a uma série de
fatores que culminaram na formação de sua estrutura.

Por volta do ano 1000, se forma, na sociedade medieval, uma nova classe social, cujo
indivíduos montavam a cavalos e portavam armas: os cavaleiros. Com isso, conseguimos
perceber uma divisão social se formando com tal construção da ordem dos cavaleiros; Os
que portavam armas e aqueles que não, culminando em um crescimento do prestígio
social e militar dos cavaleiros.
Durante o século XII, a cavalaria foi adquirindo mais importância, sendo estabelecida
como uma ordem, uma institucionalização, no final desse mesmo século. Com essa
consolidação da importância e grandeza, passou a existir um tipo de cerimonia para
conseguir fazer parte dessa nova ordem em ascensão.
O adubamento é um processo, uma cerimonia que formava novos cavaleiros para
constituir a ordem cavaleiresca. Esse processo de integração era de extrema importância
para os envolvidos, sendo uma separação da criança do homem daquele que participava
desse ato:

‘’Os ritos de investidura consagram essa cerimônia na qual um homem toma posse de
si mesmo.‘’

(DUBY, 1987, p. 100)

As armas que o cavaleiro recebia vinham carregadas com um poder simbólico próprio,
que servia para fortalecer a ideia do dever de um cavaleiro.

A nobreza medieval era hereditária; As qualidades e os títulos eram passados pelo


sangue do parentesco. A cavalaria assume um carácter nobre depois de certo
estabelecimento, onde os valores da nobreza hereditária por sangue se torna uma
realidade dessa ordem:

‘’Ela se fecha no início do século XIII e se transforma em casta, que exige, para a
investidura de um jovem, a prova de que quatro de seus ancestrais ao menos haviam
sido eles próprios nobres e cavaleiros. (...). A nobre corporação dos guerreiros de elite se
transforma em confraria guerreira dos nobres de elite.’’

(FLORI, 2005, p. 40)

Portanto, só faria parte da ordem cavaleiresca quem fosse parte da nobreza hereditária
dos cavaleiros, compartilhando dos valores nobres dessa classe.

A cavalaria, apesar de ser uma classe prestigiosa e possuir uma grande influência
militar, detinha em sua institucionalização as disputas que ocorriam entre si, as guerras
particulares e a violência da justiça com as próprias mãos estavam atingindo um ápice
perigoso, infligindo os camponeses.

As guerras particulares que aconteciam entre os cavaleiros dessa ordem, acabavam


por interferir diretamente na vida daqueles que não portavam armas. As vinganças com as
próprias mãos tinham o objetivo de reduzir as fontes de rendas do seu inimigo, como
destruir suas plantações, celeiros e matar camponeses. Com isso, a igreja intervem, se
vinculando a esse setor nobre da sociedade, cristianizando a ordem dos cavaleiros.

Com a cavalaria assumindo uma identidade cristianizada, é inevitável o aparecimento


de modelos ideiais com o objetivo de atender o clérigo. Um desses é o Livro da Ordem de
Cavalaria, de Ramom Llull. Esse livro tem um caráter didático, onde o ensinamento de
como se tornar um bom cavaleiro, honrar a ordem e a igreja fazem parte do conteúdo.
Ramom acreditava que a ideia de que o cavaleiro ideal seria um cavaleiro cristão, e
que esse tipo, serviria como uma espécie de estímulo para a sociedade seguir esse tipo
de comportamento cristianizado.

Segundo Ramom, para o cavaleiro estar disposto a servir a igreja e propagar a fé


cristã, ele deveria ser possuidor das seguintes virtudes: justiça, caridade, sabedoria,
verdade, humildade, lealdade e honra.
Conseguimos percebemos essas virtudes no personagem de Tolkien, Aragorn, onde
seus atos e falas evidenciam uma influência da ordem da cavalaria, demonstrando ser
possuidor de certas características do modelo ideal de um cavaleiro, segundo o livro de
Ramom Llull.

Assim como o cavaleiro ideal de Ramom, Aragorn era leal a causa da sociedade do
anel, e aos membros dela, como também a cidade onde seu trono o aguardava, a cidade
branca, como ao povo da mesma.
Suas ações e falas evidenciam as virtudes ideias de um cavaleiro, o fazendo ser um
dos personagens que mais representa o valor de um cavaleiro ideal levantado pelo Livro
da Ordem de Cavalaria.
Aragorn e a influência do cavaleiro medieval em sua essência

Frodo, um hobbit, recebe um anel, que foi forjado por um ser maligno, para governar
toda a Terra Média. O objeto precisa ser destruído antes que caia nas mãos de seu dono.
Para isso, Frodo encara o longo caminho que tem para frente, sendo o portador do anel,
ele viajará até o fogo de Mordor com a sociedade do anel, composta por Aragorn,
Legolas, Gimli, Gandalf, Sam. Boromir, Meriadoc e Peregrin, para ajudá-lo nesse árdua
tarefa e guiá-lo pelas terras que compõem a Terra Média criado Por J. R. R. Tolkien.

Para conseguirmos conectar as virtues do cavaleiro ideal, segundo o livro de Ramom


Llull, ao personagem Aragorn, criado por Tolkien, na trilogia do Senhor dos Anéis,
destacaremos algumas atitudes e falas do mesmo, evidenciando essa influência
cavaleiresca na obra do autor, sendo ainda mais percebido nessa criação do personagem
em específico.

Aragorn é um dos personagens mais emblemáticos que povoa a trilogia do Senhor dos
Anéis. Portanto, devemos compreender a essência do personagem para compará-lo
como o exemplo ideal da influência do medievo presente na obra de Tolkien.
No livro, ele era um guardião, que possuía um sentimento conflituoso sobre sua
descendência. O personagem possuía uma linhagem antiga de Reis, sofrendo um
desgosto interno com esse fato, pois os reis possuíam uma imagem de queda e fraqueza
no seu passado.
Com a jornada para Mordor concretizada pelo conselho, e pela criação da sociedade
do anel, tinha chegado o tempo de Aragorn aceitar a sua jornada, a sua descendência e o
seu lugar no trono como rei do reino de Gondor.
Na obra, Aragorn foi levado para viver em Valfenda quando seu pai foi morto por Orcs.
Lá, se apaixonou por uma elfa chamada Arwen, e descobriu sua verdadeira origem de
descendente de Reis.
Anos mais tarde, depois de ganhar muita experiência vagando pela Terra Média,
Aragorn partiu com a sociedade do Anel para uma missão que parecia impossível: destruir
o anel mais poderoso e maquiavélico daquele tempo.
Seguindo o modelo ideal de Ramom, destacaremos três virtudes que se encaixam no
personagem de Tolkien, evidenciando os aspectos de um cavaleiro medieval: humildade,
lealdade e honra.

Uma grande característica de Aragorn é a sua lealdade, algo muito presente nos
valores da ordem da cavalaria da idade medieval. Quando o personagem conhece Frodo
e seus amigos no vilarejo de Bri, que estavam sendo perseguidos pelos espectros do
anel, ele desfere a seguinte frase que evidencia a essência de lealdade que o compõe:

‘’— Mas eu sou o verdadeiro Passolargo, felizmente — disse ele, olhando para baixo
na direção deles, suavizando a expressão de seu rosto com um sorriso repentino. — Sou
Aragorn, filho de Arathorn, e se em nome da vida ou da morte puder salvá-los, assim o
farei.’’

(TOLKIEN, A Sociedade do Anel, 2002)

Outro trecho que podemos destacar sobre a lealdade do personagem, presente nos
valores de um cavaleiro medieval ideal:

‘’(…) — Deixem-me pensar! — disse Aragorn. — E, agora, tomara que eu possa fazer
a escolha certa e mudar o destino trágico deste dia infeliz! — Ficou em silêncio por um
momento. — Vou seguir os orcs — disse ele finalmente. — E eu teria guiado Frodo a
Mordor, acompanhando-o até o fim; mas se o procurar agora nestes lugares desertos vou
abandonar os prisioneiros ao tormento e à morte. Meu coração fala claramente: o destino
do Portador não está mais em minhas mãos. A Comitiva desempenhou seu papel. Mas
nós, que permanecemos, não podemos abandonar nossos companheiros enquanto
tivermos forças. Venham! Partiremos agora! Deixem para trás tudo o que for possível!
Vamos prosseguir de dia e de noite.’’

(TOLKIEN, As Duas Torres, 2002)

No trecho destacado acima, podemos perceber que mesmo que ele tivesse o objetivo
de seguir Frodo até o fogo de Mordor, arriscando sua vida durante o percurso, também
conseguimos enxergar a sua lealdade para com os outros membros da comitiva que
foram sequestrados, se recusando a deixá-los na mão do inimigo, tendo a árdua batalha
de percorrer a Terra Média por pistas dos pequenos Hobbits.

Um outro fator que podemos perceber no personagem é a sua honra, algo muito
marcante em suas atitudes. É demonstrado, em toda obra da trilogia do Senhor dos
Aneis, as virtudes de honraria que Aragorn possuía para com os outros e em relação ao
seu futuro.
Uma das cenas que gostaríamos destacar se dá no contexto do último livro, perto da
guerra final, quando a Companhia Cinzenta entrou nas Sendas dos Mortos na manhã de
8 de Março, procurando um antigo exército para ajudá-los na batalha eminente. Eles eram
os Perjuros, que haviam jurado lealdade à Isildur, mas
quebraram sua promessa recusando-se a lutar contra Sauron. Eles não
poderiam descansar até que o herdeiro de Isildur os conclamasse para
completarem seu juramento. Esse tempo chegou quando Aragorn conclamou os Mortos
para acompanhá-lo ao Sul em direção à Pelargir, onde a frota dos Corsários, com
cinquenta barcos, estavam prontos para destruir Gondor.
No seguinte trecho, podemos perceber a honra que ele carregava em suas palavras,
assegurando os perjuros de que se juntassem a causa, ele honraria com a sua palavra, e
consideraria o juramento cumprido, os libertando:

‘’(…) Então Aragorn disse:


— Finalmente é chegada a hora. Agora vou para Pelargir, sobre o Anduin, e deveis me
seguir. E, quando toda esta terra estiver livre dos servidores de Sauron, vou considerar o
juramento cumprido, e tereis paz e podereis partir para sempre. Pois eu sou Elessar,
herdeiro de Isildur de Gondor.’’

(TOLKIEN, O Retorno do Rei, 2002)

A humildade também é percebida nas ações de Aragorn. Apesar de possuir uma


descendência de reis, vindo de uma classe nobre, ele ainda tinha atitudes e falas que
demostravam o quanto esse fato não tirava a sua bondade e humildade para com os
outros.
No contexto do último livro da trilogia do Senhor dos Anéis, Aragorn, já sentado em seu
trono e sendo reconhecido e tendo tomado lugar como rei de Gondor, recebe os
pequenos Hobbits, Sam e Frodo, e se ajoelha na frente de ambos, demonstrando a sua
gratidão pela bravura deles, não deixando a sua descendência corroer seu ego:

‘’(..) Frodo correu ao encontro dele, e Sam foi logo atrás.


— Ora, ora, mas isso corôa tudo! — disse ele. — Passolargo, ou então ainda estou
sonhando!
— Sim, Sam, Passolargo — disse Aragorn. — Estamos muito longe de Bri, onde você
não gostou da minha aparência, não é mesmo? Todos nós estamos muito longe, mas a
sua estrada foi a mais escura.
E então, para a surpresa e completo assombro de Sam, ele curvou os joelhos diante
deles; depois tomando-os pela mão, Frodo à direita e Sam á esquerda, conduzidos até o
trono e, fazendo-os sentar, virou-se para os homens e capitães que assistiam a tudo e,
numa voz que ecoou por todo o exército, gritou:
— Louvai-os com grande louvor!’’

(TOLKIEN, O Retorno do Rei, 2002)

Um outro aspecto que podemos encontrar na história do personagem e relacioná-la


com a ordem dos cavaleiros é a sua nobreza. Aragorn vem de uma antiga linhagem de
reis, fazendo parte de uma linhagem privilegiada, sendo o herdeiro de um trono sem rei.
Por muito tempo, ele escondeu sua verdadeira linhagem, pela vergonha da corrupção
de Isildur. Porém, antes mesmo da sociedade do anel ser formada, Aragorn já tinha
aceitado seu destino como rei:

‘’(…) — Estel era meu nome — disse ele —, mas sou Aragorn, filho de Arathorn,
Herdeiro de Isildur, Senhor dos Dúnedain’’

(TOLKIEN, O Retorno do Rei, 2002)


Considerações finais

Conseguimos compreender que uma semelhança e influência do conceito da de um


cavaleiro ideal medieval foi presente na criação e formação de um dos personagens mais
memoráveis da trilogia de Senhor dos Anéis. Conseguimos perceber virtudes que foram
impostas aos cavaleiros, — caso quisessem se tornarem um cavaleiro medieval –,
formando um conjunto de valores que norteava uma ordem que possuía uma grande
influência e prestígio.

Com a norteação do artigo sobre os cavaleiros medievais, baseados pelo Livro da


Ordem da Cavalaria, de Ramom Llull, podemos entender a personificação de Aragorn e
como ele foi construído para ser o herói perfeito, com sua honra, humildade e lealdade
compostos com características medievais, acopladas na construção do personagem e de
outros. Apesar de Aragorn não ser o único personagem com a influência do medievo
presente — como Faramir, Éomer, Boromir —, nele, podemos enxergar o modelo ideal
que serviria a igreja com fé e valores intactos.

Aragorn, sem dúvidas, é um dos personagens mais interessantes da saga e a sua


composição, com os valores da ordem cavaleiresca, o tornam um individuo complexo e
instigante de acompanhar, levantando um ideal de interesse sobre uma ordem que hoje já
se encontra extinta, sobrevivendo apenas no imaginário dos livros, videogames e filmes.
Bibliografia

COSTA, Ricardo. A cavalaria perfeita e as virtudes do bom cavaleiro no Livro da


Ordem de Cavalaria (1275), de Ramon Llull. Pamplona: Universidad de Navarra, 2001,
p. 13-40.

FLORI, Jean. A Cavalaria: A origem dos nobres guerreiros da idade média. Madras
Editora Ltda, 2005.

DUBY, Georges. A sociedade cavaleiresca. Tradução: Antonio de Pádua Danesil — São


Paulo: Martins, Fontes, 1989. — (Coleção: o homem e a história)

SOUZA, Daniela, SILVA, Geizy. A representação da cavalaria medieval na trilogia ‘’O


Senhor dos Anéis’’. Perspectivas e Diálogos: Revista de História Social e Práticas de
Ensino, v. 2, n. 2, p. 31-56, Jul./Dez. 2019.

TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: A sociedade do Anel. Tradução de Lenita


Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta. Editora Martins Fontes, SP, 2002.

TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: As Duas Torres. Tradução de Lenita Maria


Rímoli Esteves e Almiro Pisetta. Editora Martins Fontes, SP, 2002.

TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Tradução de Lenita Maria


Rímoli Esteves e Almiro Pisetta. Editora Martins Fontes, SP, 2002.

Você também pode gostar