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MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE


FUNCIONAL NAS CARDIOPATIAS

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ARTIGO DE REVISÃO

MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DE
ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL
NAS CARDIOPATIAS
PATHOPHYSIOLOGICAL MECHANISMS OF ALTERED FUNCTIONAL
CAPACITY IN CARDIOPATHIES
GARDENGHI, GIULLIANO; PRUDENTE, MAURÍCIO LOPES; SOUZA, ARTUR HENRIQUE

RESUMO
Indivíduos com cardiopatias frequentemente desenvolvem limitações funcionais importantes, secundárias a fatores como a disfunção
cardíaca em si, a uma pior regulação autonômica, à disfunção endotelial, à limitação ventilatória e outros. A inatividade física
nessa população associada muitas vezes a um maior metabolismo basal e à desnutrição resulta em hipotrofia severa, disfunção
mitocondrial e incapacidade para realização de exercícios de força ou resistência, criando um quadro chamado de caquexia, que
está relacionado a mau prognóstico clínico. Na gênese da intolerância aos esforços estão presentes componentes moleculares,
imunológicos e neuro-humorais, cursando com alteração da relação entre processos anabólicos e catabólicos, favorecendo a
criação de um círculo vicioso que envolve a perda de tolerância aos esforços e o decorrente imobilismo, que potencializa ainda
mais a perda de músculos. Com a leitura do presente artigo, o profissional de saúde envolvido no processo de recondiciona-
mento cardiovascular terá condições de compreender os processos fisiopatológicos envolvidos às limitações funcionais presentes
em indivíduos cardiopatas, passando por componentes como a ergoespirometria na insuficiência cardíaca e o transplante de
coração, dentre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Insuficiência Cardíaca, Desnutrição Proteico-Calórica, Coração, Caquexia, Fadiga.

INTRODUÇÃO redução da sobrevida nos doentes com IC, independentemente


Indivíduos portadores de doenças que acometem o sistema de variáveis como idade, classe funcional e fração de ejeção
cardiovascular apresentam, na grande maioria das vezes, lim- do ventrículo esquerdo.1 A caquexia pode ser diagnosticada
itações em sua funcionalidade que acabam por comprometer quando ocorre perda de peso corporal maior que 6% do peso
a qualidade de vida dessa população, pela consequente inca- habitual, na ausência de outras doenças. Embora sua fisiopa-
pacidade física ao desempenhar atividades de vida diária ou tologia não esteja completamente esclarecida, vários fatores
profissional. Diversos mecanismos são propostos pela literatura parecem estar envolvidos, como diminuição da ingestão
científica no sentido de esclarecer as causas da limitação fun- alimentar, anormalidades do trato gastrointestinal, ativação
cional, passando por fatores centrais como a insuficiência de imunológica e neuro-hormonal e alteração da relação entre
bomba cardíaca e também por componentes periféricos, como a processos anabólicos e catabólicos. Cabe ressaltar a etimologia
perda de massa muscular secundária a uma resposta inflamatória da palavra, que vem do idioma grego, onde “kakós” significa
exacerbada, presente em pacientes com alterações neuro-hu- “má” e “hexis” significa “condição”.2
morais características do cardiopata crônico. Doenças como as O desenvolvimento da caquexia em pacientes portadores
coronariopatias e a insuficiência cardíaca estão extremamente de IC ganhou relevância clínica importante a partir do estudo
relacionadas à limitação funcional, que piora em paralelo ao chamado DIG (Digitalis Investigation Group), que apresentou
tempo de evolução da disfunção cardíaca.1 o fato de que o índice de massa corporal (IMC) aumentado
Considerando a insuficiência cardíaca (IC), problema está correlacionado com aumento na sobrevida dos pacientes
clínico de importância considerável devido à gravidade de com IC. A mortalidade nos pacientes com baixo IMC foi maior,
suas manifestações e à sua alta prevalência (no Brasil, dados do quando comparada àqueles com valores maiores de IMC.3
Ministério da Saúde, colocam a IC entre as principais causas Uma maneira de se diagnosticar a caquexia cardíaca foi
de internação hospitalar), podemos destacar a caquexia, que proposta por Anker et al em 2003, devendo-se considerar os
normalmente ocorre nos estágios avançados da doença e que seguintes fatores:1
foi correlacionada como um importante fator preditivo de z Perda de peso corporal acima de 6,0% do peso ha-

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bitual, não intencional e não edematosa; FISIOPATOLOGIA ASSOCIADA À PIORA DA


z Ausência de sinais de outras doenças que possam CAPACIDADE FUNCIONAL EM CARDIOPATAS
causar desnutrição como, por exemplo, neoplasias, infecção ou ASPECTO NUTRICIONAL
hipertireoidismo; Indivíduos portadores de cardiopatia muitas vezes têm di-
zA perda de peso deve ter ocorrido em período maior minuição na sua ingestão alimentar, principalmente nos casos de
que seis meses (perdas acentuadas em menores períodos de IC. Postula-se que tal redução seja secundária à anorexia, embora
tempo também podem ser decorrentes da própria IC, mas os mecanismos responsáveis pela mesma não estejam plenamente
outras doenças devem ser investigadas); elucidados. Uma ampla gama de fatores pode estar associada ao
zO peso considerado deve ser aquele vigente antes do evento da menor ingestão de alimentos, destacando-se a perda do
desenvolvimento da doença cardíaca. sabor do alimento secundária à marcante diminuição na ingestão
Em 2010 ocorreu a 5ª Conferência para Consenso em de sódio e ainda a depressão associada ao recebimento do diag-
Caquexia4, em que a condição foi definida como a presença nóstico por parte do paciente.2
de doença crônica e perda de peso maior que 5% em período Alterações estruturais no trato gastrointestinal de pacientes
menor 12 meses ou IMC menor que 20 kg/m2, associadas a pelo com IC foram também demonstradas. Dentre elas tem-se o es-
menos três dos seguintes critérios: 1) diminuição da força mus- pessamento da parede intestinal, por edema de mucosa e ainda
cular, 2) fadiga, 3) anorexia, 4) redução do índice de massa livre aumento do conteúdo de colágeno da parede intestinal. Aumenta
de gordura e 5) anormalidades bioquímicas como inflamação, também a distância entre a parede do capilar e a do enterócito.
anemia ou redução da concentração sérica de albumina. Outro Essas alterações levam à piora da nutrição do enterócito e facilitam
ponto a ser salientado é a diferença entre caquexia e estados o desenvolvimento de má-absorção intestinal. Má absorção de
de desnutrição ou anorexia, que são condições reversíveis com proteínas e gorduras e aumento da permeabilidade paracelular, do
adequada ingestão alimentar, o que dificilmente pode ocorrer ponto de vista das alterações funcionais, também foram relatadas.
na caquexia.4 Observou-se ainda aumento da concentração de bactérias no
Do ponto de vista epidemiológico, cerca de 34% dos biofilme mucoso e maior extensão de sua aderência à parede in-
pacientes em tratamento ambulatorial da IC apresentaram testinal. Os fenômenos aqui descritos podem resultar em absorção
caquexia em um seguimento de 48 meses. Considerando ainda inadequada de endotoxinas bacterianas. Tais endotoxinas (lipop-
a incidência de caquexia, relata-se que a mesma é de 10% ao olissacárides) são consideradas um dos mais potentes indutores
ano em pacientes em classes funcionais III e IV da New York do fator de necrose tumoral-ƛ (TNF-ƛ), e de outras substâncias
Heart Association (NYHA).2 Importante ainda destacar o fato pró-inflamatórias.2
de que hipotrofia da musculatura esquelética foi observada em Drogas usadas no tratamento da IC também podem interferir
68% dos pacientes com IC, independentemente do diagnóstico na perda do apetite. Digitálicos podem potencializar a anorexia,
de caquexia ser estabelecido.2 além de provocar náuseas e vômitos. Inibidores da enzima con-
Esse artigo de atualização tem por objetivo capacitar versora da angiotensina podem alterar o paladar e potencializar a
o leitor a com preender os mecanismos fisiopatológicos diminuição da ingestão de alimentos. Diuréticos tendem a diminuir
envolvidos na perda de capacidade funcional nos indivíduos ou depletar o zinco corporal, também alterando o paladar. Além
cardiopatas, assim como a reconhecer as implicações clínicas disso, podem também diminuir o potássio, o que leva a hipomo-
da perda de capacidade funcional, nas doenças cardiovasculares. tilidade intestinal.2
Do ponto de vista respiratório, nos pacientes com IC em classe
METODOLOGIA funcional IV pela classificação da NYHA, a presença de dispneia
Realizou-se uma revisão integrativa da literatura científica em repouso também passa a ser fator limitante para a ingestão
disponível nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo, Lilacs alimentar2, possivelmente por competição de fluxo sanguíneo
e Pubmed, nos idiomas Português e Inglês, incluindo artigos entre a musculatura respiratória e o trato gastrointestinal.
desde o ano de 1990 até os dias atuais. Utilizou-se ainda de Outro fator presente na IC é a hepatomegalia secundária à
livros da área que abordassem o tema. Foram usados como congestão por diminuição do retorno venoso, que pode levar à
palavras chave na busca os seguintes termos: Insuficiência sensação de plenitude precoce diminuindo a ingestão de alimentos.
cardíaca; Desnutrição Proteico-Calórica; Coração; Caquexia; Ocorre ainda alteração intrínseca na regulação da fome e sacie-
Fadiga, assim como os seus correspondentes em Inglês. O dade. Acredita-se que na IC as áreas da saciedade no hipotálamo
material incluído nessa revisão se propôs a abordar tópicos medial são hiperestimuladas por uma expressão exacerbada de
que se relacionassem à fisiopatologia implicada nas limitações neuropeptídeos anorexígenos, em detrimento dos neuropeptídeos
funcionais em diversas situações clínicas relacionadas ao sistema que estimulam a área da fome, no hipotálamo lateral.2
cardiovascular. Indivíduos caquéticos devem ser avaliados frequentemente

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considerando-se o elevado risco de infecções oportunistas a que A baixa ingestão alimentar que resulta em desnutrição en-
estão submetidos.A desnutrição nessa população deve ser associada ergético-protéica crônica interfere sobre a morfologia e a função
a comprometimento imunológico.4 do coração. Em estudos experimentais, observou-se que havia
A associação da má-absorção, anorexia e aumento da expressão redução do tamanho dos miócitos, além de alterações focais,
de fatores pró-inflamatórios sugerem que na IC pode-se favorecer caracterizadas por desorganização e perda de miofilamentos e mi-
o desenvolvimento de caquexia, levando à piora da capacidade ofibrilas, degeneração de mitocôndrias, dilatação do retículo sarco-
funcional e a uma exacerbação dos sintomas da doença pelo plasmático e numerosas invaginações da membrana plasmática.Ao
marcante catabolismo protéico. Nos casos de caquexia acentuada, ecocardiograma, a função sistólica do coração estava deprimida.2
a extrema redução do peso corporal é caracterizada pela redução A ativação imunológica, caracterizada pelo aumento das cito-
tanto da musculatura esquelética, como da massa de tecido adiposo cinas pró-inflamatórias, principalmente interleucinas (IL) e fator
e da massa óssea. A perda da densidade óssea predispõe à osteo- de necrose tumoral (TNF-ƛ), tem importante papel na gênese do
porose e a eventuais fraturas patológicas, que podem acontecer catabolismo1,2,4,7, conforme tópico discutido a seguir.
durante exercícios que envolvam grandes trações biomecânicas Em suma, a repercussão final relacionada à ocorrência de
ou impacto.1,2,3,4 todas as alterações acima descritas é a diminuição na capacidade
de geração de força e ainda a perda da resistência muscular, o
ANABOLISMO E CATABOLISMO que acaba por agravar a independência e a funcionalidade do
NAS CARDIOPATIAS indivíduo doente7.
A perda de capacidade funcional ocorre também devido a
um desequilíbrio entre processos anabólicos e catabólicos no or- ATIVAÇÃO IMUNOLÓGICA E PIORA DA
ganismo, especialmente ao analisar-se a proteólise da musculatura CAPACIDADE FUNCIONAL
esquelética. Na IC ocorre ativação dos sistemas imunológico e Alterações imunológicas têm papel destacado no desenvolvi-
neuro-humoral, assim como há aumento das espécies reativas de mento das limitações da capacidade funcional, presentes nos
oxigênio. Tais fenômenos estimulam o fator de transcrição nu- pacientes com cardiopatias estruturais. Levine et al, em 19907
clear-kappaB (NF-ƤB), que participa de uma das principais vias descreveram que elevadas concentrações séricas de TNF-ƛ eram
indutoras de catabolismo e proteólise muscular, ativando a via da evidentes nos doentes com caquexia cardíaca.A partir daí, grandes
ubiquitina-proteassoma, levando à proteólise muscular. O sistema ensaios clínicos como o SOLVD8 demonstraram que o TNF-ƛ
das ubiquitinas pode ser ativado pela miostatina e inibido por é bom marcador prognóstico, correlacionando-se com a classe
antagonistas da miostatina, como a folistatina, e pela insulina ou funcional, o desempenho cardíaco e a sobrevida. O TNF-ƛ é
fator de crescimento semelhante à insulina (IGF)-116. Em mod- produzido por monócitos e macrófagos, por células endoteliais e
elo experimental portador de insuficiência cardíaca, observou-se também pelo miocárdio. As lesões estruturais do tecido cardíaco
que a hipotrofia muscular foi acompanhada por diminuição na podem servir de precursoras para o aumento na quantidade de
expressão de proteínas da via miostatina/folistatina.2,5 TNF-ƛ circulante.7 Conforme já citado anteriormente, alterações
O hipermetabolismo basal em pacientes com IC nas classes no sistema intestinal podem também contribuir de maneira sig-
funcionais III e IV pela NYHA foi descrito como fator que pre- nificante para o aumento da produção de TNF-ƛ.2
dispõe ao catabolismo na IC por diversos autores, que relataram
maior gasto energético basal ao se comparar os pacientes com FONTES PRODUTORAS DE CITOCINAS PRÓ-
indivíduos saudáveis de mesma idade. Condições como maior INFLAMATÓRIAS ASSOCIADAS À DIMINUIÇÃO
consumo de oxigênio pelo miocárdio hipertrófico, maior ativação DA CAPACIDADE FUNCIONAL EM INDIVÍDUOS
simpática e maior trabalho respiratório são associados à maior taxa CARDIOPATAS:2,8,9,10
metabólica basal. Doentes mais graves ainda podem apresentar z O próprio miocárdio, uma vez que estruturalmente le-
febre não associada a foco infeccioso.2,4 sado;
A diminuição da massa muscular é evidente nos doentes zLeucócitos circulantes;
com caquexia cardíaca. Tal redução da massa muscular pode ser zPlaquetas;

decorrente de atrofia, apoptose ou necrose.5 Outras alterações zCélulas endoteliais;

fisiopatológicas incluem diminuição da densidade capilar e do zCélulas do pulmão;

número e qualidade das mitocôndrias, modificação na composição zCélulas do fígado.

das miofibrilas e metaloproteases, aumento do estresse oxidativo e Estímulos para produção de citocinas no organismo: 2,8,9,10
anormalidades no metabolismo celular do cálcio.6 Tais anormali- zSobrecarga hemodinâmica;

dades metabólicas podem ser intrínsecas ou ainda decorrentes da zAtivação neuro-hormonal;

hipoperfusão tecidual presente na IC avançada.7 zPresença de hipoxemia/hipoperfusão tecidual;

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zOxidação de lipoproteínas de baixa densidade (LDL); da pressão arterial sistólica e a hipertrofia do ventrículo esquerdo.
zPresença de anticorpos e estimulação imunológica causada,
O enrijecimento/espessamento do sistema arterial secundário ao
principalmente, pela absorção de endotoxinas intestinais. envelhecimento leva à piora da regulação da circulação momento
zPresença de anticorpos e estimulação imunológica causada,
a momento, alterando a sensibilidade dos barorreceptores arteriais.
principalmente, pela absorção de endotoxinas intestinais. Essa piora do barorreflexo pode levar a quadros de hipertensão/
O TNF-ƛ também induz a síntese de outras citocinas como hipotensão arterial, síncopes, intolerância ortostática e outros.13
IL-1, IL-2 e IL-6 e está associado à piora da função endotelial e à Ocorre ainda, com a idade, um aumento da ativação nervosa
indução de apoptose dos miócitos cardíacos.10 simpática sobre o coração e a musculatura esquelética, associan-
do-se ao mesmo uma maior quantidade circulante de noradren-
ALTERAÇÕES ORGÂNICAS ATRIBUÍDAS À alina e adrenalina. Ambos os fatores contribuem para uma piora
MAIOR CONCENTRAÇÃO DE CITOCINAS NO da homeostase e aumentam a incidência de doenças metabólicas
ORGANISMO: 11 e cardiovasculares. Essa hiperativação simpática leva a uma maior
zSurgimento do fenótipo da IC (caquexia e alterações da produção de espécies reativas de oxigênio, que está associada dire-
musculatura esquelética); tamente à hipertrofia das células musculares lisas, ao espessamento
zDisfunção endotelial;
arterial e à disfunção endotelial em idosos, com menor síntese de
zInibição da eritropoese;
óxido nítrico e menor produção de antioxidantes, por exemplo, o
zAlteração da permeabilidade intestinal e consequente
que favorece, entre outras coisas, ao surgimento de aterosclerose.13 A
desnutrição; hiperativação simpática associada à disfunção endotelial prejudica a
zRedução da atividade de enzimas removedoras de
vasodilatação mediada pelo exercício e acaba por limitar a capacidade
radicais livres; funcional em indivíduos idosos, especialmente naqueles portadores
zDiminuição do fluxo sanguíneo para musculatura
de disfunções do sistema cardiovascular, como hipertensão arterial,
esquelética; coronariopatias, IC, arritmias e outras.
zAlteração funcional de proteínas musculares
Considerando a capacidade aeróbia máxima, ocorre diminuição
contráteis; de 1% ao ano no consumo máximo de oxigênio de pico (VO pico) a
zApoptose de células musculares esqueléticas;
partir da terceira década de vida.A redução doVO2pico está relacio-
zProteólise e atrofia muscular.
nada com a diminuição do débito cardíaco (DC) máximo e com a
Os dados apresentados sugerem que as citocinas e, particular- redução da diferença artério-venosa máxima (&A-v) de oxigênio. O
mente, o TNF-ƛ podem ser agentes responsáveis ou coadjuvantes DC sofre diminuição pelos menores valores de frequência cardíaca
no desenvolvimento da caquexia na IC. e volume sistólico atingidos durante o exercício em indivíduos
idosos. Ambas as variáveis (frequência cardíaca e volume sistóli-
LIMITAÇÃO FUNCIONAL DO SISTEMA co) têm seu aumento comprometido pela menor responsividade
CARDIOVASCULAR ASSOCIADA AO beta-adrenérgica às catecolaminas circulantes. Maiores valores de
ENVELHECIMENTO pressão arterial e maior resistência vascular periférica estão também
Todo o sistema cardiovascular sofre alterações com o decorrer da presentes nessa população, durante o exercício máximo, quando se
vida dos indivíduos. Espera-se que o número absoluto de morbidades comparam idosos a indivíduos jovens. 13 Diminuições da &A-v de
relacionadas ao sistema cardiovascular aumente, principalmente pelo oxigênio refletem um prejuízo dos idosos em realizar a extração
crescimento na média da idade populacional.12 periférica desse composto.Tal redução é atribuída a um menor fluxo
Considerando o coração, ocorre uma diminuição na quantidade sanguíneo muscular considerando músculos ativos e ainda à piora
de células autoexcitáveis do nó sinusal, além de acúmulo de fibrose da função mitocondrial (capacidade oxidativa muscular). Há relatos
pelo trajeto do sistema de condução elétrica. O tecido fibroso, de diminuições de 15% na &A-v de oxigênio em homens saudáveis,
muitas vezes acompanhado de calcificações, ocupa também parte ao longo de 30 anos de vida.13 Mais uma vez, ambos os processos
do coração, comprometendo a estrutura original desse órgão. O anel (queda do DC e da &A-v de oxigênio) são agravados na vigência de
mitral, a válvula aórtica e o septo interventricular são as áreas mais doenças cardiovasculares, comuns ao envelhecimento da população.
comprometidas pela deposição de cálcio. Tais alterações aumentam Deve-se levar em conta também as repercussões do envelheci-
tanto a prevalência quanto a complexidade de arritmias em idosos.13 mento sobre o sistema respiratório, que também acabam por com-
Em relação ao sistema arterial e arteriolar, ocorrem enrijec- prometer as trocas gasosas, o transporte de oxigênio e a capacidade
imento e espessamento das artérias, por perda de tecido elástico, funcional de idosos durante o exercício.13
acúmulo de tecido conjuntivo e ainda de cálcio. Consequente-
mente ocorre piora da complacência arterial. A maior resistência a A SEGUIR SÃO APRESENTADAS AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NESSE
passagem do sangue presente no quadro descrito leva ao aumento SISTEMA EM IDOSOS:

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z Menor complacência da caixa torácica; diminuição do fluxo periférico decorrente da vasoconstrição


zPrejuízo no recuo elástico dos pulmões; ocorre uma maior liberação de renina, angiotensina II (AT2),
zMenor força na musculatura respiratória; vasopressina e aldosterona, o que provoca a retenção de água
z Desvantagens mecânicas na função diafragmática (por ci- e sais minerais. A AT2 atua também nos terminais simpáticos,
foescoliose, por exemplo); resultando em maior liberação de catecolaminas. Cria-se então
zMenores elastina e colágeno no parênquima pulmonar, um mecanismo de retro-alimentação da hiperatividade simpática,
com diminuição no diâmetro das vias aéreas e redução da área de com importantes alterações nos controles reflexos da circu-
troca gasosa alveolar; lação, que por sua vez resultam em alterações cardiovasculares
zAumento do volume residual associado à diminuição da expressivas.14
capacidade vital forçada;
zMaior frequência respiratória durante esforço; MECANISMOS DE CONTROLE DA CIRCULAÇÃO
zMenor sensibilidade do centro respiratório à hipóxia ou ALTERADOS NA IC: 14
hipercapnia, presentes no exercício, resultando em piora na regu- Barorreflexo arterial;
z

lação da respiração. Reflexo cardiopulmonar;


z

Nos indivíduos cardiopatas que têm dispnéia aos mínimos zQuimiorreflexo;

esforços ou mesmo em repouso, a intolerância ao exercício pode zErgorreflexo;

resultar em adicional hipotrofia muscular por desuso e completa zControle central.

incapacidade de se realizarem atividades físicas.2 As alterações descritas acima estão associadas à intolerância
Importante também para a limitação funcional no idoso por- aos esforços nos pacientes com IC, que apresentam respostas
tador de doenças cardiovasculares, o fato de que ocorre diminuição hemodinâmicas e ventilatórias exageradas durante o exercício.
lenta e progressiva da massa muscular, que é substituída por colágeno Como exemplo, podemos citar o aumento da atividade nervosa
e gordura.As taxas de diminuição chegam a 50% entre os 20 e os 90 simpática e o aumento não fisiológico da resistência vascular
anos de idade. O número de fibras musculares cai 20% nos idosos, periférica, que por sua vez resultam em maior pressão arterial
em relação a um adulto, principalmente com diminuição das fibras e maior frequência cardíaca, aumentando o duplo produto e
de contração rápida (tipo II). O declínio na massa muscular é o predispondo o coração a eventos como arritmias. Considerando
principal componente para a perda de força presente nos idosos, o componente ventilatório, observam-se anormalidades como
mesmo quando saudáveis e ainda ativos. O principal componente o aumento do equivalente ventilatório de gás carbônico (VE/
para a perda de músculo está relacionado à denervação associada VCO2), que está associado a um metabolismo láctico precoce
à diminuição do número de unidades motoras. Fatores como a e intolerância ao exercício.14
diminuição de somatomedina C ou ainda a diminuição do fator Quando comparados a indivíduos normais, pacientes com
de crescimento semelhante à insulina (IGF -1) também devem ser IC têm resposta ventilatória exacerbada, durante a realização
levados em conta. A sarcopenia decorrente da degeneração mus- de teste ergoespirométrico, sendo essa resposta associada com a
cular resulta em menor densidade óssea, menor capacidade aeróbia, gravidade do quadro da doença.15
menor capacidade de gerar força, menor sensibilidade à insulina,
maior consumo de oxigênio do miocárdio para uma mesma taxa OS MECANISMOS ENVOLVIDOS NA HIPERPNEIA PRESENTE NOS
de trabalho músculo-esquelético e ainda em um menor metabo- PACIENTES COM IC SÃO: 15
lismo basal.13 Os fatores aqui descritos devem ser encarados como z Diminuição da perfusão dos músculos esqueléticos em

potencializadores para a perda de capacidade funcional nas doenças exercício, por respostas inadequadas de débito cardíaco;
cardiovasculares que acometem idosos. zAcúmulo precoce de lactato sanguíneo;

zDiminuição dos tampões químicos plasmáticos;

INTOLERÂNCIA AOS ESFORÇOS NA IC z Redução da eficiência ventilatória pulmonar, por dese-

Indivíduos com IC apresentam dispneia, fadiga e importante quilíbrios da relação ventilação/perfusão.


limitação aos esforços.Tais sintomas decorrem de alterações me-
tabólicas e hemodinâmicas e são ainda associados a modificações Os fatores acima relacionados resultam em ativação de qui-
progressivas no sistema neuro-humoral. Assumindo que o coração miorreceptores centrais e periféricos, resultando em hiperpneia
do doente com IC é incapaz de bombear o sangue de maneira e limitação funcional aos esforços, pela menor capacidade de
a satisfazer as demandas metabólicas do organismo, passam a tamponamento respiratório da acidose metabólica induzida pelo
ocorrer adaptações no sentido de tentar restaurar a capacidade de esforço. Ocorre ainda maior seqüestro de sangue para a muscu-
perfusão. Uma das principais alterações é o aumento da atividade latura respiratória, em detrimento da musculatura periférica, o
nervosa simpática, que leva à vasoconstrição periférica. Com a que limita a manutenção da atividade física. 15

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PROGNÓSTICO DA IC BASEADO NA
As explicações para esse quadro passam por fatores como:
ERGOESPIROMETRIA
zFalência cardíaca pré-transplante;
Indivíduos portadores de IC e com valores de slope VE/VCO2
zAto cirúrgico em si;
maiores de 34 tem capacidade física diminuída e pior prognóstico.
zPeríodo de hospitalização;
De fato, aqueles que apresentam valores de VE/VCO2 normal têm
zInatividade física pré-operatória;
sobrevida estimada em 95%, num período de 18 meses. Aqueles
zDiferenças na superfície corporal entre o doador e o
como valores de VE/VCO2 maiores que 34 têm 69% de sobrevida,
receptor.
no mesmo intervalo de tempo. A capacidade prognóstica do VE/
zDenervação do coração.Falência cardíaca pré-transplante;
VCO2 é ainda maior caso outra variável obtida no teste, o limiar
zAto cirúrgico em si;
anaeróbio (1º limiar ventilatório) seja menor que 11 ml.Kg-1.
zPeríodo de hospitalização;
min-1. O VO2pico também é reconhecido como importante fator
zInatividade física pré-operatória;
prognóstico, sendo usado por exemplo como parâmetro para in-
zDiferenças na superfície corporal entre o doador e o
dicação de transplante cardíaco (TC). Indivíduos cardiopatas que
receptor.
obtém valores de VO2pico menores ou iguais a 14 ml.Kg-1.min-1
zDenervação do coração.
são potenciais candidatos a TC. Cabe ressaltar que o valor de 14
ml.Kg-1.min-1 não é unânime entre os pesquisadores. Peterson et
Todos os fatores aqui explícitos acabam por prejudicar o
al avaliaram, por um período de três anos, pacientes submetidos a
controle da pressão arterial sistêmica, a regulação da variabilidade
TC em uso de Ɯ-bloqueadores e que obtiveram valores de VO2pico
de frequência cardíaca, o volume sistólico, a &A-v de oxigênio, o
maiores ou iguais a 12 ml.Kg-1.min-1 . Esses pacientes não apre-
DC, a complacência arterial e a expressão de óxido nítrico.17 O
sentaram melhora da sobrevida quando comparados aqueles que
uso de imunossupressores após o transplante leva à doença mito-
não realizaram TC, sugerindo, portanto, que o valor de VO2pico
condrial, dificultando o metabolismo aeróbio e favorecendo a maior
que deve ser usado para indicação de TC seja de 12 ml.Kg-1.min-1
formação de lactato durante o exercício físico. Sabe-se também
e não de 14 ml.Kg-1.min-1 em pacientes que fazem uso de Ɯ-blo-
que o uso crônico de imunossupressores leva a grande maioria
queadores (maioria dos pacientes atualmente). 16 Outra variável que
dos pacientes transplantados (que precisam receber essa droga para
pode ser usada como preditiva de mortalidade é a pressão expirada
evitar a rejeição do órgão) a desenvolver, em um prazo de cinco
final de gás carbônico (PetCO2). O PetCO2 deve ser avaliado no
anos, doenças associadas como hipertensão arterial, hiperlipidemia,
limiar anaeróbio. O valor de 36,1 mmHg é sugerido como corte
diabetes, vasculopatias e insuficiência renal.17
que separa indivíduos de alto e baixo risco. Os indivíduos de alto
risco apresentam valores menores ou iguais a 36,1 mmHg e os de
RESPOSTAS FISIOLÓGICAS DO CORAÇÃO APÓS TC
baixo risco apresentam valores maiores que 36,1 mmHg. Como o
A remoção do coração do doador e a inserção desse no tórax do
PetCO2 se relaciona com o débito cardíaco, podemos dizer que os
receptor cursa com a denervação completa do órgão. Em cerca de
indivíduos com diminuição nos valores de PetCO2 têm também
nove meses após o procedimento, há a reinervação parcial das fibras
resposta de débito cardíaco deprimida.15
simpáticas e parassimpáticas para o coração, que ainda não é capaz
Indivíduos com IC e caquéticos apresentam aumento da quan-
de controlar eficientemente a sua frequência cardíaca, que é elevada
tidade de catecolaminas no sangue. Apresentam também maiores
em repouso e tem atraso gradual de seu aumento durante atividades
quantidades de cortisol e aldosterona, quando comparados com
físicas. Não só o aumento da frequência cardíaca é atrasado, como sua
doentes com IC não caquéticos ou indivíduos saudáveis, o que
diminuição após o exercício é também retardada.Vale ressaltar que
sugere que a ativação neuro-humoral sistêmica participe no surgi-
a prática regular de atividade física ajuda a promover a reinervação
mento da caquexia1,2. Estudos demonstraram que maiores taxas de
mais rápida do coração. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo
AT2, aldosterona e catecolaminas no sangue podem induzir ativação
aumenta ao longo do exercício na mesma proporção que aumen-
de células inflamatórias e aumento da produção de citocinas1,2,10.
taria para uma pessoa saudável. O DC de repouso e no começo do
A hiperativação simpática na IC promove ainda vasoconstrição
esforço é mediado pelo aumento da pré-carga, via mecanismo de
e diminuição da perfusão intestinal2,10, aumentando a síntese de
Frank-Starling, por aumento do volume diastólico final. Durante
TNF-ƛ, o que compromete ainda mais a musculatura periférica
o exercício progressivo o débito aumenta ainda pelo aumento da
do indivíduo doente.
frequência cardíaca (pela ação das catecolaminas circulantes), em-
bora de forma atenuada quando comparado a indivíduos saudáveis,
REALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO
especialmente durante exercício vigoroso.17
EM INDIVÍDUOS APÓS TC
O VO2pico é diminuído em transplantados em relação a pessoas
Pacientes após TC apresentam descondicionamento físico, hi-
saudáveis. Atribui-se essa diminuição a fatores como hipotrofia
potrofia muscular e fraqueza, além de menor capacidade aeróbia.17

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MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL NAS CARDIOPATIAS

muscular importante, disfunção sistólica e diastólica, anormalidades acentuada queda na PAD, podendo, em indivíduos com suspeita
hormonais decorrentes da IC que persistem após o TC, uso de ou diagnóstico de cardiopatia isquêmica, representar disfunção
fármacos que reduzem a capacidade de exercício e estimulação contrátil do miocárdio. A queda do componente sistólico da
simpática decorrente do uso de imunossupressores. Além desses PA durante o esforço tem valor preditivo para doença cardíaca
fatores, normalmente pacientes após TC têm também disfunção grave. Quando os valores de PAS no exercício caem a níveis
pulmonar que é causada pelo período pré-transplante, ocorrendo inferiores aos de repouso há correlação com mau prognóstico.
degeneração da membrana alvéolo-capilar e hipoperfusão capilar Considerando o esforço máximo, a elevação da PAS nos três
pulmonar. Tais danos são irreversíveis e limitam a capacidade de primeiros minutos pós-exercício, acima dos valores máximos
difusão de gases e uma boa hematose. As ciclosporinas têm ainda atingidos durante a fase de esforço (resposta paradoxal), e a
efeito sobre os vasos pulmonares, causando vasculite e também recuperação lenta da PAS pós-esforço são correlacionadas à
limitando a difusão nos pulmões.17 doença arterial coronária.18
Considerando os vasos periféricos, temos produção insuficiente
de prostaciclinas e óxido nítrico, limitando a vasodilatação induz- FIBRILAÇÃO ATRIAL CRÔNICA E ATIVIDADE
ida pelo exercício e caracterizando assim a disfunção na função FÍSICA
endotelial.17 A piora da função endotelial, associada à hiperativação Fibrilação atrial (FA) é uma das arritmias supraventriculares
simpática resultam em vasoconstrição e piora da complacência arte- mais comuns na prática clínica, associada ao envelhecimento,
rial, prejudicando a perfusão músculo-esquelética durante atividades estando muitas vezes presente em condições onde ocorre hiper-
físicas e favorecendo a formação de ácido láctico. A redução do trofia e remodelamento do átrio e do ventrículo esquerdos. A FA
fluxo sangüíneo periférico, que acarreta diminuição da capacidade crônica é aquela que persiste por mais de seis meses no indivíduo
oxidativa dos músculos-esqueléticos, impede também que os teci- e apresenta risco quanto aos fenômenos tromboembólicos,
dos recebam os substratos necessários para seu turnover protéico e dobrando o risco de mortalidade cardiovascular. As etiologias
crescimento normal, com consequente piora da capacidade física.2 mais frequentemente associadas ao aparecimento da FA crônica
são: hipertensão, cardiopatia isquêmica, miocardiopatias, diabe-
RESPOSTAS HEMODINÂMICAS ANORMAIS AO tes, insuficiência renal, distúrbio hidroeletrolítico, síndrome de
EXERCÍCIO EM PACIENTES CARDIOPATAS pré-excitação, hipertireoidismo e doença do nó sinusal. Fatores
A frequência cardíaca aumenta linearmente com a in- exógenos como álcool, fumo, estresse psicológico estão tam-
tensidade do esforço, assim como o consumo de oxigênio. A bém relacionados à incidência de FA. Estudos experimentais
elevação exacerbada da frequência cardíaca, desproporcional à mostraram que o início da FA resulta em diminuição do DC,
carga de trabalho, é usualmente encontrada em sedentários, em aumento da pressão venosa e diminuição da pressão aórtica.
pacientes ansiosos, no hipertireoidismo, nas condições que re- Em pacientes com FA e portadores de doença cardíaca subja-
duzem o volume vascular ou a resistência periférica, na anemia, cente de várias causas é observada uma redução na capacidade
nas alterações metabólicas, além de outras. A frequência cardía- máxima do exercício.19
ca pode estar aumentada para determinada carga de trabalho As respostas hemodinâmicas na FA ocorrem em função do
quando o indivíduo é submetido a esforço precocemente, após ritmo irregular, geralmente com rápida resposta ventricular no
infarto ou cirurgia de revascularização miocárdica. A redução repouso e no exercício. Nos indivíduos portadores, a frequência
do incremento da frequência cardíaca frente ao esforço (incom- cardíaca aumenta mais nas fases iniciais do exercício, podendo
petência cronotrópica) pode derivar de doenças que afetam o limitar o rendimento cardíaco durante o exercício pelo com-
nó sinusal, hipotireoidismo, doença de Chagas, e pelo uso de prometimento do DC, associado à diminuição da contribuição
drogas como os betabloqueadores, bloqueadores do canal de atrial, no enchimento e redução do tempo diastólico ventric-
cálcio, amiodarona e outras. Descartadas as situações possíveis de ular. A associação desses eventos parece ser responsável pela
reduzir a elevação da frequência cardíaca, esse comportamento diminuição da tolerância ao exercício observada em pacientes
deve ser considerado como anormal e preditor de eventos car- com FA, quando comparados com indivíduos saudáveis.19
diovasculares futuros.18 Para avaliar a resposta de pacientes com FA crônica ao exer-
A resposta da pressão arterial permite estimar o desempenho cício, Ueshima et al20 estudaram 79 homens com idade em torno
ventricular esquerdo frente ao esforço físico. Em condições nor- de 64 anos que foram submetidos a ecocardiograma em repouso
mais, a pressão arterial sistólica (PAS) aumenta com em paralelo e teste ergoespirométrico. Os pacientes foram classificados por
à intensidade do esforço e a pressão arterial diastólica (PAD) cardiopatia nos seguintes grupos: FA isolada (n:17), hipertensos
mantém-se constante ou oscila cerca de 10 mmHg. Conside- (n:11), doença coronária (n:13), cardiomiopatia (n:26) e doença
ra-se a resposta da PAS deprimida quando o aumento durante valvular (n:13). Os pacientes com doença morfológica tiveram
o esforço progressivo é inferior a 35 mmHg, na ausência de aproximadamente 20% menor consumo máximo de oxigênio

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MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL NAS CARDIOPATIAS

que pacientes com FA isolada ou pacientes com FA hiperten- coagulados, pelo risco aumentado de eventos isquêmicos
sos e sem doença estrutural. O consumo máximo de oxigênio, secundários à formação de trombos e embolismo. Ao profis-
considerando toda a amostra, foi 20% menor que o esperado sional de reabilitação é importante lembrar que não devem ser
para um grupo normal da mesma idade. Embora a capacidade incentivados esportes de contato físico, pelo risco aumentado
de exercício na FA seja bastante influenciada pela doença sub- de sangramentos indesejados.19 Cabe ressaltar que essa popu-
jacente, esta redução parece ser também intrínseca da alteração lação se beneficia com a prática de atividade física adequada,
hemodinâmica que acompanha essa arritmia. não devendo ser excluída de protocolos de reabilitação pelo
Outros pesquisadores tem sugerido que a tolerância ao ex- receio de complicações.
ercício em pacientes com FA isolada é similar aos indivíduos
normais da mesma idade.19 Numa grupo de pacientes com CONCLUSÕES
FA foi relatado que a despeito de um aumento na frequência Fatores como a hiperativação simpática, a disfunção endotelial
cardíaca máxima e submáxima de cerca de 25 batimentos, em e outros, podem levar indivíduos cardiopatas a não conseguir re-
média, quando comparados a indivíduos saudáveis, não houve alizar esforços físicos. A inatividade física associada à desnutrição
diferença quanto à capacidade de exercício. 19, 20 Por outro lado, resulta em hipotrofia severa, disfunção mitocondrial e ainda maior
valores de lactato maiores durante o esforço foram descritos limitação funcional. Incapacidade da bomba cardíaca associada a
em portadores de FA, quando comparados a sujeitos saudáveis, alterações sistêmicas resulta em hipoperfusão nos músculos em
indicando metabolismo anaeróbio precoce e maior necessidade atividade, resultando em menor oferta de oxigênio aos tecidos e
de tamponamento químico e ventilatório.19 piora na capacidade de remoção de metabólitos, favorecendo o
As respostas da PAS ao teste ergométrico tem sido semel- metabolismo anaeróbio e o acúmulo de lactato. A caquexia cardía-
hantes às observadas em indivíduos em ritmo sinusal (aumento ca, quando presente, está associada a mau prognóstico. Cabe ao
progressivo de acordo com o esforço realizado). A PAS em FA fisioterapeuta envolvido no processo de reabilitação cardiovascular,
isolada é significativamente maior que na FA com cardiopatia compreender os processos fisiopatológicos envolvidos às limitações
associada.19 funcionais presentes em indivíduos cardiopatas, para que dessa
Os pacientes portadores de FA são normalmente anti- forma o processo de recondicionamento possa ser potencializado

ABSTRACT
Subjects with cardiovascular diseases frequently develop important functional limitations, secondary to factors like the cardiac dysfunction itself, a decreased
autonomic function, endothelial dysfunction, ventilatory limitation and others.The physical inactivity in this population, many times associated to a higher
basal metabolism and to a bad nutrition status, results in marked hypotrophy, mitochondrial dysfunction and incapacity to perform resistance or strength
exercises, creating a situations called cachexia, which is related to a worst clinical prognosis. In the genesis of exercise intolerance, factors as molecular, im-
munologic and neurohumoral changes will cause alteration in the relationship among catabolic and anabolic processes, which favors the creation of a vicious
circle, involving the loss of exercise tolerance and its consequences, as the lack of movement, which may increase even more the muscle losses. After reading
this manuscript, the health professional related with the cardiovascular rehabilitation process will have the conditions to understand the physiopathological
situations related to functional limitations which are frequent in cardiovascular patients, going through components as ergoespirometry in the heart failure
and heart transplant, among others.

KEYWORDS: Heart Failure; Protein-Energy Malnutrition; Heart; Cachexia; Fatigue.

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