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Bruna Napoli, Fernanda Lima, Geórgia Borges e Marina Sallum

BMI 256 - Imunologia

Restrição calórica, dietas intermitentes e o sistema imune


Definições
Jejum Intermitente (JI) é uma intervenção dietética utilizada em laboratórios, que envolve
ciclos de jejum e alimentação de normalmente 24 horas2.
A restrição calórica (RC) é definida como uma redução da ingestão calórica abaixo do ad
libitum (em latim, à vontade), sem desnutrição6.
Alimentação e evolução
Hipóteses sugerem que devido ao cenário de escassez de comida presente na maior parte da
evolução humana, genes foram moldados a favor do aumento da ingestão calórica em detrimento de
fatores que causam redução no consumo energético. Assim sendo, um aumento à exposição de
alimentos com alta densidade calórica juntamente a tais fatores genéticos, contribuíram para um
aumento da obesidade e doenças crônicas associadas nos dias atuais4.
Nossos hábitos alimentares foram substancialmente alterados com o passar do tempo;
porém, nosso genoma permaneceu praticamente o mesmo em relação ao metabolismo - a questão da
tolerância a lactose e glúten, assim como as anemias hemolíticas, são possíveis exceções. De acordo
com alguns autores, diversas doenças encontradas nas populações atualmente são geradas pelo
contraste entre o genoma selecionado para um tipo particular de dieta e estilo de vida e as mudanças
que ocorreram na dieta e estilo de vida ao longo da história evolutiva17.
Na década de 60, surgiu a teoria do ‘gene econômico’: antes da agricultura, nossos
ancestrais viviam da caça e coleta no continente africano e em outras partes do mundo. Este tipo de
subsistência não garantia uma alimentação estável para os humanos primitivos; havia ciclos de
fartura e escassez. Por conta da seleção natural, os indivíduos que carregavam o ‘gene econômico’
tinham melhores chances de sobreviverem. Durante o ciclo de abundância, este gene induziria os
indivíduos a consumirem mais comida do que realmente era necessário; as calorias em excesso
seriam estocadas e futuramente utilizadas nos ciclos de escassez. Porém devido aos fatores
ambientais do mundo moderno, principalmente o sedentarismo e a abundância de alimentos, esses
genes podem resultar em obesidade e diabetes tipo 2. Porém existem várias críticas que rebatem tal
teoria, considerando-a muito simplista, não levando em consideração, por exemplo, a capacidade
dos estoques energéticos dos seres humanos15,17.
Atualmente muitas recomendações alimentares incentivam o fracionamento das refeições
(“comer de 3 em 3 horas”) entretanto em revisão sistemática sobre frequência de ingestão alimentar
em modelos animais e humanos, sugere-se que uma maior frequência de refeições não
necessariamente tem impactos sobre a ingestão calórica ou indicadores antropométricos dos
indivíduos, ou seja, fracionar as refeições nem sempre contribuirá para o consumo de menos caloria
ou com a perda de peso11.
Sistema imune e inflamação
Na obesidade as células imunes residentes no tecido adiposo tornam-se uma fonte
significativa de mediadores pró-inflamatórios. A restrição calórica pode ser uma ferramenta auxiliar
na perda de peso e consequentemente na redução do estado inflamatório. Em estudo feito em
camundongos, a restrição calórica de 30% em uma dieta hiperlipídica proporcionou a redução da
citocina pró-inflamatória IL-1β, aumentou a razão CD4+/CD8+ e também diminuiu a infiltração de
macrófagos no tecido adiposo 15.
Tanto a obesidade como a RC regulam o "healthspan" por meio de efeitos sobre o sistema
imune. Na RC, há um aumento da grelina e redução de hormônios anorexígenos como a leptina,
isso pode promover uma melhora na função imunológica e aumentar a longevidade, na obesidade
ocorre o oposto. A grelina regula a função imune por meio da redução citocinas pró-inflamatórias e
promoção da timopoiese durante o envelhecimento4.
O uso da RC em ratos com diabetes induzida promoveu a redução de fatores pro
inflamatórios como a IL-1β, IL-4, IL-6 e TNF-α, além de aumentar os níveis de mediadores anti-
inflamatórios como a IL-1012.
Outros estudos em modelos animais sugerem também que a RC pode afetar outros
parâmetros do sistema imune como, por exemplo, a resposta das células T aos mitógenos, a
atividade de células NK e de CTL, o que contribuiria para redução da incidência de tumores em
ratos. Já estudos feitos em primatas demonstram que a RC melhora a timopoiese e aumenta a
diversidade de TCR4.
Tanto estudos em modelos animais como em humanos tem demonstrado o efeito positivo
do JI sobre o estado inflamatório, com redução de IL-6, TNF-α e proteína C reativa1.
Doenças crônicas e metabolismo
Alguns estudos demonstram a utilização do jejum intermitente como tratamento na
obesidade, na síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e nas doenças cardiovasculares. Segundo esses
estudos, tanto em animais quanto em humanos, fora observado modificações positivas nas DCNT
apresentadas uma vez que envolvem a resistência à insulina, níveis elevados de lipídeos no plasma e
o aumento dos níveis de marcadores inflamatórios. Em geral, os estudos mostraram melhoras no
perfil lipídico, perda de peso, alterações na sensibilidade a insulina.
Harvie et al. (2010) mostrou que o jejum intermitente é tão eficaz quanto as dietas de
restrição calórica em relação a perda de peso, sensibilidade à insulina e outros biomarcadores de
saúde. Outros propuseram hipóteses gerais de resistência ao estresse, de indução a adaptação por
escassez e sobre o estresse oxidativo. A primeira se dá porque a restrição dietética aumenta a
resistência ao estresse, pois permitiria que células de diversos tecidos provoquem insultos
metabólicos via genotoxicidade, metabolismo ou meios oxidativos. Na segunda, o organismo
autorregularia os processos metabólicos abrandando-os; por fim, a terceira propõe que a restrição da
dieta limita o tipo e a forma de utilização de energia resultando em menos dano oxidativo e
formação de espécies reativas de oxigênio13.
Em relação à insulina e benefícios ao diabetes, em humanos demonstrou-se instabilidade de
achados na literatura uma vez que alguns artigos mostraram dados controversos. Halberg et al.
(2005) avaliou que em homens saudáveis, o jejum intermitente resultou em aumento da
sensibilidade à insulina em todo o organismo. Em contrapartida, em ratos há melhora na
sensibilidade à insulina, porém, em humanos não se pode concluir devido a duração e
acompanhamento dos estudos e nestes não se achou efeitos benéficos. Todavia, a redução de peso e
composição corporal (% de massa gorda) apresenta melhoras na sensibilidade insulínica7.
Nas doenças cardiovasculares, testes em animais têm mostrado melhoras no metabolismo
glicídico e lipídico aliados à maior resistência ao estresse cardiovascular. Descobriram que os ratos
mostraram um rápido retorno aos valores basais de pressão arterial e frequência cardíaca após a
indução de estresse cardiovascular e não apresentaram alterações de biomarcadores no plasma 14.
Em ocasiões de indução de enfarto do miocárdio, o resultado para os miócitos afetados foi 75%
menor do que em ratos que se alimentavam livremente e observou-se também que houve menor
número de infiltração de neutrófilos no tecido, evidenciando menor resposta inflamatória. Conclui-
se, assim, que pode induzir alterações adaptativas na fisiologia cardiovascular e metabolismo da
glicose, promovendo um perfil menos aterogênico. Em humanos, a maioria dos resultados
mostraram-se inconclusivas mas mostraram uma tendência a melhorar as condições metabólicas
(glicemia e concentrações de lipídios no sangue), o que provavelmente refletir na redução do risco
cardiovascular1.
Para Harvie et al. (2010), o jejum intermitente mostrou-se uma opção no tratamento da
obesidade uma vez que esse tipo de dieta possui maior adesão dos participantes e, combinado com a
restrição calórica, foi possível observar uma redução do peso corporal, da massa gorda e gordura
visceral, dos principais indicadores de risco de doenças cardiovasculares (como LDL e
triglicerídeos).
Em outro estudo, se revelou que a melhora no perfil lipídico, no estado inflamatório
sistêmico e no estresse oxidativo, juntamente com a indução leve, culminando na adaptação de
mecanismos antioxidante, podem viabilizar esse tipo de dieta em doenças que envolvem a
inflamação e estresse oxidativo, como, por exemplo, doenças cardíacas ateroscleróticas8.

Modificações hipotalâmicas induzidas pelo jejum intermitente


Em estudo foi verificado os efeitos do jejum intermitente comparando-se dois grupos de
camundongos por 3 semanas. O grupo 1 recebia alimentação a vontade (controle), enquanto o grupo
2 recebia alimentação em dias alternados (jejum intermitente). Os resultados demonstraram que o
grupo do jejum intermitente (grupo 2) apresentou redução de massa corporal e promoção de
hiperfagia2.
O menor ganho de massa do grupo em JI pode ser explicado por alguns fatores, quando
alimentados os animais apresentavam um aumento das taxas metabólicas, já nos dias de jejum havia
uma maior oxidação lipídica. Tal constatação demonstra que o JI afeta também o metabolismo
energético dos animais2.
No grupo 2 também foi observado um aumento na expressão dos neurotransmissores
orexígenos AGRP (peptídeo relacionado à cepa agouti) e NPY (neuropeptídio Y), independente dos
animais estarem em jejum ou alimentados. Isso sugere que os animais continuam com fome, mesmo
depois de alimentados, ou seja, há uma alteração na sinalização do hipotálamo (centro da
fome/saciedade). Tal situação explica a hiperfagia observada, pois durante o estudo o grupo 2 comia
muito mais rápido os alimentos que lhes eram ofertados, chegando a ingerir 53% da refeição do dia
em apenas 2 horas2.
O exemplo do jejum no Ramadan
O Ramadan é o nono mês do calendário islâmico; durante este período, os islâmicos
praticam o jejum, que é um dos cinco pilares do Islamismo. Ele ocorre do nascer até o pôr do sol
durante todos os dias desse mês, podendo variar de 11h a 18h dependendo das condições
geográficas9.
O jejum no Ramadan despertou o interesse da comunidade científica e alguns estudos
foram realizados demonstrando os efeitos desse tipo de jejum sobre o metabolismo ou o sistema
imune desses indivíduos. Estudos analisaram diferentes componentes do sistema imune de
indivíduos durante o Ramadan e não observaram nenhum efeito negativo sob a imunidade3,9,10.
Investigou-se a relação entre o jejum do Ramadan e o estado inflamatório. Para isso fizeram
um estudo com 50 indivíduos e avaliaram os níveis circulantes de citocinas pró inflamatórias (IL-
1β, IL-6, e TNF-α) e de células do sistema imune, em três períodos: antes, durante e após o
Ramadan. Os resultados obtidos demonstraram que o jejum praticado nesse período diminui o
processo inflamatório, por meio da redução dos leucócitos e das citocinas pró inflamatórias. Além
disso o jejum também provocou uma redução do peso e da gordura corporal, mesmo que a ingestão
calórica não tenha sido significativamente reduzida durante o Ramadan5.
Conclusão
Os resultados da maioria dos estudos sugerem que a RC e o JI podem ser úteis na perda de
peso, melhora do estado inflamatório e ter impactos positivos sobre algumas doenças crônicas. Tais
supostos benefícios, concomitantemente com os efeitos finais da intervenção, não podem ser
comprovados a longo prazo uma vez que os estudos não acompanharam os indivíduos por período
posterior prolongado.
Deve-se considerar também que a maioria dos estudos são realizados em modelos animais e
os que utilizaram humanos devem levar em consideração fatores como gênero, idade, nível de
atividade física, estado nutricional, entre outros.
Fora observado que, apesar de não ser evidenciado mudanças no comportamento alimentar
dos indivíduos em curto prazo, não é sabido o impacto caso a intervenção seja prolongada,
entretanto, viu-se que o JI pode desregular o controle da fome e saciedade2.
Portanto, existe a necessidade de pesquisas que contemplem os aspectos acima levantados a
fim de concluir a viabilidade bem como a efetividade do modelo como recurso para prática em
humanos.

Referências
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