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25 a 28 de julho de 2017

Práticas e (im)práticas corporais: cadê o corpo que estava aqui?

Escola como experiência política

Julio Cezar Soares da Silva Fetter


<julioc_fetter@yahoo.com.br>
Carandá Vivavida Educação

Natália Tazinazzo de Oliveira


<natitazinazzo@gmail.com>
Educação/Prefeitura de São Paulo

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir os diversos movimentos do corpo na escola,
numa perspectiva política de educação. Na escola, as ações ou a ausência delas, voltadas direta e
indiretamente para a educação do corpo, comumente se traduzem em um processo de disciplinarização
e olhar para as práticas corporais apenas nas poucas aulas destinadas à educação física ou recreação,
por vezes, sendo reprimidos inclusive nestes espaços. Nas reflexões presentes, conversamos com
concepções sobre o Corpo que inspiram nossa prática diária no chão da escola. Entendemos o corpo
como ponto central das práticas culturais e como instrumento político, ideia que pode reconfigurar por
completo todo o currículo e práticas escolares, questionando: que espaço o corpo ocupa dentro da
escola? O que o currículo favorece, legitima e valoriza na constituição dos sujeitos e de seus corpos?
Nesta perspectiva, vivemos uma escola democrática? Que corpo queremos numa educação pela e na
experiência? Para tanto, nos debruçamos sobre as obras de autores pós-críticos, tratando da cultura e
do corpo na centralidade das relações. Neste percurso, foi possível identificar manifestações
intencionais, que buscam de fato promover um cerceamento dos corpos na escola, e inconscientes,
localizadas em ações cotidianas, ambas privilegiando determinados moldes, indivíduos, valores e
culturas em detrimento de outras, sem que o âmbito do diverso de fato prevaleça. Tal contexto nos
sinaliza a necessidade de questionamentos e mudanças, assim como a proposição de caminhos em
busca de um corpo inteiro, empoderado e presente entre todos os atores escolar, na experiência, na
diferença e na democracia.

Palavras-chave: corpo; política; práticas corporais; práticas pedagógicas.

Nascimento de um texto, nascimento de um corpo


Como professores, somos antes de tudo, mais dois corpos que ocupam e são
ocupados pelo espaço da escola. Já estivemos nessa posição como alunos e agora vivemos a
experiência como professores. Somos atores escolares e construímos o currículo e o cotidiano,
como gostamos de dizer hoje, o chão da escola.
Falar do chão da escola pode ter um lado romântico, um lado poético, mas para nós
sem dúvida, tem um todo político. Uma, como professora polivalente de ensino fundamental I
e o outro, como professor de Educação Física de Fundamental I e II, paramos para observar as
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pegadas nesse chão. As nossas, a da Escola, a das meninas e dos meninos. Paramos para
estranhar aqueles pedaços onde não vemos as pegadas ou são poucas, onde parece não ter
chão e nem quem pise nelas, além de outros espaços em que as pegadas estão limitadas. Cadê
o corpo que estava aqui?
Como professores, observamos (e procuramos refletir) as nossas práticas formais e
não formais, intencionais e ocasionais: em que medida limitamos, desenvolvemos,
incentivamos os corpos que vemos? Como nossas práticas garantem um pensar político sobre
o corpo e como elas podem auxiliar a formação de um corpo político, entendendo-o em um
sentido amplo de consciência, criticidade e reflexão sobre si e sobre as práticas de corpo que
observam e consomem?
Como pesquisadores das práticas corporais, não pudemos deixar de notar o espaço do
corpo durante o movimento da escola. Primeiro, a disciplinarização declarada em seu
mobiliário, na organização do espaço/tempo, nas diferenças de gênero, no currículo da
chamada "Educação física". Em seguida, a desconsideração dos corpos, como se a relação
com o espaço escolar fosse algo pronto, dado, a qual o corpo deve se adequar (o que quer
dizer se ausentar) e em meio a este contexto, novas identidades, pluralidade de culturas,
legitimidade de alguns saberes e novas formas de cerceamento dos corpos. Arroyo (2012) já
traz essa reflexão em sua vivência como professor:
A socialização de nossa condição humana corpórea ficou por nossa conta. Faltou
uma pedagogia dos corpos ou sobraram tratos antipedagógicos dos corpos. Já em 2004
lembrava que fica cada dia mais difícil silenciar, controlar ou ignorar as reações corpóreas
tanto das(os) educandas(os) quanto das(os) educadoras(es). Torna-se urgente auscultar suas
falas, venham em forma de indisciplinas, de desatenção ou de condutas desviantes. Com essas
falas corpóreas, estão obrigando-nos a mirá-los com novos olhares. Obrigam-nos a repensar
nossos tratos antipedagógicos e a avançar na construção de uma pedagogia dos corpos. Que
pedagogias para que os corpos se entendam? Estariam, também, indagando os estudos e a
história da infância? (2012, p.24)
Estando na escola, nos pareceu pertinente perguntarmos: Que práticas estamos
propiciando na escola para que as meninas e meninos configurem identidades positivas,
empoderadas e potentes sobre seus próprios corpos? Onde está nossa contribuição para que o
corpo cotidiano tenha voz, vez e atue como sujeito político dentro da educação?
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O corpo infância

O corpo representa nossa existência. Toda experiência humana é vivida


corporalmente. Desde pequenos é através do som e do movimento que aprendemos a interagir
e nos comunicamos pela primeira vez com o mundo. O choro do bebê, o olhar, o movimento
da sucção são as primeiras atuações que temos como seres humanos e seres sociais. A medida
que o bebê cresce, amplia seus gestos e através deles aprende o que precisa: brincar, comer,
rir, sentar, andar e tudo mais que fase, a fase, delineia sua relação com o outro, com o que o
cerca, sua compreensão da realidade. Com o passar do tempo, a criança aprende a falar e
depois a escrever e a linguagem verbal tem um valor social tão rico, que quanto mais
aprimorada mais substitui as outras linguagens humanas. Foucault (1979, p.22), entretanto,
ainda destaca o corpo como "a superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto que a
linguagem marca e as ideias os dissolvem)."
Apesar de ultrapassada, a dualidade cartesiana, que ainda separa corpo e mente, é
uma ideia enraizada na escola, que submete o corpo ao espírito e não consegue enxergar os
indivíduos de forma inteira ou integrada e ainda valoriza as práticas intelectuais em
detrimento de outras práticas, inclusive nas séries iniciais da educação infantil. Esta
fragmentação dos saberes escolares produz uma hierarquização dos conteúdos, reduzindo o
corpo, suas questões e potencialidade. Ainda, coloca o corpo, no seu sentido amplo, em
poucos lugares e a educação física em um lugar exclusivamente prático, diminuída as
questões reflexivas, seu espaço e importância no currículo e espaços de formação e seus
saberes (Debortoli, Linhales & Vago, 2002).
Embora óbvio, nos parece importante ressaltar que o corpo se faz presente em todos
os lugares. Assim, se apostamos que a formação do sujeito se dá a partir e pela experiência,
estamos produzindo saberes, posturas e condutas deste corpo que se alimenta de toda a rotina
escolar: (...) como um sistema vivo em inter-relação constante com o aquilo que o cerca,
mistos múltiplos dos processos que corporificamos e ressignificamos (SOUZA, 2001).
Na tentativa de entender e receber de uma forma mais adequada o sujeito
contemporâneo, os jogos e brincadeiras firmaram sua importância e têm ganhado cada vez
mais espaço nas formações e práticas docentes, mas ainda assim sua relevância não é
totalmente assimilada e são consideradas práticas secundárias, que ajudam no "gasto de
energia", a se acalmarem e assim, assimilarem as atividades intelectualizadas, como a leitura e
a escrita. Segundo FIGUEIRA (2014):
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Apesar de serem elementos privilegiados no trabalho corporal (e nas


diversas áreas), principalmente nessa faixa etária, tanto pelo prazer quanto pela
tensão e pelo desafio da proposta, as ciências e os idiomas modernos ainda se
destacam em detrimento das humanidades, das artes, etc., o que muitas vezes
contribui para que as necessidades dos indivíduos fiquem em segundo plano. As
dimensões social, afetiva, estética e até mesmo ética perdem espaço para a dimensão
intelectual na cultura escolar. (p.41)

Aqui, já é possível refletir sobre algumas concepções embutidas nesse processo, em


que muitas vezes é reconhecida a necessidade de olharmos para as práticas corporais, porém
sem grandes planejamentos, desconsiderando-se a iniciativa da criança e priorizando
movimentos dirigidos e mecânicos. Diante do objetivo da repressão ou do simples gasto de
energia, o corpo não tem o merecido olhar nesse chão escolar, nem mesmo ao tratarmos das
valorizadas "leitura" e "escrita", já que, consideradas experiências, necessariamente
perpassam pelo corpo. Qualquer leitor sabe e já teve a experiência de ser tombado pela leitura
e esse tombamento é de corpo inteiro...
Seguindo adiante, é comum que o espaço do corpo no fundamental I e fundamental II
se reserve ao recreio e às aulas de Educação Física. Dessa forma como o conhecimento das
práticas corporais se corporifica? Ainda, não é incomum que o recreio seja utilizado como
moeda de troca ou punição, já que o sabido prazer do movimento leva a este cercear. Se há
alguma alteração de rotina na escola por qualquer motivo, que aula utilizar, alterar ou
cancelar? A educação física - junto à educação artística- costuma estar na primeira opção. A
disciplina só ganha destaque na época da festa junina ou de qualquer outro evento da escola
que necessite de uma apresentação ensaiada. Discutir a dança na escola por exemplo, é tema
para outro artigo.
E se estes são os espaços "pensados" para o corpo, podemos refletir ainda sobre os
aspectos em que ele não é levado em consideração, como a organização da sala de aula e suas
carteiras que ocupam muito espaço, o uso de filas para locomoção, a concepção de que só
aprendemos sentados, quietos e ouvindo, a valorização do "não-movimento" como sinal de
bom comportamento, a liberdade como prêmio e imobilidade como punição, os muitos
registros e aulas expositivas e poucas experiências, vivências e pesquisas, as poucas
discussões sobre corporeidade, gênero, mídia, consumismo, preconceito, ética, entre tantas
temáticas que refletem o e no corpo A atenção à própria estrutura física do espaço escolar
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contribui para uma visão mais restrita das manifestações corporais, como afirma Neira (2011,
p. 51):

Uma observação atenta da arquitetura escolar permitirá constatar o silenciamento


forçado de certas práticas corporais mediante a ausência total de espaços e condições
para o desenvolvimento de manifestações para além das conhecidas brincadeiras,
danças e modalidades [...].

Para modificar esse contexto, algumas tentativas possíveis perpassam por outros
valores e práticas que configurariam o currículo, do ponto de vista cultural.

O "corpo escolar"

Entre as diversas instituições ou espaços de circulação atuais, como instituições

públicas, espaços coletivos, redes sociais e instrumentos midiáticos, a escola produz e

reproduz nossas vivências em sociedade, e talvez seja um dos espaços em que a reflexão

sobre a cultura, a identidade e a diferença se faça mais necessária. Pérez Gómes (2000)

afirma que o processo de escolarização não se diferencia do processo de socialização, já que é

o meio como as novas gerações se apropriam das produções culturais das gerações anteriores,

afim de transformá-las e atuar em sociedade. Como instituição de manutenção e regulação da

ordem, a escola é pensada na perspectiva do adulto e como ressalta BUJES, “a educação da

infância insere-se, pois, num conjunto de tecnologias políticas que vão investir na regulação

das populações, através de processos de controle normatização” (2001, p. 27).

O confinamento é uma das marcas deste sistema normatizador e especialmente nas


grandes cidades, a ausência de múltiplas vivências em espaços públicos e abertos dá maior
relevância à produção cultural escolar, normalmente partilhada sob uma única ótica,
correspondendo a esta visão adultocêntrica e unilateral. O corpo infantil passa a ser então foco
de saber-poder por meio dos mecanismos de disciplinarização, dominação e hierarquia, como
considera Martins (2006, p. 178), “[...] os corpos também estão diretamente mergulhados em
um campo político. As relações de poder têm alcance imediato sobre eles: elas os investem,
os marcam, os dirigem, os suplicam, sujeitam-nos a trabalhos, obrigam-nos a cerimônias,
exigem-nos sinais”. FOUCAULT (1997) também sinaliza a desfragmentação dos sujeitos, que
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ocorre desde os primeiros tempos de vida escolar e o objetivo é a constituição de corpos
dóceis, disciplinados e resignados às manifestações consideradas válidas.
Esse modelo moderno de educação hierarquiza os saberes à serviço de determinados
interesses e grupos dominantes, criando inúmeras relações de poder dentro da escola entre
professores e alunos; direção e corpo docente; conhecimentos validados que constituem o
currículo; e entre os próprios alunos. Apesar de termos um discurso bastante elaborado quanto
à diversidade, inclusão e uma escola verdadeiramente "democrática" e para todos, arriscamos
dizer que vivemos uma exclusão (tantas vezes velada ou silenciada) pelas poucas ações que
parecem acolher e legitimar as diferenças, como algo positivo. Nos parece que a diferença é
aceita sem negar que existe um ideal, um algo a ser alcançado, para que todos sejam iguais
não no sentido de igualdade, mas sim de identidade, portanto “a instituição educativa
socializa preparando o cidadão/dã para aceitar como natural a arbitrariedade cultural que
impõe uma formação social contingente e histórica” (SACRISTÁN, 2000 p. 17) e que é
preciso trabalhar para alcançá-la.
Entretanto, a cultura global nos afasta da formação identitária, apesar de nos afirmar
enquanto indivíduos. Ranciére (2014) traz essa discussão ao falar da “sociedade individualista
de massa”, que não leva à sociedade a pensar sobre o comum, sobre o coletivo numa
perspectiva ética e assim, construir a legitimidade das diferenças:

É certa coletividade, a coletividade bem hierarquizada dos corpos, dos


meios e das “atmosferas” que adaptam os saberes às fileiras sob a sábia direção de
uma elite. E não é o individualismo que se rejeita, mas a possibilidade de qualquer
um partilhar de suas prerrogativas. A crítica ao “individualismo democrático” é
simplesmente o ódio à igualdade pelo qual uma “inteligência” dominante confirma
que é a elite qualificada para dirigir o cego rebanho. (p.87-88)

A hierarquização dos corpos, pode implicar na ausência de práticas e no próprio


silenciamento corpóreo.

O corpo ausente: práticas e (im)práticas corporais

Para a manutenção da organização escolar diante do espaço/ tempo e da lógica já


fundamentada, é possível encontrar as práticas e concepções que visão esta lógica, como as
citadas no decorrer do texto. Chamamos de práticas e (im)práticas como uma provocação,
uma vez que não incluir o corpo no planejamento ou não refletir obre a lógica política desse
trabalho é um não fazer que afeta diretamente o ensino.
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Como já posto, estamos buscando um corpo político em sua maior amplitude: corpo
autônomo, consciente e crítico, sobre si e sobre o que o cerca. No entanto, algumas práticas de
educação física são meras reprodutoras daquilo que já está posto, sem uma maior reflexão
docente e, muitas vezes, apenas com objetivos do já colocado "gasto de energia", um fazer
compensatório, destituído de intencionalidade, pouco ou nada sistematizado, estabelecendo
uma relação com a escola a qual esta pode dispor do seu tempo e espaço, de acordo com
outras prioridades (DEBORTOLI, LINHALES & VAGO, 2002), o que nos leva a questionar
se o corpo tem seu valor legítimo inclusive nas disciplina considerada pela escola como a
responsável por estas práticas.
Em um modelo de aula estritamente voltado para o olhar desenvolvimentista, por
exemplo, embora o grupo esteja utilizando seu corpo com objetivos claros e uma organização
do planejamento, há uma busca por uma execução de movimento, em detrimento do olhar
para o corpo em sua complexidade e subjetividade. Busca-se, nesta abordagem, a partilha de
um saber técnico, muitas vezes social, mas com objetivo de uma certa padronização, que não
leva em conta as manifestações corporais do indivíduo, diminuindo-o como sujeito de sua
própria corporeidade. Cabe, aqui, trazer um trecho de Geertz (1989):

A cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente


capazes de se tronar e o que eles realmente se tornam, um por um. Tornar-se humano é
tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção de padrões culturais,
sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma,
ordem, objetivo e direção de nossas vidas. (...). Assim como a cultura nos modelou
como espécie única - e sem dúvida ainda está modelando – assim também ela nos
modela como indivíduos separados. É isso o que temos realmente em comum – nem
um ser subcultural imutável, nem um consenso de cruzamento cultural estabelecido.

Se a cultura nos concede o direito de ser “social”, e é através deste conhecimento que
podemos nos reconhecer no outro, é esta característica também que nos garante
individualidade, garantia esta que deve ser mantida inclusive nas nossas práticas corporais e
relações com nossos corpos. Uma educação física que não se proponha a pensar, refletir e
criticar com os próprios alunos sobre seus corpos e suas práticas, não se mostra efetiva na
busca deste corpo. Ela deve ser capaz de ensinar, no sentido de transmitir um conhecimento
de outrem, um saber social. Mas, ainda, a educação física deve proporcionar um espaço de
criação, livre e guiada, para que os alunos tenham compreensão das suas possibilidades e
limitações, além de aprender com os outros e poder colocar-se em uma posição de
protagonismo da aprendizagem alheia, incluindo a do professor, tudo realizado com seu
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corpo. Poder falar, questionar e refletir sobre as práticas corporais próprias, as legitimadas
pela mídia, questões de gênero, padrões de beleza, valorizações de certas práticas e esportes
em detrimento de outras é fundamental para o objetivo maior deste trabalho: saber lidar e
atuar sobre sua própria corporeidade no meio social.
Por fim, acreditamos que a educação física pode ser um amplo espaço de
problematização e reflexão sobre os corpos sociais e as práticas de corpo que são consumidas
pelos alunos. Se dentro da escola os corpos já são dotados de grandes conflitos, na sociedade
estas questões são ainda mais intensas, dadas as variedades de concepções que nos cercam,
muitas vezes em função da mídia e da lógica de mercado. A educação física, pode ser um
espaço de análise crítica e construção de novas possibilidades dessas relações de corpo, com
práticas e discussões, um momento de grande oportunidade para que todos os atores ali
presentes observem e reflitam sobre os corpos além do muro da escola.

Práticas corporais escolares

Isto posto, propomos caminhos de construção do trabalho com o corpo que


transbordem o que se coloca como específico da área e se reverbere nas práticas escolares,
tanto em situações cotidianas quanto nos próprios projetos de trabalho. Educação física não é
apenas estar na quadra, “agitar” o corpo e deve contemplar os aspectos sociais, políticos e
contextuais do que apresenta, seja no âmbito dos jogos e brincadeiras, danças, lutas,
ginásticas ou esporte. Ser professor ou professora polivalente não é cuidar apenas do que é da
sala de aula e valorizar os momentos de recreio, parque, jogos e brincadeiras como parte
essencial do planejamento e do processo de ensino/ aprendizagem. Educar fisicamente é
também argumentar, questionar, problematizar e ampliar o repertório de manifestações
corporais dos alunos. Entendemos para isso, a necessidade de priorizarmos a cultura na
centralidade do trabalho, como propõe a teoria dos Estudos Culturais.
Cultura entendida na perspectiva de Stuart Hall. Em seus estudos, o autor traz o
conceito como um campo de luta, de poder e de regulação social em “[...] que toda ação social
é ‘cultural’, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste
sentido, são práticas de significação”. (HALL, 1997, p. 1). Assim, com espaço aberto às
diversas manifestações partilhadas, o sujeito vai se constituindo entre a identidade e a
diferença, ou seja, na possibilidade de se ver representado por uma prática corporal e na
possibilidade de viver o estranhamento e a legitimidade do outro. As práticas corporais das
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grandes cidades são como as rurais? Há as mesmas práticas corporais entre os sujeitos que
habitam os bairros centrais e as periferias? As questões de gênero são as mesmas? Os esportes
mais valorizados pela mídia são realmente mais importantes? Como essa lógica pode mudar?
Todas as práticas são boas para todos? Tudo que deixamos no acostamento de nossas escolhas
é ruim? Pode então, a escola planejar seu currículo sem levar em consideração as diversas
culturas que configuram os atores sociais?
Os projetos de trabalho temáticos podem nos dar bons indícios dos melhores
percursos, modificando a relação das crianças e jovens com a educação física, entendendo-a
como campo de conhecimento e assim, cultura. Há de se ter pesquisa, pergunta, debate,
problematização, embate, conflito, vivência e experiência, já que a “prática” se traduz em
todas estas formas e a nosso ver, é mais importante do que dominar técnicas ou movimentos
considerados aceitos. O corpo que vive a cidade, que vive o cotidiano, é o mesmo que vive a
escola.

Considerações finais

Abordamos neste texto algumas questões, talvez inquietações, que nos surgem
quando paramos para observar os corpos das alunas e dos alunos, automaticamente parando
para olhar nossos corpos e dos outros atores escolares, ampliando para os corpos sociais que
nos deparamos. Mais do que buscar respostas imediatas, propomos aqui um olhar profundo
para o corpo, o lugar que lhe permitimos, o movimento que concedemos a ele. É fundamental,
ainda, que, embora o foco seja maior para o corpo das alunas e dos alunos, todos os corpos
presentes no espaço escolar trazem significados e sentidos políticos para os sujeitos que ali se
fazem presente.
As perguntas que nos movem nesse momento tratam da necessidade de revermos
nossos valores pedagógicos sob uma perspectiva mais ética. Como construir novas alteridades
infantis e jovens que possam problematizar as relações culturais diversas? Como construir
outro projeto de escola, sociedade e cidade? Como construir novos sujeitos políticos? Arroyo
e Silva enfatizando o reconhecimento dos sujeitos neste processo:

Reconhecer a corporeidade como lugar do verbo, de linguagens reveladoras


de sentidos nos obriga a aprofundar, como corpos precarizados anunciam e
denunciam o vivido e sofrido e até a precarização de seu viver, que não pela palavra
dita. Como revelam suas formas de leitura-sentimento de si e dos outros? Como
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escutar suas linguagens e os significados dos seus corpos? Reconhecendo os corpos
das crianças como sujeitos de educação. (ARROYO e SILVA, 2012, p.16)

Como Arroyo (2012) nos ajuda a pensar: estaríamos de fato em tempos de maior
sensibilidade social para com os corpos? Potencializamos essa construção? Ainda que os
corpos infantis sigam resistindo a nossas intenções, é preciso dar voz a esta potência,
reconhecer que se toda aprendizagem é uma experiência e que toda experiência passa pelo
corpo, não é possível fazer a escola que desejamos se não for corporalmente.
Todos os agentes escolares devem proporcionar um olhar mais cuidadoso e, ao
mesmo tempo rigoroso, no que se refere a percepção das ações, com os corpos escolares,
perceber os momentos os quais estimulamos ou cerceamos, entendendo que estas duas ações
são necessárias, compreender que podemos estimular um espaço criativo e crítico destes
corpos para o desenvolvimento de uma consciência e autonomia, sobre seu corpo e daqueles
que o cercam. Enfim, a escola como lugar do encontro é a escola das muitas vozes e dos
muitos corpos, das muitas práticas que não precisam resgatar o corpo que não se sabe onde
estar, e sim aquela que quer lhe dar espaço para lhe corporificar.

Referências Bibliográficas

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pedagogias dos corpos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

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DEBORTOLI, J.A; LINHALES, M.A. & VAGO, T.M. Infância e conhecimento escolar:
princípios para a construção de uma educação física "para" e "com" as
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FOCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

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Acesso em: 25/06/2017.

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