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A LÍNGUA COMO CONSTITUIDORA E CONSTITUINTE DA IDENTIDADE

INTRODUÇÃO
A forma como os sujeitos veem a si mesmos e aos outros apresenta
complexas construções, performances e situações. O que se imaginava como
uma estrutura fixa e imutável, é mais um caleidoscópio de possibilidades.
O presente ensaio tem por objetivo geral refletir sobre a função da língua
na construção da identidade, usou-se como principais teóricos Bauman et al.
(2006) e Haider (2019).
A partir das considerações foi possível perceber que a língua é muito mais
que o veículo das informações e das culturas, mas é elemento de guarda das
culturas e transformadora das identidades.
REFERENCIAL TEÓRICO
O tema identidade traz uma multiplicidade de conceitos, bem como uma
multiplicidade de possibilidades, assim como é a própria identidade. Identificar-
se a si mesmo como sujeito no mundo e como parte de um grupo social é um
processo complexo e, ao mesmo tempo, natural.
A identidade étnica traça uma linha imaginária entre o “eu, o nós e o
outro”, a língua possui um papel fundamental para definir quem pode ser como
o “eu (nós) e quem é o outro e, ao passo que inclui uns, exclui outros. Não se
nasce com uma identidade, ela é construída e mediada pela cultura interna e
externa do povo.
A construção da identidade tem duas faces – uma social e uma individual
– é através do grupo social que o sujeito constrói sua visão do mundo e de si
mesmo, mas a internalização de tais visões é única, o que traz as personalidades
diversas. Assim, um indígena se constitui etnicamente a partir do seu grupo, mas
ainda preserva sua pessoalidade.
Usando da metonímia para exemplificar: se a cultura é uma lente, através
da qual o homem enxerga o mundo (BENEDICT, 1972, apud LARAIA 1986), a
identidade é como um espelho côncavo, em que os indivíduos prostam-se frente
ao mesmo objeto, mas refletem uma imagem única.
Haider (2019) afirma que a identidade, em princípio é forjada pelas
influências sociais (internas e externas); que pode construída com preconceitos
e visões distorcidas. Assim, classes, raças, gênero e outras intersectorialidades
influenciam o modo como o indivíduo se vê e vê os outros no mundo.
A identidade faz parte de um pertencimento social, a qual grupo vou
pertencer? Pertenço àquele que me categorizaram, ou vou buscar outros, como
por exemplo o filho de um muçulmano comedido que deseja ser fundamentalista,
ou ainda buscar uma identidade humanitária que lute contra as injustiças, como
no caso de Malcom X. A questão é que, como apresenta Haider (2019, apud.
Kureishi) é devastador viver sem entender a sua própria identidade, mas é mais
devastador ainda aceitar injustiças.
André Rebouças, o grande abolicionista brasileiro, percebeu-se negro em
um congresso nos Estados Unidos, em que foi impedido de transitar em locais
destinados a brancos (SCHWARCZ et al, 2021).
Assim, frente ao espelho caleidoscópico de possibilidades, há um conflito
de interesses externos à sociedade, internos à cultura e próprios do indivíduo. A
partir da síntese do processo os sujeitos criam, desconstroem e recriam
identidades, no plural. Mas qual o papel da língua nos processos identitários?
Bauman et al. (2006) afirmam que o desempenho linguístico dos falantes
– que envolve fenômenos anteriores e posteriores, emoções, visões de mundo,
classes, gêneros, conversas anteriores, criações espontâneas, resultados de
leituras antigas, dentre tantas outras possibilidades – a maneira mais fidedigna
de se pensar a língua é sobre o viés da performance.
Assim, os etnógrafos performáticos pensam a língua a partir de
descentramentos e recontextualizações, entextualização e descontextualização.
A língua é assim constituinte das performances sociais, é a partir da língua que
o indivíduo performa, analisa a performance linguística de outrem, contextualiza,
descontextualiza e recontextualiza.
A língua é então o veículo das identidades, quando alguém diz ao outro
“você é...” o veículo para expressar os pensamentos é a língua, assim como
quando diz “eu sou...” o fio condutor da sua performance é a fala.
Assim é a língua é constituinte da identidade, é o continente das visões
de mundo, é o baú das memórias, das tradições, das interpretações das
transformações e das múltiplas possibilidades.
Mas será que a língua é apenas o vetor de das comunicações? Será que
não estimula e apresenta novas possibilidades para as identidades?
A globalização potencializou, ainda mais, a transculturalidade, ou seja, as
trocas culturais estão, cada vez mais, evidenciadas e demonstrando suas
contradições.
Assim, há grande volume de informações e reflexões sobre as
identidades. Novos termos, novos discursos, novas morfologias, novos gêneros
gramaticais, novas sintaxes, novas possibilidades, enfim, novas interpretações
e construções.
Sendo assim, a língua também é constituidora das identidades, mais que
um fio condutor, é ela constituída e constituinte das identidades, apresentando
um papel de centralidade nos processos performáticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No percurso das reflexões sobre a construção das identidades e
performance, percebeu-se uma multiplicidade de possibilidades, há muitas
influências que apresentam centralidades e descentralizações que apresentam,
ora manifestações sociais, ora interpretações individuais.
Mesmo que o grupo social e influências externas aos grupos sociais
possuam grande influências, o indivíduo performa com suas interpretações. As
performáticas também são múltiplas e transitórias, ou melhor, transformam-se.
Constatou-se que a língua é fomentadora da construção das identidades,
mas também é fomentada e transformada a partir dos intercâmbios e
interpretações das performances identitárias.
Assim, é a língua o continente da identidade, mas também o conteúdo das
performances sociais, então, o presente ensaio anuncia mais aprofundamentos
da pesquisadora sobre o tema, que pretende refletir ainda mais sobre este
fenômeno tão essencial para que o indivíduo veja a si mesmo a aos outros no
mundo.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, R.; BRIGGS, C. L. Poética e Performance como Perspectiva
Crítica da Linguagem e Vida Social. Ilha — Revista de Antropologia, v. 8, n. 1-
2, p. 185-229, 2006. Disponível em:
https://ava.ufms.br/pluginfile.php/513945/mod_resource/content/2/Baumann%2
0e%20Briggs%202006.pdf Acessado em: 23/06/2021
HAIDER, Asar. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. São
Paulo: Veneta, 2019. Disponível em:
https://ava.ufms.br/pluginfile.php/513914/mod_resource/content/2/Haider%2020
19.pdf Acessado em: 23/06/2021
LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor,1986
SCHWARCZ, Lilian Mortiz; GOMES, Flávio dos Santos; LAURIANO, Jaime.
Enciclopédia Negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

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