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FICHA DE LEITURA 1

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

Prefácio

Nos anos 50, quando a palavra de ordem do engajamento soava na França, como forma de adesão voluntária e arbitrária às
classes populares, no Brasil “já há muito tempo [os intelectuais] haviam-se colocado a serviço do conhecimento da ‘realidade
nacional’ e da formação da sociedade (…). Apenas o faziam porque o intelectual tinha de estar à altura da construção da
nação, portador que era da identidade nacional e, além disso, detentor do saber relativo às leis da evolução histórica” p. 6

“De maneiras diversas, sucessivas gerações de intelectuais brasileiros invocaram a ‘realidade nacional’. (…) não havia meios
de duvidar da sua existência, nem dos princípios imanentes que regem o desdobramento das suas sucessivas formas
históricas. E de que não fazia sentido pretender separar conhecimento da ação. (…) Em várias épocas, os intelectuais
brasileiros não deixavam de proclamar seu conhecimento das leis que regem a história e a sua inserção nessa história” p. 6

“Todos os intelectuais brasileiros mantêm laços com as ciências sociais: a ‘sociologia’ na década de 30, e uma mistura de
sociologia e economia nos anos 60 e 70. Pois as ‘ciências sociais’ nada mais são do que o discurso que o Brasil faz sobre si
mesmo e o indicador da posição que o intelectual ocupa no processo de constituição da nação brasileira” p. 7

“Da postura ‘realista’, deduz-se que o intelectual só pode ter uma percepção ambivalente da política. Por um lado, o
movimento imanente do real não deixa subsistir um verdadeiro espaço político. Se este, todavia, existe, dá a impressão
freqüente de ser ‘artificial’, ‘flutuante’, ‘divorciado da realidade’. O intelectual não tarda a posicionar-se contra a política e suas
instituições (…). Assim, sempre surge a tentação de uma recusa radical do político. Por outro lado, a conivência entre o
conhecimento e a ação significa que nada escapa ao plano político, e que a realidade é, já de início, totalmente política. (…)
impõe-se o ‘realismo’ que preside à politização dos conceitos e à conceitualização do político” p. 7

A ambivalência com a política é teórica, pois “os intelectuais brasileiros se entregam à ação política sem nenhuma hesitação e
como se estivessem qualificação especial para fazê-lo” p. 7

os intelectuais justificam sua intervenção, de um lado, “porque essa realidade oferece o espetáculo de um povo ignorante de
seu destino, classes sociais ainda em formação e abaixo da sua missão (…) assim como desarticulações recorrentes nas
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estruturas sociais” e eles teriam devido ao seu conhecimento que lhes permite múltiplos vínculos (com as realidades dos
países desenvolvidos, com vários grupos sociais) uma “vocação para conduzir a nação ao encontro de si mesma” p. 8; por
produzirem mitos unificadores da nação embasados num suposto desenvolvimento do real e na crença de que as ideias
comandam o devir histórico, p. 8; Também “graças ao hiato entre o social e o político, conseguem ainda se erigir em
mediadores indispensáveis, substituindo as classes (…) e colocando-se na posição do Poder, pois, tanto quanto este, se
projetam acima do social” p.9

“Se eles se colocam com tanta freqüência acima da sociedade, é porque se identificam com o Estado ou se apresentam como
contra-Estado. (…) o Estado os acolhe, em geral, bem demais para que se recusem a adaptar essas teorias ao ritmo das
conjunturas. Nem o Estado Novo de Getúlio Vargas, nem mesmo o Estado autoritário dos militares deixaram de tentar cooptá-
los ou, em todo caso, de levá-los em conta. E mais ainda: em todas as épocas, ou quase, os governantes pareceram querer
se apropriar das representações do fenômeno político propostas pelos intelectuais, e estes, com freqüência, estiveram
prontos a inspirar-se nas representações professadas pelo Estado” p. 9-10

“A própria organização dos intelectuais está constantemente articulada ao Estado. Neste aspecto, o Estado Novo marcou uma
importante mudança. O corporativismo por ele criado aplicou-se à intelectualidade: as ‘profissões’ foram reconhecidas e
receberam um estatuto oficial. A partir daí, os intelectuais foram dotados de identidades e direitos específicos. Ao fim do
Estado Novo, evitaram questioná-lo” p. 10

“analisamos em especial a trajetória política dos intelectuais que se vinculam à ‘sociologia’” p. 11

“tratamos quase exclusivamente dos paulistas, cariocas e mineiros; e não citamos os intelectuais de outras regiões exceto
quando instalados em São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte” p. 12

PARTE I – OS INTELECTUAIS E A NAÇÃO

INTRODUÇÃO
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“Os intelectuais dos anos 25-40 mostram-se preocupados sobretudo com o problema da identidade nacional e das
instituições. Na sua perspectiva, já existia uma identidade nacional latente, confirmada pelas maneiras de ser, pelas
solidariedades profundas e pelo folclore. Isto não bastava, porém, para que se pudesse considerar o povo brasileiro
politicamente constituído. Apenas instituições adaptadas à ‘realidade’ permitiriam que se alcançasse esse nível. Convinha,
portanto, eliminar as instituições da República que, embora professando um liberalismo inspirado na ilusão de atingir a
modernidade por imitação dos modelos estrangeiros, opunha obstáculos à afirmação nacional. ‘Organizar’ a nação, esta é a
tarefa urgente, uma tarefa que cabe às elites. Delas os intelectuais têm ainda mais motivos para participar, na medida em que
constitui um fato indissoluvelmente cultural e político: forjar um povo também é traçar uma cultura capaz de assegurar a sua
unidade” p. 14-5

“Em sua grande maioria, mostram-se de acordo quanto à rejeição da democracia representativa e ao fortalecimento das
funções do Estado. Acatam também a prioridade do imperativo nacional e aderem, explicitamente ou não, a uma visão
hierárquica da ordem social (…) convergem na reivindicação de um status de elite dirigente, em defesa da idéia de que não já
outro caminho para o progresso senão o que consiste em agir ‘de cima’ e ‘dar forma’ à sociedade” p. 15

“os intelectuais dos anos 54-64 (…) não põem em dúvida que o povo já esteja constituído, e o vêem mesmo como a
verdadeira garantia da unidade nacional: povo e nação, nesse momento, são indissociáveis. (…) defender os seus interesses
[da nação] das ameaças externas ligadas ao imperialismo (…). Os intelectuais já não precisam reivindicar uma posição de
elite: sua legitimidade decorre justamente de se fazerem intérpretes das massas populares (…) de um lado, têm a missão de
ajudar o povo a tomar consciência de sua vocação revolucionária; de outro, cabe-lhes demonstrar, enquanto ideólogos, que o
desenvolvimento econômico, a emancipação das classes populares e a independência nacional são três aspectos de um
mesmo processo de libertação, ou seja, de um mesmo ‘projeto’. (…) tendem a considerar o marxismo como o ‘horizonte
intransponível’ da época” p. 15-6

“Pretendemos estabelecer como essas duas gerações, de opções políticas tão diversas, puderam ser solidárias na
construção de uma cultura política, pela qual se responsabilizaram e de onde derivaram a sua própria legitimidade” p. 17

“a ruptura ocorrida entre 1945 e 1950, quando o conservadorismo autoritário deixou de ser hegemônico, e o discurso da
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revolução social, que culmina a partir de 1960 começou a tomar forma” p. 17

“certas continuidades subjacentes essenciais. A noção de cultura política destina-se a dar conta desse fenômeno: significa,
para nós, aderir a uma mesma concepção de formação social (…). É precisamente essa capacidade de duas gerações de
intelectuais de suscitar e promover a cultura, e assim promover também sua própria identidade e influência, que
examinaremos nesse estudo” p. 17-8

“A cultura política apresenta múltiplos aspectos, dos quais consideramos três.


O primeiro relaciona-se à maneira de definir a posição social dos intelectuais. (…) Convém considerar o lugar que os
intelectuais atribuem a si próprios, e àqueles que lhes reconhecem o poder. Durante os dois períodos, constatamos que,
assumindo uma vocação nacional, os intelectuais conseguiram ser reconhecidos como elite dirigente, desfrutando do
privilégio de situar-se, como o Estado, acima do social.
O segundo aspecto diz respeito às representações do fenômeno político. (…) a busca, dentro do real, de uma unidade
anterior a todos os processos de instituição do social e que pudesse escorar as formas de unidade da sociedade política.
O terceiro relaciona-se às articulações entre o campo intelectual e a esfera política. Uma vez que a atividade intelectual é
orientada pela responsabilidade assumida diante do imperativo nacional, em que medida poderiam ambas ser dissociadas?
Ou, mais exatamente: seria ainda possível falar um campo intelectual fundado numa lógica interna de funcionamento?”

A posição social dos intelectuais

“os escritores mobilizaram recursos que não se limitavam à sua proximidade social com as elites: era muito importante
também o domínio de um saber socialmente valorizado. Nos anos 20, eles reivindicavam uma ciência do social: poderia
tratar-se de uma artimanha para serem ouvidos pelos governantes, as uma grande parte das elites achava-se obsedada pela
crença de que esta ciência poderia fundamentar uma administração científica dos homens e da natureza” p. 21

“esses intelectuais se sentiam investidos de uma missão política. (…) Estavam, acima de tudo, desiludidos com a República
(…) por ter permitido que essa influência [da oligarquia] se prolongasse indefinidamente no quadro das transações regionais.
Aspirando à organização da nação pelo poder, reagiram contra a ‘oligarquização’ das instituições. E sua politização (…)
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expressava sua conversão à ação política” p. 21

“na falta de um campo cultural autônomo, capaz de produzir uma hierarquia institucionalizada de posições, esses interesses
só podem ter uma consistência limitada. Não se revelam senão após as tentativas de redefinir a questão da legitimidade
política” p. 22

“No Brasil dos anos 20 os projetos dos intelectuais eram inseparáveis da vontade de contribuir para fundamentar o cultural e o
político de uma forma diferente. Tudo estava em jogo ao mesmo tempo. Instituição alguma escapou à necessidade de
assumir uma nova legitimidade: tanto a Igreja como o Exército, tanto o Estado como os estabelecimentos de ensino superior.
A intervenção política dos intelectuais inseriu-se em uma conjuntura de recriação institucional” p. 22

Uma vocação para a elite dirigente

A geração de 25-40 mostrou-se disposta a auxiliar o Estado “na construção de uma sociedade em bases racionais”, “manteve
uma linguagem que é a do poder. Ela proclamou, em alto e bom som, a sua vocação para elite dirigente” p. 22

“Essa geração esforçou-se, assim, para romper com duas experiências que marcaram negativamente a história intelectual
antecedente: a dependência perante o Império e o isolamento no início do século XX. Em contrapartida, tentou reatar com
uma terceira: o prestígio das elites de Estado, que caracterizara todo o período do Império” p. 22

“A condição de dependência, particularmente durante o reinado de D. Pedro II, consistia no mecenato, patronagem e
honrarias, comportando (já naquela época) a outorga de empregos públicos aos escritores, mas também seu
enclausuramento no círculo das elites sociais. (…) Isso coincidia com a adesão a uma cultura decorativa, composta de idéias
de momento, e com uma colagem ideológica na qual teses liberais eram consideravelmente modificadas a fim de que a ação
onipresente do Estado brasileiro encontrasse as justificativas necessárias. Nos anos 20, essa tradição tornou-se objeto de um
processo irremitente: a nova geração passa a multiplicar as prevenções contra os vestígios de um pensamento de segunda
categoria, indiferente às realidades nacionais” p. 22-3
ref. NOGUEIRA, M. A. As desenvolturas do liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
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“A experiência de isolamento iniciou-se logo depois de proclamada a República”, de um lado, os escritores que aceitaram
adaptar-se aos novos ricos e ao mercado editorial, de outro lado, literatos como Lima Barreto e Euclides da Cunha isolaram-
se numa posição de ressentimento e a partir dele construíram uma crítica social na qual a literatura se coloca como
instrumento de transformação social e política. Dessa literatura engajada socialmente é herdeira a geração de 20, p. 23-4
ref. SEVCENKO, N. Literatura como missão. São Paulo: Brasiliense, 1983.

A elite administrativa durante o Império formada por magistrados e advogados formados na Universidade de Coimbra ajudou
a manter a unidade nacional, pois constitui-se num grupo coeso ideologicamente apesar dos interesses econômicos
regionais. “Os intelectuais dos anos 20, muitos dos quais haviam recebido uma formação jurídica, não estavam inovando
quando se erigiram, sem outro mandato, a não ser o derivado de suas convicções, em responsáveis pela restauração do
Estado e da Nação. Pretenderam retomar por conta própria, e sob outras formas, a função de uma elite que soube colocar-se
a serviço do Estado nacional no século XIX” p. 24

“O processo de conversão dos intelectuais em agentes políticos assumiu, a partir de 1915, o caráter de movimento global e
realizou-se sob diversas formas: vagas nacionalistas, modernização cultural, ressurgimento católico, impulso antiliberal” p. 24

Alberto Torres. Apela aos intelectuais para que se integrem à nação. Diz que o mundo dos intelectuais e o dos políticos são
alheios à vida nacional. Estando os intelectuais propensos ao diletantismo, às modas européias. Chama os intelectuais para
se tornaram uma força social que forje uma consciência nacional e promova a organização nacional. “Alberto Torres seria
visto como precursor inconteste dos pensadores autoritários de todas as tendências” p. 25

“A partir de 1915, o nacionalismo invadiu a cultura brasileira. Expandiu-se na literatura (…). Deu origem a associações onde
os intelectuais estavam onipresentes (…) fomentou publicações” p. 25-6

1922. rebelião dos tenentes, criação do PCB, semana de arte moderna, ingresso de intelectuais no catolicismo,
acontecimentos com relação ao nacionalismo, p. 26

“O movimento católico organizado nessa época em torno do Centro Dom Vital, e que seria dirigido sucessivamente por
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Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima, seduziu os intelectuais que, sem dúvida, simpatizavam com um nacionalismo
deliberadamente reacionário. A partir de 1916, certos bispos esforçaram-se para arrancar a Igreja de seus costumes de
submissão diante do Estado, enraizados durante o Império e mantidos depois, apesar da separação oficial entre ambos
estabelecida pela República. Quanto aos intelectuais (…) sonhavam com uma contra-revolução católica. Jackson Figueiredo
acreditava que somente a religião poderia assegurar a base da nação. (…) Alceu Amoroso Lima transformou-se em guardião
vigilante de uma ordem moral e, após 1930, em incansável defensor da tutela da Igreja sobre o ensino público. Muitos
membros dessa corrente, inclusive Amoroso Lima, ingressariam depois, de forma duradoura ou não, no movimento
integralista” p. 26-7

“A pressão antiliberal, por sua vez, acompanhou a difusão dos diversos nacionalismo”, Alberto Torres fala do liberalismo como
algo alheio à sociedade, contrário à ordem e ao progresso, Oliveira Viana trata dele como ideia exótica importada p, 28

os intelectuais nacionalista colocam a questão do intelectual, seu papel e sua função. Consideravam o intelectual uma
categoria social a qual cabia o papel de dirigente.

“A relação entre massas-elite invadiu o pensamento político”, marcado por um elitismo de que as massas deveriam ser
dirigidas tal tema foi abordado dos autoritários, aos católicos chegando até os liberais – como por ex. Fernando de Azevedo,
p. 28-9

“No caso brasileiro, essa visão elitista implicava não só o respeito por uma hierarquia social, herdada ou adquirida, mas
determinava também a teorização da política como competência: a arte de governar relaciona-se com o saber científico” p. 30

“Martins de Almeida afirmou que ‘a capacidade governativa do homem atual depende de conhecimentos especiais, de cultura
sociológica, de idéias sistematizadas, de concepções intelectuais’. Segundo Cândido Mota Filho, ‘todo homem de Estado na
sociedade moderna é, mais ou menos, um sociólogo’. Já Mário de Andrade expressou-se por meio de um chiste: ‘a sociologia
é a arte de salvar rapidamente o Brasil’. São maneiras de proclamar que entre o ofício intelectual e o de governante existe
profunda semelhança” p. 31
ref. SADEK, M. T. A. Machiavel, machiavéis: a tragédia octaviana. São Paulo: Símbolo, 1978.
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“Azevedo Amaral, Afonso Arinos, Otávio de Faria, todos descendentes de grandes famílias do Império ou ligadas à elite
administrativa; o mesmo se aplica a Oliveira Vianna, Gilberto Amado e outros procedentes de famílias de grandes
proprietários (…). Esses intelectuais, entretanto, advogavam sobretudo em causa própria. Não pretendiam falar em nome de
nenhuma classe social determinada: criticavam a oligarquia e a burguesia, não mostravam nenhuma simpatia pelos ‘setores
médios’ (…) agindo como avalistas da unidade nacional firmaram sua presença como categoria ‘socialmente sem vínculos’”
p.31-2

Os intelectuais em geral não participaram da revolução de 30, eram precavidos contra um possível liberalismo do movimento,
além disso privilegiavam segundo a sua formação mais uma intervenção no domínio da cultura do que uma revolução política
que não esperavam, já que seu projeto tinha nas entrelinhas “a intenção de anular a dimensão do político” p. 32-3

“falavam de uma posição homóloga à do Estado. Preocupando-se com a elaboração da cultura brasileira, não tinham
consciência de negligenciar o problema político: estavam simplesmente convencidos de que a essência do político era o
processo que conduziria ao advento de uma identidade cultural” p. 33

os fundamentos da legitimidade do poder intelectual

A legitimidade dos intelectuais não se dava por títulos, mas pela “posse de um saber sobre o social, reconhecido e valorizado
por amplos setores da sociedade. Assentavam, simultaneamente, na capacidade de definir o social e de explicar as condições
da sua organização. Falamos de ‘legitimidade’ no sentido de que os intelectuais retomaram por conta própria concepções do
social já presentes em outros grupos sociais e, sobre essa base, elaboraram ‘o campo do pensável; em outras palavras, a
problemática legítima’” p. 33

“Não havia ainda no Brasil uma tradição universitária. (…) Sendo assim, os intelectuais não dispunham de princípios de
identidade que remetesse a vínculos instituicionais. Não se situavam em um campo autônomo, com suas hierarquias e
estratégias alicerçadas em critérios relativamente estáveis. Não atuavam, tampouco, no sentido de consolidar as liberdades e
os direitos tocantes à condição universitária” p. 33-4
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“o intelectual brasileiro apresentava, comumente, três perfis: o de advogado (eram numerosos os doutrinários de tendência
autoritária com formação jurídica); o de engenheiro (freqüentemente caracterizado pelo positivismo e inclinado para uma
visao técnica do poder) e, é claro, o de homem de cultura” p. 34

“as constantes menções à sociologia, ao mesmo tempo como ciência do social e como ciência do governo. Elas estão
onipresentes nas obras de Alberto Torres e reaparecem também, sem cessar, nos escritos dos intelectuais autoritários” p. 34

influência do positivismo menos ortodoxo que atuavam nas Escolas Militares, escolas de engenharia, e nos políticos do Rio
Grande do Sul. “nos anos 20 o positivismo remetia principalmente à idéia de que a política e a ciência estão associadas”, na
medida em que a ciências descobre leis gerais que servem à previsão e à ação, p. 35

Entre os intelectuais autoritários havia uma mistura de positivismo, evolucionismo, darwinismo social, psicologia das massas,
p. 35, ex. Oliveira Vianna, Azevedo Amaral

“Nas teorizações biossociológicas, colheram argumentos que servem à sua causa. Encontraram como escorar o elitismo (…).
Raros, porém, foram os que não aderiram a uma visão da seleção natural das capacidades, que justifica o direito de uma
minoria a impor sua lei à maioria. (…) Em seguida tiraram partido desses raciocínios para glorificar a especificidade nacional.
(…) Aproveitaram, enfim, esses esquemas para devolver aos sentimentos e à afetividade o seu papel na constituição da
nação (…) tratava-se de mostrar a existência de um vínculo social não-político que une até mesmo dentro da mais acentuada
desigualdade” p. 36-7

das correntes direitistas europeias, os intelectuais “conservavam apenas o que lhes servia para confirmar a sua própria
missão” p. 37

“Não puderam também avançar demais no sentido das explicações genético-raciais. Isto significaria, como em Oliveira
Vianna, correr o risco de retornar às antigas ladainhas sobre as desvantagens de uma nação cujo povo é composto de gente
de todas as procedências (…). Não deixaram, porém, de levar em conta essas explicações: esses fatores biológicos-étnicos
seriam indicadores de uma realidade oculta e de leis da evolução que não se poderiam ignorar sem recair no artificialismo das
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construções intelectuais de formação tradicional e dos liberais. Com maior freqüência, porém, deslocaram a análise dessas
teorias para se situar no plano da cultura” p. 38

“Tinham uma vocação dirigente porque conseguiam, melhor do que qualquer outra elite, captar e interpretar os sinais que
demonstravam que já existia uma nação inscrita na realidade, mesmo que ainda desprovida de expressão cultural e política:
do implícito , vangloriavam-se de produzir o explícito” p. 38

“Por se tratar primeiramente de cultura, a iniciativa lhes cabia. Esta supunha que se recolhessem os fragmentos esparsos da
cultura popular, para dela fazer a base de uma cultura brasileira (…). Tudo isso converge para a definição da ‘identidade
brasileira’, explicitação desse ‘insconciente nacional’ de que o povo é portador” p. 38-9

“Essa tomada de consciência das raízes culturais não excluía a intervenção do intelectual no sentido de fazer o povo
ingressar na era da civilização. Pelo contrário; já mencionamos a senha ‘civilizar por cima’, formulado por Otávio de Faria” p.
39

“Tanto o positivismo como o darwinismo social contribuíram para que os intelectuais fossem reconhecidos como possuidores
de um saber político. O primeiro divulgou a crença na eficácia das idéias e na possibilidade da organização social. O segundo
destacou as fontes de energia no âmbito da sociedade” p. 39

“a legitimidade do intelectual provinha da complementaridade entre os três saberes que apresentava: o relativo à dinâmica
das massas cegas, o concernente à formação da cultura e o que tratava da organização do político”, p. 39 esses saberes
“estão no próprio princípio de hierarquização social, como também de fixação dos objetivos políticos necessários para que a
sociedade tomasse corpo”, p. 40. a legitimidade não vinha da soberania popular ou de sua representação, a vontade da
nação era a vontade dos intelectuais. - “não poderia existir uma legitimidade que exigisse uma representatividade: isso
implicaria que o povo já se encontrasse politicamente constituído. Só há legitimidade em relação à nação, e nada tinha a ver
com uma vontade geral; era a vontade de uma elite que fomentava as condições para o surgimento da vontade geral” p. 40

“o nacionalismo cultural e político caminhava sobre duas pernas: uma autóctone, a outra, ainda e sempre, bastante
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européia (…). O que estava em jogo no debate sobre as ‘idéias importadas’ e as ‘idéias nacionais’ era algo diferente:
tratava-se da situação do intelectual em relação às elites (…). Exaltar no ‘nacional’, nos anos 20, obedecia acima de
tudo, ao desejo de escapar dessa dependência [em relação ao sistema de favores que constrangiam o homem livre
desde o Império] e proclamar o advento dos intelectuais como elite autônoma” p. 40-1

“o imperativo nacional teve ainda outra função: permitiu enunciar os critérios de participação legítima dessa elite (…). Em
torno do imperativo nacional, organizou-se assim um universo de debates políticos que, manifestando divisões mas também
consensos em torno de um mesmo objetivo, conferia aos membros da elite intelectual a possibilidade de um reconhecimento
mútuo baseado na mesma vocação. Disso, porém, também resultaram formas de exclusão, afetando tanto indivíduos quanto
idéias”, por ex., os estrangeiros que não aceitassem a cooptação à causa nacional e as ideias cosmopolitas, p. 41

As representações do fenômeno político

“O ‘realismo’ triunfava no domínio político. Para todos os intelectuais havia uma única palavra de ordem: dar um fim ao hiato
que a República criara entre o ‘país político’ e o ‘país real’ e, assim propor, instituições que correspondessem à ‘realidade
nacional’ (…). O ‘realismo’, todavia, combinava-se com o construtivismo mais deliberado. O tema da ‘organização’ política
evidenciava o propósito de fabricar, a partir de vários elementos, instituições que permitissem a formação social” p.42-3

O antiliberalismo e a ‘ideologia de Estado’

“as concepções políticas dos pensadores autoritários como uma ‘ideologia de Estado’. A ‘ideologia de Estado’ opõe-se às
diversas ideologias que se fundam nos mecanismos de ‘mercado’ (…). A rejeição dos ‘mecanismos de mercado’ pode
expressar, de fato, duas constatações diferentes: ou já existe um mercado no Brasil, fomentado porém antagonismos ou
cisões que ameaçam a unidade da sociedade; ou não existe um mercado, mas somente uma desorganização profunda (…)
essas constatações se mesclam em boa medida” p. 43

“As considerações sobre a ausência de um verdadeiro tecido social ou político inserem-se na segunda constação” p 44
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“Desconfiança em relação ao funcionamento do capitalismo da época ou condenação por princípio de sua lógica; dúvida
sobre a viabilidade do liberalismo político no Brasil ou antipatia doutrinária em relação às próprias premissas do liberalismo;
temor inspirado pela multiplicação anárquica de interesses particulares ou pessimismo devido à desorganização social: eis o
que levou grande parte dos intelectuais a aderir a uma ‘ideologia de Estado’” p. 44-5

“componentes dessa ideologia: aspiração a uma constituição orgânico- corporativista da sociedade (…) privilégio concedido
ao ‘objetivismo tecnocrático’ ou ainda à ‘política objetiva’ (…) que exigiriam a formação de regrupamentos profissionais e a
abordagem científica dos problemas sociais; tomada de posição a favor de um tratamento ‘paternalista-autoritário’ do conflito
social’ (…) o Estado, e não a sociedade civil, se apresenta como agente da construção nacional” p. 45
ref. lamounier

“Nem todas as correntes antiliberais se mostraram igualmente dispostas a remeter ao Estado a tarefa de organizar a
sociedade” p. 45, autores católicos, integralistas colocavam diferentes limites a atuação do Estado. Outros defendiam uma
atuação instrumental desse na economia, outros colocavam-o como meio de expansão da influência de uma elite contra os
interesses locais, por fim, alguns o identificavam como promotor da coesão da nação, p. 46

A ambivalência realista

“O ‘realismo’ era a palavra-chave. No entanto, o horror à realidade resurgia sem cessar. Revelar a realidade, desvendar a
coesão oculta, mostrar as solidariedades que a irrigavam: todos, depois de Alberto Torres, embarcam nessa aventura. (…) De
que realidade se tratava? Com certeza, daquela tornada invisível pelas idéias e instituições calcadas do estrangeiro: a de uma
nação preexistente à sua oorganização política (…). As estruturas familiares, as relações sociais cotidianas, as relações de
favor e compadrio, os costumes mostram muito melhor o processo de criação dos laços sociais ocultos nas profundezas das
mentalidades e das trocas sociais. Encontramos ‘cultural’ em seu papel fundador” p. 46-7

“Os objetivos dessa marcha para a ‘realidade’ são claros. Consistem, num primeiro momento, em mostrar que não existe o
indivíduo isolado: ele está, já de início, inserido numa coletividade. Ficava, assim, anulada a validade das idéias políticas
referentes ao individualismo. Num segundo momento, visam a destacar a interdependência entre aqueles que ocupam
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posições sociais desiguais; desse modo, caducavam todas as teorias fundadas na divisão de classes. Pretenderam, enfim,
provar que existia uma unidade nacional de fato, que apenas faltava fortalecer pela via institucional” p. 47

Outro objetivo do realismo foi “mesclar a aspiração por um Estado moderno ao respeito pelas formas patriarcais ou, melhor
ainda, conceber o Estado moderno como prolongamento da dominação patriarcal” p. 48

“O importante, porém, é a maneira como que a ‘realidade’ serviria de fundamento político. O reconhecimento das
solidariedades sociais que lhe conferem consistência tornava supérfluo o mito de um contrato social original. A
identidade cultura nela enraizada fundamentava, de imediato, a identidade nacional, e a sua evolução explica a
diferenciação natural entre as elites e o povo” p. 48

“Mas o horror por essa realidade aflora sem cessar em todos esses raciocínios. (…) a desvinculação social toma o lugar dos
laços sociais” p. 48-9

“A ambivalência em relação à realidade também abriu caminho a todas as audácias na elaboração das maneiras de se
controlar essa realidade. O ‘realista’ era aquele que teorizava sobre o real e o submetia às tecnologias de poder” p. 49

“o intelectual perseguia o mesmo objetivo: buscar uma definição do fenômeno político que escapasse às concepções comuns
da política. Apaixonado pelo realismo, desejava descobrir esta mistura de uniões e desuniões sociais anteriores a toda
instituição política. Arquiteto infatigável do ‘bom modelo’ de organização social, buscava em um outro plano, o sonho de um
controle político que equivalia a negar a dimensão própria do político” p. 49

A ambivalência em relação ao fenômeno político

“As instituições a serem criadas deveriam valer apenas por sua ‘adequação’ à realidade, cabendo-lhes traduzir em termos
políticos a unidade pré-política desta” p. 49

“Alfred Stepan mostrou a difusão do modelo ‘orgânico-estático’ em numerosos países da América Latina. Em contraste com a
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

ausência de formas auto-reguladas da sociedade civil e com a proliferação de interesses não coordenados, este modelo
tende a conciliar a afirmação de uma ordem social ‘natural’ com a intervenção do Estado na criação política dessa ordem
social. No caso brasileiro, os intelectuais aderiram a esse modelo ainda mais intensamente, pois, tendo suscitado uma
representação despolitizada do social, criaram os meios de atribuir ao Estado uma margem ilimitada de ação para promover
politicamente a cooperação orgânica entre os diversos segmentos sociais” p. 51

Esse organicismo visava “uma concepção holista do social”, as representações nacionalistas supõe uma submissão do
indivíduo à cultura coletiva ao mesmo tempo que afirmam a individualidade de cada cultura. Desse modo, os intelectuais de
30 expressam um “holismo voluntarista, que tende à reorganização do social” p. 51-2

“os intelectuais se esforçavam para privar o individualismo de qualquer consistência real; demonstram-no, de um lado, a
valorização da afetividade, do patriarcalismo e da família extensa e, de outro, a condenação do individualismo como
fundamento do político devido ao seu caráter artificial e dissolvente” p. 52

“os ensaístas careciam de elementos no momento em que desejavam ressaltar as estruturas hierarquização inseridas
diretamente na sociedade. Em vez delas, descobriam apenas o coronelismo e a dependência, com a violência e o
particularismo que os acompanham e que corroem, tanto quanto os pseudopartidos políticos, a unidade nacional” p. 52

por não produzirem mediações sociais, eles colocam diretamente a relação massa e poder, subentendo um contexto holista.
p. 52

o corporativismo aparece como uma mediação de cima para baixo entre massa e poder. O corporativismo aparece como
uma forma de regular as relações entre capital e trabalho na medida em que equaciona nacionalismo e questões sociais, o
controle da burguesia e das classes populares pelo Estado, e uma medida preventiva dos conflitos de classe. Disto resulta
elementos do estatuto do intelectual: “a vocação intelectual se realiza pelo equacionamento conjugado da questão social e da
questão nacional, a autonomia do intelectual se constrói sobre o pano de fundo do enquadramento das classes populares,
pela via institucional ou pela via política” p. 53
FICHA DE LEITURA 15
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

o corporativismo define uma regulação da cidadania em função da filiação profissional, “ela introduz, a um só tempo,
princípios de diferenciação em termos de categoria e de local que se opõem às solidariedades coletivas mais amplas, e
submete cada categoria ao controle permanente do Estado”. Trata-se de uma forma de cidadania social que coexiste com a
cidadania política, uma representa os interesses e a outra a representação política, p.54

“os próprios intelectuais, enquanto membros de profissões específicas, tambéme estavam sujeitos a estas disposições
corporativas (…). Essa regulamentação não questiona a posição dos intelectuais; porém, contando com o beneplácito do
Estado, confere meios às elites daqueles profissionais para criar condições de acesso ao exercício profissional, e para intervir
em nome da ‘ética’ profissional (…). Assim foi o intelectual se inserindo na construção orgânica da sociedade e do poder” p.
54

“Nacionalismo e organização: eis duas noções inseparáveis, que compõem a arquitetura de um regime político” p. 54

“de que modo o nacionalismo e a organização comandam a formação concreta da vida política? (…) Continuava
incomensurável a distância entre a unidade pré-política de um povo-matéria e a unidade política que cabe ao poder construir.
(…) num primeiro momento, a nação se formara distanciada do povo, sem requerer sem consentimento. Assim, sendo ela
toma a forma do Estado nacional. (…) o Estado nacional deveria criar as condições para o sentimento nacional” p. 55

“a ‘organização’ desempenhava o papel de limite. Ela é a presença da sociedade dentro do Estado e do Estado dentro da
sociedade. Essa interprenetração não se realizava da mesma forma, segundo se tratasse das massas ou dos componentes
articulados da sociedade. No primeiro caso, o Estado devia ‘civilizar’ e ‘enquadrar’: o autoritarismo era uma resposta a uma
demanda tácita do povo, desejoso de que lhe dessem uma imagem de sua unidade (…). A ‘organização’ era, assim, o
vínculo sem mediação do Estado com o povo, vínculo que confere ao Estado a propriedade de ser um ‘Estado nacional
popular’ e, ao povo, de estar inserido na nação. Neste segundo caso, o corporativismo se traduz por redes institucionais,
através das quais os interesses múltiplos se articulam por meio de conselhos técnicos e as elites mais diversas encontram
meios de coexistir na esfera do Estado” p. 56

“a ‘organização’ é a negação da democracia política: recusa tudo que seja divisão política, manifestada pelos partidos ou
FICHA DE LEITURA 16
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

pelos clãs; recusa a própria política na medida em que, transformando-se em um fim em si mesma, ela se desliga da
realidade, consagrando-se às falsas aparências” p. 56

os intelectuais “obstinavam-se numa negação feroz do fenômeno político a pretexto de uma política ‘objetiva’ e
‘administrativa’. Daí a perpétua contradança entre ‘realismo’ e voluntarismo construtivista. Contra a política, apelavam para a
‘realidade’ e sua unidade subjacente; contra a realidade e sua fragmentação amorfa, apelavam para a formação de uma
organização social sob a égide do Estado” p. 56-7

Da teoria ao engajamento político

“filiação aos partidos políticos locais” p. 57

“os intelectuais, no final dos anos 20, manifestavam a vontade de participar diretamente nas lutas políticas” p. 58

dois elementos explicam o papel de destaque dos intelectuais após 30. “a coincidência com as posições assumidas por uma
fração considerável das elites políticas e militares, que consideram o positivismo e outras doutrinas de organização social não
tanto como ‘idéias’ mas como princípios que sustentam práticas políticas”; “o reconhecimento dado pelo regime de 30 ao
papel dos intelectuais na ‘redescoberta do Brasil’ e na construção científica da identidade brasileira” p. 59

A coincidência entre os intelectuais e certas elites civis e militares

o positivismo eram comum à tradição política de onde vinha Getúlio Vargas e aos tenentes, p. 60

o positivismo do Rio Grande do Sul servia para “justificar a consolidação de um poder forte, e não representativo”, implicava
também outros três princípios: “o questionamento do individualismo, o caráter científico do poder e a superioridade do bem
comum sobre os interesses particulares, todos os três a serviço de uma organização explicitamente autoritária da sociedade”
p. 60-1.
FICHA DE LEITURA 17
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

O Rio Grande do Sul se apresentava como modelo de organização positivista frente às instituições liberais, p. 62

Mesmo que a irradiação do positivismo tenha perdido força nas Forças Armadas, “isso não impediu que – sob diversas formas
que dependem das instituições militares e do ressurgimento do tema do soldado-cidadão- as Forças Armadas, e sobretudo o
Exército, assumissem a noção do imperativo nacional e se associassem ao projeto de fortalecimento do Estado Nacional” p.
63

Esse papel das forças armadas no imperativo nacional passava pelo serviço militar obrigatório e pela entrada dos valores
militares na educação, p. 63-4

Muitos intelectuais repercutiram positivamente esta entrada dos militares no projeto de fortalecimento do Estado nacional, p.
64 outros mantiveram reservas, p. 65

sobre os intelectuais na revolução de 30. “Quer se tratasse de ‘organizar cientificamente’ a sociedade ou de colocar o Estado
a serviço da ‘nacionalidade’, os intelectuais não faziam mais que formular, a seu turno, o que já fora formulado e praticado por
outros grupos sociais. Sua promeminência não decorria necessariamente da audácia de suas sugestões, mas provinha do
fato de que se faziam porta-vozes de uma opinião já formada; colocavam-se ao lados dos agentes já constituídos,
procuravam ocupar, com eles, uma posição de elite à margem das elites oligárquicas tradicionais” p. 66

“Salvo para os comunistas ou similares e os liberais obstinados, o novo regime foi magnânimo. Reservou para os
oferecimentos de colaboração intelectual uma acolhida favorável, e mais porque, propenso ao pragmatismo e refratário à
mobilização das massas, ganhou dos ideólogos realistas o rótulo de agente de modernização e pacificador social,
concentrando aí as suas ambições” p. 66

O regime autoriário e o reconhecimento da função dos intelectuais


Desde o início, o governo se apoiou na censura e na propaganda para forjar um homem novo. O patriotismo era veiculado em
escolas e associações desportivas. O ensino era um campo especialmente vigiado e regulado p. 66-8
FICHA DE LEITURA 18
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“O projeto do regime pretendia-se mais ‘cultural’ do que mobilizador, e a definição do ‘cultural’ confundia-se amplamente com
a dos intelectuais. Trata-se de construir ‘sentido da nacionalidade’, de retornar às ‘raízes do Brasil’, de forjar uma ‘unidade
cultural’” p. 69

“a cultura nacionalista oferecia um terreno de encontro entre os ‘intelectuais do regime’ e os outros. Aleḿ disso, não faltavam
tentativas de aproximação dirigidas a estes últimos, visando a suscitar uma ‘cultura do consenso’, não no sentido de uma
cultura para uso do povo mas sim de uma cultura das elites” p. 69

resposta da direção do governo em relação aos intelectuais. Muitos intelectuais escreveram na revista cultura política, além
disso, foram convidados a participar do governo, sobretudo, na área da educação e cultura,p. 70-1

“Com o atual Presidente, a base do governo – de sua técnica – deslocou-se da pura interpretação política dos problemas,
acompanhada de soluções ou tentativas de soluções apenas financeiras e jurídicas, para lançar o Brasil em busca de novas
bases para as técnicas de governo e de administração: sociais, e principalmente sociológicas e econômicas” Gilberto Freyre
em Cultura Política, apud p. 70

“o regime de Getúlio Vargas, até mesmo durante o Estado Novo, preservou para os intelectuais, e para os que estavam a seu
serviço, uma ampla liberdade de criação” p. 72

“além da solidariedade devida à posse de um ‘capital’ familiar e cultural, destacadas por Sérgio Miceli, há a marca das
experiências comuns”, os intelectuais se encontravam em eventos como a Semana de Arte Moderna e em lugares das
capitais regionais, isso levou a construção de uma “ ‘esfera pública’ amplamente articulada com circuitos privados de
comunicação e com princípios de hierarquização interna” p. 72

“a contribuição do regime à posição social dos intelectuais” p. 72


“O Estado lhes reconhecia a vocação para se associarem, como elite dirigente, à afirmação da nação através de sua
indispensável contribuição à cultura política nacional. O Estado e os intelectuais, compartilhando o desdém pela
FICHA DE LEITURA 19
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

representatividade democrática e a nostalgia por uma administração do social que tomasse o lugar da política, foram levados
a agir como sócios a serviço da identidade nacional. Se os intelectuais aderiram a uma ‘ideologia de Estado’, o Estado aderiu
a uma ideologia da cultura, que eram também a ideologia de um governo ‘intelectual’. Além disso, o Estado não conhecia
outra expressão da opinião pública exceto a representada pelos intelectuais” p. 72-3

“uma vez que o Estado brasileiro se legitimava por uma dupla aptidão – a de se adaptar às leis que presidem à evolução do
real, e a de promover uma racionalidade que orientasse o desenvolvimento econômico e gerasse relações sociais -, ele
conferia à ciência o estatuto de componente primordial da política e, simultaneamente, aos ‘intelectuais’ o de protagonistas
privilegiados da vida política. Estado e intelectuais estavam mutuamente comprometidos” p. 73

O Estado através do DIP e outros órgãos de controle penetra em todas as atividades culturais, mais do que um controle
ideológico trata-se de “um sistema onde os intelectuais são incitados a voltar-se para o Estado a fim de obter apoio e recursos
em nome da defesa da ‘cultura nacional’, e onde, com toda a naturalidade, julgavam (…) que os investimentos nessa cultura
eram uma ‘questão de Estado’” p. 73

o Estado se precaveu contra os excessos do controle ideológico, deixando espaço aberto para os intelectuais se colocassem
a serviço da reconstrução do Brasil e da brasilidade, p. 73–4

Os tipos de engajamento político

“tipos muito diversificados de relação entre os intelectuais e o regime”, uns colocam diretamente a serviço, outros seguem
seus trabalhos por contra própria e havendo espaço se ligam ao regime, outros se engajaram em associações como as
militares, as fascistas (que tiveram um tamanho assustador), no partido comunista, outros mantiveram um oposição surda ou
declarada, p. p. 74-6

“Esses intelectuais, tão desafiadores em relação aos antigos partidos políticos, via de regra desdenhosos em relação ao
liberalismo político, estavam longe, portanto, de se limitar à teorização política. Militavam, agiam, fomentavam planos e
complôs. Foram exceções os que escaparam dessa política que, tão freqüentemente, desejavam apolítica. Em muitos casos,
FICHA DE LEITURA 20
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

situaram-se à direita, à extrema direita. A partir de 1938, a efervescência tende a declinar, mas os vários tipos de engajamento
deixam seus vestígios. Mais tarde os conteúdos poderiam se modificar, e até se inverter. Os estilos, porém, permaneceriam,
no que tange à posição dos intelectuais em relação à nação e ao povo e também às interferências entre o campo intelectual
e o campo político” p. 76

“Esses estilos remetem sobretudo às formas de colocação individual na política. Nesse aspecto, duas variáveis estavam em
discussão: ou a inserção se originava de uma opção pessoal, ou de um sentimento de pertencer, junto a outros, a uma
categoria social ou profissional; pode valer-se de um capital cultural, ou de uma vocação diretamente política. Por outro lado,
os estilos estavam ligados a uma concepção da ação social: seja no caso de privilegiar a constituição de uma ordem, sendo
portanto essencialmente desmobilizadora, ou no de remeter à intervenção das ‘massas’, pretendendo-se então mobilizadora.
Os estilos estavam também associados à imagem da unidade nacional, que ora apelava aos sentimentos e à religiosidade,
ora repousava sobre uma visão laica e política do povo, ora se referia à criação de mecanismos reguladores e organizadores.
Estavam, por fim, relacionados ao lugar atribuído aos antagonismos internos da sociedade, às vezes erigidos em dados
fundamentais, outras vezes simplesmente ignorados” p, 76

os intelectuais da geração de 20-30 mais citados são Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Alceu Amoroso Lima, Otávio de Faria.

“Se nos parece indispensável examinar os que se engajaram no integralismo, na ANL, e na oposição ‘liberal’, não é paenas
em razão do impacto dessas correntes durante esse período mas também porque elas delineram formas de politização e
produziram cisões cujos efeitos se prolongariam bem além do Estado Novo. As simpatias populistas dos anos 60, como
também os debates da década de 70, só são inteligíveis à luz dessa mobilização anterior” p. 77

Integralismo. “Tratava-se, portanto, de um movimento cuja direção, em larga medida, era exercida por intelectuais e cujo
discurso freqüentemente se dirigia às classes médias”, o movimento é ligado ao pensamento intelectual, produz e influência
diferentes revistas, “a referência ao catolicismo foi crucial na produção da linguagem integralista”, “algumas tendências
marcantes. Primeiro, a insistência sobre a dimensão ‘espiritualista’ (…). Donde se conclui que toda revolução acontece, antes
de mais nada, no interior do homem (…) a possibilidade de reverter a comunidade cristã ancorada na família e sugerem,
sobretudo, uma forma de comunicação política resultante da comunhão, na qual o discurso do chefe é sempre a explicitação
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

da espiritualidade implícita do povo. (…) A ‘integridade’ é a consideração daquilo que insere o indivíduo num contexto que
representa um laço social: família, terra, história etc. É também a primazia da exigência ética” (…) Teses mais ‘brasileiras’: um
nacionalismo opondo o ‘camponês e o negro da nossa terra’ ao cosmopolitismo; também um nacionalismo explicitamente
antiimperialista, presente sobretudo em Miguel Reale, que denuncia ‘uma força’ que não pertence a nação alguma, e está
acima das nações: o ‘supercapitalismo fincanceiro’. Assim se delineava o contraste entre a ‘nação consciente de sua
identidade’ e tudo aquilo que representava a antinação: o que os ideólogos do ISEB, com freqüência originários do
integralismo, reinterpretariam na linguagem do existencialismo de Frantz Fanon, próprio da época” p. 77-80

o integralismo agrupava em torno de si intelectuais médios não recompensados pelo getulismo, além disso era composto em
sua maioria por membros do interior ou do ambiente rural, p. 80

“A Aliança Nacional Libertado (ANL), fundada em março dde 1935 sob a égide do PCB, oferece outro exemplo de movimento
político de envergadura onde intelectuais de perfis diversos desempenharam papel importante e atraíram consideráveis
contingentes de classe média”, abrivaga em seu interior tenentes, artesãos e anarquista do primeiro recrutamento do PCB e
filhos das elites decandentes de estados periféricos no segundo recrutamento do PCB; “proclamou uma aliança aberta a
todos os antifascistas e organizou a insurreição armada à maneira tenentista”; “O resultado não poderia ter sido mais
desastroso: a repressão se abate principalmente sobre os seus membros militares e, numa segunda onde de 1939-1943,
consegue desorganizar o aparelho do PCB”; “pode-se vislumbrar ali também os primeiros traços do que, em 1944, permitiria
uma aproximação como getulismo: a ruptura com as origens anarquistas e operárias, a rejeição do liberalismo, a insistência
nacionalista e, finalmente, a adesão ao Estado como agente de transformação” p. 83-5

Outros grupos de esquerda serviram ao engajamento dos intelectuais, tais como a dissiência trotskista fundada por Mario
Pedrosa e a União Democrática Socialista, p. 85-6

um importante contingente de intelectuais se manteve ligado em maior ou menor grau ao liberalismo. “numerosos setores
liberais admitiram apoiar o endurecimento do regime”, intelectuais liberais como Fernando de Azevedo fala de uma
democraica capaz de fortificar o executivo e romper com o liberalismo sem disciplina e de uma democria direta ligada a
sindicatos e corporações, p. 87-8
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“Ao fim dessa recapitulação dos engajamentos políticos, constatamos em toda parte – nos postos avançados dos mútilplos
movimentos que se desenvolveram, após 1932, sobre o pano de fundo da crise gerada pela interdição dos antigos partidos
políticos – a presença de inúmeros intelectuais.
Estamos longe das considerações relativas apenas à cultura ou à identidade brasileira. Longe também das teorizações sobre
a ‘realidade’ e a ‘organização’. Longe, portanto, de tudo que atestasse uma unidade já presente ou uma unidade a se impor
com base unicamente na ciência. As divisões se aprofundaram na medida em que esses movimentos visavam, em muitos
casos, a criar – a partir de premissas opostas – uma sociedade indivisa. A mobilização exacerbava-se em todas as áreas, em
face de um regime que se recusava a utilizá-la.
Confrontamo-nos com a heterogeneidade dos diversos grupos intelectuais. Evdenciava-se toda um caleidoscópio de
situações coletivas e individuais, incluindo uma elite paulista bastante fechada em si mesma e experimentando muitas
dificuldades em se alçar aos objetivos nacionais; os herdeiros das linhagens vindas do Império, que aspiravam a tornar-se
conselheiros do príncipe; os descendentes das famílias ilustres e empobrecidas do Nordeste; os humilhados e os ambiciosos
que desejavam abrir caminho até o poder; a massa de ‘profissionais’ mais ou menos bem-sucedidos, os bacharéis divididos
entre o medo do declínio e a recuperação nos quadros do Estado moderno; os amantes da cultura e os tecnocratas em
embrião; mais os milhares de membros de uma classe média heterogênea, que se vê abrir—se um mercado de títulos
univeristários e bens culturais” p.89

“Essa complexidade não é surpreendente, pois decorre da inexistência de uma justaposição entre um campo intelectual
regido por suas próprias modalidades institucionais de legitimação, e um campo político igualmente submetido a outras
modalidades de legitimação. De imediato se produziu, não uma interferência, as uma mescla. Todas as estratégias individuais
se colocam sobre os dois registros. (…) Isso pode ser diferente quando se considera uma ‘sociedade’ relativamente fechada
sobre si mesma, na qual se podem observar os traços de um verdadeiro jogo de papéis, e de uma relativa separação entre o
cultural e o político” p. 90

“No plano nacional, torna-se mais difícil e mais contestável reduzir as cisões políticas a simples estratégias individuais no
quadro de operações de ‘classificação’ social, sobretudo quando nos afastamos das elites detentoras de um nome e de uma
história familiar, para considerar os intelectuais de segunda ou terceira categoria”, haviam posições políticas irreconciliáveis e
as disputas extrapolavam o meramente simbólico, pois incluíam repressão, exílio, prisões, etc. p. 90
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

os intelectuais desfrutaram de uma posição notável num contexto em que os atores eram privados de expressão: as massas
rurais ficavam foram dos limites do político, as classes operárias eram limitadas pelo aparato corporativista dos sindicatos, os
produtores de café tinham de se submeter aos organismos públicos criados para a comercialização do produto, os industriais
tinham de procurar acesso à política por meio dos homens públicos, ainda que as negociações com as oligarquias locais
permanecessem, p. 90-1

“a ideologia da despolitização do político resultou, no mínimo, num enfraquecimento global dos atores dos pólos econômicos
mais dinâmicos, como São Paulo. Inversamente, tal diretriz deixou um vasto campo livre para os agentes e movimentos
propriamente políticos. Nesse aspecto, os intelectuais foram uma categoria privilegiada. Sua preponderância trouxe, em
contrapartida, uma ideologização singular da política” p. 91

“na década de 20, a decisão generalizada de procurar as raízes do Brasil e, nesse processo, renunciar às paixões fugazes
pelas ‘idéias importadas’. Alternativa ilusória, porém, uma vez que com freqüência a ‘brasilinização’ não passava de um novo
artifício visando à inserção nas correntes da modernidade cultural universal” p. 92

“nessa ‘antropofagia’ de idéias vindas de longe, praticadas em uma sociedade que jamais teve certeza de ser inteiramente
uma sociedade, e que atravessava um momento de crise levando-a a duvidar da tradição do Iluminismo, que se produziu a
descoberta da fugacidade das representações, do valor da ‘autenticidade’, da equivalência dos temas opostos, da estetização
da política, da descontinuidade da história, das rupturas sucessivas do tempo” p. 92

“”A importação de idéia’ não é – ou não é somente – negação da ‘realidade’; é também adesão à sucesso ilimitada e não-
controlada das imagens do real e o gosto pela encenação política” p. 92

“Não se pode ignorar que todas essas correntes se remetiam ao ‘realismo’. É certo que isto constitui um indício de sua
extrema ideologização, mas também é uma aposta na coerência da sociedade brasileira e, assim, no fato de que ela poderia
a partir dali, construir e administrar sua própria temporalidade endógena” p. 93

“A nostalgia da ‘organização’ como substituto da política marca a entrada em uma outra modernidade, que nada tinha de
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

fugaz nem de estético, mas que, ao contrário, era o projeto de um domínio sem limites, sem irracionalidade” p. 93

“No campo cultural, as múltiplas correntes intelectuais se encontram nessa partilha e nessa fusão improvisadas entre o duplo
excesso da modernidade pela assimilação ou da modernidade pela rejeição” p. 93

“Ao fim do Estado Novo, os vestígios dos antigos compromissos desaparecem diante da exigência de retorno à democracia.
(…) Era hora de união, sem exclusões, em torno dos valores democráticos” p. 96

“Considerando esses anos de regime autoritário e de engajamento político intelectual, tem-se a impressão, apesar de tudo,
que o objetivo inicial dos intelectuais de 1925, aquele mesmo enunciado por Alberto Torres, fora atingido: os intelectuais não
estavam, necessariamente, unidos do ponto de vista político, mas tinham perspectivas comuns sobre a famosa realidade
nacional” p. 95-6

“A distância mostra que o integralismo foi, para vários jovens, mais do que um fanatismo e uma forma de resistência
reacionária. Foi um tipo de interesse fecundo pelas coisas brasileiras, uma tentativa de substituir a platibanda liberalóide por
algo mais vivo. Isto explica o número de integralistas que foram transitando para posições de esquerda (…). Todas sabem
que nas tentativas de reforma social cerceadas pelo golpe de 1964 participaram antigos integralistas identificados à melhores
posições do momento” p.96 citação de Antônio Cândido.

“os intelectuais haviam recebido a confirmação de que tinham vocação para se incumbir da ‘realização’ dessa unidade
[social]”, p. 96

“grande número deles havia feito, cada qual por si ou coletivamente, o mesmo trajeto que, começando pela negação das
velhas instituições oligárquicas liberais, os havia levado, pelo caminho da cultura e da política, a proclamar a primazia da
nação sobre os interesses fragmentários da sociedade civil, e depois os conduziu a uma revalorização da democracia” p. 96

2 GERAÇÃO DOS ANOS 1954-64


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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“A maioria [dos intelectuais de 45] continuaria a defender a democracia [no contexto dos anos 50], mas freqüentemente, sem
questionar as instituições, os procedimentos e as formas de legitimação que lhe são inerentes. A democracia ‘real’ que muitos
invocavam era aquela onde o povo se identifica com a nação: o tema democrático que estava subordinado ao tema nacional”
p. 99

“Foi o nacionalismo que forneceu, de fato, a trama da vida política, um nacionalismo sem nenhuma relação, à primeira vista,
com o do período 25-40. Ninguém mais duvidava da existência de uma nação brasileira, e não era preciso buscar seus sinais
no ‘caráter’ ou no ‘temperamento’ da população, nem apelar ao Estado para forjar sua identidade. A nação estava ali,
constituída em torno de seus interesses econômicos, de sua cultura e de sua vontade política” p. 99

“Dois episódios marcam simbolicamente a conjunção do nacionalismo com a participação popular; a campanha que culminou
na criação da Petrobrás, a companhia nacional de petróleo, em outubro de 1953, e a emoção desencadeada pelo suicídio de
Vargas” p. 99

“A carta-testamento deixada pelo antigo ditador contribuiu para associar a luta contra os adversários da nação ao
reconhecimento do povo como encarnação concreta da nação. De um lado, atribuiu a responsabilidade pela crise à
intervenção ‘subterrânea de grupos internacionais’ e às maquinações dos privilegiados para impedir as reformas sociais; de
outro, apresentou o sacrifício pessoal de Vargas como uma dádiva que permitiria a sobrevivência do povo” p. 100

“A morte selou, assim, a fusão do povo com a nação. O getulismo torna-se um mito fundador (…). No decorrer dos dez anos
seguintes, esta mensagem [última de Getúlio] não deixaria de fornecer o arcabouço do populismo nacionalista” p. 100

“Esses foram também os anos do desenvolvimentismo. Trata-se, sem dúvida, de uma forma de teorizar a industrialização,
elaborada em Santiago pela CEPAL sob influência de Raul Prebish. Celso Furtado e outros economistas divulgariam-na no
Brasil, visando colocar o Estado a serviço de um programa acelerado de substituição de importações, graças à ampliação do
mercado interno e às medidas para contrabalancear a deteriorização dos termos de trocas. Essa teorização, porém, era
inseparável de uma meta política emancipadora, segundo a qual a cidadania política deveria ampliar-se à medida que a
modernização econômica promovesse a independência nacional. (…) o desenvolvimento é assimilado à descoberta e à auto-
FICHA DE LEITURA 26
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

afirmação da identidade nacional” p. 100-1


Ref. HIRSCHMAN, O. ‘Ideologías de desarollo económico en América Latina’. In: HIRSCHMAN, O. (org). Controversias sobra
Latinoamérica. Buenos Aires. Editorial del Instituto.

“a cisão criada pelo esquema nacional-popular domina esse período (…). ela vem à tona a partir do momento em que o
nacionalismo passa a significar, ao mesmo tempo, ativação das massas e resistência ao imperalismo (…) uma tendência de
que esses dois elementos travassem o desenvolvimento do Brasil e provocassem uma confrontação ruinosa” p.101

“Os militares são os primeiros a se submeterem a ela [cisão nacional-popular]. Aos ‘nacionalistas’, opõem-se os que
preconizam relações mais conciliadoras com os Estados Unidos e que se inquietam com o populismo. Com freqüência
provinham de quadros da FEB (Força Expedicionária Brasileira) que haviam combatido na Itália ao lados dos Aliados.
Exercem influência preponderante no interior da Escola Superior de Guerra, fundada em 1949 (…). Sabe-se que é na
‘Sorbone’ - apelido da Escola Superior de Guerra – que será elaborado progressivamente a ‘doutrina da segurança nacional’.
Esta doutrina estava longe de se resumir (…) em uma concepção de ação anti-subversiva, pois comportava também, um
programa de industrialização para o Brasil” p. 101

“Na linguagem da esquerda, a oposição entre os ‘nacionalistas’ e ‘entreguistas’ comandavam então o sentido da vida política”
p. 103

“trataremos apenas dos intelectuais que se alinharam no campo nacionalista e popular. Por isso mesmo, é indispensável
indicar, de saída, a profundidade da cisão em que se situavam” p. 103

“os antinacionalistas usavam e abusavam da referência democrática, o que pode explicar, em parte, por que os nacionalistas
foram tão parcimoniosos nesse assunto e lhe deram uma conotação negativa, dado que esta se limitava a designar os
procedimentos de representação” p. 103

“numerosos intelectuais, que não eram necessariamente de gabarito inferior, alinharam-se nas fileiras antinacionalistas,
fornecendo-lhes argumentos e teorias. O golpe de Estado de 1964 viria apenas confirmar o que já se percebia anteriormente
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

(…) numerosos contingentes das camadas cultas só nutriam antipatia pelo nacionalismo populista e rancor em relação à
esquerda intelectual” p. 103

“A partir de 1950 e sobretudo de 1955, esta última [a esquerda intelectual] estava convencida de ser plenamente hegemônica.
Da mesma forma que seus predecessores de direita de 1930, os intelectuais nacionalistas estavam seguros de ter vocação
para desempenhar, como categoria social específica, um papel decisivo nas mudanças políticas. Porém, muito mais ainda
que seus predecessores, reivindicavam o título de intelligentsia, pois, a partir de então, inclinavam-se decididamente para o
‘povo’ e não duvidavam dos poderes da ‘ideologia’” p. 103

“A identificação com uma intelligentsia adquire, a seus olhos, implicações que, dessa vez, estão em linha direta com a
tradição russa, Zelbajov assim comenta a marcha para o povo: ‘Decidimo-nos então a agir em nome dos interesses que o
povo criava por si mesmo, que eram inerentes à sua vida e que ele reconhecia como seus próprios interesses’. Essa também
seria a decisão de muitos jovens intelectuais brasileiros: ir, por todos os meios, ao encontro do povo, ensiná-lo e deixar-se
ensinar por ele, fundir-se com ele e, ao mesmo tempo, oferecer-lhe um espelho onde pudesse descobrir a imagem do que
era, apesar de ainda não saber: a própria nação. Tudo o que pretendiam os ‘pensadores’ ISEB era formular o ‘sentimento das
massas’” p. 103-4

“Esses mesmos intelectuais estavam decididos a ser plenamente ‘ideólogos’. Com o termo ‘ideologia’, que então conhece
uma voga excepcional, não pretendiam referir-se a uma representação deformada do real mas sim a uma força que
possibilitasse a sua transformação. Os pensadores do ISEB assumiram explicitamente a tarefa de inventar a ideologia que iria
presidir a ‘revolução brasileira’. Com isso, descobriram mais uma razão para se identificar com uma intelectualidade de estilo
russo. Como esta, buscavam na ideologia uma forma de manifestar, acima da diversidade de origens, a sua coesão, tanto
diante do Estado como da sociedade civil, e também de assumir o privilégio de se abstraírem dos incômodos das relações
concretas de classe, situando-se, através do pensamento, à frente dessa classe universal que é o povo-nação” p. 104

“a combinação da marcha para o povo com a crença na eficácia material das idéias suscitou um momento singular de
plenitude” p. 104
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“Se esses intelectuais queriam evitar a ‘alienação’, é, como sempre, porque temiam ceder ao prestígio da cultura dos países
centrais (…) “nem o poder nem as diversas frações sociais contestavam sua posição central (…) esperavam acima de tudo,
serem aceitos no papel de conselheiros do Estado. ” p. 105

“’Nos anos de 1957 a 1959’, escreve Francisco Weffort, ‘a ideologia nacionalista encontrou o ponto de partida de um processo
de expansão que deveria transformá-la em uma espécie de idioma político dominante no país’”. Tem fundamento essa
comparação com o idioma. Ao dos esforços conscientes para inventar uma ‘ideologia’, combinavam-se significantes
emprestados dos léxicos variados – da CEPAL e do marxismo, do nassetismo e de outros terceiro-mundismos, do
existencialismo sartriano e do hegelianismo -, que se entrelaçavam, terminando por criar um idioma político inédito e
autóctone, com seus neologismos e seus sintagmas específicos. Esse idioma se impôs de maneira ainda mais fácil por
suscitar um imaginário que recorria amplamente às relações de equivalência. A modernização capitalista, a integração da
nação, a revolução eram expressões de uma mesma crença. Mais fundamentalmente, o plano econômico, o social e o político
foram representados como se os três se confundissem. Por meio desta linguagem, era toda uma nova sociabilidade política
que se impunha (…) Essa foi justamente a originalidade da efervescência nacionalista” p. 105-6

“Mesmo quando parecia prevalecer a equivalência, os usos do idioma nacionalista são bem diferenciados. Em certos casos,
remetem a uma visão técnica do político; em outros, a uma visão religiosa. Elas permitem enfatizar ora a unidade social, ora
as suas divisões. Em suma, uma sociabilidade partilhada, mas acompanhada de conflitos em torno do controle das suas
finalidades e das suas implicações” p. 106

“as continuidades em relação ao nacionalismo dos anos 30. (…) muitas noções parecem ter se invertido. A inversão,
entretanto, não questiona necessariamente a estrutura do conjunto: sob a forma nacional-popular, é ainda a nostalgia do Uno
que transparece: na exaltação do povo-nação e da ideologia, é ainda a busca de uma construção racional do Brasil que está
em ação. E sempre com a mesma questão como pano de fundo: e se a ‘indefinição’ das classes e a ‘inconsciência’ do povo
tornassem a tarefa impossível?” p. 106

O nacionalismo em todos os seus estados


FICHA DE LEITURA 29
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

O ISEB
“Criado em julho de 1955 por um decreto do governo interino de Café Filho, o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros)
alcançou uma tal projeção nos meios intelectuais que se tornou o símbolo da síntese nacional-desenvolvimentista, antes de
torna-se o símbolo da síntese nacional-populista e, depois, da síntese nacional-marxista (…). Principalmente, fez da
‘ideologia’ o equivalente do que havia sido a ‘organização’ para a geração anterior” p. 107

“a fundação desse instituto foi o coroamento de várias iniciativas por parte de intelectuais desejosos de contribuir para a
definição de um projeto coerente de desenvolvimento econômico, político e social” p. 107

“Em 1952, isto é, no segundo governo de Getúlio Vargas, forma-se o ‘grupo Itatiaia’ (…). O grupo Itatiaia teve uma existência
muito breve: parece que os conflitos entre os ‘filósofos’ ainda marcados pela visão integralista e os economistas associados à
administração Vargas foram um dos fatores para a interrupção dos encontros” p. 107-8

“Em 1953, os cariocas do grupo de Itatiaia fundaram um instituto particular, o IBESP (Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política), tendo como secretário-geral Hélio Jaguaribe e do qual fizeram parte os economistas e sociólogos (…).
Em 1955, a ele se agregaram Juvenal Osório Gomes e Nelson Werneck Sodré (…). Dos paulistas do grupo Itatiaia, só Roland
Corbisier entrou para o Instituto. Este irá publicar uma revista, Cadernos do Nosso Tempo, cujos cinco números saíram entre
1953 e 1956. Essa revista visava a elaborar um diagnóstico da sociedade brasileira e de sua ‘crise’ e a fazer reconhecer a
urgência de uma planificação econômico-social e, desse modo, da racionalização do aparelho de Estado” p. 108

“Os intelectuais do IBESP não pretendiam ser ‘pensadores’ como os do passado, que acreditavam na eficácia das idéias,
tampouco militantes políticos (…)” mas um grupo intelectual que se propõe a liderança na política nacional, p. 108-9

“O ISEB já recebia subvenções da CAPES desde 1954, graças à intervenção de Anísio Teixeira, secretário-geral da CAPES”
p. 109

“o IBESP transformou-se, com o novo nome de ISEB, num instituto oficial plenamente autônomo, mas vinculado ao Ministério
da Educação e Cultura, graças ao apoio do titular desse Ministério, Cândido Motta Filho (…). No ISEB se reencontra a maioria
FICHA DE LEITURA 30
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

dos membros do IBESP: Hélio Jaguaribe continuou como o verdadeiro dinamizador do Instituto, ainda que, devido às suas
responsabilidades no setor privado, não ocupasse a sua direção, atribuída a Roland Corbisier. Foram criados os
departamentos de filosofia, história, economia, sociologia e ciências políticas, colocados, respectivamente, sob a
responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Ewaldo Correira Lima, Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. Foi
instituído um conselho de tutela” entre outros com Anísio Teixeira p. 109

“O ISEB conservou-se, sobretudo até 1958, mais como um centro de estudos. Na visão do ministro Cândido Motta Filho,
tratava-se de uma Instituto Civil que devia, da mesma maneira que a Escola Superior de Guerra, consagrar-se às ciências
sociais ‘a fim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e compreensão crítica da realidade brasileira,
buscando a elaboração de instrumentos teóricos que permitam estimular e promover o desenvolvimento nacional’” segundo o
texto de criação do ISEB.

“Estabelecimento de ensino - comparando-se com prazer ao Collège de France, beneficiando-se de dotações oficiais, além
de subvenções da Federação das Indústrias de São Paulo -, o ISEB irá formar muitas turmas de alunos recrutados, num
primeiro momento, principalmente entre diplomados que já exerciam uma atividade profissional – inclusive militares -, e, num
segundo momento, entre estudantes universitários” p. 110

“Era, portanto, um núcleo de intelectuais dispondo de um estatuto oficial e convidados pelo próprio poder senão para intervir
diretamente na gestão política econômica, pelo menos para participar da construção da nova legitimidade, colocando-se a
serviço da criação da síntese nacional-desenvolvimentista. Nesse sentido, foram chamados a completar a obra dos
responsáveis pelas decisões econômicas, ressaltando-lhe o alcance político e social” p. 110

“Porém o ISEB estava longe de ser homogêneo. Compreendia intelectuais que continuavam a tradição de ‘pensadores’ da
década de 30, como Roland Corbisier, Guerreiro Ramos e Cândido Mendes” p. 111

Ref. SODRÉ, N. W. A verdade sobre o ISEB. Rio de Janeiro, Avenir.


ABREU, A. .A . de. Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l’ISEB. Tese. Paris. Universidade René Descartes.
1975 [ambos presentes no catálogo athena da unesp]
FICHA DE LEITURA 31
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“Se o ISEB adquiriu um fantástico destaque, isto se deve ao fato de que, intervindo em nome do poder ou do povo, manifesta
o sentimento de onipotência de uma intelectualidade que sentia vocação para conduzir a transição para um Brasil senhor de
seus destinos” p. 114

“o traço distintivo do ISEB foi sua insistência na importância da criação ideológica” p. 114

“Encontram-se quatro características nas diversas definições isebianas de ideologia: ela é uma explicitação do movimento do
real; é a afirmação de uma unidade acima da multiplicidade de interesses; exprime uma lógica emancipadora; comporta,
enfim, um projeto de transformação voluntarista” p. 114-5

Análise das concepções de ideologia no ISEB p. 115 ss.

“Era evidente para os isebianos que a submissão econômica e a submissão intelectual andavam juntas” p. 117

“chega-se ao tema de que a idéia não é somente um componente da razão prática, mas uma força comparável às forças
materiais ou sociais” p. 118

“Eis o horizonte comum onde se insere o projeto isebiano de construir a ideologia necessária ao advento de um Brasil
industrializado, soberano e popular” p. 118

“Além disso, a ideologia podia ter um objetivo propriamente científico. Nesse caso, era um marco na produção de uma ciência
nacional. Tanto Álvaro Vieira Pinto como Guerreiro Ramos questionavam a validade de uma ciência com pretensões
universalistas. O primeiro afirma que a própria lógica está submetida à especificidade das condições locais (…) Quanto a
Guerreiro Ramos, tornou-se propagandista de uma ‘sociologia nacional’” p. 119-120

“Planejamento econômico, autenticidade cultural, política integradora e ciência nacional constituíam, assim, objetos diversos
atribuídos ao trabalho de elaboração ideológica” p. 120
FICHA DE LEITURA 32
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“Não faltaram críticos da ‘ideologia isebiana’, mesmo na época. (…) os docentes universitários paulistas manifestaram a seu
respeito um desdém um tanto arrogante e desconfiado, tanto em relação aos conteúdos quanto à própria postura ideológica.
Os isebianos, é verdade, davam-lhe o troco, ridicularizando a impostura científica dos adeptos do empirismo e da
‘neutralidade científica’” p. 120

“Os [críticos] que vamos citar escreveram em torno dos anos 80. Pertencem a uma geração que se confrontou com a
experiência do regime militar e lutou a favor dos direitos da ‘sociedade civil’ e pela urgência da democratização política. Se
criticavam tão vigorosamente ISEB é porque condenavam as correntes que lhes pareciam ter contribuído para levar à derrota
de 1964. E, fato ainda mais grave, terem provocado a confusão ao pretender estar entre os arautos de uma gesta
emancipadora, enquanto buscavam, deliberadamente ou não, a defesa e ilustração da tradição autoritária brasileira. Deste
modo, asseguravam a junção entre a política dos anos 30 e a dos militares de após 1964. De um lado, a Escola Superior de
Guerra; de outro, o ISEB; eis duas instituições que, cada uma a seu modo, colocaram sob a responsabilidade do Estado a
incumbência de fabricar a nação, e perverterem a imagem dos intelectuais associados à elaboração de seu corpus
doutrinário” p. 120-1

“Pretendendo restabelecer a sociedade civil em seus direitos, voltaram, assim, a fazer do Estado o agente de sua
constituição” p. 122

“foram considerados suspeitos de reivindicar, como intelectuais, um direito natural de falar ‘em nome das massas’ e, por isso
mesmo, de se incluírem na linha dos pensadores autoritários” p. 122

“Os intelectuais isebianos não estavam em uma torre de marfim: estavam imersos no vasto movimento nacionalista que
percorreu o Brasil. A ideologia nacional que propunham não deixava de estar em ressonância com o nacionalismo largamente
difundido na opinião pública” p. 124

“Os isebianos também não estavam acima das disputas, mesmo quando falavam em nome de toda a nação; estavam presos
às cisões que dividiam tanto as elites quanto as classes médias brasileiras; e não há dúvida de que se situavam ao lado das
‘forças progressistas’” p. 124
FICHA DE LEITURA 33
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“ ‘Ruptura’: eis um termo empregado com freqüência pelos isebianos para designar o que estava em via de se desenrolar no
Brasil. (…) Roland Corbisier, por sua vez, afirma: ‘A tomada de consciência de um país por ele próprio […] é um fenômeno
histórico que implica e assinala a ruptura do complexo colonial’. Não é por acaso que a noção de ‘ruptura’ se encontra
associada à de ‘consciência’ (…). Significa que haviam sido reabsorvidas as dissociações que ainda grassavam nos anos 30:
entre as ‘idéias importadas’ e a ‘realidade’, entre as massas inconscientes e as elites, entre a organização do social e o
desenvolvimento, entre a prática e a teoria, entre os processos sociais subjacentes e os projetos explícitos. A ideologia,
enquanto consciência da ruptura, era o que unificava e orientava, o que manifestava senso comum e a teoria” p. 124-5

“ ‘Racionalidade’: eis outra palavra-chave. É certo que nem todos os isebianos lhe atribuíam o mesmo alcance. Alguns a
interpretavam como sendo o que está inscrito no ‘movimento do real’; outros, como o que definia a própria modernidade;
outros ainda, como o que mantinha o controle do devir; outros, enfim, como aquilo que se manifesta através do processo de
emancipação. (…) essas diversas noções de racionalidade estavam combinadas, em proporções diversas, em todos os
escritos isebianos. Essa era a condição para que a ideologia se fundamentasse na história. Era também a condição para se
proclamar a possibilidade de uma racionalidade dos fins (Zweckrationalität) e dos valores (Wertrationalität) que constitui o
pressuposto da construção ideológica. Por aí se redescobre a correlação entre evolucionismo e historicismo, e a consciência
esclarecida. (…) a crença na racionalidade material e/ou ideal tinha duas outras implicações. Ele se referia à existência
teórica de uma comunidade nacional dotada, potencialmente, de um mesmo capital cognitivo, e não é absolutamente por
acaso que o tema da racionalidade se articulava com a atualização desse capital, sob forma de ‘conscientização’. Por outro
lado, a crença na racionalidade implica a referência a um interesse pelo conhecimento, o qual, por sua vez, remete à idéia de
comunidade nacional e sua emancipação. Da mesma forma que Habermas afirma a unidade da razão, estabelecendo uma
identidade entre o ‘interesse emancipador’ e o verdadeiro conhecimento, os isebianos faziam da racionalidade a expressão do
interesse de uma comunidade nacional em prol da emancipação. Assim a ideologia pode ser entendida como a constituição
de um mundo intersubjetivo por meio de uma comunicação ser coerções nem distorções” p. 125

MOMENTO DE ESCLARECIMENTO - “seria justamente o atraso do Brasil que lhe permitiria colocar-se, por meio da
ideologia, acima do momento atual, e afirmar a possibilidade de uma história comandada pela razão. Terminavam as
reflexões sombrias sobre as fraquezas do ‘caráter nacional’ e as incertezas do ‘ser brasileiro’. A partir daí, o atraso é
imputado a uma relação de opressão, econômica e cultural, provocada no passado pela dominação cultural, e no
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PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

presente pela dominação imperialista. Desde que se rompesse com essa relação, nada impediria o Brasil de
ingressar no caminho do desenvolvimento acelerado” p. 126

“o tema do ‘projeto’ ia bem mais além: indicava o modo como uma nação se torna sujeito de sua história, isto é, como uma
sociedade se torna transparente para si mesma” p. 127

“O elogio da ‘consciência’, da ‘racionalidade’ e da ‘ruptura’ teve, para os isebianos, o valor de uma revolução” p. 127

“No caso do ISEB, o culto da ideologia teve por função criar um mesmo sentimento: o de que nada escapa à vontade dos
homens. Nem mesmo os ‘processos econômicos’, pois são regidos por uma finalidade que os tornava equivalentes a atos de
vontade: a própria economia se torna subjetiva. No ‘projeto’, a vontade humana encontra o ‘processo’” p. 127

“O governo Kubitschek conduzira o Brasil para um grande sonho, mas por outro lado manobrava com dificuldade em meio às
forças políticas tradicionais e consentira numa ampla abertura ao capital estrangeiro a fim de superar os múltiplos bloqueios.
Ora, os isebianos não pensavam, de maneira alguma, em romper com o governo Kubitschek, nem, principalmente, em cortar
ligações com o Estado. A seqüência se deu no sentido inverso da francesa: foi por alcançarem plena consciência que os
intelectuais pensaram estar vivendo uma ruptura, até mesmo uma revolução. Esta inversão não deixou de ter conseqüências”
p. 127

há uma proliferação do discurso ideológico que constantemente de duplica e reflete, isto porque a ruptura real estava em
detrimento em relação à consciência, p. 128

“a ideologia implicava a substituição desses antagonismos concretos [da sociedade brasileira de 59-60] por antagonismos
estereotipados, compatíveis com as necessidades do idioma nacionalista” p. 128

“Os primeiros isebianos não se deixaram levar para essa luta ilusória. Afinal, muitos acreditavam então suficientemente nas
virtudes da razão e das idéias para julgar que seus adversários, mesmo que insistissem em defender o status quo, poderiam
se converter às reformas se tomasse consciência de seus ‘verdadeiros interesses’” p. 128
FICHA DE LEITURA 35
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

Após 59-60, as “antinomias apriorísticas invadem o discurso isebiano” contrapondo revolucionários e latifundiários e
industriais entreguistas, p. 128

“A prova de que a supremacia da consciência estava em debate é que o povo e seu oposto não eram definidos
concretamente, mas pelo contraste entre duas vontades livres” p. 129

“Criticar esses pensadores por terem esquecido a luta de classes à força de insistirem na unidade nacional demonstra um
raciocínio um tanto apressado. (…) a insistência sobre a unidade nacional não foi somente uma forma de atenuar de imediato
o alcance da oposição radical, restabelecendo a visão de uma unidade orgânica. Ela demonstra a intensidade do mito da
libertação nacional, e se insere no projeto de uma ruptura que permite fundar a política sobre novas bases” p. 133

“é evidente que os isebianos manifestaram a mesma repulsa à democracia liberal que os seus predecessores dos anos 30” p.
134

“os isebianos tampouco tinham apreço pelo individualismo (…). A individualidade é uma propriedade da nação” p. 134

“Como lógica imanente ao real, orientado teleologicamente e portador de significado, o crescimento econômico era, por si só,
constitutivo do fenômeno político” p. 134

“A fusão entre ‘processo’ e a ‘consciência’ não aparece mais, conforme colocamos acima, como sinais da revolução pelo
‘avanço das idéias’. Ela se torna o substituto da instituição política e, mais ainda, da indagação sobre a legitimidade do poder.
Não há ruptura em relação a 1930: o desenvolvimento, nesta versão, não passa da expressão moderna da ‘organização’” p.
135

“Não se colocava o problema da constituição de uma ‘vontade geral’ (…). o povo não se definia segundo o modo da vontade.
Nenhuma visão rousseauniana ou jacobina na concepção de povo. Tampouco colocava-se a eventualidade de um contrato,
de uma delegação de poder (…) atuava somente a ‘tomada de consciência’ (…) de saída já se afirma a comunidade” p. 135-6
FICHA DE LEITURA 36
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

“no quadro da ideologia desenvolvimentista a distinção entre sociedade civil e Estado perde todo o significado (…). Sociedade
e Estado são levados pelo mesmo movimento, e igualmente subordinados à produção da nação” p. 137

“o desenvolvimentismo e a exaltação da ideologia nascem sob o signo de uma política própria à economia (…). Se se
desinteressavam pelos procedimentos políticos de legitimação, é porque se apossaram por conta própria, de dois modos de
legitimidade: o que deriva da posse da racionalidade e o que se ancora na fusão com o povo. Era também a ideologia
desenvolvimentista que fazia a síntese entre essas duas legitimações” p. 137

“O primeiro ISEB prolongou a tradição de 1930. O intelectual fala a partir da posição de poder, enquanto intérprete da
modernização. (…) Seu destaque social era, em larga medida, garantido pelo reconhecimento que lhe conferia o poder” p.
138

“A separação entre o intelectual e o tecnocrata marca uma mudança em relação a 1930, quando a idéia de ‘organização
social’ implicava uma coincidência entre as duas funções” p. 138

“Em seus discursos, Kubitschek transforma o mito desenvolvimentista num projeto realizável (…) o ISEB lhe conferia uma
importante legitimação, enquanto lugar de constituição de uma opinião pública” 138

“a ideologia desenvolvimentista do ISEB era muito mais do que um simples meio de um grupo de intelectuais se situar na
órbita do poder. Ela se tornou, progressivamente, o horizonte de pensamento no qual se colocava a opinião pública” p. 139

“O segundo e o terceiro ISEB (…) a partir daí a ideologia desenvolvimentista se articula, com mais clareza do que antes, à
problemática das classes. Aliando -se ao movimento em favor das ‘reformas de base’(…) redefiniram a posição dos
intelectuais (…) segue-se a noção de intelectual militante (…). Esta mutação se acompanha da descoberta do fato de que o
intelectual é socialmente situado (…) as ‘reformas de base’ são uma forma de reencontrar o real (…) nessa fase do
nacionalismo progressista, o ISEB continua contribuindo para formar a opinião pública” p.. 139-140

As continuidades entre os momentos do ISEB, a ideologia nacional desenvolvimentista, a ideia de representantes do povo,
FICHA DE LEITURA 37
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.

consonância com o governo Goulart (cordão com o poder), p. 140

“Lançaram uma ponte entre os pensadores de 1930 e os intelectuais engajados modernos. Dos primeiros, assimilaram a
nostalgia da unidade social; dos segundos, a convicção de que as marcas da condição social particular dos intelectuais
devem ser apagadas na solidariedade com as classes fundamentais. Em lugar da organização, colocaram o desenvolvimento.
Substituíram a escolha corporativista pela opção em favor das forças progressistas. Ao status de elite dirigente, que
conseguiram colocando-se na posição de poder, acrescentam o de elite esclarecida, porta-voz do povo” p. 140-1

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