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Ma Eunice Figueiredo Guedes

Professora A s s i s t e n t e I d oDeptodePsicologia.
Social eEscolardeUPPA.Psicologia.
MestreemCiênciasSociais

GÉNERO
0 QUE É ISSO?
A
ceitando o desafio que
é discutir um tema tão
complexo e ainda não
bem delimitado pelos vá-
rios ramos das ciências, se-
jam elas humanas ou natu-
rais, propomo-nos rastrear
o conceito GÊNERO, no
âmbito do seu significado
lingüístico, passando pela
utilização do termo pelos
movimentos de mulheres e
pela Academia. Neste cami-
nhar, percebe-se uma arti-
culação entre movimentos
sociais, especificamente o
Feminismo, e as concep-
ções teóricas emergentes
no Brasil hoje.
Os Significados: disso, passamos a nos perguntar,
mas afinal que Gênero é esse, que
gênero, além de propiciar interpretações das
masculino/feminino, mais diversas, dependendo da ótica
de quem busca seu significado, ain-
homem/mulher: o da pode ser agregado ao significado
dicionário da língua de costumes/idéias?
Se caminharmos por este último
portuguesa... sentido (costumes e idéias), vamos
chegar ao significado do chamado
De uns anos para cá, começou- Gênero de Vida, expressão que
se a escutar algumas pessoas, tanto designa o "conjunto de atividades
no movimento de mulheres quanto habituais, provenientes da tradição,
na Academia, dizendo: "Isto é uma mercê dos quais o homem assegura
questão de Gênero!" "O Gênero den- a sua existência, adaptando a natu-
tro do trabalho..." "O Género e a reza em seu proveito" (p.844-845).
Política..." "A construção de Géne- A definição de Gênero torna-se,
ro... "Mas, afinal que Gênero é esse? assim, complicada, pois além de
Será algo divino da Lógica e signifi- apresentar vários significados, agre-
cando "classe cuja extensão se divi- ga no seu bojo os sentidos mais
de em outras classes, as quais, em amplos ligados a "caracteres con-
relação à primeira, são chamadas vencionalmente estabelecidos", bem
espécies?" Ferreira (1986, p.844). Se como a "atividades habituais decor-
formos nos guiar por esse sentido, rentes da tradição" (p.844). Por ou-
teríamos as espécies homem e mu- tro lado, a espécie Humana se co-
lher da chamada classe Humana. munica e estabelece linguagens,
Ainda, segundo o linguista Ferreira, sejam faladas, escritas ou gestuais,
o termo Gênero também poderia constituindo-se em representações
ser "qualquer agrupamento de indi- sociais que, segundo Lane, são es-
víduos, objetos, idéias, que tenham peradas pelo grupo: "esta análise
caracteres comuns" (p.844). Tería- nos permite apontar uma função da
mos assim indivíduos dos dois se- linguagem que é a mediação ideo-
xos, de novo o homem e a mulher lógica inerente nos significados das
agrupados, agregados através de palavras, produzidas por uma clas-
características comuns, ou seja, o se dominante que detém o poder de
feminino para a mulher e o mascu- pensar e 'conhecer' a realidade,
lino para o homem. Prosseguindo explicando-a através de 'verdades'
com a nossa língua portuguesa, es- inquestionáveis e atribuindo valo-
ses caracteres comuns seriam con- res absolutos ..." (1984, p.34).
vencionalmente estabelecidos. Este
convencionalmente pode ir desde Voltando então para a lingüísti-
maneiras, estilos, significando os ca, vemos que os significados são
Gêneros artísticos ou se referir aos representações de culturas domi-
estilos de arte: o Gênero Literário e nantes. Se as características, que
Gênero Dramático. Pode-se buscar denominam o termo Gênero, têm
o significado do termo ainda na que ser "comuns convencionalmen-
Biologia ou no campo da Gramática te estabelecidas" (Ferreira, 1986,
propriamente dita. p.844), elas vão passar pelos pa-
drões estabelecidos. Só assim en-
Chegamos assim à definição de tende-se, prosseguindo na busca
Ferreira (1986) do termo do ponto do significado e adentrando ainda
de vista gramatical no seu sentido mais na gramática na busca do sen-
estrito. Encontramos, então, a se- tido de masculino e feminino, o que
guinte definição: "categoria que in- seriam os dois sexos em que a
dica, por meio de desinências, uma sociedade normalmente divide os
divisão dos nomes baseada em cri- seres humanos. Não esqueçamos
térios tais como sexo e associações que existe o Gênero neutro... Mas,
psicológicas" (p.844). Neste senti- examinando o que determina o di-
do, o autor aponta o Gênero mascu- cionário, encontramos o significa-
lino, o feminino e o neutro. A partir do de Masculino: "diz-se das pala¬
vras ou nomes que pela terminação
e c o n c o r d â n c i a d e s i g n a m seres
masculinos ou como tal considera-
dos" (Ferreira, 1986, p. 1099). Já para
o Feminino, nos revela a bondosa
gramática "diz-se d o g ê n e r o de
palavras ou nomes que, pela termi-
nação e concordância designam os
seres femininos ou c o m o tal consi-
derados (p.768). O q u e fazemos
então com o Neutro d o Gênero que,
para Ferreira, "diz-se d o gênero d e
palavras ou nomes, que e m certas
línguas, designamos serem conce-
bidos como não animados, em o p o -
sição aos animados, masculinos e
femininos"? (p.1191). Como expli-
car, então, ainda q u e a denomina-
ção de feminino também designe,
no sentido figurativo, efeminado,
aclamado e mulherengo?
Se prosseguirmos pelos cami-
nhos da língua brasileira, b u s c a n d o
o sentido do termo, vamos muito
mais além, pois através destas
considerações jã se percebe o quan- língua, expressando valorações, fa- o ser h u m a n o " dotado "das chama-
to que a língua reflete a construção zem com q u e o m e s m o termo Mu- das qualidades viris, como cora-
cultural d o povo que a nomeia, a lher acabe sendo apreendido tam- gem, força, vigor sexual e t c , Ma-
partir da dominância de característi- b é m ou como Santa e reprodutora cho - H o m e m que é h o m e m não
cas comuns, representações sociais ou c o m o Prostituta. Se olharmos de leva desaforo para casa" (Ferreira,
que nos atravessam a nós, indivídu- n o v o o dicionário e tentarmos en- 1986, p.903). Entre os sentidos, ti-
os, às instituições sociais, c o m o es- contrar o significado d e mulher, nos pos de d e n o m i n a ç ã o de homem,
cola, igreja, direito e t c , às normas e depararemos com a seguinte afir- não existe n e n h u m a designação que
valores sociais instituídos socialmen- mação: "O ser h u m a n o d o sexo tenha sentido pejorativo ou signifi-
te e expressos em códigos d e com- feminino capaz de conceber e parir q u e o gigolô. Pelo contrário, todos
portamento sociais. "Mas a instân- outros seres h u m a n o s e q u e se os sentidos d o termo seguem n o
cia psíquica que mais d e p e n d e das distingüe d o h o m e m por essas ca- rumo da definição geral, de "al-
circunstâncias histórico-sociais é o racterísticas" (Fereira, 1986, p . l l 6 8 ) . g u é m q u e apresenta u m maior grau
superego, este grande assimilador Encontramos ainda as designações d e c o m p l e x i d a d e na escala
das normas e valores vigentes, este "Mulher à toa", "Mulher d e comé- evolutiva" (Ferreira, 1986, p.903).
regulador d o comportamento (atra- dia", "Mulher d e rótula", "Mulher d e Então, aqui, p e r c e b e m o s q u e temos
vés d o ego, que se comunica com rua", "Mulher da vida", "Mulher d e mais d o que uma dualidade de
ele) de acordo com o q u e cada amor", "Mulher de má nota", "Mu- sentidos: nós temos, na verdade,
cultura considera reprovável ou lher de ponta d e rua", "Mulher d e u m diferencial de pesos/poderes
desejável. Assim, embora uma gran- fado", "Mulher d e fandango", "Mu- para os termos Mulher e Homem. A
de parte d o que move as pessoas - lher de mundo", "Mulher d o pala Mulher, n o sentido da construção
a matéria instintiva q u e constitui as aberto", "Mulher errada", "Mulher da língua, d o significado social d o
paixões, seja inerente ao q u e v e n h o fatal", "Mulher perdida" e "Mulher termo q u e a deveria nomear, só
chamando condição humana, a for- vadia". De todas as dominações de existe c o m o Meretriz ou Repro-
ma que as paixões adquirem, a mulheres q u e o lingüista assinala, dutora, n ã o tendo função social
maneira como se expressam, a valo- somente duas não têm o significado fora dessas denominações. Vemos,
rização positiva ou negativa de cada assinalado como Meretriz! (grifo então, q u e n ã o é d e graça que um
uma delas, tudo isso está p e r m e a d o meu): "Mulher d e César" e "Mulher estudioso c o m o Lacan diz "a Mulher
por esta modalidade d e expressão de piolho" (p.1168). n ã o existe". Q u a n d o ele se refere a
de c o n s u m o e de visão d o m u n d o esse enunciado, diz que feminili-
Já para o significado d o Homem,
de cada cultura q u e costumamos dade se coloca na categoria d o
o dicionário aponta "qualquer indi-
c h a m a r Ideologia" (Kehl, 1992, inominável, revelando a impotên-
víduo pertencente à espécie animal
p.485). cia d o saber para nomear o femini-
que, apresenta o maior grau de
Os sentidos dicotomizados da complexidade na escala evolutiva, n o como tal (Almeida, 1992, p.15).
Movimento de Mulheres/ sil. Surge daí a afirmação primeira d a d e Feminina, d e s v e n d a n d o as
d o movimento feminista brasileiro, relações d o cotidiano. Não havia,
Movimento Feminista ou sua primeira fase: visibilizar o neste m o m e n t o , tanta preocupação
- E o Gênero? feminino e n q u a n t o elemento quali- com os interlocutores, a idéia era
tativo e constitutivo da população e soltar as idéiasno ar. Havia, por um
das instituições brasileiras. lado, resistência social e académica
Dois mil e quinhentos anos de
O período correspondente a esta a estas ideias e, por outro, as mulhe-
civilização, a partir d o apogeu gre-
fase vai dos anos 80 a 85. Afirma-se res feministas, na busca de tentar
go trazem em seu bojo todo um
assim, tanto n o âmbito da Academia entender a especificidade d o ser-
legado cultural. O imaginário hu-
quanto dos movimentos, temáticas mulher, ainda se colocavam nos
m a n o foi sendo p o v o a d o por "uma
que levassem em conta a "importân- seus guetos. Essa atitude visava
gama imensa de mitos, cosmogonias,
cia da participação das mulheres n o p o d e r responder às inúmeras pro-
seres folclóricos etc. A posição e o
seio d e partidos/sindicatos, movi- vocações por parte dos companhei-
papel da mulher e m meio a este
mentos de bairro/instituições em ros que, reafirmando a assimetria
circuito acabam sendo expressos
geral etc. (...) Visualiza-se a mulher, d o masculino e feminino na socie-
através desses mitos inscritos no
com esta perspectiva, dentro dos dade, afirmavam, por exemplo, que
imaginário" (Almeida, 1992, p.15).
movimentos gerais, tentando apon- a compreensão d o surgimento do
Ao e n v e r e d a r m o s ainda pela tar para a ocupação de u m segmen- movimento operário brasileiro não
identificação d o Gênero e procurar- to importante e, qualitativamente, m u d o u porque souberam q u e as
mos compreender o seu significa- n u m e r o s o no âmbito d o Macros- mulheres participaram da sua for-
do, n o c a m p o da construção teórica social, ou seja. 'Mulher: Participa- mação. Esta fase. ou segundo mo-
e da sua relação com o Movimento ção e Representação Política', p o - mento, c o m p r e e n d e u o período que
de Mulheres/Movimento Feminista, d e n d o ser este o slogan deste pe- foi de 1985 a 1988.
vemos que, há cerca de duas déca- ríodo" (Bandeira e Oliveira, 1990,
das, um certo furor feminino atacou Um terceiro m o m e n t o compre-
p.5). e n d e o período de 1989 até os dias
diversos campos d o saber, ligado
principalmente ao Movimento Fe- Um s e g u n d o m o m e n t o nessa atuais, no qual a discussão d o femi-
minista. F.sse furor representava história de construção d o conceito nino/masculino busca lutar contra
tentativa(s) de dar estatuto de saber de Gênero no seio dos movimentos guetos e resgatar aliadas(os). Se os
á vivência e estudos sobre a mulher. sociais e da Academia, poderia ser movimentos de mulheres e feminis-
Era a época de risibilizar um seg- agregado ao slogan dos grupos de tas tinham descerrado os véus da
mento q u e se encontrava embutido reflexão feminista, q u e proliferaram Invisibilidade no seio dos movi-
sempre n o geral: a história da classe no país pós-80: "o cotidiano é polí- mentos sociais, se tinham buscado
trabalhadora, a força de trabalho na tico'. Gestava-se uma outra necessi- um Estatuto Científico para os estu-
indústria etc. De uma certa maneira d a d e dentro dos diversos movimen- dos sobre a Mulher, ainda assim se
caminhava-se no campo teórico com tos. Era necessário mais d o q u e encontravam nos Guetos. Embora
p a s s o s ligados, i n t e r l i g a d o s aos visibilizar a Mulher. Precisava-se politizando os espaços públicos e
movimentos que se gestavam n o e n t e n d e r o Sujeito Mulher, a Identi- afirmando q u e o privado também
país, pós-anos 70. A luta pela aber-
tura política no Brasil trouxe uma
reflexão também da condição femi-
nina, que teve um impulso maior no
país com a instauração da Década
da Mulher pela Organização das
Nações Unidas, de 1975 a 1985.
Com a vinda de militantes exiladas
pelo regime ditatorial, a discussão
sobre o feminino/feminismo se
acentuou ainda mais, já que em
outros países a discussão sobre a
opressão feminina se encontrava
em estágios bem avançados, en-
q u a n t o n o Brasil ainda engati-
nhávamos no pós-abertura. Os en-
contros/desencontros de militantes
latino-americanas(os), com ingle-
s a s t e ) , francesas(es), alemãs(ães)
com essa reflexão/discussão de um
certo pensar a mulher possibilita-
ram modificações também n o Bra-
era importante, pois esse era um
grito necessário, acabavam falando
delas para elas mesmas. A constru-
ção cultural, a linguagem, a
moralidade, a ética, as institu¬
cionalidades das mais diversas (me-
dicina, justiça, Igreja, saber científi-
co etc), regentes da sociedade, es-
tão impregnadas por um discurso
do chamado Outro e o dominante
social teimava em vir à tona... Res-
gatar o ser mulher foi importante
para os diferentes movimentos, mas
não significou mudanças nas rela-
ções sociais expressas nas práticas
cotidianas, nas práticas institu-
cionais. Proliferaram estudos sobre
a Mulher, mas o diálogo e o estatuto
da cientificidade continuavam a
corroer as tentativas feitas por estu-
diosas/acadêmicas/feministas. Bus-
cava-se agora, então, resgatar e com-
preender a dialogicidade da comu-
nicação Eu/Outro, pois no Eu tam-
bém está presente o Outro, haja
vista os exemplos colocados neste
texto anteriormente sobre as defini-
ções dos termos Gênero, Masculi-
no/Feminino, Mulher/Homem. O conduzem, de maneira alguma, a estudiosas(os), militantes de movi-
grande Outro da cultura, segundo uma política reacionária e de con- mentos nesta fase atual de compre-
Lacan, teimava em inquietar. Mais formismo" (Guattari e Rolnik, 1986, ensão da relação Masculino/Femi-
do que espelhara construção, era o p.133). nino.
momento de buscar entender o que Com estes elementos em mãos A conceituação de Gênero, en-
particulariza a totalidade e o que a tenta-se buscar, nesta etapa do quanto possibilidade de "entender
totalidade particulariza. As multi- movimento de mulheres e da Aca- processos de construção/reconstru-
plicidades que compõem os seres demia, compreender a noção de ção das práticas das relações soci-
humanos precisavam ser agencia- Gênero enquanto possibilidade de ais, que homens e mulheres desen-
das, instituindo novas compreen- instaurar a dialogicidade no seio volvem/vivenciam no social" (Ban-
sões, novos modos de ver o huma- dos movimentos e da Ciência. Será deira e Oliveira, 1990, p.8), tem
no. Pois, como diz Guatarri: "a ques- um novo Gueto? redundado em algumas questões
tão da micropolítica é a de como que precisam ser melhor clareadas.
reproduzimos (ou não), os modos Em primeiro lugar, o conceito tem
de subjetivação dominante... Um uma história, pois ao longo dos
grupo de trabalho comunitário pode Gênero: algumas
séculos, as pessoas utilizaram de
ter uma ação emancipadora em ní- abordagens teóricas forma figurada "os termos gramati-
vel molar, mas o nível molecular ter cais para evocar os traços de caráter
toda uma série de mecanismos de e os Elementos
ou os traços sexuais" (Scott, 1995,
liderança falocrática, reacionária Constitutivos do p.72). Assim, já em 1878, Gladstone,
etc... Isso pode ocorrer com a Igreja. citada por Scott, afirmava que "Atena
Ou, o inverso: ela pode mostrar-se Conceito na perspectiva
não tinha nada do sexo além do
reacionária, conservadora em nível de Joan Scott género, nada da mulher além da
das estruturas visíveis de represen- forma" (p. 72).
tação social, em nível do discurso
De maneira resumida, não pre- Recentemente as feministas ame-
tal qual se articula no nível político,
tende esse texto esgotar toda a bi- ricanas começaram a utilizar a pala-
religioso etc, ou seja, em nível molar.
bliografia existente hoje sobre o vra Gênero no sentido literal, como
E, ao mesmo tempo ao nível
conceito Gênero, por sinal já bas- uma forma de entender, visualizar e
molecular, podem aparecer compo-
tante vasta. Vamos elencar alguns referir-se à organização social da
nentes de expressão de desejo, de
pressupostos que norteiam os estu- relação entre os sexos. Eram tenta-
expressão de singularidade, que não
dos e compreensão de diversas(os) tivas de resistência ao determinismo
Esta afirmação pressuporia uma Scott (1995, p.74). Mais d o q u e isso,
analogia entre G ê n e r o e Classe e não levavam em conta o
Raça. Para estas pesquisadoras as engajamento d o movimento femi-
desigualdades sociais de p o d e r es- nista, suas lutas e estudos, na elabo-
tão organizadas segundo, n o míni- ração das análises.
mo, estes três eixos: Gênero/Raça/ As teorias hoje existentes sobre
Classe. O problema é q u e esta arti- Gênero se colocam dentro d e duas
culação pressupõe uma paridade categorias.
q u e n ã o existe. Segundo Scott "clas- Uma teoria q u e explica o concei-
se tem seu fundamento na elabora- to de forma essencialmente descri-
da teoria d e Marx (e seus desenvol- tiva, sem interpretar e atribuir cau-
vimentos ulteriores) sobre a deter- salidade.
minação económica e mudança his- Neste âmbito estão os estudos
tórica, 'raça' e 'gênero' n ã o carre- recentes d o uso d o Gênero, q u e
gam associações semelhantes" acabaram virando sinônimo de
(1995, p.73). O próprio conceito de Mulher. O n d e se lia antes Mulheres,
classe não é unanimidade entre as agora leia-se Gênero. Essa utiliza-
pesquisadoras(es), pois umas utili- ção acaba por dar uma conotação
zam a referência Marxista, outras(os), mais objetiva e neutra (não nos
a Weberiana. Não existe nem, nesse esqueçamos d o significado de neu-
nível, uma clareza a respeito de tro n o dicionário) d o q u e as Mulhe-
Raça e Gênero, n e m as desigualda- res. A tentativa acaba descartando a
des existentes nas práticas e rela- participação e experiência d o movi-
ções sociais, em relação à assimetria m e n t o feminista, dissociando Ciên-
Homem/Mulher e etnia, se dão n o cias e Política. Não implica também
m e s m o plano d e análise das deter- uma tomada de posição sobre a
minações econômicas. assimetria de poder, n e m designa a
As(os) historiadoras(es) buscam, parte lesada. Inclui as Mulheres sem
biológico implícito, por parte destas então, q u e o conceito de G ê n e r o dê as nomear! Lembremo-nos d o q u e
feministas, presente n o uso dos ter- conta d e três questões: colocamos anteriormente em rela-
m o s c o m o sexo ou diferença 1- Explicação das continuida- ção ao q u e diz Lacan de que a
sexual. Na v e r d a d e q u e r i a - s e des/descontinuidades e dar conta mulher não existe, estando n o cam-
enfatizar o caráter fundamentalmen- das desigualdades presentes, cias p o d o inominável, ou seja fora da
te social das distinções baseadas em experiências sociais radicalmente linguagem.
s e x o . C o n f o r m e a s s i n a l a Scott diferentes. Outras teorias explicam o Géne-
(1995), citando Davis, "nosso obje¬ 2- Constatação da alta qualidade ro para sugerir q u e as informações
tivo é descobrir o leque d e papéis e dos trabalhos sobre a história das a respeito das mulheres são neces-
de simbolismos sexuais nas diferen- mulheres e seu estatuto marginal sariamente informações sobre os
tes sociedades e períodos, é encon- em relação ao conjunto da discipli- h o m e n s , q u e u m implica o estudo
trar qual era o seu sentido e c o m o na. d o outro. Esse uso insiste na idéia
eles funcionavam para manter a 3- Um desafio teórico, exigindo de q u e o m u n d o d e mulheres faz
o r d e m social ou para mudá-la" a análise não só da relação entre as parte d o m u n d o dos homens, q u e
(p.72). experiências masculinas e femini- ele é criado dentro e por esse mun-
O Gênero também era visto e nas n o passado mas também a liga- do. Rejeita-se assim as esferas sepa-
proposto por pesquisadores q u e ção entre a história d o passado e as radas, as justificativas biológicas. O
afirmavam a importância d o concei- práticas históricas atuais. G ê n e r o seria u m a forma d e indicar
to para transformar os paradigmas Mas, n e m só d e teoria vive a construções sociais. Assim, gênero
n o interior d e cada disciplina, ou história e as tentativas d e conceituar seria, "segundo esta definição, uma
conforme Gordon, Buhle e Dye, o termo Gênero; muitas vezes, tais categoria social imposta sobre um
citadas por Scott (1995), "inscrever tentativas não saíam dos quadros da corpo sexuado"(Gates, citada por
as mulheres na história implica ne- Academia e apresentavam "tendên- Scott, 1995, p. 75).
cessariamente a redefinição e o alar- cia a incluir generalizações redutivas Usar Gênero assim pressupõe
gamento das noções tradicionais ... ou demasiadamente simples, q u e todo u m sistema d e relações que
não é demais dizer q u e ainda que as se o p õ e m n ã o apenas à compreen- p o d e incluir o sexo, mas q u e não é
tentativas iniciais tenham sido hesi- são q u e a história c o m o disciplina diretamente determinado pelo sexo
tantes, uma tal metodologia implica tem sobre a complexidade d o pro- n e m determina diretamente a sexu-
não somente uma nova história de cesso de causação social, mas tam- alidade. Coloca-se aqui então o
mulheres, mas também uma nova b é m aos compromissos feministas desafio de reconciliar a teoria com a
história" (p. 73). com análises q u e levam à mudança" história, que trata das experiências
e estudos específicos. Como articu- ados prismas teóricos. Preferimos, 1- "Símbolos culturalmente dis-
lar teoria, concebida em termos ge- nessa primeira aproximação da poníveis que evocam representa-
rais e universais, com a especi- temática, expor as questões que ções simbólicas (e com frequências
ficidade de condição feminina? envolvem a sua conceituação e sua contraditórias)" (Scott, 1995, p.86)
As(os) historiadoras(es) feminis- aplicação aos movimentos e à Aca- como, por exemplo, Maria e Eva - a
tas realizam abordagens sobre o demia, bem como as teorias que pureza e a sujeira... As apresenta-
Gênero que podem ser resumidas embasam cada uma das utilizações. ções desses símbolos podem propi-
em três posições teóricas: No e n t a n t o , a c h a m o s q u e a ciar múltiplas interpretações, mas
1- Esforço inteiramente feminis- conceituação de Scott sobre Género são contidas em interpretações bi-
ta que tenta explicar as origens do é a que pode ser mais utilizada neste nárias, a partir de explicações cultu-
Patriarcado. momento, por englobar vários com- rais.
2- Discussões dentro da tradição ponentes, que açambarcariam me-
marxista. lhor o termo. Embora também seja 2- "Conceitos normativos que
3- Inspira-se nas várias escolas uma das explicações e o saber tem expressam interpretações dos signi-
de Psicanálise para explicar a pro- que existir para ser transformado/ ficados dos símbolos, que tentam
dução e a reprodução da Identida- construído/reconstruído incessan- limitar e conter as suas possibilida-
de de Gênero do sujeito, dividida temente, num movimento de busca des metafóricas. Esses conceitos
entre o Pós-estruturalismo francês e das singularidades sociais e pes- estão expressos nas doutrinas reli-
as teorias anglo-americanas das re- soais dentro da subjetividade giosas, educativas, científicas, polí-
lações de objeto. capitalística como Guattari mostra ticas ou jurídicas e tomam a forma
Diante do exposto, chegamos à (Guattari e Rolnik, 1986). típica de uma oposição binária fixa
necessidade - e indo pelo conceito Esmiuçando a conceituação de que afirma de maneira categórica e
expresso por Scott - de entender Género de Scott, vemos que esta inequívoca o significado do ho-
que o termo "gênero é um elemento definição constitui-se de duas par- mem e da mulher, do masculino e
constitutivo das relações sociais tes e várias subpartes. Assim, os ele- do feminino"(Scott, 1995, p. 86), via
baseado nas diferenças percebidas mentos constitutivos em relação à rejeição ou repressão de outras for-
entre os sexos... o gênero é uma primeira parte da definição de que o mas. Assim, por exemplo, a virilida-
forma primária de dar significado às "género é um elemento constitutivo de é associada ao Masculino e a
relações de poder" (1995, p.86). das relações sociais baseado nas feminilidade ao Feminino. Um ho-
Poderíamos enfrentar a explica- diferenças percebidas entre os se- mem não pode ter um comporta-
ção do conceito Gênero das mais xos" (1995, p. 86), implica quatro mento mais dócil/emotivo, que au-
variadas formas e sob os mais vari- elementos relacionados entre si: tomaticamente será rotulado de
efeminado. Outro exemplo é o da uma linguagem" (Cesarotto e Leite,
pessoa que não se situa nem como 1992, p.55), coloca a mulher fora do
masculino, nem como feminino, em nominável, já que a Língua é
termos de opções sexuais. construída no masculino. Pensar e
repensar estas questões são funda-
3- "A noção de fixidez ... que mentais em relação a todas as cultu-
leva à aparência de uma permanên- ras, dentro de uma análise que per-
cia intemporal na representação bi- mita entender a construção dessas
nária dos gênero" (Scott, 1995 p.87). representações historicamente situ-
A maioria dos estudos, além de adas.
apresentar a dialética da história e A segunda parte da definição de
das práticas sociais nas suas análi- Scott, de que "o Gênero é uma
ses, não incluem a noção de políti- forma primária de significar as rela-
co, compreendendo esse político ções de poder" (1995, p.88), a leva
como a resistência ou coerção a que a citar Godelier que aponta: "...não
foram sujeitas as mulheres, princi- é a sexualidade que assombra a
palmente para ficarem fora da histó- sociedade, mas antes a sociedade
ria. Um exemplo disso é a volta do que assombra a sexualidade do cor-
uso do véu preto, cobrindo o rosto po. As diferenças entre os corpos,
das mulheres iranianas, após a to- relacionadas ao sexo, são constan-
mada do p o d e r pelo Aiatolá temente solicitadas a testemunhar
Khomeini. Seria necessário incluir, as relações sociais e as realidades
na noção de Gênero, a noção de que não têm nada a ver com a
político, tanto em relação às Insti- sexualidade. Não somente testemu-
tuições, como em relação às organi- nhar, mas testemunhar para, ou seja,
zações sociais, ou seja, a atuação no legitimar" (p.89).
Macrossocial também é importante.
Assim, em lugar de nos pergun-
4- A noção de Identidade Subje¬ tarmos sobre o que é Gênero ou
tiva. Como as Identidades de Gêne- Gênero, o que é isso?, será que não
ro são construídas, a partir de for- deveríamos buscar a compreensão
mação de conceitos/preconceitos de como esta denominação está se
imaginária e simbolicamente. A par- Construindo/Desconstruindo? REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
tir da compreensão da Linguagem
enquanto elemento formador e Desse pequeno apanhado sur-
ALMEIDA, Maria Emília Souza. Pelo avesso
constitutivo do Psiquismo, bem gem, como certas, mais do que cer- da cultura: o feminino. In: Insight
como os símbolos, que prendem os tezas, inúmeras incertezas e possí- Psicoterapia. 1992, 17, p. 12-15.
sujeitos a formas normativas de exer- veis pistas necessárias para a cons- BANDEIRA, Lourdes Maria & OLIVEIRA,
Eleonora M. de. Trajetória da Produção
cer a sua subjetividade. Como traba- trução de uma sociedade mais justa Acadêmica sobre as Relações de Gênero
lha, por exemplo, a Educação dife- e igualitária nas suas diferenças, nas Ciências Sociais. In: GT 11 - A
renciada, existente no seio de nossa transversalidade do gênero nas ciências
semelhanças e multiplicidades. En- sociais. XIX Encontro Anual da ANPOCS.
sociedade hoje, constituindo for- frentarmos a reflexão aqui coloca- Caxambu, outubro de 1990.
mas específicas de internalização da, é um desafio para todas(os) nós. CESAROTTO, Oscar & LEITE, Márcio Peter
de valores grupais e sociais. Como Essa discussão/compreensão acom- de Souza. O que é Psicanálise, segunda
visão. 5a ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
viver o exercício da sexualidade panha todos os níveis da sociedade
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
amarrado aos conceitos de papéis e nos envolve a todos. No campo da Novo Dicionário Aurélio da Língua
sexuais, de masculino/feminino, de Academia está o desafio de resga- Portuguesa. 2a ed. 18. Impressão. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
normalidade e anormalidade, de tarmos o conhecimento de uma for-
GUATTARI, Felix & ROLNIK, Suely.
pureza e sujeira. Basta nos recordar- ma a inserir essa reflexão no seio de Micropolítica - Cartografias do Desejo
mos dos significados/tipos de mu- todas as disciplinas. Assim a Gramá- Petrópolis: Vozes, 1986.
lher, que o dicionário nos presen- tica, a Medicina, o Direito, a Biolo- KEHL, Maria Rita. A psicanálise e o domínio
das paixões. In: Os Sentidos da Paixão.
teou, colocado por nós neste texto. gia etc. surgem como saberes a São Paulo: Funarte, Companhia das Letras,
Se a concepção de Mulher é de ser serem problematizados. No seio dos 1990,p.469-496.
ou santa ou puta, onde fica o livre movimentos está a necessidade de LANE, Silvia T M. Linguagem, pensamento e
exercício de cidadania e o exercício representações sociais. In: LANE, Silvia T.
refletir sobre nossa história, que faz M. e CODO, Wanderley (orgs.). Psicologia
dos desejos? Assim também, se é parte da História, de aprender/com- Social: o Homem em Movimento. São
verdade o que Lacan coloca de que preender a importância destas colo- Paulo: Brasiliense, 1984, 32-39.

o "Inconsciente tem uma sintaxe SCOTT, Joan. Gênero: uma Categoria Útil
cações aqui sumariamente ainda de Análise Histórica. Educação e
particular, sendo estruturado como esboçadas. Este é o nosso desafio! Realidade. 20 (2), p.71-99, 1995.

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