Você está na página 1de 5

Arte contemporânea: uma introdução

Com o objetivo de conduzir a um extenso e profundo entendimento


sobre a arte contemporânea, em ‘Arte contemporânea: uma introdução’,
Cauquelin enfatiza a importância de diferenciá-la da arte moderna, trazendo
uma análise das características que definem cada uma e, para tal, a autora
utiliza o Sistema da Arte como base para o estudo, cuja estrutura envolve
marchands, críticos, compradores, colecionadores, curadores, conservadores,
instituições, e, segundo ela, “é o conhecimento desse sistema que permite
apreender o conteúdo das obras” (CAUQUELIN, 2005, p.14).
Na primeira parte de seu livro, intitulado Regimes da Arte, Cauquelin
possibilita ao leitor um melhor entendimento sobre o regime do consumo e o da
comunicação, ligados à arte moderna e à arte contemporânea,
respectivamente. O regime de consumo ou, segundo a autora, a sociedade
moderna é caracterizado pelas grandes transformações econômica-sociais,
consequências da Revolução Industrial do século XIX.
Um período que se instalou o sistema de procura e demanda e uma
necessidade urgente de consumo que, indiferente de classes econômicas,
dominou toda uma sociedade e, é nesse contexto que se faz necessário situar
o papel da arte moderna, desde sua constituição até seu rompimento. Os
efeitos do regime de consumo na Arte aconteceram por volta de 1860, dando
início à arte moderna.
É nesse período e devido a tais características que a Academia de arte
se depara com o fim de sua hegemonia, instituição destinada a comandar a
carreira dos artistas, a qual concebia prémios e consequentemente gerando
encomendas. Diante da multiplicação de obras e artistas, o sistema acadêmico
passa a contar com apenas uma única escola de Belas Artes, um único salão
de Paris e um único júri. A partir de então, outra instituição passou a denominar
e reconhecer talentos e suas remunerações, os marchands, os críticos e os
compradores.
Foi assim que, por exemplo, o Realismo Social, movimento que se
opunha aos estilos clássicos, cujas temáticas eram voltadas às grandes
classes burguesas, foi fundado por Gustave Courbet. Suas exposições
aconteciam às margens dos locais oficiais frequentados pela burguesia. Esse
enfraquecimento da Academia teve dois motivos importantes a serem
apontados: a manutenção que ela dava à inflexibilidade artística técnica e
conceitual e a falta de adaptação ao novo ritmo econômico industrial, porém, o
status que ela dava aos artistas e às obras não fora descartado.
A ruptura da Arte Moderna para o regime da comunicação ou, a Arte
Contemporânea, acontece na virada da era industrial para a era tecnológica,
resultando numa mistura de papéis: produtor, distribuidor e consumidor não
possuem mais atividades específicas. A estrutura do consumo foi transformada
aos poucos devido aos incrementos tecnológicos que levaram à era da
comunicação. O regime da comunicação proporcionará, então, mudanças
significativas e irreversíveis na relação homem-espaço-tempo-consumo e,
consequentemente, na relação desses com a arte.
Na era da comunicação o produto de interesse é a informação e assim,
a arte foi sacudida por “novas comunicações” passando a ser regida pelas
mesmas leis que atuam na emissão e distribuição das informações.
Distintamente do artista da modernidade, o artista contemporâneo lida com os
signos, e com a especulação de seu valor, dentro da rede de informação. A
rede, com a consequente interação por ela proporcionada, é um elemento de
crucial importância para o funcionamento do Sistema da Arte dentro desse
novo regime: redes internacionais de artistas, galerias e instituições culturais,
interação entre mercados, entre outras estruturas, ligam-se mundialmente
graças às redes de informação. Como afirma a autora:

“Essas transformações alcançam o domínio artístico em


dois pontos: no registro da maneira como a arte circula, ou
seja, no mercado (ou continente), e no registro intra-artístico
(ou conteúdos das obras)” (CAUQUELIN, 2005, p. 65).

Nessa rede complexa de comunicação, os atores mais ativos são os que


possuem a maior quantidade de informação e, de preferência, adquiridas no
menor espaço de tempo possível. Embora Cauquelin aponte alguns problemas,
como a redundância e a saturação, percebe-se que a rede tornou-se
indispensável ao artista e à sua obra. É condição fundamental que o artista
contemporâneo seja projetado pela rede, que ele esteja em vários lugares do
mundo ao mesmo tempo, que aceite as regras de renovação e individualização
permanente propostas por esse novo sistema de circulação da informação.
“O artista tem de ser internacional, ou não ser nada; ele
está preso na rede ou permanece de fora” (CAUQUELIN,
2005:75).

Mas o artista e sua obra precisam mais que apenas estar na rede; eles
têm que, através da nominação, conseguir se sobressair e vencer a saturação
provocada pela inevitável circularidade da informação. O paradoxo encontra-se
justamente nesse aspecto: a renovação constante é também uma repetição,
uma saturação da nominação (uma falência, por repetição, da solução de um
problema) e, quando explorada ao extremo, leva a obra e o artista a uma
banalização, a uma espetacularização praticamente sem volta.

Em meio à transição de um regime ao outro, Cauquelin destaca o


‘embreante’: uma figura de ruptura entre regimes. Os embreantes escolhidos pela
autora são Marcel Duchamp, Andy Warhol e Leo Castelli. Segundo a autora
(2005:88), “esses três personagens têm em comum o exercício de uma atividade
que responde aos axiomas-chave do regime de consumo”. Marcel Duchamp, com
a sua posição de ‘antiartista’ e com a criação dos ready-mades, esvaziou o
conteúdo emocional e intencional do artista e da obra. Formas, cores, visões,
interpretações da realidade, estilo, não interessam mais. O “fazer à mão” é
abandonado e dá lugar a um trabalho com signos, ou seja, Duchamp não oferece
novas imagens, mas sim propõe um exercício da arte num sistema de
comunicação. Ao afirmar que qualquer objeto pode ser arte, desde que num
determinado momento, Duchamp fortalece o poder da instituição de arte, pois a
partir de então

“o lugar de exposição torna os objetos obras de arte. É ele que


dá o valor estético de um objeto, por menos estético que seja”
(CAUQUELIN, 2005:94).

O valor não está mais na obra em si, mas no espaço-palco onde é


mostrada. O artista não é mais aquele que cria e executa; é apenas quem
mostra, escolhe e utiliza o material, dando-lhe, segundo Cauquelin (2005:97) um
“coeficiente de arte”.

Portanto, há um abandono da idéia de vanguarda e da figura romântica do


artista: “o jogo da arte consiste em especular a respeito do valor da simples
exposição de um objeto manufaturado” (CAUQUELIN, 2005:100). Os jogos de
linguagem e de construção da realidade ganham importância. “Expor um objeto é
intitulá-lo” (CAUQUELIN, 2005:101). Sendo assim, a arte deixa de ser emoção
para ser algo pensado.

Já Andy Warhol é um exemplo de artista que tratou arte como negócio


(business-art) e soube usar muito bem a rede para a viabilização de sua
empreitada. De desenhista de publicidade e artista pop reconhecido, Warhol
transformou-se num empreendedor: via a arte articulada à sociedade e ao mundo
dos negócios. Warhol elegeu, enquanto proposta artística, os objetos de
consumo para serem mostrados e reproduzidos em larga escala. Sua fascinação
por tais objetos era tão grande que ele mesmo se transformou num deles:
‘Warhol fabricou o espaço’ era o responsável por determinar o que era arte, Andy
Warhol afirma que não é mais esse espaço físico (museu, galeria) que define
algo, mas sim, o espaço da comunicação: a rede. O percurso desse artista,
segundo a autora, ajuda a vislumbrar uma definição de arte contemporânea: um
“sistema de signos circulando dentro de redes” (CAUQUELIN, 2005:120).

O terceiro embreante, Leo Castelli, foi um galerista que, assim como Andy
Warhol, usou a rede para viabilizar seu negócio internacionalmente. Castelli se
utilizou de certos aspectos da rede de comunicação, dentre eles o domínio da
‘informação’, para se tornar um profissional bem sucedido. Ao invés de
estabelecer concorrência, firmou acordos com outras instituições globo afora,
documentou todos esses procedimentos, criando uma imensa rede de
relacionamento e de informação. A sua fórmula foi garantir o sucesso global dos
artistas representados por sua galeria, pois, dessa forma, estaria garantindo
também o seu próprio sucesso, num processo cíclico de investidas bem
sucedidas dentro de uma concordância entre as principais instituições artísticas
do mundo.

Após a análise das principais ações e pensamentos desses embreantes,


Cauquelin procura identificar o eco que deixaram na arte atual. A autora constata
que é por fragmentos que as proposições dos embreantes são utilizadas hoje na
arte. Valores da arte moderna estão presentes na arte contemporânea; a mistura
do tradicional à novidade e o olhar para o passado caracterizam esse momento.
Para exemplificar essa relação entre valores da arte moderna na arte
contemporânea, a autora cita vários estados da arte atual, separando-os em três
grupos. O primeiro é composto pelos movimentos da arte conceitual, do
minimalismo e da land art, e tem influências de Marcel Duchamp. O segundo -
figuração livre, action painting e body art - reage às proposições duchampianas.
O terceiro, composto basicamente pela arte tecnológica, ocupa-se da arte
relacionada às tecnologias da comunicação e, posteriormente, computacionais.

Tendo em vista a introdução à arte contemporânea de Anne Cauquelin, é


de suma importância o seu estudo para a pesquisa sobre o ensino da arte
contemporânea uma vez que a autora mapeia a transformação dos mecanismos
da arte gerada por Marcel Duchamp, Andy Warhol e Leo Castelli. Dos
ready-mades às séries, dos salões às galerias, da sociedade de consumo à
sociedade de comunicação, da obra ao espaço da arte, a autora apresenta uma
análise crítica da arte contemporânea e seus desdobramentos no
pós-modenismo.

Você também pode gostar