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Novo Poder: passabilidade

Na série Novo Poder, o artista Maxwell Alexandre explora a ideia da comunidade preta
dentro dos templos consagrados de contemplação da arte contemporânea: galerias,
museus e fundações. Para isso, ele dá ênfase a 3 signos básicos: as cores preta, branca e
parda. A cor preta, atua como o corpo preto manifestado pela figuração de personagens; a
cor branca representa o cubo branco espelhando o espaço expositivo assim como o
conhecimento acadêmico; e a cor parda representa a obra de arte e também faz
autorreferência ao próprio papel que é o suporte principal da série. Outros signos fazem um
papel secundário, assim como o dourado, que muitas vezes apontam para a dignidade e
eleva tudo ao campo do sagrado, do espiritual. Um outro signo que vem ganhando
progressivamente importância dentro de Novo Poder é a Moda, que nesse contexto
funciona em uma direção similar enquanto ferramenta de elevação da autoestima. Por
consequência, o elemento da Moda se apresenta como uma espécie de desafio à ideia
colonial de que sensibilidade e beleza são elementos que não pertencem a pessoas
melanizadas.

Para compreender a totalidade da mensagem que Maxwell transmite nesta série, antes se
faz necessário investigar a intenção de sua criatividade em ‘Pardo é Papel’, uma série que
fala sobre um futuro especulativo de glória, vitória, farra, fartura, marra, vaidade e
auto-estima para as comunidades negras. E se em Pardo é Papel a projeção da ascensão
se dá através da ostentação de bens de consumo como carros, jóias e roupas de grife, em
Novo Poder o artista busca a abundância intelectual e simbólica, o acesso à quintessência
da produção material ocidental, a Arte.

Sabemos que a Moda e a Arte são dois campos da cultura hegemônica ocidental que se
consolidaram a partir da modernidade, cada um com suas especificidades, tendo como
ponto comum a forte influência que ambos exercem na construção de distinções sociais.
Tanto a Arte quanto a Moda atuam em um sistema complexo que legitima determinadas
hierarquias, e ambos envolvem aspectos ligados ao desenvolvimento dos conceitos de
beleza e valores estéticos. A Moda reforça os valores estabelecidos pela sociedade de
consumo, e a Arte provoca esses valores, nos ensinando a sonhar com perspectivas mais
críticas. Funcionando em suas instâncias específicas, por um lado a passarela e as revistas
de moda; por outro, os museus e as galerias de arte, em alguns momentos, as produções
destes dois diferentes campos se cruzam e, em outros casos, os limites são tênues.
Sabemos que a Moda, na realidade ocidental, conduz as escolhas e as preferências das
pessoas, indicando aquilo que devemos consumir, utilizar, ou fazer. Mas é importante
observar que ela atua também como uma forma de manifestação de poder, prestígio e
distinção cultural, para além do capital financeiro, sendo, assim como a arte
contemporânea, detentora de um grande capital intelectual e simbólico. As roupas, as joias,
os cabelos, as telas e as molduras servem como elementos estéticos que agregam valor e
status a um corpo, esses símbolos também influenciam no cotidiano e isso acontece
principalmente devido a dois fatores: o significado simbólico que eles representam e a
experiência física de ostentar algo valoroso. Em outras palavras, um relógio não é apenas
um acessório e vestir uma peça que gostamos e com a qual nos sentimos bem, assim como
o ato de emoldurar uma obra, pode se traduzir em uma afirmação de poder.
A falta de interesse das periferias e favelas pela arte contemporânea, afirma Maxwell
Alexandre, é um programa construído. Esse é um segmento de elite e também de distinção
social mesmo entre os ricos. Para aqueles que têm iates, helicópteros, mansões e piscinas
como bens corriqueiros, a arte torna-se uma referência para dizer quem é mais sofisticado.
Dessa maneira, quem tem um quadro valioso na parede de casa e pode compreender o
artista deu seu tempo, se destaca. Do mesmo modo acontece no meio da Moda, a
sensação de entrar numa loja Louis Vuitton é parecida com a sensação de entrar no Louvre,
ao ocupar esses espaços o sentimento de exclusão grita dentro do corpo negro, já para o
corpo branco o sentimento geralmente é de pertencimento.

O cruzamento da produção artística de Maxwell Alexandre com o universo da Moda, surge


de uma construção que vem se desenvolvendo desde os tempos em que ele adentrou os
corredores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Por ser aluno do curso de
Design, Maxwell teve acesso aos laboratórios de Moda, onde pôde recolher o material
necessário para suas experimentações: retalhos de papel pardo repletos de rascunhos e
anotações que eram descartados nas aulas de modelagem. A partir da sua condição de
estudante, ele tateou materiais descartados nesses espaços como uma alternativa para
criar trabalhos, apesar da falta de recursos econômicos que existiam naquele momento. Ao
se deparar com esse material, o artista alcançou pouco a pouco a intimidade necessária
para germinar as primeiras pinturas que dariam origem à série 'Pardo é Papel'.

Pintar personagens negros com atitude e posições de poder naqueles fragmentos de papel
usados para construir roupas, foi uma interseção poderosa que Maxwell Alexandre
encontrou para enfatizar a afirmação de que tanto a Arte quanto a Moda são sustentáculos
que edificam a sociedade atual. Deste modo, ao relacionar os espaços expositivos da Arte e
da Moda, o artista afirma que estes são celeiros de cultura que estão profundamente
conectados a uma posição de poder, considerando que a instância superior do circuito da
Moda é a passarela, e o da Arte é o museu. Espaços que precisam ser reivindicados por
corpos pretos, já que ali a história é legitimada, pois são nesses lugares onde as narrativas
e a construção de imagens são manipuladas.

É neste sentido que a série Novo Poder propõe a transmutação da realidade, gerando
imagens de pessoas melanizadas dentro das exposições de arte, caminhando com
elegância, como “catwalks” pelas exposições.
Essa familiaridade, tratada pela primeira vez na exposição de La Casa Encendida, é fruto
de um processo de assimilação e incorporação, ou mesmo entendimento e vivência, dos
códigos de ambos os campos, que conferem a esses indivíduos confiança e auto estima.
Essas florescem em um porte ou postura de tranquilidade e confiança; uma passabilidade,
emanada de dentro pra fora.
Quer dizer, uma caminhada que não é somente uma passagem efêmera pelo espaço, mas
uma conquista de quem aprendeu a pertencer e usufruir destes lugares e do gozo estético
com segurança e tranquilidade.

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