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EU SOU MALALA, DE MALALA YOUSAFZAI

Malala foi baleada pelo Talibã em nove de outubro de 2012, quando voltava da escola
no vale do Swat, Paquistão. Na época, tinha 14 anos e muitos sonhos. Felizmente, o Talibã
não conseguiu matar nem a menina nem seus sonhos; pelo contrário, fez com que eles
tomassem uma dimensão global. No livro Eu Sou Malala: A história da garota que defendeu
o direito à educação e foi baleada pelo Talibã, publicado no Brasil pela Companhia das
Letras em 2013, Malala conta a sua história a partir da pergunta feita pelo terrorista que a
baleou: quem é Malala?

A jovem foi perseguida pelo Talibã por ser a menina que queria estudar e também
porque seu pai era um grande defensor e ativista pela educação para todas as crianças. Os
terroristas queriam manter as mulheres em burcas e dentro de suas casas. Segundo a crença
local, aos 14 anos uma moça já é considerada adulta.

Os pais de Malala têm um bom relacionamento, baseado em amor e respeito. O pai,


Ziauddin Yusafzai, é um personagem chave na vida da jovem e em sua história como ativista
pela educação. Diferente de boa parte dos homens da região, como ela mesma conta, seu pai
não despreza as mulheres e não as considera inferiores. Sempre tratou a esposa com respeito e
não se indignou quando Malala nasceu, como normalmente acontece no nascimento de
meninas. Pelo contrário, ficou muito feliz com o nascimento da filha. Pode parecer que, em
boa parte do livro, a história que estamos lendo é a do pai de Malala, e não a dela. Contudo,
levando com consideração que aquela é uma sociedade bastante excludente para as mulheres,
saber sobre o pai dela é fundamental para entender quem é Malala.

A mãe, Tor Pekai Yousafzai, começou a estudar aos seis anos, mas não prosseguiu
com os estudos. Gostava da escola, mas considerava um desperdício estudar para depois ficar
restrita ao espaço doméstico e ao cuidado dos filhos. Acabou continuando analfabeta e se
arrependeria de ter largado os estudos depois de se casar com Ziauddin, muito inteligente e
grande amante de poesia. Contudo, tanto Malala quanto o seu pai enfatizam que Tor tem um
outro tipo de inteligência, voltada para relacionamentos e pessoas. Seu marido constantemente
lhe pede conselhos e valoriza muito a sua opinião.

Malala conta que sob o regime do General Zia, a partir de 1947, a situação das
mulheres no Paquistão ficou ainda mais complicada. Antes disso, as questões se baseavam em
restringir a mulher ao espaço doméstico, sem condições de igualdade com os homens, mas
com um mínimo de respeito. Depois, a forte islamização do Paquistão, em oposição ao
laicismo, reduziu quase a nada o valor das mulheres. Malala conta que o testemunho de uma
mulher equivalia à metade do testemunho de um homem, por exemplo. As mulheres não
conseguiam fazer nada sem a autorização de um homem.

A leitura de Eu Sou Malala também nos permite conhecer, com uma visão
regionalizada, o início das tensões causadas pelos terroristas, assunto muito em voga em razão
dos últimos ataques promovidos pelo ISIS. Por meio da experiência de Ziauddin, que se
aprofundou nos estudos do islã quando jovem, tornando-se quase um fanático, entendemos
como é feita a doutrinação dos meninos e quais governos financiaram e fortaleceram as
ditaduras daquelas áreas, em especial do Paquistão e Afeganistão. Felizmente, o pai de Malala
encontrou um bom lugar entre dois extremos, o secularismo socialista e o islã militante.

Malala tem muito orgulho de sua terra e de seus costumes, mas não fecha os olhos
para as injustiças cometidas contra as mulheres, justificadas pela tradição. Ela conta casos de
machismo envolvendo pessoas próximas e também do estranhamento causado por sua
personalidade e criação. Ela sempre foi protegida pelo pai, mas muitas outras meninas não.
Ziauddin, como educador e dono da escola onde Malala estudava, não só acreditava na
educação como elemento fundamental para a transformação da realidade das pessoas no
Paquistão, como defendia o direito da filha batalhar por um futuro diferente daquele
sacramentado para as mulheres e meninos pobres do vale do Swat.

Malala reafirma sua fé no islã em várias passagens do livro. Explica que o Corão não
diz que as mulheres devem andar de burca ou deixar de receber educação, por exemplo. Pelo
contrário, segundo o seu entendimento da religião, todas as criaturas devem buscar o
conhecimento. O Talibã seria um grupo que interpreta o islã de forma errada, assim como
vários grupos fundamentalistas de várias religiões ao redor do mundo. Isso, pessoalmente, me
entristece. O fato de livros tidos como sagrados, escritos há milênios, servirem de norma de
conduta para pessoas que vivem hoje é absurdo. Creio que seria uma boa ideia o lançamento
de uma edição revista e atualizada dos livros sagrados para que se eliminasse, de uma vez por
todas, a possibilidade de má interpretação das escrituras, que agride e mata tanta gente ao
redor do mundo.

Malala, felizmente, fez e faz a sua parte, lutando para que o direito pela educação seja
garantido também às meninas. Foi enriquecedor conhecer uma realidade tão diferente da
nossa pelos olhos de uma mulher. Obrigada, Malala, por contar a sua história.

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