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INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

ADRIANA GALAFASSI ROMANO

CLAUDIO MARCIO ROMANO

MIRIELLE DE BARROS LUNA

A DESCOBERTA DOS MANUSCRITOS DO MAR MORTO

SÃO PAULO

2021
INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR
ADRIANA GALAFASSI ROMANO

CLAUDIO MARCIO ROMANO

MIRIELLE DE BARROS LUNA

A DESCOBERTA DOS MANUSCRITOS DO MAR MORTO

Trabalho apresentado à disciplina de


Metodologia do Trabalho Acadêmico do curso
Livre em Teologia, Unidade Teológica EAD,
Instituto Teológico Quadrangular, como
requisito parcial para conclusão da disciplina.

Professor: Prof.ª Kelly

SÃO PAULO

2021

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................4

CAPÍTULO 1 – LOCALIDADE...............................................................................................6
1.1 Localidade das cavernas...........................................................................................6
1.2 Características da descoberta....................................................................................7
CAPÍTULO 2 – OUTROS ELEMENTOS SOBRE OS MANUSCRITOS...............................9
2.1 Variantes textuais......................................................................................................9
2.2 Os manuscritos no Brasil....................................................................................12
2.3 A produção bibliográfica brasileira sobre os manuscritos do mar morto...............12
CONCLUSÃO..........................................................................................................................15
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................16

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INTRODUÇÃO

Em 1947, na região do deserto da Judeia, em Israel, foram encontrados muitos


manuscritos da Bíblia compostos, em hebraico, em aramaico e em grego. Muitos de tais
manuscritos estavam em estado fragmentário, mas que se mostraram de valor inestimável
para a história do texto bíblico. A partir desse momento, vários arqueólogos, historiadores e
cientistas se dedicaram a vasculhar a região do mar Morto, a procura de mais manuscritos.
Em várias cavernas foram encontrados inúmeros documentos nas localidades de Hirbet
Qumran, Wadi Murabba‘at, Nahal Hever, Massada, Nahal Se’elim, Nahal Arugot e
Wadi Sdeir. A localidade mais importante e a mais conhecida dessas é a de Hirbet Qumran
(também conhecida, simplesmente, como Qumran), em que grande número de textos
bíblicos e não bíblicos foi descoberto em suas 11 cavernas. Os textos encontrados nos
vários sítios arqueológicos mencionados são datados, geralmente, do período entre a metade
do século III a.C. e o início do século II d.C.

        As descobertas em Qumran deram grande impulso ao campo da  crítica bíblica e,


principalmente, à área da crítica textual e literária, que muito se beneficiou desse rico
acervo de manuscritos em hebraico, aramaico e grego.
Esses manuscritos revelam pluralidade de tipos textuais da Bíblia
Hebraica  existentes no período do Segundo Templo (séc. VI a.C. - séc. I d.C.) e que  são
representados no corpus de Qumran:

1. textos como – Massorético (textos que refletem o Texto Protomassorético);

2. textos próximos à presumida Vorlage hebraica da Septuaginta (textos que re-


fletem uma possível fonte hebraica da antiga versão grega);

3. textos Pré-Samaritanos (textos que refletem a versão hebraica samaritana) e

4. textos não alinhados (um agrupamento de textos que não são alinhados aos textos
de tipo massorético, de tipo samaritano ou de tipo septuagintal). 

Outra relevante contribuição dos textos é em relação ao entendimento sobre o


processo de preservação e de transmissão do texto bíblico, como um todo, entre a metade do
século III a.C. e o início do século II d.C., como a variedade textual refletida nos quatro
grupos, os aspectos técnicos de cópia de textos bíblicos e a sua transmissão e a
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confiabilidade da reconstrução da Vorlage das antigas versões, especialmente da
Septuaginta.

No período de nove anos, de 1947 a 1956, os arqueólogos encontraram vários


manuscritos de todos os livros da Bíblia Hebraica, exceto o do livro de Ester no sítio
arqueológico de Qumran. Muitos dos documentos achados ali já foram estudados por
especialistas internacionais e publicados em edições acadêmicas. Peritos de várias
nacionalidades escreveram a respeito do assunto em livros e em revistas especializadas em
temas históricos, arqueológicos e bíblicos e eles muito contribuíram para a divulgação
dessas descobertas. Pode-se mencionar alguns dos nomes que se dedicaram a este assunto,
principalmente, aqueles da primeira geração: Eleazar L. Sukenik, Harold H. Rowley,
William F. Albright, Roland G. de Vaux, André Dupont Sommer, Yigael Yadin, Naḥman
Avigad, Józef T. Milik e Géza Vermès.

A quantidade de manuscritos descobertos em Qumran é muito grande. Segundo Tov,


nas 11 cavernas de Qumran foram encontrados 930 manuscritos de textos bíblicos e não
bíblicos, dos quais entre 210 e 212 são de livros da Bíblia Hebraica.  Além dos achados
arqueológicos realizados em Qumran, outros 25 manuscritos de textos bíblicos foram
descobertos em outros sítios do deserto da Judeia, como em Wadi Murabba‘at, em Nahal
Hever, em Massada e em outras localidades.

Alguns dos textos não bíblicos, que foram localizados nas 11 cavernas de Qumran,
são os seguintes: Gênesis Apócrifo (1QGnAp), Documento de Damasco (CD), Manual da
Disciplina ou Regra da Comunidade (1QS), Regra da Guerra (1QM), Hinos de Ação de
Graças (hebr. hodayôt) (1QH), Manuscrito do Templo (11QT), Rolo de Cobre (3Q15), entre
outros. Entre os documentos contendo comentários a livros bíblicos (hebr. pesher,
explicação, interpretação) e traduções aramaicas (targum) os seguintes são alguns  dos mais
relevantes: pesher de Habacuque  (1QpHc), pesher de Miqueias (1QpMq), pesher de Naum
(4QpNa), pesher do Salmo 37 (4QpSl 37), Targum de Jó (11QtgJó) e Targum de Levítico
(4QtgLv).

No presente artigo, será abordada, especificamente, a descoberta de manuscritos


efetuada em Qumran, por se tratar do sítio arqueológico mais importante dentre os demais
sítios do deserto da Judeia.

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CAPÍTULO 1 – LOCALIDADE

1.1 Localidade das cavernas

Entre o inverno e a primavera de 1947, Jum‘a Muhammed e Muhammed Ahmed el-


Hammed, dois beduínos árabes da tribo Ta‘amireh, teriam encontrado acidentalmente na
região de Hirbet Qumran, a 12 km ao sul de Jericó, na região noroeste do mar Morto, uma
caverna contendo pergaminhos bíblicos e não bíblicos muito antigos, entre os quais um rolo
completo e outro em estado fragmentário do livro de Isaías, um comentário ao livro de
Habacuque e um texto sobre regras de uma determinada comunidade religiosa judaica.
Segundo Nascimento (2017):

Os manuscritos do Mar Morto foram encontrados em 1947 dentro de potes


de argila em cavernas a cerca de dois quilômetros do Mar Morto e a 420
metros abaixo do nível do mar. Os primeiros jarros foram revelados em
1947, depois que um beduíno encontrou os documentos ao procurar por um
animal perdido.

Mais tarde, os estudiosos identificaram tais achados como o manuscrito completo de


Isaías (1QIsa), o manuscrito fragmentário de Isaías (1QIsb), o pesher de Habacuque
(1QpHc) e a Regra da Comunidade (1QS). Posteriormente, o primeiro manuscrito de Isaías,
entre outros, foi adquirido pelo Mosteiro Ortodoxo Sírio de São Marcos, em Jerusalém cujo
patriarca, mar Athanasius Yeshue Samuel, se interessou em levá-lo para a American
Schoolsof Oriental Research de Jerusalém para submetê-lo a peritos. Os estudiosos dataram
o manuscrito 1QIsa de cerca de 150 a 100 a.C. Este mesmo documento pode ser datado
entre 250 e 103 a.C., segundo o teste do carbono-14, mas de acordo com os estudos da
paleografia, o mesmo é datado de 125 a 100 a.C. O manuscrito 1QIsb  é mais recente, tendo
surgido entre 100 e 75 a.C.

Outro lote de manuscritos encontrados em Qumran foi adquirido por Eleazar L.


Sukenik, da Universidade Hebraica de Jerusalém, que depois de muito estudar essa
descoberta, chegaram às mesmas conclusões a que os peritos americanos: os manuscritos
eram muito antigos e, provavelmente, pertenciam ao período do Segundo Templo. Em
consequência dessas evidências, beduínos e estudiosos lançaram-se à procura de mais

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documentos na região de Qumran e, no período entre 1952 e 1956, foram localizadas mais
10 cavernas, nas quais foram encontrados centenas deles. Segundo a estimativa de alguns
estudiosos, o total de textos localizados chega a 930. A totalidade de documentos contendo
textos com conteúdo bíblico localizados em Qumran varia entre 210 e 212.

Até hoje, há divergências em torno da identidade da comunidade de Qumran.


Segundo alguns, esse grupo poderia ser identificado com os essênios, um dos vários ramos
do judaísmo do período entre o século II a.C. e o século I d.C., ao lado dos fariseus, dos
saduceus e dos zelotes. Escritores antigos como Fílon de Alexandria (25 a.C. - 40 d.C.),
Flávio Josefo (37/38-100 d.C.), Plínio, o Velho (23-79 d.C.) e as próprias informações de
Qumran, relatam a existência de tal grupamento no mundo judaico de tal época, mas não há
consenso entre os especialistas sobre as informações fornecidas por eles. A identificação da
comunidade de Qumran com os essênios continua em aberto até o presente momento.

Atualmente, os manuscritos encontrados no sítio arqueológico de Qumran estão


guardados no Santuário do Livro, também conhecido como Heikhal ha-Sefer (hebr. Templo
do Livro), uma ala do Museu de Israel, em Jerusalém, Israel.  Todos os textos encontrados
nas 11 cavernas de Qumran foram publicados de 1955 a 2009 na série  Discoveries in the
Judean Desert (DJD), editada pela Oxford University  Press. Além da referida série, parte
dos textos foi publicada por estudiosos por outras editoras de 1950 a 2010.

1.2 Características da descoberta

O valor das descobertas em Qumran é imenso, pois permite perceber como era o
estado de transmissão dos textos bíblicos em um período anterior e também posterior à era
cristã. Os manuscritos encontrados nas 11 cavernas são datados do século III a.C. ao século
I d.C., aproximadamente. O terminus  a quo (ponto que determina o início de uma ação) é
250 a.C. e o terminus ad quem (ponto que determina o final de uma ação) é 68 d.C. Os
manuscritos de Qumran atestam pluralidade de tipos textuais da Bíblia Hebraica e foram
encontrados textos divergentes dos livros de Samuel e de Jeremias, que são mais
relacionados com o texto da Septuaginta do que com o texto Massorético. Outros
manuscritos comprovam também o tipo de texto que posteriormente daria origem ao
Pentateuco Samaritano.

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Os manuscritos bíblicos mais antigos são aqueles que surgiram ao longo do século
III a.C., sendo achados na caverna 4: o 4QÊx f , o 4QSm b , o 4QJr a e o 4QEc a . Alguns
documentos datados do século II a.C., como os dois do livro de Daniel, o 4QDn  c e o
4QDn e, que são datados entre 125 e 100 a.C., se afastam do livro original em apenas 60
anos.
O tipo textual do Texto Massorético, isto é, o Texto Protomassorético ou textos
como-Massorético, também é contemplado pelo corpus de Qumran como, por exemplo, o
1QIs b , entre outros, sendo este um dos mais representativos. O nível de concordância
textual desse rolo em relação ao Texto Massorético é perceptível, o que comprova a
antiguidade do tipo pertencente ao preservado pelos escribas judeus no período talmúdico e,
mais tarde, pelos massoretas na época medieval. Além de 1QIs b, manuscritos como o
4QJr a, entre outros documentos, também refletem o tipo de texto que posteriormente daria
origem ao Texto Massorético. 
Possivelmente, a comunidade de Qumran tinha mais apreço por determinados livros
bíblicos, por serem mais populares entre os adeptos do grupo. Esses textos são
representados por muitas cópias encontradas neste sítio arqueológico (cf. tabela abaixo). A
quantidade de manuscritos de textos bíblicos compostos, tanto na escrita quadrática   quanto
na escrita paleohebraica, sendo encontrados nas 11 cavernas, é a seguinte:

TABELA 1 – QUANTIDADE DE MANUSCRITOS ENCONTRADOS DE CADA LIVRO


BÍBLICO

FONTE: Fischer (2013)


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Quantidade de manuscritos de textos bíblicos compostos, tanto na escrita quadrática,
quanto na escrita paleohebraica, encontrados nas 11 cavernas.

Em Qumran, foram encontrados, igualmente, livros deuterocanônicos (Eclesiástico,


Tobias e Epístola de Jeremias), pseudepígrafos (Livro dos Jubileus e o Testamento dos
Doze Patriarcas), targuns (de Jó e de Levítico) e um grande número de escritos produzidos
pela própria comunidade qumraniana como o Gênesis Apócrifo, a Regra da Comunidade, o
Rolo do Templo, a Regra da Guerra, o Documento de Damasco, os Hinos de Ação de
Graças, o Rolo de Cobre, o pesher  de Habacuque, o peher  de Naum, entre outros textos.
Além de tal material literário, foram encontradas na caverna 4, cinco obras que apresentam
edições exegéticas do texto do Pentateuco, tendo como base textos como Massorético e
textos como Samaritano, sendo denominadas Pentateuco Reelaborado. Segundo os
especialistas, somente na caverna 4 foram localizados cerca de 380 documentos, vários dos
quais em estado muito fragmentário. Além de textos bíblicos em hebraico, também foram
achados manuscritos em aramaico e manuscritos da Septuaginta nas cavernas 4 e 7, e nesta
última, somente havia manuscritos em grego. Dentre todas as cavernas, as que forneceram
materiais mais importantes foram as cavernas 1, 4 e 11.
Além de material escritural, alguns objetos sagrados judaicos como filactérios
(hebr. teffilîn, filactérios) e mezuzás (hebr. mezûzôt, batentes de porta) também foram
descobertos no local e estas peças religiosas continham pequenos trechos bíblicos (Êx 12 e
13; Dt 5; 6; 10; 11 e 32), que foram escritos de memória e não copiados de alguma fonte
escrita. Um fragmento de filactério foi encontrado na caverna 1, 21 na caverna 4, um na
caverna 5 e um na caverna 8 (1QFil, 4QFil a , 4QFil b , 4QFil c, 4QFil d, 5QFil e 8QFil).
Além de filactérios, sete fragmentos de mezuzás foram descobertos na caverna 4 e um na
caverna 8 (4QMez a , 4QMez b , 4QMez c , 4QMez d , 4QMez e  e  8QMez). 

CAPÍTULO 2 – OUTROS ELEMENTOS SOBRE OS MANUSCRITOS

2.1 Variantes textuais

Os manuscritos de Qumran revelam muitas variantes textuais em relação ao texto


bíblico hebraico de tradição massorética que se tornou normativo para o judaísmo. As
variantes textuais são tanto em relação ao texto bíblico de tradição massorética quanto em
9
relação ao texto das demais versões bíblicas clássicas, como a Septuaginta e o Pentateuco
Samaritano. Parte das variações é relacionada com alguma palavra, expressão ou trecho do
texto bíblico. Abaixo, à guisa de ilustração, são apresentadas em tradução em português,
algumas variantes textuais do texto de Isaías de dois manuscritos de Qumran: o 1QIs  a (c.
150-100 a.C.) e o 1QIs b (c. 100-75 a.C.). As diferenças textuais desses dois manuscritos
são comparadas com o Texto Massorético, representado por dois manuscritos massoréticos,
os códices (cf. tabela abaixo) de Leningrado B19a (L) (c. 1008-1009 d.C.) e Alepo (A) (c.
925-930 d.C.):

TABELA 2 – CÓDICES

FONTE: Francisco (2008)

Por meio da breve ilustração, os dois manuscritos de Qumran demonstram que havia
ainda multiplicidade e fluidez do texto bíblico hebraico no período do Segundo Templo. Em
alguns casos selecionados, os manuscritos de Qumran apresentam algum tipo de variação
textual entre si. Por outro lado, não há nenhuma variação textual entre os códices L e A nos
mesmos casos do livro de Isaías que serviram aqui de ilustração. Estes dois códices
massoréticos, datados da época medieval, demonstram que o texto bíblico hebraico já tinha
se tornado tanto uniforme quanto estável.
O 4QSm a (c. 50-25 a.C.) contém um longo segmento em 1Samuel11 que não se
encontra mais no texto bíblico hebraico de tradição massorética. De acordo com os
estudiosos, tal trecho era parte integrante da redação primitiva do livro de 1Samuel. O
referido manuscrito de Qumran está em estado muito fragmentado e os trechos que estão

10
entre [ ] indicam (cf. tabela abaixo) que foram restaurados pelos estudiosos.  Segundo os
eruditos, o motivo do referido trecho de 1Samuel11 ter sido omitido pelo texto bíblico
hebraico de tradição mas soréticaseria em virtude de algum erro escribal ocorrido em
alguma ocasião no período do Segundo Templo.

TABELA 3 – ESCRITOS RESTAURADOS

FONTE: Francisco (2008)

4QSm a é mais um manuscrito de suma importância por revelar que o texto bíblico
hebraico ainda não estava uniforme e estável no período do Segundo Templo e que havia
graus de diferença textual entre os quase 212 manuscritos bíblicos encontrados em Qumran.
Tais diferenças podem ser percebidas tanto em palavras quanto em expressões, como se
verifica em 1QIs a e em 1QIs b e longos trechos como se constata em 4QSm a.

11
2.2 Os manuscritos no Brasil

Há exatos 70 anos, ocorreu a maior descoberta arqueológica de textos antigos da


história, que recebeu desde cedo o nome genérico manuscritos do mar Morto. Ela decorreu
entre os anos 1947 e 1965, com os textos sendo encontrados principalmente em cavernas
existentes nas escarpas entre a orla do mar Morto e o deserto da Judeia. Desde cedo, a
descoberta despertou o interesse do meio acadêmico mundial e muitos pesquisadores se
dispuseram a trabalhar com os achados. Assim que as primeiras publicações dos documentos
foram feitas, os pesquisadores perceberam que esse novo corpus  literário traria impactos
profundos em temas de diversas áreas do conhecimento. Ao longo dos 70 anos de pesquisas,
os textos ajudaram a compor um quadro mais bem definido, em diversos aspectos, da Judeia
dos séculos IV a.C. a II d.C., período que compreende às diversas coleções que compõe os
manuscritos do mar Morto. Serviram também para alterar as concepções históricas sobre o
texto bíblico e a formação de seu cânon. Colocados ao lado de outras fontes do período, como
os textos bíblicos, textos de comunidades letradas e de autores clássicos, lançaram luz sobre a
formação do Judaísmo e do Cristianismo. A trajetória da produção bibliográfica que confirma
isso também tem sua história e o Brasil possui participação.

2.3 A produção bibliográfica brasileira sobre os manuscritos do mar morto

          Na trajetória dos 70 anos da produção bibliográfica dos manuscritos do mar Morto, o
Brasil dá a sua contribuição de maneira bastante particular. Nesse longo espaço de
tempo (para um trabalho da historiografia contemporânea), há uma produção quantitativa e
qualitativa que está estreitamente ligada a momentos específicos e que deve ser compreendida
com base em suas particularidades (mas que ainda assim é caracterizada pela
progressividade). Ao mesmo tempo, a produção no Brasil se mostrou sensível para com as
mudanças de rumo ocorridas ao longo da história da produção bibliográfica mundial. Por isso,
os acontecimentos mencionados acima acerca da publicação dos documentos determinam
uma linha cronológica absoluta que permite compreender a dinâmica da produção em seu
tempo, os veículos responsáveis pela informação e o tipo de abordagem utilizada, além do
próprio desenvolvimento da pesquisa sobre os manuscritos do mar Morto no Brasil.

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Uma busca nos acervos dos principais jornais do país mostra que, desde meados da
década de 1950, os manuscritos se faziam conhecidos no Brasil. Os trabalhos acadêmicos
começariam a surgir pouco tempo depois, ainda naquela década. O primeiro estudo publicado
no Brasil foi o do teólogo Manuel Jimenez F. Bonhomme. Bonhomme publicou parte de seus
trabalhos no Brasil enquanto fazia seus estudos de filosofia  e teologia (completados na
Alemanha, Roma e Jerusalém) e atuava como padre passionista em Curitiba entre da década
de 1950 e início da década de 1960. Ele viria a escrever outros textos, todos publicados
na Revista de Cultura Bíblica  – que se tornou uma espécie de florilégio para os teólogos que
escreveram sobre os manuscritos do mar Morto entre a segunda metade da década de 1950 e
início da década de 1960. Entre os que publicaram durante esse período nessa revista, aquele
que faria as considerações mais aprofundadas seria o teólogo Gaudêncio Gratzfeld. Em
artigos falando sobre os grupos político-religiosos judaicos, sobre as supostas relações dos
manuscritos com as origens do cristianismo e sobre as principais teses desenvolvidas até o
início da década de 1960, Gratzfeld reflete a pluralidade de opiniões existente até aquele
momento, vindo a abraçar algumas que futuramente seriam descreditadas. A principal delas
foi a de que os manuscritos de Qumran eram oriundos do Templo de Jerusalém e não de uma
comunidade que tivesse habitado as instalações de Qumran (essa opinião é defendida ainda
hoje por alguns poucos pesquisadores, o mais famoso deles é o americano Norman Golb).
Fora da Revista de Cultura Bíblica, o número de textos publicados foi ínfimo. Há
artigos do início da década de 1960 que devem ser destacados. O primeiro deles é o do
teólogo José Gonçalves Salvador. Em um artigo publicado na Revista de História da USP, em
1960, com o título Descobertas no Deserto da Judéia (Os manuscritos do Mar Morto),
Salvador apresenta uma visão geral da descoberta, dos manuscritos encontrados na caverna 1
de Qumran e das escavações realizadas no sítio central daquela área. Como os autores
da Revista de Cultura Bíblica, a bibliografia consultada por Salvador inclui os livros
publicados na década de 1950, escritos por aquela geração de pesquisadores responsável pelos
primeiros estudos e por estabelecer algumas das prerrogativas que se tornariam estruturais nas
pesquisas dos manuscritos de Qumran. Por exemplo, o que chamo de tríade de
Qumran (manuscritos de Qumran-essenismo-Qumran), que é o resultado da soma das teorias
sobre a identidade religiosa dos redatores/detentores dos manuscritos de Qumran (judeus da
corrente religiosa essênia) e da habitação das instalações de Qumran por eles, é defendida
também por Salvador em seu artigo. Ele não escreveria mais nada sobre os manuscritos do

13
mar Morto em sua carreira, mas continuaria interessado por temáticas ligadas ao estudo das
religiões.
No Brasil, a partir dos anos 2000, há uma evolução extremamente significativa nas
pesquisas sobre os manuscritos do mar Morto que inaugura uma nova postura da produção
bibliográfica. O cenário, que começa a se desenvolver na década de 1990, viria a partir de
então a alcançar seu estágio mais evoluído. Houve o aprofundamento das pesquisas por parte
de especialistas. Isso resultou no aumento progressivo de dissertações, teses, artigos, projetos
de iniciação científica, Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), grupos de pesquisa,
palestras, congressos, intercâmbio com pesquisadores internacionais, e o que teremos pela
primeira vez: livros nacionais. Segundo Vieira:

Acerca dos pesquisadores envolvidos na produção bibliográfica brasileira, é


importante destacar a contribuição de teólogos. Eles representaram os
primeiros e principais interessados na pesquisa acadêmica dos manuscritos
e foram os responsáveis pela grande maioria das publicações até os dias de
hoje no Brasil. O interesse deles tem a ver, de um lado, com a transmissão
dos textos bíblicos, de outro, com as raízes, nascimento e estruturação dos
grupos cristãos no século I d.C., principalmente pelos manuscritos ajudarem
a compor, com maior clareza, o cenário social da sociedade judaica do
período intertestamentário.

Deve-se ressaltar ainda que, independentemente do aumento das publicações de cunho


científico, veículos não especializados continuam até os dias de hoje a publicarem material
informativo. Os jornais e revistas tiveram um papel importante na cobertura de
acontecimentos ligados aos manuscritos, como a exposição realizada no Brasil, a vinda de
pesquisadores do exterior para palestras, a conclusão das publicações dos manuscritos
remanescentes e a liberação do acervo digitalizado para o público geral. A áurea de mistério
dá lugar ao caráter neutro na informação. O conteúdo sensacionalista, por sua vez, migrou
para as inúmeras páginas não especializadas da internet (principalmente aos blogs), que
exploram em demasia as comparações (sobretudo com o cristianismo).
No Brasil, diferentemente dos países tradicionais na pesquisa dos manuscritos, há um
quadro, com bastante espaço, ainda a ser preenchido. A chegada dos qumranistas e de outros
pesquisadores tem sido importante, pois além de promoverem o aprofundamento dos estudos,
se colocam também como uma ligação direta com as gerações vindouras. Para além dessas
mudanças já ocorridas, há metas que podem ser propostas para o futuro. Uma delas é a

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ampliação da participação dos pesquisadores brasileiros no cenário internacional, por meio de
publicações conjuntas e participações em eventos. Outra é o estreitamento dos laços entre os
pesquisadores brasileiros. Esperamos que essas propostas possam se concretizar daqui em
diante. O futuro dirá.

CONCLUSÃO

 A principal importância da descoberta dos manuscritos encontrados em Qumran é


relacionada com o estado textual do texto bíblico hebraico no período entre o século III a.C.
e o século I d.C. Os exemplos de variantes textuais citados neste breve estudo de 1QIs  a,
1QIs b e 4QSm a servem como testemunho da multiplicidade e da fluidez do texto bíblico
hebraico, comprovando que não havia ainda estabilidade e uniformidade, só alcançadas em
período próximo ao final da época do Segundo Templo (séc. I d.C.). Provavelmente, tal
aspecto dos manuscritos de Qumran seja o mais relevante para a compreensão da realidade
textual da Bíblia no período que é abordado neste conciso artigo. De acordo com os
eruditos, há, pelo menos, quatro tipos de texto que são representados pelos quase 212
manuscritos bíblicos de Qumran: aqueles que refletem o tipo massorético, aqueles que
refletem o tipo samaritano, aqueles que refletem o tipo septuagintal e aqueles que não são
alinhados a estes três tipos textuais.
Outra característica relevante dos manuscritos de Qumran é a presença de muitos
textos que não fazem parte do cânone da Bíblia Hebraica, como livros deuterocanônicos e
pseudepígrafos e textos próprios da comunidade qumraniana. Além disso, é constatado o
uso de traduções aramaicas e gregas de material escritural e comentários a textos bíblicos.
Determinados objetos sacros judaicos, como filactérios e mezuzás, também fazem parte do
acervo. Tal material, tanto em forma escritural quanto em forma de artefato, revela o uso
constante dos mesmos pelas várias correntes do judaísmo da época do Segundo Templo.
Por fim, os manuscritos de Qumran, descobertos entre 1947 e 1956, mudaram, de
maneira radical, a maneira de como o texto da Bíblia foi preservado e transmitido em
período do Segundo Templo, além de tal descoberta ter desencadeado, da mesma maneira,
novos estudos sobre o judaísmo da época do Segundo Templo, como, por exemplo, a
vidados variados grupos judaicos atuantes na época, como os essênios, entre outros.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
EISENMAN, Robert; WISE, Michael. A descoberta dos manuscritos do Mar Morto. Trad.
Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994.

FISCHER, Alexander A. O Texto do Antigo Testamento – Edição Reformulada da


Introdução à Bíblia Hebraica de Ernst Würthwein. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil,
2013.

FRANCISCO, Edson de F. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético


– Guia Introdutório para a Biblia Hebraica Stuttgartensia. 3. ed. São Paulo: Vida Nova,
2008.

FRANCK, Harry T. Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto. 4. ed. Coleção


Bereshit. Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 3-20.

GOLB, Norman. Quem Escreveu os Manuscritos do Mar Morto? Coleção Bereshit. Rio de


Janeiro: Imago, 1996.

NASCIMENTO, Anamaria. Manuscritos do Mar Morto agora estão disponíveis em um


site criado por um professor pernambucano. 2017. Disponível em:
<https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2017/07/manuscritos-do-mar-
morto-agora-estao-disponiveis-em-um-site-criado-por.html>. Acesso em: 28 out. 2021.

OLIVEIRA, Cristyele. A História por Trás dos Manuscritos do Mar Morto Vendidos por
um Preço Milionário. 2021. Disponível em: <https://www.fatosdesconhecidos.com.br/a-
historia-por-tras-dos-manuscritos-do-mar-morto-vendidos-por-um-preco-milionario/>. Acesso
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SANTIAGO, Emerson. Manuscritos do Mar Morto. Disponível em:


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<https://www.manuscritosdomarmorto.com/os-mmm-no-brasil>. Acesso em: 28 out. 2021.

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