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HISTÓRIA, CIDADE, MODERNIDADE – Jogos de Poder e Exclusões

“Edificadas” nos Alicerces da Avenida Beira Rio: Itumbiara – 1970/2005.

Davi de Siqueira Machado Júnior1


Minéia Catalogo Desidério 1
Ivonilda Lemes2

RESUMO:
A partir de debates travados por políticos locais, matérias jornalísticas e
depoimentos acerca dos projetos e as mudanças implementadas na avenida
Beira Rio, na cidade de Itumbiara-GO, é possível considerar que essa foi a
“grande invenção” do século XX naquele Município, permanecendo a
principal inspiração para os políticos locais, ávidos pelo discurso da
modernidade. Por mais de trinta anos a avenida Beira Rio é a “vedete” das
campanhas e vitórias partidárias, tela em que projeta prefeitos a nível
estadual, consome altos investimentos, consolida-se a partir da exclusão de
antigos moradores, é glorificada pelas elites (cujas vozes são canalizadas
pelos jornais locais), e aplaudida por ex-opositores.
Palavras-chave: História – Cidade – Modernidade – Poder.

INTRODUÇÃO:
Para quem não teve ainda a oportunidade de conhecer Itumbiara, a Avenida
Beira Rio é uma das belas de Goiás, em virtude de margear o caudaloso rio Parnaíba,
numa extensão de mais de seis quilômetros. A Beira Rio, construída pelo Sr. Modesto
de Carvalho, quando Prefeito da cidade, com o trabalho a ser feito agora, por Radivair
Miranda Machado, deverá tornar-se o ponto de atração máxima de nossa cidade. O
trabalho que ali a Prefeitura pretende fazer vai gastar um bom dinheiro, mas no fundo,
compensa, já que teremos a nossa cidade mais embelezada ainda.

1
Bolsista do Projeto de Iniciação Científica – aluno do segundo ano do curso de História da Universidade
Estadual de Goiás – Unidade de Itumbiara/GO.
1
Bolsista do Projeto de Iniciação Científica – aluna do terceiro ano do curso de História da Universidade
Estadual de Goiás – Unidade de Itumbiara.
2
Coordenadora do Projeto – Mestra em História Social, desenvolvendo pesquisa dentro da temática
Política e Imaginário (NEPHISPO) na Universidade Federal de Uberlândia/MG. Atualmente ministra as
disciplinas de História Contemporânea (I e II) na UEG – Itumbiara.
Tal matéria jornalística poderia ter sido escrita recentemente, já que os projetos
políticos atuais, em Itumbiara, ainda “gravitam” em torno desse tema. No entanto, trata-
se do artigo “Beira Rio: o Cartão de Visita”, publicado pelo “Jornal da Cidade”, em
19781 . Já em 1955 projetava-se essa obra que viria a se tornar de grande importância
dentro do cenário político municipal, principalmente porque depois dela as lideranças
locais não tiveram que lançar mão de idéias novas e convincentes para sensibilizar o
eleitorado.
Essa capacidade de permanecer como foco do discurso das elites locais atraiu-
nos para análises um pouco afastadas da proposta inicial, ganhando novos contornos a
partir da compreensão dos significados que alguns moradores atribuíram às mudanças,
da busca dos documentos oficiais e dos discursos propagados pela imprensa, o que
justifica a adoção de um novo título. O projeto apresentado 2 teve como referência o
estudo do espaço conhecido como “Beira Rio”, às margens do Rio Paranaíba, na cidade
de Itumbiara-GO3 . Buscamos as transformações ocorridas ao longo das três últimas
décadas do século XX, e até meados do ano de 2005.
Algumas obras como a construção do estádio de futebol, a construção do
primeiro edifício de apartamentos, o projeto e as mudanças implementadas na avenida
Beira Rio, vêm integrar aos diversos programas e discursos que foram gerados naquele
contexto em vários outros municípios de interior, não apenas do estado de Goiás. Trata-
se de período em que há uma perceptível disposição das autoridades políticas nacionais
em ocupar – e talvez controlar - o sertão, propósito que lança a sua “pedra fundamental”
com a construção de Brasília, a qual passa a abrigar a capital do país.

MATERIAL E MÉTODOS:
Os recursos metodológicos privilegiados foram entrevistas realizadas junto aos
sujeitos sociais e fontes escritas (como jornais de circulação regional, atas da Câmara
Municipal), além da observação de registros fotográficos do período pesquisado. A
recorrência aos recursos construídos pela memória vem possibilitar uma interpretação

1
Jornal da Cidade - Semanário Regional. Ano IV, N°. 150, Itumbiara, 24 de agosto de 1978, p. 7.
2
HISTÓRIA, CIDADE E MEMÓRIA – Elaborações sócio-culturais a partir de reestruturações do espaço
urbano: Itumbiara – 1970/2004.
3
Município localizado no extremo sul de Goiás, na microrregião de Meia Ponte, a 204 Kms. de Goiânia,
separada do estado de Minas Gerais pelas águas do Rio Paranaíba. (Fonte: Itumbiara em Revista.
Departamento de Comunicação Social (DECOM) Editora Gráfica Terra Ltda: Itumbiara. Ano 1 – N° 01 –
Junho 2000, p. 8).

2
do processo histórico, estejam suas marcas inscritas em documentos oficiais ou nas
sensibilidades que ainda não foram registradas através de recursos materiais.
Compartilhamos da concepção da historiadora Jacy Alves de Seixas 4 ao afirmar
que a memória apresenta-se como “categoria” exemplar, uma vez que é arrancada do
passado para “povoar” o presente, este que passa a ser o ponto de partida para a
construção de uma trama elástica, uma ve z que é vulnerável às instabilidades próprias,
quando da transposição do espaço e tempo. Além disso – afirma a autora - o uso da
memória vem contribuir para a percepção de que a história pode ser construída de
elementos sensíveis 5 .
Os debates acerca dos projetos envolvendo a pavimentação e urbanização da
avenida Beira Rio - assim como as discussões sobre o nome da mesma - foram
analisados a partir das atas da Câmara Municipal. Buscamos também livros em que se
encontram as Leis que aprovaram as mudanças. Através desses documentos tivemos
acesso a informações acerca do tema em análise a partir de 1955.
Acessamos os comentários sobre a “viabilidade” e “importância” das obras que
estavam sendo implementadas através jornais de circulação local – “Jornal da Cidade”
(1978), e “Jornal de Itumbiara” (de 1979 a 1982). Durante esses quatro anos, as
matérias jornalísticas teceram vários elogios ao prefeito Modesto de Carvalho e também
ao seu sucessor, Radivair Miranda Machado. As ações dos últimos líderes do executivo
local foram avaliadas a partir das entrevistas com pessoas que moram na cidade de
Itumbiara e vivenciaram as mudanças implementadas às margens do Rio Paranaíba.
Nesse sentido, as falas dos depoentes complementam a pesquisa até a meados de 2005,
embora não mencionem diretamente os nomes dos “alcaides” mais recentes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:
As sensibilidades acima mencionadas, lapidadas em solos contemporâneos, têm
referência, entre outros “(des)valores”, no imediatismo, no descartável. Com base
nessas características poderíamos afirmar que a avenida “Beira Rio”, enquanto

4
SEIXAS, J. de., “Recursos de memória em terras de história: Problemas atuais”. In: memória e
(res)sentimentos: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: EDUNICAMP. 2002, p. 84-102.
5
No que diz respeito à metodologia usada na abordagem dos depoentes, embasamos em estudos como os
de Alessandro Portelli, especialmente os citados abaixo:
PORTELLI, A., “O que faz a história oral diferente”. In: Projeto História. São Paulo (14), fev., 1997.
____________., Tentando Aprender um Pouquinho: Algumas reflexões sobre a ética na História Oral”.
In: Projeto História. São Paulo (15), abr., 1997, p. 13-33.

3
construção que foi feita para durar, estaria fora da necessidade de
destruição/reconstrução imposta em nome da dinâmica da modernidade, ou seja, a
decomposição de “... tudo o que se sólido...” 6 .
No entanto, a sua credencial da modernidade trás como apresentação o princípio
da beleza, seguindo o espírito de inovação, com projetos de nova “roupagem” a cada
disputa pelo poder municipal, permanecendo em destaque ao longo de mais de trinta
anos, segundo as “tendências” de inovação da modernidade. Um dos “embelezamentos”
foi a construção bancos menores, bem diferentes daqueles coletivos com capacidade
para um grande número de pessoas, os quais ainda podem ser encontrados em um dos
pontos da ave nida, mas em total abandono. Além de esteticamente mais bonitos, os
novos bancos vêm atender à maior privacidade, ou seja, o individualismo que os
recursos e o ritmo “oferecidos” pelas novas tecnologias vem avalizar 7 .
Tal isolamento e projetos efême ros sustentam as bases da edificação do
“capitalismo feliz” 8 . Diante disso, torna-se cada vez mais necessária a busca de nossas
raízes, ao depararmos com discursos e ações que nos remetem aos horizontes do futuro
ornado pela modernidade. Nesse terreno arenoso germinam práticas de exclusão social e
constroem os alicerces para a dominação política por parte dos privilegiados. É o que
percebemos através da fala do Sr. Mário de Lelis Almeida 9 ao avaliar as perdas sofridas
pelos antigos moradores das margens do rio Paranaíba quando da construção da avenida
“Beira Rio”:

“... aquelas pessoas que foram remanejadas pros bairros então


naquela época ficou um bairro afastado, mas a modernidade veio, o
progresso veio, e hoje eles não estão muito fora, não estão muito periférico.
Aqueles que souberam segurar as vezes tão hoje até com uma casinha

6
BERMAN, M., “Tudo o que é Sólido Desmancha no Ar: Marx, Modernismo e Modernização”. In:
Tudo que é Sólido Desmancha no Ar – A aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1986,
p. 85-125.
7
Sobre a relação entre modernidade, tecnologia e individualismo, ver:
LEMES, I., Prometeu (des)encantado: Sensibilidades Históricas e Gestão da Vida e da Morte. UFU,
2002 (Dissertação de Mestrado).
________., “...a morte volta pela janela...”: Representações da Morte na Contemporaneidade. UFU,
1998 (Monografia – Graduação em História).
________., “O Dever de Viver e o Direito de Morrer”. In: História & Perspectivas. N°s. 14/15 – 1996,
p. 85-112.
8
Segundo P. Áries, atualmente não há espaço para questões que não sirvam aos propósitos de
desenvolvimento econômico, descartando tudo que possa ser associado a estagnação, passado,
sensibilidades... (Ver: ARIÈS, P. O Homem Diante da Morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990).
9
Mário de Lelis Almeida, 56, funcionário público, aluno do curso de História na UEG-Itumbiara
(Entrevista concedida em 26/06/2005).

4
melhor, aqueles que não souberam que... com economia é difícil a gente
planejar o futuro, então as vezes até hoje ta a mercê da situação né, mas
assim é o processo, uns tem que ganhar, outros tem que perder”.

Percebe-se nesta fala o conformismo com a “lógica” capitalista, tecendo as


condições de ganhadores de um lado, e perdedores do outro. Mas há quem não
considere esta uma lei natural, denunciando o fato de que “... o poder econômico passa
a falar muito mais alto e essas pessoas vão sendo excluídas do processo de
desenvolvimento, na verdade elas são às vezes agredida no seu direito ...”, diz o Sr.
José Márcio Margonari Borges 10 , embora não reconheça que isso tenha acontecido com
as famílias “transferidas” para um bairro distante do rio.
Diante disso, não podemos ignorar que o espaço urbano em análise deve ser
entendido como resultado de conflitos e tensões. Conforme Dea Fenelon “... a cidade e
suas instituições devem ser vistas como espaços de produção de conflituosas relações
que historicamente podem exprimir-se em dominação ou consenso, mas também em
insubordinação e resistência” 11 . Local em que se estabelecem relações e interesses
diversificados, estejam eles inscritos no domínio pessoal, social, político, econômico,
“delineando” culturas num palco propício às contradições. Enfim, toda cidade é
detentora de uma história e sua construção depende da visão de mundo dos homens que
a coloca em movimento.
Percebe-se que projetos urbanísticos para as cidades estão relacionados à idéia
de progresso, característica que se encontra ligada à necessidade de freqüentes
transformações. Essas projeções apresentam-se de forma a regular/controlar o presente e
prever demandas futuras. Um dos recursos utilizados para o controle social foi a
sensibilização da opinião pública através de várias matérias jornalísticas enfocando a
“... obra que virá para o embelezamento de um dos recantos mais aprazíveis da cidade,
oferecendo opções de lazeres para a nossa população” 12 .
As obras garantem a projeção política do prefeito e os jornais trabalham
abertamente em função da campanha. Veja:

“No próximo ano a tônica será a mesma, em que pese 82 ser um ano
político. Daqui a exatamente um ano, Radivair às vésperas das eleições

10
José Márcio Margonari Borges, 46, professor (entrevista concedida em 25/06/2005).
11
FENELON, D. R., Cidades. São Paulo: Olho D´agua, 1999, p. 4.
12
Jornal de Itumbiara. Ano VI, n°. 188, 23/11/79.

5
estará novamente sem alarde entregando novas obras. Radivair já é uma
pessoa considerada imprescindível na vida desta comunidade e não vai ser
necessário estardalhaço para que o povo reconheça isso, pois as obras per
ele entregues até agora, falam mais alto”13 .

É interessante a contradição entre não precisar fazer “alarde” e a entrega de


obras previstas justamente nas vésperas das eleições. No mesmo sentido percebemos a
preocupação em repetir o nome do prefeito (e apenas o primeiro nome) como quem
pretende afirmar uma imagem do político bastante próxima dos leitores, o que parece
desnecessário já que conta com o reconhecimento por parte do povo.
Para que as “obras possam falar”, e seus ecos ultrapassar os limites do tempo
presente, elas não devem ser pequenas, tão pouco de viés social. A partir das análises
percebe-se que o prefeito Modesto de Carvalho, antecessor de Radivair Miranda
cumpriu bem esse objetivo ao construir um estádio de futebol que nunca encheu. Em
entrevista, Joaquim Ferreira da Silva 14 comentou: “... você vê o campo de futebol até
hoje é o sr. Estádio para o interior e olha que ele [o prefeito] já tinha uma visão que ele
tinha né. Até hoje o estádio ainda não enche, olha o tamanho da visão que aquele
homem tinha para o futuro”.
Diante dessa inutilidade com a qual se apresenta o estádio ainda nos dias de
hoje, percebe-se que nem sempre os projetos dos “homens do poder” coincidem com as
necessidades da população, ou esta se identifica com os mesmos. Essa dissonância é
perceptível através da pouca utilização dos espaços construídos na Beira Rio, conforme
apontou José Márcio Margonari Borges:

“... não houve então muito interesse, muita atenção, e muita coisa
foi se resumindo a alguns barzinhos que continuam funcionando, alguns
foram desativados, algumas quadras continuaram sendo utilizadas, outras
não, e acho que... foi uma obra subutilizada pela população...” 15 .

Tais análises aproxima- nos dos estudos de Maria Stella Brescianni ao considerar
que a cidade pode ser entendida como“um lugar saturado de significações acumuladas

13
Jornal de Itumbiara. Ano IX - n°. 244, 12/10/1981.
14
Joaquim Ferreira da Silva, 59, comerciante (Entrevista concedida em 23/06/2005).
15
José Márcio Margonari Borges, 46, professor (entrevista concedida em 25/06/2005).

6
num mesmo espaço através do tempo, uma produção social sempre referida alguma de
suas formas de inserção topográfica ou particularidades arquitetônicas” 16 .
É importante observar, porém, que nem todos os espaços planejados pelos
administradores municipais têm a mesma significação para a população, não pela falta
de esforços dos porta-vozes da elite itumbiarense, empenhados em abafar as concepções
contrárias, como a do vereador José de Almeida Lino, que fez registrar em ata a
denuncia “... de que a administração atual está empolgada com a construção da
avenida Beira Rio com isso está esquecendo as obras prioritárias...” 17 . Afirma ainda
que não é contrário à construção, mas que para tal todo o orçamento era pouco.
Cerca de cinco anos depois, outros opositores são identificados através de
editoriais, os quais dão conta de que “O paisagismo da Beira Rio, que foi chamado de
obra faraônica, por Airton Barra, ferrenho adversário político da municipalidade, é
uma obra que virá para o embelezamento...”18 . Na intenção de calar os adversários
lançam mão também de imagens como registros fotográficos de líder do executivo
(Cairo Ferreira Batista) trabalhando no calçadão da avenida. Discurso presente também
em relação ao “Prefeito Continua Trabalhando”, título da manchete acima, referindo-se
a Radivair Miranda Machado.
Conforme podemos perceber, embora sem destaque direto nos meios de
comunicação local, as opiniões contrárias aos investimentos na Beira Rio não eram
esporádicas. Em 1980, a primeira página do jornal é usada para expor a determinação do
prefeito, apesar das críticas, afirmando o seguinte: “Mostrando muito arrojo e não
dando ouvido às más línguas, Radivair determinou o reinício das obras...” 19 .
E as elites continuam tendo trabalho para dar respostas que sensibilizem a
população, destacando “As Crianças da Beira Rio” (título da manchete), em que o
editor afirma: “Tenho visto muitos dos que fizeram críticas costumeiras e contundentes
levarem seus filhos se deliciando com os brinquedos e também passarem horas e horas
olhando o paisagismo que já vai tomando cores e beleza”20 .
O combate aos opositores se afirma com destaques para a importância da obra
que viria contemplar a todos, “... vindo da região e de todos os cantos da cidade,

16
BRESCIANNI, M. M. M., “História e historiografia das cidades, um percurso”. In: historiografia
brasileira em perspectiva. São Paulo: texto, 2003, p. 237.
17
Ata 73-75 – Ata nº. 329, de 22/02/1974 (folha n°. 39 – verso).
18
Jornal de Itumbiara. Ano VI, n°. 188, 23/11/79.
19
Jornal de Itumbiara. Ano VI, n°, 211, de 07/08/1980, p. 01.
20
Jornal de Itumbiara. Ano VIII, n°. 230, 01/05/1981, p. 02.

7
chegando a pé, de bicicletas e até descendo dos automóveis de luxo”21 . No ano
seguinte, continuam empenhados em afirmar a ausência de conflitos e a convivência
pacífica dos seguimentos sociais, cujo palco é “... um complexo moderníssimo, atraindo
para o local toda a população de Itumbiara”22 .
Não era apenas a imprensa da época que notava essa “democratização” do
espaço. O comerciante Joaquim Ferreira da Silva entende que o local “... foi muito
freqüentado, o pessoal, e a parte mais humilde da cidade tudo freqüentava ali e também
a outra parte mais sofisticada, a elite também visitava...”23 .
Tais obras, no entanto, não foram realizadas apenas pelo “merecimento” dos
moradores locais, mas principalmente porque o “alcaide Municipal... o chefe do
executivo”24 “... continua louco da vida para entregar as obras”25 . Assim, os jornais
propagavam a “... felicidade do Prefeito Radivair Miranda Machado em dar essa
dádiva àquelas crianças...”26 (grifos nossos), filhas de pobres e de ricos.
Os esforços do líder do governo municipal eram afirmados constantemente
pelos jornais locais, o que induzia – ou mesmo forçava – o seu reconhecimento por
parte da opinião pública. Os resultados desse apelo por parte dos editores locais podem
ser percebidos a partir da fala do professor José Márcio Margonari Borges ao avaliar as
ações do antecessor do prefeito Radivair Miranda, o Sr. Modesto de Carvalho:

“... é interessante colocar é que ele... não dizia, ele não fazia isso de uma
forma populista ou oportunista. Ele falava em fazer uma obra colocada
por ele como.. sendo apenas iniciativa dele, ele dividiu com seguimentos
organizados com a sociedade da época os méritos daquela obra e sabia
que era uma obra extremamente importante pra cidade de Itumbiara...
... ele demonstrava muita alegria, satisfação de poder estar cumprindo o
compromisso feito com a sociedade de Itumbiara... a gente via que... aquela
obra ele dividia com a comunidade e ao mesmo tempo ele se sentia muito
realizado...” 27 (grifos nossos).

A imprensa local parece ter sido bastante eficiente em propagar a importância da


obra, e principalmente a imagem do prefeito, pelo menos frente a pessoas como o

21
Jornal de Itumbiara. Ano VIII, n°. 230, 01/05/1981, p. 02.
22
Jornal de Itumbiara. Ano X, n°. 266, 12/10/1982, p. 21.
23
Joaquim Ferreira da Silva, 59, comerciante (Entrevista concedida em 23/06/2005).
24
Jornal de Itumbiara. Ano VI, n°. 191, 31/01/1980.
25
Jornal de Itumbiara. Ano VII, n°. 234, 12/06/1981.
26
Jornal de Itumbiara. Ano VIII, n°. 230, 01/05/1981, p. 02.
27
José Márcio Margonari Borges, 46, professor (entrevista concedida em 25/06/2005).

8
professor José Márcio, que provavelmente era um dos leitores. No entanto, não
podemos afirmar se aqueles que tinham o hábito (ou possibilidade) de ler jornais foram
“alcançados” da mesma forma.
É interessante notar que, além de convencido, o cidadão (José Márcio) assume o
papel de perpetuar a imagem daquele que, segundo ele, “não fazia isso de uma forma
populista ou oportunista”. Na fala do professor percebe-se que ele tem uma concepção
bastante específica do que é ser populista, pois a atitude do prefeito que “dividia com a
comunidade” “os méritos daquela obra” não lhe dizia nada sobre populismo, muito
pelo contrário até.
É necessário esboçar as mudanças ocorridas desde a abertura da avenida até a
concretização da urbanização e paisagismo, o que se dá desde o início da década de
1970, até os dias atuais 28 . O início da referida obra ocorre no período em que os
militares estão no comando da política nacional, época em que a propaganda do governo
em relação à modernização do país era constante, influenciando tanto empresários
quanto dirigentes políticos de várias partes do país.
Em Itumbia ra essa propaganda não foi diferente. Os políticos tinham como
certo que as mudanças em relação à construção da Beira Rio e seu paisagismo estético
deveriam ser imediatamente concluídos, para que a cidade se tornasse o “cartão postal
de Goiás”. Para tanto, justificou inclusive a convocação de “Sessões extraordinárias”
que foram registradas em atas da Câmara Municipal algumas vezes ao longo de vinte e
um anos (1955 a 1976) para discutir o nome a ser dado à nova avenida 29 . A
“importância” da obra talvez seja perceptível no sentido de fortalecer a ideologia de
alguns em apoio ao “sonho de reeleição” do prefeito Modesto de Carvalho. Segundo
Sr. Joaquim Ferreira Silva 30 :

28
Devemos lembrar que nesse espaço de tempo a política brasileira passou por três “fases”, o que vem
assinalar um quadro conturbado: ditadura (década de 70 até meados da década de 80); a chamada
“transição democrática” (meados de 80); “democracia” (que entra em vigor, pelo menos oficialmente, ao
final da década de 80).
29
Em 28/04/1955, em reunião extraordinária os vereadores aprovam a sugestão do nome da avenida
“Beira Rio” (Ver: Livro Ata de 1953 a 1956, página 36). Em reunião ordinária em 15/05/1970 aprovam o
nome “Dr. Menezes”, o que no mesmo dia é sancionado pela Lei n°. 63/70. Já em 1976, duas
convocações extraordinárias aconteceram, uma no dia 13/12 e outra dia 14/12, sendo a primeira para
apresentação da proposta de denominação da avenida novamente para “Beira Rio”,e a segunda para
votação do projeto, que foi aprovada, mesmo com a diferença de apenas um voto. (Ver: Ata n°. 434/76 de
1976 à 1978, folhas 13-14, e Ata n°. 435/76). Em 16/12/1976, a avenida se torna oficialmente “Beira Rio”
conforme Lei nº. 359/76.
30
Joaquim Ferreira Silva, 59, comerciante. (Entrevista concedida em 23/06/2005).

9
“... o que ele falava antes é que ele queria ver uma Itumbiara moderna...
uma nova Itumbiara porque com esse projeto, essas grandes obras que ele
projetou e praticamente terminou, ele não terminou todas, mas esse aí era o
sonho dele, era o próprio sonho até da reeleição do prefeito, isso aí, ele
pensava numa cidade, numa nova Itumbiara, e de fato esses projetos ele
fez...”31 .

Por meio da imprensa escrita percebe-se que tal investimento sustenta pretensões
políticas também de sucessores de Modesto de Carvalho, sem que tenha que se
pronunciar diretamente sobre suas intenções. Em matéria veiculada pelo “Jornal de
Itumbiara”, o editor assume abertamente a campanha para a reeleição de Radivair
Miranda Machado, enfocando suas obras, as quais “falam mais alto”32 .
Percebe-se que são tantas as vozes que falam a favor do poder executivo, que
não há necessidade de festejos para projetar a imagem daqueles que se propuseram a
trazer “... uma modernidade que todos nós itumbiarense sentimos, assim, orgulho...”33 ,
ainda que essa viesse passar por sobre a “... sapolândia..” onde, além de sapos também
“... tinha algumas casinhas, muito pouco, alguns casebrinhos de pescadores...” 34 . A
condição social desses “invasores” parece amenizar, e até justificar o ato de retirada
dos mesmos daquele local, conforme podemos observar na fala a seguir:

“... mas eram pessoas muito pobres que moravam em ranchos de capim, em
casebres às vezes construídos com tijolinho e com cobertura às vezes de
telha francesa ou telha comum, ou até de capim, folha de palmeira né e, eu
lembro que morava famílias muito pobres e eram consideradas como
invasores daquela área, alguns eram pescadores, outros trabalhavam com
carroça na cidade prestando serviços de pequenos transportes...”35 .

Percebe-se que mesmo tendo sido “removidos” os pescadores e carroceiros para


um local bem distante daquele de onde retiravam seus sustentos, a abertura da avenida
era defendida. Tal postura afirma a habilidade de políticos na disputa e controle de

31
É importante salientar que o nosso entrevistado foi fornecedor de toda a madeira para a construção do
primeiro edifício de apartamentos da cidade, conforme afirmou na entrevista.
32
“Beira Rio - O Lazer ao alcance de todos”. Jornal de Itumbiara. Ano IX – Nº. 244 – Dia 12 de
outubro de 1981.
33
Placedino David Gouveia, 71, aposentado (entrevista concedida em 23/06/2005). Foi vereador e
apoiador do prefeito Modesto de Carvalho.
34
Joaquim Ferreira Silva, 59, comerciante (entrevista concedida em 23/06/2005). Na Casa da Cultura
podem ser encontradas fotografias das casas que haviam às margens rio.
35
José Márcio Margonari Borges, 46, professor (entrevista concedida em 25/06/2005).

10
poder. Conforme depoimento do Sr. Mário de Leles Almeida 36 , nas eleições de 1972
havia dois candidatos a prefeito: Ataíde Rodrigues Borges, que tentava a reeleição com
a proposta de trazer universidade para Itumbiara (pertencia à ala direita); e Modesto de
Carvalho (esquerda), candidato que denunciava as deficiências da cidade, criticando o
candidato adversário por sua ineficiência. Sua proposta era modernizar Itumbiara com a
implantação de obras através do projeto CURA (Campanha de Urbanização e
Recuperação Acelerada), dentre elas a avenida Beira Rio e do estádio de futebol.
Percebe-se que nessas diferentes plataformas de campanha, o objetivo central é a
disputa pelo poder. Sobre essa questão, Roberto Machado, na introdução da obra
“Microfísica do Poder”, de Michel Foucault, afirma: “... o poder é luta, afrontamento,
ralação de força, situação estratégica. Não é um lugar, que se ocupa, nem um objeto,
que possui. Ele se exerce, se disputa. E não é uma relação unívoca, unilateral. Nessa
disputa ou se ganha ou se perde” 37 .
Nessa “relação” de força a vitória partidária pode significar a derrota, não só do
adversário político, mas principalmente de “... pessoas mais pobres e pescadores que
viviam em torno da orla do rio...”38 que são deslocadas do seu meio e “transferidas”
para locais onde não vão travar o “progresso” aos moldes da estética da modernidade.
Para os novos padrões de “desenvolvimento”, se faz necessário remover também outras
características de problemas sociais, como a cadeia que havia nas proximidades do rio,
conforme recorda o Sr José Machado Sobrinho 39 .
Esse ideário de progresso e modernidade se complementa com a construção do
primeiro prédio de apartamentos na cidade, o que é divulgado com bastante entusiasmo
pela imprensa escrita em 1978. Veja alguns fragmentos da matéria:

“Está para se concretizar uma velha aspiração do itumbiarense de ver


construído aqui um edifício de apartamentos. Este fato além de afirmar o
conceito da cidade como pólo de desenvolvimento da região centro-oeste,
servirá ainda para nos livrar de um complexo antigo com relação a outras
cidades de igual ou menor porte onde já é rotineiro construções deste tipo...
A localização do edifício é privilegiada; será construído na av. Beira
Rio, na altura do porto de areia, no ponto mais acentuado da curvatura do

36
Mário de Leles Almeida, 56, funcionário público, aluno do curso de História na UEG-Itumbiara.
(Entrevista concedida em 26/06/2005).
37
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2000, p. XV.
38
Mário de Leles Almeida, 56, funcionário público (entrevista concedida em 26/06/2005).
39
José Machado Sobrinho, 86, lavrador (entrevista concedida em 19/03/2005).

11
Paranaíba, o que garantirá uma visão magnífica das duas pontes da cidade
e do próprio rio...
Tudo isso nos faz crer que, depois de muito esperar, Itumbiara ganhará
um arranha-céus à altura do seu progresso, preenchendo assim uma lacuna
bastante incômoda para nossa cidade” 40 (grifos nossos).

É interessante perceber que numa época em que havia “... gente morando em
encostado num lugar, o outro num barraco...”41 , tentando sobreviver com os peixes do
rio ou como carroceiros, algumas pessoas com uma visão elitista tenham como
“complexo”, e entendem como uma “lacuna incômoda” a falta de um edifício, que é
construído, não pela falta de espaço na horizontal, mas porque o importante é que seja
visto, que Itumbiara consiga “aparecer” (destacar) como uma grande cidade.
Nessa perspectiva, o discurso que materializou a administração executiva em
Itumbiara foi o discurso de Modesto de Carvalho, que venceu as eleições. As mudanças
no espaço urbano representaram a ascensão política e esperança de progresso, embora
não tenha sido o referido administrador o mentor do projeto da avenida. Esse debate
vinha sendo travado pelos representantes do legislativo já no mandato do prefeito
Arédio Borges Guimarães, em 1955. Em atas da Câmara Municipal estão registradas
discussões acerca do nome para a avenida, cuja abertura foi autorizada através da Lei
n°. 185/55 42 .
Diante disso, fica evidente que já existia uma idéia de se abrir a avenida naquele
local, mas, ela só foi posta em prática na gestão de Modesto de Carvalho. No final da
década de 1970 e início de 1980 o então prefeito Radivair Miranda Machado iniciou o
projeto de urbanização e paisagismo do local, que se figuraria com a construção de
quadra de esporte, bares, parque, etc. e mais do que nunca sua imagem representava a
continuação do projeto CURA, que viabilizou verbas para o “começo da grande
marcha”.
Esse projeto deixa explícito os anseios de representantes políticos, apoiados por
moradores de Itumbiara, de projetar a cidade a nível regional e, sobretudo, nacional, no
qual há uma busca do “progresso” e “desenvolvimento” através da modernidade, o que
se torna mais tangível a partir da efetivação da nova capital federal com a construção de
Brasília-DF, o que talvez possa justificar o atraso para a efetivação do projeto, aprovado

40
Jornal da Cidade. Ano IV, n°. 129, de 15 a 21/02/1978, p. 3.
41
Placedino David Gouveia, 71, aposentado (entrevista concedida em 23/06/2005).
42
Lei n°. 185, de 16/05/1955 - Livro de Leis n°. 02 – Leis de 1951 à 1956.

12
ainda em meados da década de 1950. Duas décadas mais tarde matérias jornalísticas
vêm afirmar que a cidade, e principalmente a Beira Rio se tornava “fatalmente... mais
bela”43 .
Nesse sentido, o aparato ideológico é tomado como uma força de grande
importância a favor do prefeito e de seus propósitos. A imprensa elitista divulgava
propaganda na tentativa de “dignificar” o chefe do executivo, o qual estria beneficiando
“toda a população” com aquela obra que, de acordo com a imprensa, era vital para a
cidade, já que se tratava da “... artéria mais linda da cidade...” 44 .
A amostragem da modernização iniciou com a construção de edifícios de
apartamentos que representou o marco inicial para a concretização do progresso e, em
seguida, construiu-se o Hospital Municipal Modesto de Carvalho. Obras que, para os
apoiadores do poder político local, vinham afirmar que Itumbiara estava se
desenvolvendo. É interessante notar que com a cidade “desenvolveram” (pelo menos em
termos econômicos) algumas pessoas como o Sr. Joaquim Ferreira da Silva, que disse
ter fornecido toda a madeira para a construção do primeiro prédio de apartamentos; o
Sr. Mário de Lelis Almeida, com a venda material de construção. Em suas palavras
temos:

“... eu particularmente tinha uma casa de materiais de construção e a gente


era fornecedor de material de construção e também não podemos dizer que
não, ganhamos dinheiro vendendo materiais pra´quela obra, tão magnífica,
e atrás daquela obra veio outras obras, que hoje é aqueles edifícios onde
estão, né...”45 .

Alguns depoimentos deixam margem para sugerirmos que inclusive o prefeito


Modesto de Carvalho teve lucros pessoais com aquela “magnífica” obra, ao
consideramos a fala do próprio Sr. Mário de Leils, na qual afirma: “... que ele [o
prefeito] já tinha uma experiência anteriormente, de construção, que ele foi um dos
grandes construtores em Brasília, na época de 55 até 60, então ele trouxe essas
experiências de Brasília, que era construtor lá e conseguiu fazer isso”.

43
Jornal de Itumbiara. Ano V, n°. 185, 12/10/1979, p. 14-15.
44
Jornal de Itumbiara. Ano VIII, n°. 232, 22/05/81, p. 3. A denominação da avenida Beira Rio como
uma artéria está presente também:
Jornal de Itumbiara. Ano V, n°. 182, 1979, p. 7.
Jornal de Itumbiara. Ano IV, n°. 210, 24/06/1980, p. 3
Jornal de Itumbiara. Ano. VIII, n°. 241, 04/09/1981, p. 3.
45
Mário de Leles Almeida, 56, funcionário público (entrevista concedida em 26/06/2005).

13
Essa é uma questão que não podemos afirmar, pois são indícios que devem ser
investigados em outra oportunidade. Mas já são muitos os que certamente lucraram no
período, como os proprietários de áreas próximas ao rio, por exemplo, que – segundo
Sr. Mário de Lelis Almeida (op. Cit.) - conseguiu um bom preço pelos lotes após o
início da infra-estrutura. O Sr. Joaquim Ferreira da Silva (comerciante) nos disse em
entrevista que “... lotearam ali e vendeu todas as casas, todo mundo queria construir na
Beira Rio, então foi muito bom pra cidade”46 (grifo nosso).
Devemos considerar que foi um bom negócio para os especuladores, para o
mercado imobiliário, para os construtores, comerciantes ligados à construção civil, mas
certamente não foram todos da cidade os beneficiados. O professor José Márcio
Margonari Borges fala daqueles que lucraram com o bom negócio que se tornou a Beira
Rio:

“... a avaliação ou a ocupação da avenida Beira Rio foi uma conseqüência


natural. Eu lembro que um terreno ... que valia mil reais com a construção
da avenida passou a valer 10 mil e de repente virou 20, e hoje você
encontra terrenos ... de 100 mil. Então houve uma super valorização ... isso
é muito do processo capitalista...
... ali no setor ficou uma área de fato privilegiada e aí o privilégio acaba
nas mãos daquele que tem o poder econômico e teve condições na época
comprar e ... até hoje, nos nossos dias...” 47 .

“Nas trilhas da modernidade”, o poder político local segue implantando novas


mudanças na avenida, como a implementação do calçadão, projeto que visava “...
construir e tornar Itumbiara numa Copacabana brasileira, que naquela época já
falava... pelo fato de ter um rio muito bonito e caudaloso...”48 , realizado durante o
mandato de Cairo Ferreira Batista. Isso, na perspectiva dos administradores, estimularia
o turismo no Município, o que em 1986 ainda não se efetivava, conforme apelo de
matéria jornalística pedindo incentivo para o “Turismo: uma riqueza ainda
inexplorada”49 . Mas, com essa expectativa, em 2004 uma nova etapa do calçadão foi
inaugurada com o prefeito Luiz Gonzaga Carneiro de Moura.

46
Joaquim Ferreira Silva, 59, comerciante (entrevista concedida em 23/06/2005).
47 47
José Márcio Margonari Borges, 46, professor (entrevista concedida em 25/06/2005).
48
Mário de Leles Almeida, 56, funcionário público (entrevista concedida em 26/06/2005).
49
Jornal de Itumbiara. Ano XIII, n°. 291, 15/06 à 23/06/86, p. 8.

14
Para compreendermos as mudanças no espaço urbano de Itumbiara devemos
observar o aspecto sócio-econômico do Município. Os índices demográficos
demonstram um considerável aumento, e a percentagem populacional na zona urbana
aumentou de 52,9% em 1970 para 94,7% em 2001, enquanto no meio rural verificava-se
uma queda de 47,1% para 5,3% ao longo desses 31 anos, conforme quadro abaixo:

Quadro – Censo demográfico: Itumbiara (1960/2001)


ANO TOTAL URBANO TOTAL % RURAL TOTAL %
1960 48.979 12.575 25,7 36.404 74,3
1970 64.272 34.011 52,9 30.261 47,3
1980 78.111* 62.060 79,5 16.051 20,5
1991 79.533** 72.335 90,9 7.198 9,1
1996 78.669 73.671 93,6 4.998 6,4
2000 81.259 76.951 74,7 4.308 5,3
2001 82.086 77.735 94,7 4.351 5,3
Fonte: CÂMARA MUNICIPAL DE ITUMBIARA

Conforme dados acima, o equilíbrio entre campo e cidade verificado em 1970


sofre uma grande alteração na década posterior. Tal índice se dá tanto pelo êxodo rural
(com a redução de quase 50% da população), quanto pelo aumento dos moradores na
área urbana, o que supera em boa proporção o número daqueles que deixaram o campo.
Diante disso, percebe-se que, além do deslocamento em direção à cidade e do provável
aumento de natalidade, o Município recebeu um considerável número de pessoas
provenientes de outras localidades, o que pode sugerir aos administradores a confiança
no “desenvolvimento” de Itumbiara, o que deve ser respondido, e mesmo incentivado,
com projetos de modernização.
Além dos novos sujeitos que “apostavam” no potencial do Município, Itumbiara
inseria-se no paradigma nacional-desenvolvimentista, segundo o qual o rural passava a
ser considerado símbolo de atraso, enquanto o urbano representava o moderno. Seria
necessário acabar com todos os resquícios dessa estagnação, e foi o que moveu os
projetos urbanísticos do período.

*
Perdeu o Distrito de Cachoeira Dourada por emancipação política administrativa.
**
Perdeu o Distrito de Inaciolândia por emancipação política administrativa.

15
Com a transferência “pessoas muito pobres” para o setor Aeroporto (conforme
os termos da Lei n°. 271/75), os “contemplados” com os terrenos nesse local não iriam
causar novos “transtornos”, já que estava prevista a transferência do aeroporto para as
proximidades da Vila de Furnas, portanto, distante das novas residências de cerca de 35
famílias50 de pescadores e carroceiros que antes moravam às margens do Rio Paranaíba,
e bem próximo a um dos locais mais bem estruturados do setor urbano.
Hoje, o antigo setor Aeroporto denomina-se Bairro Novo Horizonte, mas mesmo
com o crescimento do perímetro urbano, ainda localiza-se em região periférica da
cidade, A partir de então, o que chocava os itumbiarenses e os visitantes, viria ser
transformado em um lugar agradável, belo, propício para práticas esportivas,
entretenimento, comícios políticos, etc.
O mesmo “incômodo”, no entanto, não era causado pelo clube que havia no
local. Segundo informações concedidas pelo comerciante Joaquim Ferreira Silva:

“... quando tava encascalhando, tinha o Náutico Clube que


construiu na beira do rio quando foi para traçar a avenida, e o traçado dela
pegava a sede do Náutico Clube aí foi preciso demolir ... passar ele mais
pra cima, e a prefeitura na época construiu outra sede pra dar continuidade
aos trabalhos da Avenida Beira Rio” 51 .

Percebe-se que para o clube é suficiente um deslocamento apenas um pouco acima da


avenida, o que é compreensivo, já que lá eram praticadas atividades náuticas. Mas que
lógica discursiva sus tentaria a decisão de transferir os antigos moradores para um local
tão distante?
Diante dessas análises, é possível perceber que a ocupação e reestruturação do
espaço urbano de Itumbiara trás consigo as características de segregação, o que pode ser
relacionado aos estudos realizados por Lana de Souza Cavalcanti, segundo a qual:

“A produção do espaço urbano capitalista tem uma lógica na necessidade


de ocultar contradições sociais. Isso fez com que essa produção resultasse
em diferentes lugares, lugares de diferentes classes, e diferentes grupos,
lugares contraditórios” 52 .

50
Temos em mãos a relação das pessoas que foram transferidas para os terrenos doados pela prefeitura.
Esse documento nos foi fornecido por um dos nossos entrevistados.
51
Joaquim Ferreira da Silva, 59, comerciante (Entrevista concedida em 23/06/2005).
52
CAVALCANTI, L. de S., “Uma geografia da cidade – Elementos da produção do espaço urbano”. In:
CAVALCANTI, L de S. (org.). Geografia da Cidade. Goiânia: Alternativa, 2002, p. 16-17.

16
Embora haja um grande esforço para colocar “cada um no seu lugar” - haja vista
que o local às margens do rio Paranaíba passa a ser bastante atrativo e, portanto, a
especulação imobiliária garante a ocupação apenas por aqueles com maior poder
aquisitivo - a direita não abre mão do discurso que todos serão beneficiados com os
espaços de lazer, onde todos poderão utilizar, convencendo inclusive adversários
políticos, como o Sr. Mário de Lelis Almeida:

“... fui candidato... tive uma votação... razoável mas, nosso discurso não
satisfez a opinião pública e, Itumbiara não estava voltada pra cultura...
então o discurso que mais valeu foi o da... construção da av. Beira Rio e ...
do estádio então, portanto, Itumbiara , de certa forma, ganhou também...
mas ficou na contra-mão das universidades...” 53 .

Sabemos que a questão educacional não é prioridade do poder público,


especialmente quando há opção de investir em obras de grande potencial eleitoreiro,
como um grande estádio e uma avenida capaz de recriar Copacabana no interior.
Itumbiara ganhou, mas e os que perderam? Como sobrevivem os pescadores longe do
seu rio? Quem tem espaço na locomotiva da modernidade e do “progresso” de
passagem por pontos de Itumbiara a partir da década de 1970?

CONCLUSÕES:
O que conseguimos, após meses de pesquisas, foi realizar algumas entrevistas,
observar fotos, acessar alguns documentos, através dos quais construímos interpretações
que deram suporte ao desenvolvimento do projeto, embora ainda haja muitas perguntas
para as quais não foi possível formular respostas. Algumas inquietações nos faz pensar
que não terminamos a jornada, principalmente quando vários indícios instiga-nos a
continuar a apanhar os fios para continuar tecendo a trama em questão, a qual envolve
diversas mudanças que se processaram para cada grupo que compõe a sociedade
itumbiarense, considerando classes sociais, posicionamentos políticos, formação
cultural, expectativas, enfim.
No entanto, até o momento é possível considerar que a intencionalidade,
discursos e legitimação por parte do cidadão, parecem ter permanecido durante o
período em análise. A tentativa de modernização em Itumbiara ainda se dá com base nas

53
Mário de Leles Almeida, 56, funcionário público (entrevista concedida em 26/06/2005).

17
velhas tentativas do passado, originário das décadas de 1970 e 1980, que parecem
compor a cultura política local. É nossa função, enquanto historiadores, analisarmos as
complexidades que envolvem as relações travadas numa cidade interiorana, abertos às
novas descobertas as quais ainda temos que buscar.
Entre tantas perspectivas de investigação, propomos, no momento, tentar
alcançar alguns sujeitos sociais - como aqueles que foram “removidos” para ceder lugar
ao progresso e à modernidade - os quais acreditamo s ter muito a nos dizer sobre as
novas experiências, ainda que essas não tenham sido uma questão de escolha.
Procuraremos perceber qual é o espaço (des)ocupado na atual reestruturação da cidade,
e quais os significados/importância que atribuem aos projetos implementados pela
instância pública.
A partir dessas análises, estaremos atentos às necessidades, realizações e
frustrações daqueles moradores que foram atingidos diretamente pelo rolo compressor
da “nova era” que chegou em Itumbiara e em vários municípios do interior goiano e
também mineiro, ao final da década de 1960 e início dos anos 70. Tentaremos perceber
se esses sujeitos sociais são considerados parte dessa nova realidade, para a qual
trabalha a liderança do poder público local, ou se - assim como os seus antigos casebres
– ainda são tratados como símbolo do atraso, do anti-estético, contrários aos princípios
do desenvolvimento aos moldes do que deparamos na atualidade, a partir da pesquisa
até aqui realizada. Para tanto, é preciso maior disponibilidade de tempo para acessar
mais informações que ainda permanecem inexploradas.

18
Depoentes
Joaquim Ferreira Silva, 59, comerciante. (Entrevista concedida em 23/06/2005).
José Márcio Margonari Borges, 46, professor (Entrevista concedida em 25/06/2005).
José Machado Sobrinho, 86, lavrador (entrevista concedida em 19/03/2005).
Mário de Leles Almeida, 56, funcionário público, aluno do curso de História na UEG-
Itumbiara. (Entrevista concedida em 26/06/2005).
Placedino David Gouveia, 71, aposentado (entrevista concedida em 23/06/2005).

Livro Ata da Câmara Municipal


- Ata de 1953 a 1956.
- Ata nº. 329 (de 1973 a 1975) de 22/02/1974 (folha n°. 39 – verso).
- Ata n°. 434/76 (de 1976 a 1978), folhas 13-14.
- Ata n°. 435/76.

Livro de Leis:
Lei n°. 185, de 16/05/1955 (Livro de Leis n°. 02 – Leis de 1951 à 1956).

Periódicos
Jornais:
Jornal da Cidade. Semanário Regional. Ano IV, n°. 129, de 15 a 21/02/1978.
Jornal da Cidade. Semanário Regional. Ano IV, N°. 150, 24/08/1978.
Jornal de Itumbiara. Ano XIII, n°. 291, 15/06 à 23/06/86.
Jornal de Itumbiara. Ano X, n°. 266, 12/10/1982.
Jornal de Itumbiara. Ano IX - n°. 244, 12/10/1981
Jornal de Itumbiara. Ano. VIII, n°. 241, 04/09/1981.
Jornal de Itumbiara. Ano VII, n°. 234, 12/06/1981.
Jornal de Itumbiara. Ano VIII, n°. 232, 22/05/81.
Jornal de Itumbiara. Ano VIII, n°. 230, 01/05/1981.
Jornal de Itumbiara. Ano VI, n°, 211, de 07/08/1980.
Jornal de Itumbiara. Ano IV, n°. 210, 24/06/1980.
Jornal de Itumbiara. Ano VI, n°. 191, 31/01/1980.
Jornal de Itumbiara. Ano VI, n°. 188, 23/11/1979.
Jornal de Itumbiara. Ano V, n°. 185, 12/10/1979.

19
Jornal de Itumbiara. Ano V, n°. 182, 1979.
Revistas:
Itumbiara em Revista. Departamento de Comunicação Social (DECOM) Editora
Gráfica Terra Ltda: Itumbiara. Ano 1 – N° 01 – Junho 2000.

Bibliografia
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CAVALCANTI, L. de S., “Uma geografia da cidade – Elementos da produção do
espaço urbano”. In: CAVALCANTI, L de S. (org.). Geografia da Cidade. Goiânia:
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