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Aecam1116 Teste 3 A
Aecam1116 Teste 3 A
Professor/a: __________________
GRUPO I
Joaninha não era bela, talvez nem galante sequer no sentido popular e expressivo
que a palavra tem em português, mas era o tipo da gentileza, o ideal da
espiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo de dezasseis anos, havia por dom
natural e por uma admirável simetria de proporções toda a elegância nobre, todo o
desembaraço modesto, toda a flexibilidade graciosa que a arte, o uso e a conversação
da corte e da mais escolhida companhia vêm a dar a algumas raras e privilegiadas
criaturas no mundo.
Mas nesta foi a natureza que fez tudo, ou quase tudo, e a educação nada ou quase
nada.
Poucas mulheres são muito mais baixas, e ela parecia alta: tão delicada, tão élancée
era a forma airosa de seu corpo.
E não era o garbo teso e aprumado da perpendicular miss inglesa que parece
fundida de uma só peça; não, mas flexível e ondulante como a hástea jovem da árvore
que é direita mas dobradiça, forte da vida de toda a seiva com que nasceu, e tenra que
a estala qualquer vento forte.
Era branca, mas não desse branco importuno das loiras, nem do branco terso, duro,
marmóreo das ruivas – sim daquela modesta alvura da cera que se ilumina de um
pálido reflexo de rosa de Bengala.
E de outras rosas, destas rosas-rosas que denunciam toda a franqueza de um
sangue que passa livre pelo coração e corre à sua vontade por artérias em que os
nervos não dominam, dessas não as havia naquele rosto: rosto sereno como é sereno
o mar em dia de calma, porque dorme o vento… Ali dormiam as paixões.
Que se levante a mais ligeira brisa, basta o seu macio bafejo para encrespar a
superfície espelhada do mar.
Sussurre o mais ingénuo e suave movimento de alma no primeiro acordar das
paixões, e verão como se sobressaltam os músculos agora tão quietos daquela face
tranquila.
O nariz ligeiramente aquilino: a boca pequena e delgada não cortejava nem
desdenhava o sorriso, mas a sua expressão natural e habitual era uma gravidade
singela que não tinha a menor aspereza nem doutorice.
Almeida Garrett. Viagens na Minha Terra, cap. XII. Porto: Porto Editora, pp. 67-68.
1.2. Explicita de que modo este retrato corresponde ao de uma heroína romântica,
fundamentando a tua resposta com expressões textuais.
Lê o texto seguinte.
Houve aqui há anos um profundo e cavo filósofo de além-Reno, que escreveu uma
obra sobre a marcha da civilização, do intelecto – o que diríamos, para nos
entenderem todos melhor, o Progresso. Descobriu ele que há dois princípios no
mundo: o espiritualismo, que marcha sem atender à parte material e terrena desta
vida, com os olhos fitos em suas grandes e abstratas teorias, hirto, seco, duro,
inflexível, e que pode bem personalizar-se, simbolizar-se pelo famoso mito do
Cavaleiro da Mancha, D. Quixote; o materialismo, que, sem fazer caso nem cabedal
dessas teorias, em que não crê, e cujas impossíveis aplicações declara todas utopias,
pode bem representar-se pela rotunda e anafada presença do nosso amigo velho,
Sancho Pança.
Mas, como na história do malicioso Cervantes, estes dois princípios tão avessos, tão
desencontrados, andam contudo juntos sempre; ora um mais atrás, ora outro mais
adiante, empecendo-se muitas vezes, coadjuvando-se poucas, mas progredindo
sempre.
E aqui está o que é possível ao progresso humano.
E eis aqui a crónica do passado, a história do presente, o programa do futuro.
Hoje o mundo é uma vasta Barataria, em que domina el-rei Sancho.
Almeida Garrett. Viagens na Minha Terra, Cap. II. Porto: Porto Editora, pp. 12-13.
GRUPO II
Lê o texto seguinte.
A família Garrettiana
Garrett é mais do que Garrett. Quer dizer que a sua obra, por admirável que seja no
teatro, no romance, na poesia, em títulos como Frei Luís de Sousa, Viagens na Minha
Terra, Folhas Caídas, não é uma obra fechada, mas uma obra aberta. Obra aberta
porque, não se encerrando na sua acabada perfeição como um fim em si mesma,
rasgou uma estrada na literatura portuguesa. Há na história literária como na história
política fundadores de dinastia. E na literatura portuguesa é, sem dúvida, Garrett um
desses fundadores. Depois de Garrett há toda uma literatura que dele deriva – uma
literatura que por isso mesmo se chama neogarrettiana ou neogarretista (e se
designou também, mas com menor fortuna, por novilusista).
Quem cunhou essa expressão de “neogarrettismo” foi Alberto Oliveira (1873-1940),
companheiro de geração e amigo (enquanto ele o deixou ser) do melindroso António
Nobre – o mesmo Nobre que no Só tem um poema, “Viagens na Minha Terra”, com o
seu expresso entusiasmo pelo “Garrett da minha paixão”. […]
Àquela “geração de 90” pertenciam, entre outros, Trindade Coelho (1861-1908) e
Manuel da Silva Gaio (1860-1934), nomes representativos do neogarrettismo ou do
nacionalismo literário. No artigo de apresentação da Revista Nova (novembro de 1893)
– e novo não seria só o título da publicação como o seu espírito –, trindade Coelho
aponta em Garrett um exemplo de banho lustral, qual é o de mergulhar no “fecundo
veio” da província portuguesa e das tradições populares. Convidava o editorialista os
novos a rebelarem-se “contra a assoladora invasão dos cânones estrangeiros
reguladores não só do que temos de vestir, mas do que temos de pensar”, na
convicção garrettiana, proclamada alhures, de que “as modas passam, a terra fica”.
Entendia Trindade Coelho que “ninguém mais soube sondar e seguir” os caminhos de
Garrett da “nacionalização da literatura e da arte”.
Ninguém? Não explorou Ramalho Ortigão os caminhos da pátria, ele que sem
pasmo provinciano viajou curiosamente pelo estrangeiro, não deu ele uma salutar
lição de higiene física e mental? Ramalho, ele o confessou numa bela página
autobiográfica, teve três mestres na idade da formação, que lhe temperaram o caráter
e firmaram a vocação: um frade, e o seu estilo de vida austero; um antigo soldado, e o
seu gosto da disciplina; um escritor, e o seu donaire de escrita. Quando rapaz, pôde ler
em período de convalescença as Viagens na Minha Terra. Foi como uma revelação ao
mesmo tempo da literatura, e do seu fascínio, e da vocação, e da sua inelutabilidade.
Com esse livro, descobriu que seria também escritor, como o pintor que se reconheceu
tal diante de um quadro: anche io sono pittore! Com a vocação, antevê Ramalho o seu
caminho de escritor: um escritor que quer Portugal mais português. E, desprezando a
nossa habitual retórica, irá lançar mão da crítica, que nele não será azeda porque
sempre irónica. Fazer Portugal mais civilizado (no respeito da tradição) e mais sadios
os portugueses, tal foi o espírito que animou Ramalho Ortigão ao longo do seu longo
magistério. E um precursor desse breviário de estética e de ética que é o Culto da Arte
em Portugal é o Garrett das Viagens, lá onde se dói (cap. XXVIII) do espetáculo de
abandono ou de adulteração […] de alguns espécimes da arquitetura religiosa e civil de
Santarém […]. Contra a “nação de bárbaros”, contra o “povo de iconoclastas” protesta,
luta Garrett, como depois dele, e mais sistematicamente do que ele protestou, lutou
Ramalho.
Protestava ainda Garrett que, se agradassem ao “leitor benévolo” as suas Viagens,
lhes havia de dar seguimento, e sabemos que, depois do Vale de Santarém, ele
pensava peregrinar “por esse Portugal fora” para contar novas histórias e, melhor do
que isso, para divagar, erudita e agilmente, […] de tudo quanto se sabe e de alguma
coisa mais. Mas a frágil saúde, a breve vida, a tempestade amorosa que na última
estação o devastou, não lhe consentiram realizar aquele plano. Que outras Viagens
não se perderam assim…
João Bigotte Chorão. In O Tripeiro, fevereiro de 1999.
5. O uso de aspas no segmento «Entendia Trindade Coelho que “ninguém mais soube
sondar e seguir” os caminhos de Garrett da “nacionalização da literatura e da arte”
justifica-se por se tratar de uma
(A) citação.
(B) ideia que se quer realçar.
(C) frase no discurso direto.
(D) frase no discurso indireto.
6. A oração introduzida por “que” na frase «Entendia Trindade Coelho que “ninguém
mais soube sondar e seguir”» desempenha a função sintática de
(A) complemento direto.
(B) sujeito.
(C) predicativo do sujeito.
(D) modificador apositivo.
7. No segmento “Com esse livro, descobriu que seria também escritor, como o pintor
que se reconheceu tal diante de um quadro”, as palavras sublinhadas são
(A) um pronome e uma conjunção, respetivamente.
(B) uma conjunção e um pronome, respetivamente.
(C) conjunções em ambos os casos.
(D) pronomes em ambos os casos.
8. Indica a função sintática desempenhada pelo pronome pessoal sublinhado em “ele o
confessou”.
10. Indica o valor da oração subordinada adjetiva relativa presente em “Mas a frágil
saúde, a breve vida, a tempestade amorosa que na última estação o devastou, não lhe
consentiram realizar aquele plano.”
GRUPO III
Um romance nas nossas mãos pode-nos conduzir a outro mundo que nunca visitámos,
nunca vimos e nunca conhecemos.
Orhan Pamuk