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O INTERCULTURAL E O DIREITO

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reflexões sobre direito, cultura e generalidades

terça-feira, 31 de julho de 2007


Teoria x prática no direito: um falso dilema

Ontem, tive a grata satisfação de saber que projeto de minha autoria, em conjunto com 3 alunos
da Graduação em Direito da UFPE logrou aprovação no PIBIC 2007/2008. Projetos dessa
natureza têm a finalidade de subsidiar os primeiros passos na iniciação científica de alunos que
possuam vocação para a pesquisa no meio universitário. O projeto propõe uma hipótese de que o
Supremo Tribunal Federal brasileiro tem tido uma fortíssima atuação como legislador, talvez
mais até do que como julgador. É uma impressão corrente no meio jurídico, mas vamos, eu, Ana
Rita, Caio e Karine, a partir de critérios científicos, verificarmos se e em que medida tal
percepção se afigura verdadeira. Um desafio e tanto, meus caros.

Lamentavelmente, no curso de Direito, temos pouca tradição no campo rigorosamente científico


por problemas diversos, desde o fato de que a maioria dos docentes jurídicos possuem outras
atividades além da sala de aula até o desdém que muitos possuem pelos estudos jurídicos
científicos, como se fosse coisa de "filósofos" fora da realidade. Na verdade, isso denota um
preconceito mútuo entre os "teóricos" e os "práticos", em que os últimos venceriam os primeiros
por que são em geral melhor remunerados e lidam com os problemas concretos do direito no seu
dia-a-dia, enquanto os primeiros ficam "viajando" em concepções idealistas completamente
inexeqüíveis na realidade jurídica e social.

Particularmente, considero esse antagonismo completamente equivocado. É muito comum


ouvirmos dos "práticos" coisas do tipo "ah, isso é na teoria, na prática, é diferente", "na prática, a
teoria é outra", e ouvirmos dos "teóricos", "ah, isso são questiúnculas pequenas, sem uma visão
científica", "isso é puro tecnicismo sem qualquer reflexão mais profunda". Penso que, ao menos
no direito, é inconcebível a teoria sem a prática ou a prática sem a teoria. São duas perspectivas
absolutamente necessárias e indissociáveis, embora, de fato, diversas.

Logicamente, as atividades cotidianas de um advogado militante (aqui incluídos advogados


públicos - ex.: procuradores do Estado e advogados da União), de um juiz ou de um promotor
são bem distintas do trabalho de um Professor pesquisador. Enquanto os primeiros lidam com a
solução de problemas concretos levados a juízo, o último pensa o direito de forma mais holística,
os parâmetros teóricos mais genéricos, a previsibilidade (ou não) das decisões, as possibilidades
de debates sobre mudanças legislativas e jurisprudenciais, enfim, coisas do tipo. No direito, é
possível que alguém que exerça a atividade prática possa ser também um pesquisador e um
teórico, assim como o inverso também é verdadeiro. Só que ele precisa ter consciência da
diferença entre as duas atividades: como juiz, por exemplo, o profissional do direito, de acordo
com o ordenamento jurídico, com as condições concretas do caso e segundo suas convicções
devidamente fundamentadas, estará decidindo um litígio entre duas ou mais partes em conflito,
impondo até mesmo coercitivamente sua decisão; como professor e pesquisador, ele não imporá
nada, pois o argumento de autoridade é antagônico ao argumento científico; aqui, ele terá que ter
metodologia adequada de pesquisa e de formulação de hipóteses, verificando com atenção e
cautela os resultados da investigação e aceitando os mesmos, ainda que possam ir de encontro às
suas convicções pessoais, ideológicas, religiosas, filosóficas etc.

Um juiz/promotor/advogado pode ser ótimo professor e pesquisador, assim como o inverso


também pode se verificar. Conheço vários que desempenham muito bem ambas as funções. Mas
não há como negar que tanto para uma quanto para a outra, o preparo específico é fundamental.
Na minha graduação, tive professores que acreditavam que, pelo simples fato de serem juízes ou
advogados bem sucedidos, tiravam de letra o ensino em sala de aula. Ser um bom juiz não
significa automaticamente ser um bom professor. Também o sujeito que seja excelente como
professor pode ter grandes dificuldades de desempenhar algumas atividades jurídicas práticas. E
isso não desqualifica um nem outro, apenas demonstra que é necessário que, para atividades
distintas, tenhamos uma adequada preparação igualmente diversa. Para o que quer desempenhar
as atividades práticas, além do estudo para a OAB e/ou concursos, a própria prática da profissão,
voltando-se para a solução de problemas concretos imediatos, a observação das teses em
confronto, a atenção com os argumentos, com os prazos, o aprofundamento dos estudos em nível
de pós-graduação como especializações e MBAs. Para o que pretende ser professor e/ou
pesquisador, o estudo e a reflexão mais holísticos, o pensamento mais sistêmico, o
aprofundamento intelectual em cursos de pós-graduação stricto sensu (Mestrado/Doutorado), o
estudo de metodologia científica e a prática desta etc.

Contudo, minha crítica aqui é dirigida tanto aos "teóricos" como aos "práticos". Coloco tudo
aspeado, por que considero que essa dicotomia dilemática entre teoria e prática é falsa. É
necessário que os "teóricos" prestem atenção ao que efetivamente ocorre na prática jurídica e
construam suas reflexões levando tudo isso em consideração em vez de ficarem criando teorias
inaplicáveis, que parecem às vezes meros devaneios metafísicos querendo conformar a realidade
a uma espécie de "leito de Procusto". Por outro lado, os "práticos" precisam deixar de desprezar
a teoria como se fosse algo desnecessário, pois se assim for, o direito se transforma em mero
casuísmo irresponsável ao sabor da caprichosa vontade de suas "Excelências" onipotentes. O que
seria, por exemplo, do direito ocidental no século XX, se não fossem as grandes teorias jurídicas
como as de Hans Kelsen e de Carl Schmitt, só para ficar nos constitucionalistas. Algum jurista
pode afirmar que a teoria da constituição dirigente de Gomes Canotilho não foi importante na
conformação dos aspectos sociais da Constituição de 1988 ou que a teoria da eficácia das normas
constitucionais de José Afonso da Silva não tenha influenciado a prática julgadora do STF? O
que são as súmulas vinculantes, as antecipações de tutela judicial, o princípio da insignificância
no direito penal e as agências reguladoras de setores econômicos senão desdobramentos de
teorias que as imaginaram antes que viessem a se tornar realidade?

Por isso afirmo que o dilema apontado é completamente falso. "Teóricos" e "práticos" precisam
ter mais humildade e reconhecer a outra perspectiva como uma aliada indissociável e não como
um mundo distante e impenetrável. Não resta dúvida que todos ganhariam com isso.

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