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Ireneu de Lyon

Ireneu ou Irineu de Lyon ou Lião, em grego Εἰρηναῖος [pacífico] transliterado [Eirenaios], em


latim Irenaeus, (ca. 130 – 202) foi um bispo grego, teólogo e escritor que nasceu, segundo se
crê, na província romana da Ásia Menor Proconsular – a parte mais ocidental da actual
Turquia – provavelmente Esmirna.
Santo Irineu de Lyon

Vitral na Igreja de Santo Irineu, Bispo de Lugduno na Gália (atual Lyon, na França)

Doutor da Igreja, Bispo de Lyon, Mártir, Padre grego

Nascimento Esmirna, Ásia Menor (atual Izmir, Turquia) 

ca. 130

Morte Lugduno na Gália (atual Lyon), na França) 

ca. 202 (72 anos)

Veneração por Igreja Católica

Igreja Ortodoxa

Igreja Luterana

Comunhão Anglicana

Festa litúrgica 28 de junho na Igreja Católica, na Comunhão


Anglicana e na Igreja Luterana; 23 de agosto
Igreja Ortodoxa

Portal dos Santos

O livro mais famoso de Irineu, Sobre a detecção e refutação da chamada Gnosis, também
conhecido como Contra Heresias (Adversus haereses, ca. 180 d.C.) é um ataque minucioso
ao gnosticismo, que era então uma séria ameaça à Igreja primitiva e, especialmente, ao
sistema proposto pelo gnóstico Valentim.[1] Como um dos primeiros grandes teólogos
cristãos, ele enfatizava os elementos da Igreja, especialmente o episcopado, as Escrituras e
a tradição.[1] Irineu escreveu que a única forma de os cristãos se manterem unidos era
aceitarem humildemente uma autoridade doutrinária dos concílios episcopais.[2]

Seus escritos, assim como os de Clemente e Inácio, são tidos como evidências iniciais da
primazia papal.[1] Irineu foi também a testemunha mais antiga do reconhecimento do caráter
canônico dos quatro evangelhos.[3]

As Igrejas Católicas e Ortodoxas consideram-no santo, o que é reconhecido pelos


protestantes da Comunhão Anglicana e da Igreja Luterana, sendo seu dia comemorado, a 28
de junho, exceto pela Igreja Ortodoxa, onde seu dia é a 23 de agosto.

Em 21 de janeiro de 2022, o Papa Francisco assinou o decreto que inclui o santo na lista dos
Doutores da Igreja. Santo Irineu recebeu o título de "Doctor unitatis".

Biografia

Há escassa informação sobre sua vida e muitas coisas são pouco exatas. Teria nascido na
Asia proconsular, pelo menos em alguma província em seu limite, na primeira metade do
século II. Não se sabe a data certa de seu nascimento. Está entre os anos 115 e 125, ou
entre 130 e 142 segundo outros autores.

O que é certo é que, ainda muito jovem, tinha visto e escutado Policarpo de Esmirna[4] (69-
155) que, por sua vez – segundo uma tradição atestada por Papias de Hierápolis[5] – fôra
discípulo de João, o Evangelista. Durante a perseguição ordenada por Marco Aurélio, Ireneu
era sacerdote na igreja de Lugduno (atual Lyon), na Gália.[4] O clero da cidade, muitos dos
quais presos por testemunharem sua fé, enviou (em 177 ou 178) uma carta ao papa
Eleutério sobre o montanismo, testemunhando os méritos de Ireneu.[6] Quando São Potínio
foi martirizado, Ireneu foi feito bispo em seu lugar.[4]

Durante a trégua religiosa subsequente à perseguição de Marco Aurélio, o novo bispo dividiu
seu tempo entre deveres como pastor e missionário (do que temos poucas e incertas
informações) e os seus escritos, quase todos dirigidos contra a heresia do gnosticismo, que
começava a se espalhar pela Gália. Neste sentido, sua obra mais famosa é chamada de
Contra Heresias (Adversus haereses). Em 190 ou 191, intercedeu junto ao papa Vítor I para
suspender a sentença de excomunhão imposta sobre as comunidades de cristãos na Ásia
Menor, que continuavam as práticas dos quartodecimanos – que desejavam celebrar a
Páscoa segundo a tradição judaica.

Ignora-se a data de sua morte, que deve ter ocorrido no fim do século II ou início do século
III. Apesar de alguns testemunhos isolados e tardios nesse sentido, é incerto se terminou
sua vida num martírio. Morreu por volta de 202 d.C. quando da perseguição movida pelo
imperador romano Septímio Severo ou nas mãos de hereges. Foi enterrado sob a igreja de
São João em Lyon, posteriormente renomeada "Santo Ireneu" em sua homenagem. Porém, o
túmulo e seus restos foram completamente destruídos em 1562 pelos huguenotes.
A obra teológica

Ireneu escreveu em grego a sua obra, que lhe assegurou lugar de prestígio excepcional na
literatura cristã devido, não só, às questões religiosas controversas de importância capital
que abordou, bem como por mostrar o testemunho de um contemporâneo das primeiras
gerações cristãs. Nada do que escreveu chegou a nós no texto original, mas muitos
fragmentos existem e citações em escritores posteriores como Hipólito de Roma e Eusébio
de Cesareia.

Duas de suas principais obras chegaram até aos dias de hoje em suas versões latinas e
arménias: a primeira é a "Exposição e refutação do pretenso conhecimento", em português
conhecida como Contra Heresias por ser frequentemente conhecida e citada pelo seu nome
latino de Adversus haereses.

É uma obra para combater o gnosticismo. Em seus cinco livros, expõe de início as doutrinas
gnósticas, com referências às suas distintas seitas e escolas nascidas nas comunidades
cristãs. Ao refutar as versões mais importantes (de Valentim, de Basílides e de Marcião de
Sinope) Ireneu frequentemente opõe a elas a verdadeira doutrina da Igreja da sua época,
dando-nos, deste modo - pelo seu recurso à razão, à doutrina da Igreja e à Bíblia -,
testemunhos indirectos e directos relevantes acerca do que então era tido como a doutrina
eclesiástica. Aborda, ainda, passagens muito comentadas pelos teólogos que dizem respeito
ao Evangelho segundo João, à Eucaristia e à primazia da Igreja Romana. Ireneu termina esta
obra defendendo a ressurreição da carne, escândalo máximo para os gnósticos. Dos
originais restaram fragmentos, e há traduções latinas e armênias.

No livro I, Ireneu fala sobre os valentianos e seus precursores, cujas raízes vão até Simão
Mago. No segundo livro, ele tenta provar que o valentianismo não tem mérito algum em suas
doutrinas. Já no terceiro livro, Ireneu propõe que essas doutrinas são falsas com base em
evidências obtidas dos Evangelhos. No livro quarto, Ireneu reforça a união do Antigo
Testamento e os Evangelhos ao mesmo tempo que fornece um conjunto de ditos de Jesus.
No último livro, ele se concentra em mais ditos de Jesus e também em cartas de Paulo de
Tarso.[7]

Em sua refutação do gnosticismo valentiniano, Ireneu se preocupa principalmente em


demonstras as origens não-cristãs do mesmo, propondo uma tese segundo o qual as
heresias gnósticas teriam se originado de um deturpador da mensagem cristã, Simão, o
Mago [2][8]. Este intento heresiológico influenciará escritos posteriores como Hipólito de
Roma em sua Refutação de Todas as Heresias [9].
Até a descoberta, em 1945, da chamada Biblioteca de Nag Hammadi, esta obra de Ireneu era
a melhor descrição das correntes gnosticas do início da era cristã. De acordo com alguns
estudiosos bíblicos, os achados de Nag Hammadi demonstraram que as descrições de
Ireneu sobre o gnosticismo são muito incorretas e polêmicas em sua natureza.[8][10] Embora
correto em alguns detalhes sobre as crenças dos diversos grupos, o principal objetivo de
Ireneu era advertir os cristãos contra o gnosticismo em vez de descrever corretamente suas
crenças. Ele descreveu os grupos gnósticos como libertinos, por exemplo, quando algumas
de suas próprias obras advogavam a castidade com mais fervor do que as ortodoxas.[11][12]
Porém, pelo menos um estudioso, Rodney Stark, alega que a mesma Biblioteca de Nag
Hammadi prova que Ireneu estava correto.[13]

Parece que a crítica de Ireneu contra os gnósticos era exagerada, o que provocou sua
rejeição pelos estudiosos por um longo tempo. Como exemplo, ele escreveu:

Eles declaram que Judas, o traidor, era perfeitamente familiar com estas

“ coisas e que, ele, sozinho, sabendo da verdade como ninguém mais, realizou o
mistério da traição. Através dele todas as coisas foram então atiradas em

confusão. Eles então produziram uma história fictícia deste tipo, que
chamaram de Evangelho de Judas.

[14]
Estas alegações se mostraram verdadeiras no texto do Evangelho de Judas, onde Jesus
pediu a Judas o traísse. Sobre as incorreções de Ireneu sobre as libertinagens sexuais entre
os gnósticos, é claro que eles não eram um grupo coeso, mas um conjunto de seitas. Alguns
eram realmente libertinos, considerando a existência corporal como sem nenhum sentido.
Outros, pelo mesmo motivo, prezavam a castidade ainda mais fortemente que a cristandade,
chegando ao ponto de banir o casamento e toda atividade sexual.[15]

A sua segunda obra é a "Exposição ou Prova do Ensinamento Apostólico", breve texto, cujo
conteúdo corresponde na perfeição ao seu título. Há dela uma muito antiga tradução, literal,
em armênio descoberta em 1904. Ireneu não quer nela refutar as heresias, mas confirmar
aos fiéis a exposição da doutrina cristã, sobretudo ao demonstrar a verdade do Evangelho
por meio de profecias do Velho Testamento. Embora não contenha nada do que já não tenha
sido dito em Adversus haereses, é um documento de grande interesse e magnífico
testemunho da fé profunda e viva de Ireneu.

Do restante da sua obra seguinte, apenas existem fragmentos espalhados. Muitos só se


conhecem por menção a eles feita por outros escritores. São eles:[16][17]

um tratado contra os gregos, intitulado "Sobre o Conhecimento", mencionado por Eusébio


de Cesareia
um documento dirigido ao sacerdote romano Florinus "Sobre a Monarquia, ou como Deus
não é a causa do Mal" com fragmento na "História Eclesiástica" de Eusébio

um documento "Sobre Ogdoad", provavelmente contra a Ogdóade do gnóstico Valentim


escrito para o mesmo supra-citado sacerdote Florinus, que aderira à seita dos valentianos
do qual há fragmento em Eusébio

um tratado sobre o cisma dirigido a Blastus (mencionado por Eusébio)

uma carta ao papa Vítor I contra o sacerdote romano Florinus (fragmento em siríaco)

outra carta ao mesmo papa sobre a controvérsia pascal (da qual há trechos em Eusébio)

cartas a vários correspondentes sobre o mesmo tema (mencionadas por Eusébio;


fragmento preservado em siríaco)

um livro com numerosos discursos, provavelmente uma coleção de homilias (mencionado


por Eusébio)

Escrituras

Ireneu aponta para as Escrituras como prova de um cristianismo ortodoxo contra as


heresias, classificando como "Escrituras" não somente o Antigo Testamento, mas também
os livros hoje conhecidos como Novo Testamento[1]e, ao mesmo tempo, excluindo uma
grande quantidade de obras de autores gnósticos que floresciam no século II d.C. e que
alegavam autoridade de Escritura.[18] Antes dele, os cristãos diferiam entre si sobre quais
evangelhos preferiam. Os da Ásia Menor utilizavam muito o Evangelho segundo João e o
Evangelho segundo Mateus era o mais popular no geral.[19] Ireneu afirmou que quatro
evangelhos, o de Mateus, Marcos, Lucas e João eram os canônicos.[20] Logo, Ireneu nos deu
um dos primeiros testemunhos da afirmação dos quatro evangelhos canônicos,
possivelmente como uma reação a uma versão editada por Marcião de Sinope do Evangelho
de Lucas (o Evangelho de Marcião), que ele afirmava ser o único verdadeiro evangelho.[3][21]

Baseado nos argumentos de Ireneu apoiando a existência de apenas quatro evangelhos


autênticos, alguns intérpretes deduzem que este conceito deveria ser ainda muito novo no
tempo Ireneu.[22] Em "Contra Heresias" (3.11.7[20]), ele concorda que muitos cristãos
heterodoxos utilizavam apenas um evangelho, enquanto em 3.11.9 ele afirma que outros
utilizavam mais do que quatro.[23] O sucesso do Diatessarão de Taciano no mesmo período é
"…uma poderosa indicação de que os 'quatro evangelhos' patrocinados na época por Ireneu
não eram amplamente – muito menos universalmente – reconhecidos.".[24] Ireneu também
foi o primeiro a atestar (numa fonte que sobreviveu até hoje) que o Evangelho de João foi de
fato escrito pelo apóstolo[25] e que o Evangelho de Lucas foi escrito pelo mesmo Lucas que
era companheiro de Paulo.[26]
O apologista e ascético Taciano já tinha antes harmonizado os quatro evangelhos numa
única narrativa, o Diatessarão (ca. 150 d.C.

Estudiosos afirmam que Ireneu cita pelo menos 21 dos 27 textos do Novo Testamento:

Os itens marcados como ** são os que é incerto se Ireneu citou ou não.

Livro I
Prefácio: Primeira Epístola a Timóteo

Capítulo 3: Epístola aos Colossenses e Primeira Epístola aos Coríntios

Capítulo 16: Segunda Epístola de João

Livro II
Capítulo 30: Epístola aos Hebreus**

Livro III
Capítulo 3: Epístola a Tito

Capítulo 7: Segunda Epístola aos Coríntios

Capítulo 10: Marcos

Capítulo 11: João

Capítulo 14: Lucas, Atos dos Apóstolos e Segunda Epístola a Timóteo

Capítulo 16: Mateus, Primeira Epístola de João e Epístola aos Romanos

Capítulo 22: Epístola aos Gálatas

Livro IV
Capítulo 9: Primeira Epístola de Pedro

Capítulo 16: Epístola a Tiago**

Capítulo 18: Epístola aos Filipenses

Capítulo 20: Apocalipse

Livro V
Capítulo 2: Epístola aos Efésios

Capítulo 6: Primeira Epístola aos Tessalonicenses

Capítulo 25: Segunda Epístola aos Tessalonicenses

Capítulo 28: Segunda Epístola de Pedro **

Ele não cita as Epístolas a Filêmon, Judas e nem a Terceira Epístola de João.
Autoridade apostólica

Em seus escritos contra os gnósticos, que alegavam possuir uma tradição oral secreta vinda
do próprio Jesus, Ireneu defendia que os bispos em diferentes cidades são conhecidos
desde o tempo dos Apóstolos - e nenhum deles era gnóstico – e que os bispos proviam o
único guia seguro para a interpretação das Escrituras.[27] Ele enfatizava a posição de
autoridade única que detinha o bispo de Roma.[18][28]

Com as listas de bispos a que Ireneu se referiu, a doutrina posterior de sucessão apostólica
dos bispos pode ser relacionada.[18] Esta sucessão foi importante para estabelecer uma
linha de custódia da ortodoxia. O ponto de vista de Ireneu quando refutando os gnósticos foi
de que todas as igrejas apostólicas preservaram as mesmas tradições e ensinamentos em
diversas correntes independentes. Foi um acordo unânime entre estas muitas correntes
independentes de transmissão que provaram a fé ortodoxa, corrente naquelas igrejas, ser a
verdadeira.[29] Se algum erro tivesse sido absorvido, o acordo seria imediatamente destruído.
Os gnósticos não tinham nem esta sucessão e nem um acordo entre eles.

Traços de um pensamento

Para Ireneu, na senda do progresso constante na Revelação contida na Bíblia, há somente


um Deus (Théos) e não um Deus e um demiurgo ou "ser divino" (theios) como era propagado
pelas correntes gnósticas. Para estas, de facto, a Criação é obra do demiurgo – δημιουργός,
em grego, demiurgus em latim – pois, fruto do seu pessimismo diante da matéria criada, não
concebiam que a Divindade pudesse contactar com a mesma (Adversus haereses I, 5, 1-6).
Ireneu sublinha não só a identidade entre Deus e o Criador (Adversus haereses V, II, 1, 1; IV, 5,
2-4) e que, assim, todo o Universo provém do bem e tem em vista o bem, mas igualmente
que a Criação não era, como diziam os gnósticos, fruto de um erro de concepção inicial:
neque per apostasiam et defectionem et ignoratiam (Adversus haereses II, 3, 2).

O núcleo de um pensamento:

“ «A glória de Deus é o Homem vivo, e a vida do Homem consiste em ver a Deus.


Pois se a manifestação de Deus que é feita por meio da criação, permite a vida

de todos os seres vivos na Terra, muito mais a revelação do Pai que nos é
comunicada pelo Verbo, comunica a vida àqueles que amam a Deus»
  — Adversus Haereses IV, 20, 7, Ireneu de Lyon.

A sua antropologia parte da afirmação de que o Homem - entenda-se: a unidade inseparável


de corpo e alma (Adversus haereses V, 6, 1) -, sendo criado por Deus, é bom. Contudo, por ser
uma criatura, o Homem não é perfeito e, assim, está propenso a ir contra sua natureza e
optar livremente por decair, sem, contudo, que tal faça destruir a sua natureza (Adversus
haereses IV, 37, 5). Para Ireneu é o livre-arbítrio que torna o Homem semelhante a Deus:
liberae sententiae ab initio est homo, et liberae sententiae est Deus, cui similitudinem factus est
(Adversus haereses IV, 37, 4). Deste modo, sendo todo o Homem livre em seus actos é,
igualmente, responsável pelos mesmos. O mal que pode ser deslindado no Mundo, assim,
não é da responsabilidade de Deus, mas das opções desordenadas do Homem.

Santíssima Trindade

"Já temos mostrado que o Verbo, isto é, o Filho esteve sempre com o Pai. Mas também a
Sabedoria, o Espírito estava igualmente junto dele antes de toda a criação" (Contra as
Heresias IV,20,4).

Irineu afirma a igualdade de essência e dignidade entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo
(Adv. Haeres., II, 13, 8).

Batismo trinitário

Ao dar a Seus discípulos poder para que fizessem os homens renascer de


Deus, o Senhor lhes disse: Ide e fazei discípulos Meus todos os povos,
batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. (Mt 28,19)

— Do Tratado contra as heresias – Lib. 3,17,1-3 : SCh 34, 302-306

Eucaristia e ressurreição da carne

No Tratado contra as Heresias, Irineu redige a doutrina da Eucaristia: Corpo e Sangue de


Cristo e a ressurreição da carne:

Se não há salvação para a carne, também o Senhor não nos redimiu com
o Seu Sangue.

Portanto, quando o cálice de vinho misturado com a água e o pão natural


recebem a Palavra de Deus, transformam-se na eucaristia do Sangue e do
Corpo de Cristo.

Recebendo a palavra de Deus, tornam-se a eucaristia, isto é, o Corpo e o


Sangue de Cristo. Assim também os nossos corpos, alimentados pela
eucaristia, depositados na terra e nela desintegrados, ressuscitarão a seu
tempo, quando o Verbo de Deus lhes conceder a ressurreição para a
glória do Pai. É ele que reveste com sua imortalidade o corpo mortal e dá
gratuitamente a incorruptibilidade a carne corruptível. Porque é na
fraqueza que se manifesta o poder de Deus.

— Lib. 5,2,2-3 : SCh 153,30-38

Irineu afirma também o caráter propiciatório da Eucaristia em seu monumental "Contra as


Heresias":

(Nosso Senhor) nos ensinou também que há um novo sacrifício da Nova


Aliança, sacrifício que a Igreja recebeu dos Apóstolos, e que se oferece
em todos os lugares da terra ao Deus que se nos dá em alimento como
primícia dos favores que Ele nos concede no Novo Testamento. Já o havia
prefigurado Malaquias ao dizer:
Porque desde o nascer do sol, (...)
(Malaquias, I, 11). O que equivale dizer com toda clareza que o povo
primeiramente eleito (os judeus) não havia mais de oferecer sacrifícios,
senão que em todo lugar se ofereceria um sacrifício puro e que seu nome
seria glorificado entre as nações.

Virgem Maria

De importância singular é, também, o pensamento de Ireneu sobre Maria, considerando-a


como perpetuamente virgem e como Corredentora. Irineu desenvolve um paralelismo
antitético, dentro do quadro da Redenção operada por Cristo, entre a mãe de Jesus - figura
da obediência e da humildade - e Eva – tipo daquela e imagem da desobediência e do
orgulho - :

Mesmo Eva tendo Adão como marido, ela ainda era virgem… Ao
desobedecer, Eva tornou-se a causa da morte para si e para toda a raça
humana. Da mesma forma que Maria, embora tivesse um marido, ainda
era virgem, e obedecendo, ela tornou-se causa de salvação para si e para
toda a raça humana

— Adversus haereses 3:22

A Virgem Maria... sendo obediente à sua palavra, recebeu do anjo a boa


nova de que ela daria à luz Deus.
— Contra as Heresias V, 19,1

Primado do Bispo de Roma

Depois de afirmar a primazia da Sé de Roma enumera os bispos de Roma que governaram a


Igreja até então:

Para a maior e mais antiga a mais famosa Igreja, fundada pelos dois
mais gloriosos Apóstolos, Pedro e Paulo." e depois "Os bem-aventurados
Apóstolos portanto, fundando e instituindo a Igreja, entregaram a Lino o
cargo de administrá-la como Bispo; a este sucedeu Anacleto; depois dele,
em terceiro lugar a partir dos Apóstolos, Clemente recebeu o episcopado.

— Contra as Heresias - 1.III, 1,12; 2,1´2; 3.1´3; 4,1; P.G. 7, 844ss; S.C.34

Irineu afirmava que todas as igrejas deveriam estar de acordo com Roma, devido à sua
'autoridade preeminente' ou por sua 'origem superior':

Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta,
as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e
conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois
gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição
recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós
pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma,
quer por enfatuação ou por vanglória, quer por cegueira ou por doutrina
errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito,
'deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua
autoridade preeminente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares,
porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que
deriva dos apóstolos.

— Contra as Heresias, Livro III, capítulo 3, vers. 2

Evangelhos canônicos

Irineu afirma claramente a divisão em quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João),
fazendo numerosas citações desses evangelhos, únicos evangelhos reconhecidos como
autênticos e lidos na Igreja atesta Irineu:
Mateus compôs o Evangelho para os hebreus na sua língua, enquanto
Pedro e Paulo em Roma pregavam o Evangelho e fundavam a Igreja.

— Adv. Haereses II, 1,1

Depois de sua morte, Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, nos


transmitiu também por escrito o que Pedro tinha pregado. Assim mesmo
Lucas, o companheiro de Paulo, consignou num livro o evangelho
pregado por este.
Enfim, João, o discípulo do Senhor, o mesmo que
reclinou sobre o seu peito, publicou também o Evangelho quando de sua
estadia em Éfeso. Ora, todos esses homens legaram a seguinte doutrina:
Quem não lhes dá assentimento despreza os que tiveram parte com o
Senhor, despreza o próprio Senhor, despreza enfim o Pai; e assim se
condena a si mesmo, pois resiste e se opõe à sua salvação – e é o que
fazem todos os hereges.

— Contra as heresias

Ireneu em sua obra também faz referência aos Livros Sagrados chamados deuterocanônicos
referindo-se à Sabedoria, à História de Susana, Bel e o dragão (Adições em Daniel) e
Baruque.

Apontamentos acerca da sua refutação do Evangelho


de Judas

A sua extensa e completa refutação das diferentes doutrinas gnósticas vem sendo
recordada por ocasião do redescobrimento do texto pseudo-epígrafo conhecido como o
Evangelho de Judas. Acerca deste texto, Ireneu disse que era utilizado por um grupo
gnóstico auto-denominado cainitas, os quais:

"...dizem que Caim nasceu de uma Potestate superior, e se professam irmãos de Esaú,
Coré, os sodomitas e todos os seus semelhantes. Por isto, o Criador os atacou, mas a
nenhum deles pôde-se fazer mal. Pois, a Sabedoria tomava para si mesma o que deles
havia nascido dela. E dizem que Judas, o traidor, foi o único que conheceu todas estas
coisas exatamente, porque somente ele entre todos conheceu a verdade para levar em
frente o 'mistério da traição' (...). Para isto, mostram um livro de sua invenção, que
chamam o Evangelho de Judas." (Adversus haereses, I, 31, 1)

Na continuação, Ireneu, desmascarando o louvor que os cainitas faziam de Judas por este
ter entregue Jesus, e assim, segundo estes, ousado experimentar a realização da mais cruel
traição como caminho para a realização de um número maior de experiências gnósticas, faz
notar, não sem uma ironia fina, que

"Estes (os cainitas) chamam de Hystera a este criador do céu e da terra e dizem, como
Carpocrates, que o Homem não pode ser salvo se não passar por todo o tipo de
experiências. Um anjo, segundo eles, está continuamente à espera de todos os seus actos,
incentivando-os para todo o tipo de actos pecaminosos e abomináveis (...). Seja qual for a
natureza de tais acções, eles declaram que as fazem em nome de tal anjo, dizendo: 'Ó
anjo, eu usei o teu trabalho; o teu poder, eu realizei esta acção!' E advogam que isto é o
'conhecimento perfeito.' " (Adversus haereses I, 31, 2)

Adiante, faz reparar a inconsistência da argumentação daqueles que seguiam os


ensinamentos também contidos no Evangelho de Judas, ao expôr a incongruência das sua
posições:

"Dizem eles que a paixão do decimo segundo Aeon é demonstrada pela morte de Judas.
Contudo, ainda segundo eles, tal Aeon, cujo tipo declaram ser Judas, depois de ser
separado de Enthymesis, foi restaurado e retomou a sua posição antiga; contudo Judas foi
retirado (do seu cargo), expulso, e Matias foi escolhido em seu lugar, de acordo com o que
está escrito." (Adversus haereses II, 20, 2)

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