18/02/22, 07:11 Desvende o crime, você é o Perito!

Caso #04

Amilcar Serra 16 de abr. de 2020 7 min para ler

Desvende o crime, você é o Perito! Caso #04

Atualizado: 9 de nov. de 2020

AMILCAR DA SERRA E SILVA NETTO

PERITO CRIMINAL APOSENTADO
amilcarserranetto@gmail.com

CASUÍSTICA 04 (CASO ISAÍAS NORONHA)

O presente ESTUDO DE CASO será exibido e elucidado em três partes, ou seja:

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Na primeira etapa, alocada no âmbito do IML, será franqueado ao analista (no caso o leitor) os
resultados dos exames necroscópico, anatomopatológico e radiológico da vítima, bem como as
respectivas interpretações dos Legistas em tais áreas médicas.

Na segunda etapa o analista penetrará no cenário da morte violenta e, junto da equipe de localística,
procederá a uma detida e acurada prospecção do ambiente físico e das circunstâncias em que se
consumou a morte questionada, ocasião em que serão perquiridos importantes vestígios e efetuadas
complexas interpretações.

Na terceira e derradeira etapa, o analista será remetido ao ambiente das investigações, onde
alcançará uma visão mais ampla e nítida dos acontecimentos, complementada pelos subsídios
compilados durante a persecução penal, quando então, alicerçado nos diversos meios de prova,
efetuará o fechamento do caso.

Em cada uma das etapas o leitor mergulhará em um enigma a ser resolvido, cuja solução fara parte das
postagens do blog na semana subsequente.

Assim sendo, a integra do caso será postada ao longo de seis semanas, durante a quais o leitor enfrentará
uma intrigante e interessante investigação pericial, baseada em fatos reais.

Boa sorte e entretenimento!

QUALQUER SEMELHANÇA COM OUTRO CASO É MERA COINCIDÊNCIA,

bem como fica o seguinte alerta ao leitor ao tentar solucionar o caso.

“É um erro grave formular teorias antes de conhecer os

fatos. Sem querer, começamos a mudar os fatos para que
se adaptem às teorias, em vez de formular teorias que se
ajustem aos fatos.”
Sherlock Holmes

1ª PARTE – EXAME NECROSCÓPICO

DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA MORTE VIOLENTA

Segundo parentes e amigos da vítima, em situação e disposição ilustradas na imagem subsequente, sobre o
passeio para pedestres, próximo à base de um prédio, foi encontrado o corpo de um ser humano (criança), do
sexo masculino, tez branca, estatura de 1,15 m, que se encontrava com a indumentária regularmente
disposta, sem sujidades, rasgos ou outras evidências físicas que indicassem luta ou outra forma de violência.
Entretanto, possuía marcas oriundas da queda e de uma possível agressão, que oportunamente serão
tratadas neste estudo de forma mais acurada, além de algumas manchas de sangue na face e na calça.
Parentes e testemunhas ainda informaram que não encontraram com a criança o aparelho celular que a
pertencia, bem como algumas figurinhas raras de um álbum que preenchia e costuma carregar consigo.
A vítima foi socorrida antes da chegada da perícia e, portanto, as informações, ora apresentadas, deverão ser
apreciadas com a devida atenção e cautela.

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FIGURA 01 - MOSTRA UM LOCAL DE PRECIPITAÇÃO DE GRANDE ALTURA, COM A VÍTIMA DISPOSTA

EM SUA POSIÇÃO DE REPOUSO FINAL, OU SEJA, CERCA DE 15 m ABAIXO DO NÍVEL DA
PRECIPITAÇÃO E 2,00 m DA PRUMADA DO PRÉDIO, NA DIREÇÃO DA JANELA INDICADA NESTA
IMAGEM.

DOS INFORMES

Segundo informações prestadas pelos pais da vítima o filho se chamava Isaías, havia acabado de completar
8 anos de idade e fora encontrado caído sobre o passeio para pedestres (ainda com vida), porém
inconsciente, com seu corpo disposto na direção da janela de um dos quartos do apartamento nº 51, este
situado no 5º pavimento. Os pais também comentaram que Isaías havia mencionado que pretendia visitar
referido apartamento com outras crianças moradoras do condomínio, pois este se encontrava desabitado e
com livre acesso pelas escadas de incêndio. Todavia, tinham proibido o filho de brincar naquele apartamento,

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pois era uma criança muito jovem e já tinham visto um morador de rua frequentando aquele ambiente.
Colegas da criança disseram que naquela data, aproveitando-se do descuido dos seus pais, Isaías e elas
tinham subido, escondidos, pela escada de incêndio e lá ficaram por mais de uma hora, quando então
resolveram descer, sendo que Isaías teria permanecido no apartamento com o
propósito de recolher os brinquedos que havia levado.

FIGURA 02 - MOSTRA OS COLEGAS DE ISAÍAS NA ESCADA DE INCÊNDIO DO PRÉDIO, DEIXANDO O

LOCAL ONDE ESTAVAM BRINCADO E UMA DAS MORADORAS OS OBSERVANDO DESCEREM
DESACOMPANHADOS DA VÍTIMA (ISAÍAS).

Em complemento a tais informações e corroborando com as prestadas pelos colegas de Isaías, uma das
moradoras do prédio informou ter avistado crianças do condomínio descerem pela escada de incêndio e
depois de cerca de 15 minutos, quando já estava varrendo do outro lado da edificação, ouviu um barulho de
impacto. Ao averiguar o que havia acontecido deparou com o corpo da criança caído na calçada, sendo que
alguns minutos antes chegou a ouvir, por diversas vezes, o que parecia serem gritos de criança pedindo
ajuda, mas não conseguiu perceber de onde vinham.

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FIGURA 03 - MOSTRA A POSIÇÃO DA TESTEMUNHA (MORADORA DO PRÉDIO) QUANDO OUVIU O

BARULHO DO IMPACTO DO CORPO DA CRIANÇA.

Referida testemunha e outros moradores do prédio disseram desconfiar que a criança fora vítima de um
homicídio praticado por um andarilho (morador de rua), o qual costumava entrar escondido e dormir no
apartamento abandonado onde as crianças estiveram brincando, sendo que o descreveram como uma
pessoa bem alta (com mais de 1,80 m), aparentando entre 35 e 40 anos de idade, tez branca, barbudo e
usava boné.

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FIGURA 04 - MOSTRA O ANDARILHO QUE OUTROS MORADORES DO PRÉDIO TERIAM VISTO EM

DATA ANTERIOR A QUEDA DA CRIANÇA.

Antes da chegada da Perícia ao local, como a criança ainda se encontrava com vida (inconsciente), foi
solicitado socorro médico e uma ambulância compareceu no cenário do sinistro, ocasião em que seus
atendentes prestaram os primeiros socorros (imobilizando, intubando etc.), porém a vítima chegou sem vida
ao pronto socorro. Enquanto a ambulância era aguardada, a mãe da criança disse ter colocado a mão no
peito do seu filho e percebido que o coraçãozinho do mesmo batia acelerado.

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FIGURA 05 - A VÍTIMA FOI SOCORRIDA ANTES DA CHEGADA DA PERÍCIA.

DO EXAME NECROSCÓPICO

No decorrer da necropsia foram identificadas fraturas de ossos da bacia (ísquio) e do punho direito (rádio),
compatíveis com uma queda sentada apoiada em tais estruturas ósseas, bem como cianose de face, dos
lábios, orelhas e extremidade dos dedos, além de procidência da língua e petéquias em alguns órgãos
internos.

FIGURA 06 - MOSTRA COMO A CRIANÇA TERIA CAÍDO, SEGUNDO O LEGISTA, PARA QUE
OCORRESSE TAIS FRATURAS.

Em complementação ao exame radiológico, o ANATOMOPATOLÓGICO, que é realizado em laboratório e sua

principal matéria prima são os tecidos humanos, constatou padrões consistentes com tromboembolismo

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pulmonar maciço, com microtrombos cardíacos originados do pulmão, compatíveis com embolia gordurosa e
embolia de medula óssea, assim como indícios de broncoaspiração. Durante o exame necroscópico,
conforme imagem subsequente, encontrou-se um ferimento superficial, com características dos gerados por
instrumento perfurocortante, na região frontal esquerda (testa), cujo sangue escorreu pela face da criança e
gotejou na sua calça. Nesta ocasião, também foram percebidas manchas de vômito na camiseta, sendo que
estas iniciavam
na região da gola e seguiam até a região do abdômen.

FIGURA 07 - MOSTRA A POSIÇÃO DA LESÃO NA TESTA E COMO O VÔMITO ESCORREU PELA

CAMISETA, BEM COMO A POSIÇÃO E GEOMETRIA DA GOTA DE SANGUE QUE SE PRECIPITOU NA
CALÇA.

Em continuidade ao exame necroscópico o legista averiguou na lateral direita da nuca três marcas de
pressão, as quais atribuiu ao contato de dedos humanos, bem como percebeu uma pequena lesão na
extremidade da língua e outras nas mucosas internas da boca.

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FIGURA 08 - MOSTRA AS MARCAS VERIFICADAS NA LATERAL DIREITA DA NUCA DA CRIANÇA

Então, com base em tais vestígios, o legista inferiu que a criança sofrera uma tentativa de asfixia por
esganadura, ou seja, uma tentativa de asfixia provocada pela constrição do pescoço com o uso das mãos.
Todavia, não identificou marcas de unhas no pescoço e internamente não percebeu fratura do hioide e nem
lesões na traqueia, entre outras lesões típicas desta modalidade de asfixia mecânica. Em face de tais
inferências, levantou a hipótese de uma terceira pessoa ter ferido a vítima na testa, fazendo uso de um
instrumento perfurocortante (faca, ou equivalente) e em seguida teria erguido o corpo da criança e o
arremessado contra o piso do apartamento.

FIGURA 09 - MOSTRA A VERSÃO LEVANTADA PELO LEGISTA EM QUE UMA TERCEIRA PESSOA
(SUPOSTO AUTOR DO CRIME), APÓS FERIR A CRIANÇA NA TESTA COM UMA FACA, OU OUTRO
INSTRUMENTO EQUIVALENTE, TERIA ERGUIDO A CRIANÇA E A JOGADO SOBRE O PISO DO
APARTAMENTO.

Em decorrência dessa agressão a criança teria caído sentada, apoiada nos ossos da bacia e do punho direito,
fraturando-os. Então, sentada e com as pernas encolhidas, uma gota de sangue teria escorrido por sua face e
se precipitado na calça e a dor das fraturas feito com que a vítima vomitasse na própria camiseta, conforme
ilustram imagens subsequentes.

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FIGURA 10 - MOSTRA A POSIÇÃO DA VÍTIMA, SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DO LEGISTA, COM BASE

NAS MANCHAS VERIFICADAS NAS VESTES.

FIGURA 11 - MOSTRA COMO AS MANCHAS SE DEPOSITARAM NAS VESTES DA VÍTIMA,

CONSIDERANDO A VÍTIMA EM POSIÇÃO ANATÔMICA

Em seguida, ao ver a criança chorar, seu agressor comprimiu o pescoço da vítima com as mãos até não mais
emitir sons (tentativa de esganadura) deixando-a inconsciente, em decorrência de uma inibição do nervo
vago, quando então houve a desaceleração dos batimentos cardíacos e posteriormente o óbito por falta de
oxigenação do sangue (asfixia). Finalmente, antes da vítima vir a óbito, o autor do crime abandonou o seu
corpo inerte por uma das janelas do 5º pavimento do prédio.

A hipótese levantada pelo legista – na qual a criança teria sido jogada contra o piso do apartamento, antes de
ser abandonada pela janela do 5º pavimento do prédio – rende-se ao fato de que as fraturas não foram tão
graves, a ponto de justificarem uma queda do 5º pavimento de um prédio, bem como, a mancha de sangue
na calça e as de vômito na camiseta indicavam que teriam sido produzidas com a vítima sentada ( com as
pernas encolhidas) e consciente.

QUESTIONAMENTOS

O DIAGNÓSTICO DO LEGISTA, QUANTO A MODALIDADE DE ASFIXIA TER SIDO POR

ESGANADURA, ESTÁ CORRETO?

A HIPÓTESE LEVANTADA PELO LEGISTA, QUANTO AS SUPOSTAS QUEDAS DE ALTURA

SOFRIDAS PELA CRIANÇA, SE SUSTENTA NAS EVIDÊNCIAS?

A MANCHA POR GOTEJAMENTO NA CALÇA E AS DE VÔMITO NA CAMISETA DA VÍTIMA

INDICAM QUE FORAM GERADAS QUANDO A CRIANÇA SE ENCONTRAVA SENTADA?

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