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O DIREITO EM ANÁLISE:

mediações da pesquisa
no processo de
formação jurídica
Maria Gessi-Leila Medeiros
Maria do Carmo Alves do Bomfim
Adriana de Almeida Paula da Graça
Organização

O DIREITO EM ANÁLISE:
mediações da pesquisa
no processo de
formação jurídica

2019
Reitor
Prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Profª. Drª. Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado

O DIREITO EM ANÁLISE:
mediações da pesquisa no processo de formação jurídica

© Maria Gessi-Leila Medeiros • Maria do Carmo Alves do Bomfim


Adriana de Almeida Paula da Graça

1ª edição: 2019

Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo

Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo

Diagramação
Wellington Silva

Capa
Mediação Acadêmica

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI – Conselho Editorial


Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Wilson Seraine da Silva Filho
Gustavo Fortes Said
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no


Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR2)

D597 O direito em análise: mediações da pesquisa no processo de formação jurídica /


Maria Gessi-Leila Medeiros, Maria do Carmo Alves do Bomfim, Adriana de
Almeida Paula da Graça, organizadoras. – Teresina: EDUFPI, 2019. 53 módulos

E-Book.

ISBN: 978-85-509-0496-2

1. Direito.  2. Pesquisa Jurídica.  3. Formação Jurídica.  I. Medeiros,


Maria Gessi-Leila (Org.).  II. Bomfim, Maria do Carmo Alves do (Org.).  III.
Graça, Adriana de Almeida Paula da (Org.).  IV. Título.

CDD: 340.07

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 7
A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE 17
PROTEÇÃO NO PIAUÍ
Pamella Christine Rodrigues Araujo
Suênya Marley Mourão Batista

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS


E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO CRACK:
PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO 37
DIREITO À LIBERDADE À LUZ DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
Ilda Maria Nunes Lustosa
Marcelo Leandro Pereira Lopes

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS 57
JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
José Edson Dias das Neves
Maria Gessi-Leila Medeiros

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE


NECESSIDADE EM FAVOR DA VÍTIMA DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
79
Stéfane Maria Távora Barbosa
Eduardo Faustino Lima Sá

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO


MEIO DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO EM
CAMPO MAIOR-PI
99
José de Ribamar Veras Júnior
Francisca Marta Magalhães de Brito
A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE
REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 117
Bruna Rezende dos Santos
Maria Gessi-Leila Medeiros
Rosíria Mary Gonçalves Coelho

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E


INOVAÇÕES: A REFORMA LEGISLATIVA DA LEI
13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE 141
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
Sade Natan Amorim Linhares
Arianne Soares de Souza

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL 163
Danielle de Sousa Cunha
Carlos Márcio Gomes Avelino

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL 181
Nubia Queiroz e Silva
Rosíria Mary Gonçalves Coelho

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO


COMO ENTIDADE FAMILIAR NO ORDENAMENTO 203
JURÍDICO BRASILEIRO
Carla Rosânia da Cruz Lima
Suênya Marley Mourão Batista

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS


Amanda de Fátima Silva Abreu
221
Igor Rodrigues Leal de Carvalho

SOBRE AUTORES 243


APRESENTAÇÃO

A
formação jurídica necessita da inter-relação e da
indissociabilidade entre ensino e pesquisa para que
seja possível despertar nos discentes atitudes críticas
e reflexivas e realizar, sobretudo, a conexão entre teoria e prática.
Nesse sentido, coadunamos com Philippe Meirieu (1998), quando
ele afirma, em sua obra “Aprender... sim, mas como?”, que a função do
professor é estimular em seus alunos o desejo de aprender, ou seja, o
seu papel é “criar o enigma” ou, mais especificamente, “[...] fazer do
saber um enigma: comentá-lo ou mostrá-lo suficientemente para que
se entreveja seu interesse e sua riqueza, mas calar-se a tempo para
suscitar a vontade de desvendá-lo” (MEIRIEU, 1998, p. 91-92).
É nesse contexto que emerge a pesquisa jurídica como um
sistema multifário e complexo, demandando procedimentos e
técnicas para o seu desenvolvimento, abrangendo métodos de
investigação científicos e práticos para a formação de indivíduos
reflexivos, autônomos e criativos, a partir de saberes que ensejem
a compreensão do fenômeno investigado. Desse modo, a pesquisa
equivale a um questionamento sistemático crítico e criativo, associado
a processos de intervenção e de diálogo permanente com a realidade
em sentido teórico e prático, como assegura Demo (2008), em seu
livro “Metodologia para quem quer aprender”.
Corroborando essa mesma perspectiva, Paulo Freire (2007),
em sua obra “Educação e mudança”, afirma que “[...] se o meu

APRESENTAÇÃO 7
compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de
sua humanização, de sua libertação, não posso, por isso mesmo,
prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou
instrumentando para melhor lutar por esta causa” (FREIRE, 2007,
p. 22). Essa compreensão ratifica a concepção de professor de
Direito como mediador na construção do conhecimento jurídico
na atualidade, visto que ele deve estimular o desejo de aprender em
seus alunos, aguçando a curiosidade destes, oportunizando, em sua
prática docente, a dinâmica da aprendizagem significativa, que se
efetiva de forma plena por meio da pesquisa.
Com base nesses pressupostos, esta obra se destaca,
evidenciando estudos realizados com muita seriedade por
pesquisadores em formação, sob a orientação de professores
comprometidos com a qualidade da formação jurídica e com o
pleno desenvolvimento de todas as potencialidades de seus alunos,
sejam elas intelectuais, afetivas, sociais, criativas ou éticas, com base
na adoção dos novos paradigmas do ensino jurídico, utilizando
e aplicando novas tecnologias de aprendizagem, permeadas por
metodologias ativas e por procedimentos que favorecem a inter e a
transdisciplinaridade.
Desse modo, este livro constitui análises em torno das quais os
autores e as autoras desenvolvem suas reflexões, como dispositivo vivo
da pesquisa como artesanato intelectual, com base em procedimentos
metodológicos possibilitados pelos vieses da pesquisa bibliográfica,
documental e da pesquisa de campo, fundamentadas na abordagem
qualitativa, considerando suas interfaces, conexões e identidades.
Assim, os seus doze artigos trabalham temáticas contemporâneas
do Direito a partir do novo paradigma da complexidade em sua
perspectiva epistemológica, enquanto metodologia operativa,
mostrando pistas sobre novas referências de produção e de saberes
sensíveis, sob o manto da crença da construção de caminhos possíveis
para o Direito experienciado.
Nessa perspectiva, o texto inicial A violência sexual contra
crianças e adolescentes e a atuação dos órgãos de proteção no Piauí,
de Pamella Christine Rodrigues Araujo e Suênya Marley Mourão

8 
Batista, aborda a violência sexual contra crianças e adolescentes no
Estado do Piauí e tem por objetivo geral analisar o papel dos órgãos
de proteção à criança e ao adolescente no combate à violência sexual
em Teresina-PI nos anos de 2014 a 2016, com base no Estatuto da
Criança e Adolescente.  A pesquisa pauta-se no método dialético
e desenvolveu-se por meio de abordagem qualitativa. Quanto os
objetivos, esta pesquisa é básica. Quanto aos procedimentos é
bibliográfica e de campo. A pesquisa bibliográfica fundamentou-se
principalmente nas contribuições teóricas de Shelb (2015), Sanderson
(2005), Maciel (2010), dentre outros. A pesquisa de campo utilizou
como instrumento de coleta de dados o questionário com perguntas
abertas aplicado com cinco sujeitos. Como resultado, ficou
constatado que a violência sexual contra crianças e adolescentes tem
crescido na cidade de Teresina, e que os maiores abusadores são do
seio familiar, ou amigos próximos dos familiares das vítimas.
O capítulo intitulado Internação compulsória de crianças
e adolescentes dependentes do crack: proteção do direito à vida
ou violação do direito à liberdade à luz do Estatuto da Criança
e Adolescente e leis correlatas, de Ilda Maria Nunes Lustosa e
Marcelo Leandro Pereira Lopes, apresenta a internação compulsória
de crianças e adolescentes dependentes do crack, tendo como
objetivo analisar se, no Estado do Piauí, as crianças e adolescentes
dependentes do crack têm proteção do direito à vida ou violação
do direito à liberdade, com base na Lei 10.216/2001 e no ECA,
no município de Teresina-PI. Quanto à metodologia, constitui-se
a partir de uma pesquisa de campo, utilizando como instrumento
de dados o questionário com perguntas abertas, usando o método
dialético e a abordagem qualitativa. A pesquisa foi realizada com o
coordenador e a psicóloga da Coordenadoria de Enfrentamento às
Drogas (CENDROGAS) e o psicólogo da Casa do Oleiro em Teresina-
PI. Como resultados, conclui-se que a internação compulsória, como
medida de tratamento de crianças e adolescentes usuários de crack,
faz-se eficaz e efetiva à necessidade do tratamento, mesmo sem a
vontade do usuário que neste momento vive uma patologia química
que afeta seu psíquico. Por não ser responsável por seus atos, cabe à

APRESENTAÇÃO 9
família buscar, junto ao poder público e judiciário, autorização para
o tratamento que servirá para a recuperação da dignidade humana.
O capítulo Juventude e cidadania: uma análise das políticas
públicas municipais dirigidas aos jovens na cidade de Altos – PI, de
José Edson Dias das Neves e Maria Gessi-Leila Medeiros, analisa a
participação dos jovens nos diferentes projetos apresentados pelo
município de Altos – PI, com base na percepção de que os jovens,
como atores sociais, devem participar ativamente da elaboração e
da implementação das ações voltadas para eles. Tem como objetivo
refletir sobre o processo de constituição da política pública para a
juventude no Brasil, e especialmente em Altos – PI, identificando
aspectos que contribuíram para a formação da política pública para
o referido segmento na atualidade. Como opção metodológica,
optou-se por uma pesquisa de abordagem qualitativa de caráter
documental-bibliográfico, com base nas contribuições de Abad
(2008), Bango (2003), Carvalho (2015), Sposito (2003). Os
resultados demonstraram que há avanços em relação à constituição de
políticas públicas para a juventude brasileira a partir da implantação
da análise de dados da cidade de Altos-PI. No entanto, ainda existem
muitas necessidades que precisam ser sanadas, tendo em vista que,
na maioria das vezes em que houve intervenções por parte do Estado,
ficou evidenciado que se constituíam por meio de medidas paliativas
e pontuais, de modo que os jovens não eram tratados como sujeitos
de direito e, sim, como problema social.
O texto O uso da legítima defesa e estado de necessidade em
favor da vítima de violência doméstica e familiar, de Stéfane Maria
Távora Barbosa e Eduardo Faustino Lima Sá, demonstra como a
permissividade desses institutos pode ser uma forma das vítimas
desse crime reagirem contra seu agressor. Nesse sentido, o objetivo
geral buscou analisar como as excludentes de ilicitude da legítima
defesa e do estado de necessidade podem ser utilizadas por mulheres
que sofrem agressões no âmbito familiar e doméstico. A pesquisa
é de cunho exploratório e de campo, com base nas contribuições
de Almeida (2004), Deuteronômio (1975), Del Piore (1994), Nucci
(2014), Zaffaroni (2013). Os dados foram coletados por meio de

10 
questionário com perguntas abertas, a partir do método dialético e
da abordagem qualitativa, realizado com jurista e psicóloga. Ficou
constatado como resultado que os institutos de legítima defesa e
estado de necessidade podem ser usados de forma benéfica tanto
para o resguardo da vida das vítimas, como também para um controle
social dos números de violências cometidas no ambiente familiar e
doméstico.
O capítulo O depoimento do policial usado como meio de prova
para a condenação em Campo Maior-PI, de José de Ribamar Veras
Júnior e Francisca Marta Magalhães de Brito, tem como objeto uma
análise constitucional capaz de ensejar a condenação do acusado,
à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
Código de Processo Penal, doutrinas e jurisprudências. Foi utilizada a
pesquisa exploratória, permitindo uma aproximação com o objeto do
estudo, proporcionando a escolha adequada das técnicas utilizadas
na pesquisa. Quanto ao procedimento técnico, é bibliográfica e de
campo, utilizando como instrumentos de informação um questionário
com perguntas abertas, a partir do método dialético e da abordagem
qualitativa. A pesquisa foi realizada com dois operadores do direito,
sendo um assessor ministerial e um defensor público, todos atuantes
na área criminal, possibilitando chegar ao resultado de que não
há, processualmente falando, maiores irregularidades quanto ao
depoimento do policial. Há, apenas, um engodo, de ordem não
processual, quanto à consideração desse depoimento.
As autoras Bruna Rezende dos Santos, Maria Gessi-Leila Medeiros
e Rosíria Mary Gonçalves Coelho, com o capítulo A judicialização
do fornecimento de remédios excepcionais, trabalham o fenômeno
da Judicialização da Saúde cujo tema tem sido foco de debate nos
tribunais pátrios na atualidade. Por conta disso, tem-se observado
o aumento considerável do número de ações judiciais que buscam
garantir a efetivação de tais direitos. Nesse sentido, a pesquisa tem
como objetivo geral analisar que implicações levam à judicialização
do fornecimento de medicamentos excepcionais e qual a atuação do
Judiciário nesse processo, com base na Constituição Federal de 1988,
bem como nas legislações pertinentes e nos julgados no âmbito

APRESENTAÇÃO 11
das varas da comarca de Teresina, capital do Piauí, entre os anos
de 2017 a 2018. Trata-se de uma pesquisa exploratória e de campo,
com fundamento na Constituição Federal de 1988, nas legislações
infraconstitucionais e em doutrinadores como Sarlet (2006), Martins
(2010), Moura (2013), entre outros. Os dados foram coletados por
meio de questionário com perguntas abertas, a partir do método
dialético e da abordagem qualitativa, realizado com um defensor
público do estado, com atuação na capital Teresina – PI; um auxiliar
administrativo da farmácia dos remédios excepcionais; e um Juiz dos
Feitos da Fazenda Pública. Ficou constatado como resultados que a
atuação do poder judiciário nas ações que envolvem judicialização
do fornecimento de excepcional tem sido uma alternativa eficaz para
combater as omissões do poder público, para aqueles que estão
desamparados pelo SUS, em razão da falta de regulamentações nas
listagens do RENAME e da ANVISA, de modo que a ausência de
previsão desses tipos de medicações não é justificativa plausível para
a negativa ao acesso ao fármaco. Entretanto, a saúde, por ser uma
garantia constitucional indissociável do direito à vida, caracteriza-se
como direito de todos e dever do Estado em efetivá-la.
O capítulo Arbitragem no Brasil, aplicações e inovações: a
reforma legislativa da Lei 13.129/2015 e suas melhorias na resolução
de conflitos extrajudiciais, de Sade Natan Amorim Linhares e Arianne
Soares de Souza, trata do uso da arbitragem, como meio alternativo
à solução de conflitos extrajudiciais e principalmente, apresentando
como esse instituto se tornou mais eficiente com a chegada da nova lei,
que introduz dispositivos novos, melhorando a lei base que disciplina
a matéria. O trabalho delineia-se tomando forma com o auxílio de
estudo bibliográfico sobre o tema e da pesquisa de campo, realizada
com profissionais da área. O cerne desta produção é analisar este
meio alternativo, como uma maneira de solucionar a superlotação de
processos do Poder Judiciário brasileiro, e assim refletir acerca deste
método e das suas vantagens. Por fim, entende-se que o presente
estudo abrange um tema muito importante socialmente, mostrando
possibilidades de soluções de litígios, a partir da autonomia das

12 
partes, atingindo, com isso, a pacificação social, dentro dos conflitos
gerados.
O texto O sistema de repressão penal para o apenado portador
de transtorno mental, de Danielle de Sousa Cunha e Carlos Márcio
Gomes Avelino, tem como foco o sistema de repressão penal para
portadores de transtorno mental. Nesse sentido, o objetivo geral
buscou analisar quais as medidas adotadas para a recuperação
e reinserção na sociedade do apenado portador de transtorno
mental no município de Teresina – Piauí. Quanto aos aspectos
metodológicos, trata-se de uma pesquisa exploratória e de campo,
com base nas contribuições de Amarante (1995), Barros (2003),
Costa (2017), Greco (2011). Os dados foram coletados por meio
de questionário com perguntas abertas, a partir da abordagem
qualitativa e do método dialético realizado com um psiquiatra, um
psicólogo, uma assistente social e um advogado. Ficou constatado,
como resultado, que, no município de Teresina – PI, existem ações
que visam à recuperação e a reintegração dos apenados portadores
de transtorno mental, tendo como viés destas ações a participação
das Equipes de Avaliação e Acompanhamento da Medida Terapêutica
da Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAPs),
possibilitando tratamento adequado e a garantia de seus direitos.
As autoras Nubia Queiroz e Silva e Rosíria Mary Gonçalves
Coelho, com o texto As implicações jurídicas aos criminosos
psicopatas no âmbito do crime passional, buscaram analisar as
implicações jurídicas aos criminosos psicopatas no âmbito do
crime passional. Os procedimentos metodológicos envolvem as
pesquisas exploratória, descritiva, documental, bibliográfica e de
campo. Para o levantamento bibliográfico, utilizou-se a técnica de
análise de publicações que servirão como subsídios para a realização
desta pesquisa, com base em autores como Capez (2016), Caixeta
(2014), Eluf (2015), Silva (2014), entre outros. Como instrumentos
de coleta de dados, utilizou-se a entrevista com uma psicóloga e
dois advogados. Para tratamento dos dados, utilizou-se a técnica
de análise de conteúdo. Através deste estudo, constatou-se que o
psicopata não possui a consciência emocional, ou seja, trata-se de

APRESENTAÇÃO 13
uma pessoa que demonstra racionalidade e não mede esforços no
alcance dos seus objetivos, mesmo tendo que cometer atos ilícitos
penais. Dessa forma, a aplicação da medida protetiva é necessária
juntamente com a internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico.
O capítulo União homoafetiva: o reconhecimento como
entidade familiar no ordenamento jurídico brasileiro, de Carla
Rosânia da Cruz Lima e Suênya Marley Mourão Batista, buscou
compreender os efeitos advindos do reconhecimento da união
homoafetiva como entidade familiar no ordenamento jurídico. A
metodologia da investigação adotou, inicialmente, levantamento
bibliográfico, destacando-se as contribuições teóricas de Dias
(2014, 2015), Ferraz et al (2013), Gonçalves (2014), dentre outros.
Posteriormente, adotou-se pesquisa de campo, utilizando como
instrumento de coleta de dados, entrevistas com perguntas abertas
aplicadas a três pares homoafetivos e três advogados, a fim de verificar
como a temática em estudo vem sendo representada socialmente.
Os resultados da pesquisa assentam que a sociedade ainda não
compreende a união homoafetiva como entidade familiar e que a
discriminação em relação aos pares iguais é o ápice do preconceito
social. Constatou-se que o trabalho de educação social é o ponto
chave para que aconteça uma mudança na realidade da formação
familiar dos casais homoafetivos, contribuindo para dirimir a
discriminação e valorizar o respeito à dignidade da pessoa humana
no âmbito social.
Para finalizar, o texto Direito sucessório nas uniões
homoafetivas, de Amanda de Fátima Silva Abreu e Igor Rodrigues
Leal de Carvalho, apresentou os direitos sucessórios nas entidades
familiares formadas por pessoas do mesmo sexo, à luz do Código
Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988. O estudo tem como
objetivo analisar os direitos e garantias assegurados às entidades
familiares homoafetivas, ao ingresso do cônjuge sobrevivente ao
direito de sucessão com base na legislação vigente. Quanto aos
procedimentos metodológicos, adotou-se a pesquisa bibliográfica e
a pesquisa de campo. A primeira realizou-se a partir da busca por

14 
fontes cientificas, tendo como base legal a Constituição Federal de
1988, o Código Civil de 2002. A base teórica da pesquisa tem como
principais autores: Dias, (2015), Venosa, (2016), Vargas, (2017),
Gonçalves (2014), dentre outros. A pesquisa de campo foi realizada
com dois advogados e uma coordenadora geral do Grupo Matizes.
Por meio da análise dos dados, constatou-se que a formação familiar
de pessoas do mesmo sexo, no que se refere ao Direito Sucessório, ou
seja, de acordo com as decisões apresentadas, fazem jus às mesmas
garantias das uniões heteroafetivas.
Esta publicação é, portanto, resultado de um árduo trabalho
de pesquisadores que se debruçaram sobre investigações científicas
instigantes, consolidando, com isso, um arcabouço sistematizado de
textos que se destacam no cenário jurídico. Por fim, convido o leitor
a trilhar esse universo temático com o entusiasmo da descoberta,
produzindo, em suas páginas, sua própria compreensão do Direito,
visto que há várias possibilidades de itinerários a serem percorridos.

Prof.ª Dr.ª Maria Gessi-Leila Medeiros

APRESENTAÇÃO 15
A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A ATUAÇÃO
DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ

Pamella Christine Rodrigues Araujo


Suênya Marley Mourão Batista

Introdução

A
violência, de maneira geral, tem se manifestado cada
vez mais rápido e tem se apresentado de diversas
formas. A prática da violência sexual contra crianças
e adolescentes constitui um dos fenômenos mais frequentes, que
atinge todas as classes sociais, gêneros e raças.
Diante deste cenário, o estudo partiu do seguinte problema:
Qual o papel dos órgãos de proteção à criança e ao adolescente
no combate à violência sexual em Teresina-PI? O objetivo geral da
investigação é analisar o papel dos órgãos de proteção à criança
e ao adolescente no combate à violência sexual em Teresina-PI
nos anos de 2014 a 2016, com base no Estatuto da Criança e
Adolescente. E como objetivos específicos: identificar o papel do
Estado na concretização da doutrina da proteção integral à criança
e ao adolescente preconizada pela Constituição Federal de 1988

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 17


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
e o Estatuto da Criança e do Adolescente; conhecer os órgãos de
proteção à criança e ao adolescente e suas atribuições no que tange
ao combate à violência sexual; caracterizar o papel da família e da
sociedade preconizado pela legislação pátria no que tange à criança
e ao adolescente e a contribuição de ambas no combate à violência
sexual; promover ações de conscientização em escolas e instituição
de acolhimento a crianças e adolescentes em Teresina-PI a fim de
prevenir a violência sexual.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), juntamente
com outras normas e acordos internacionais, contribuiu para que
o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes deixasse
de ser apenas um crime contra a liberdade sexual e se transformasse
numa violação dos direitos humanos, ou seja, violação ao respeito,
à dignidade, à liberdade, à convivência familiar e comunitária e ao
desenvolvimento de uma sexualidade saudável.
O tema da violência sexual contra crianças e adolescentes
foi escolhido pela observância aos altos índices de violência sexual
contra este público noticiado diariamente nas mídias e nos relatórios
oficiais.
Quanto à metodologia da pesquisa, desenvolveu-se por meio de
abordagem qualitativa, de caráter explicativo tendo em vista o intuito
de elucidar as causas e efeitos da violência sexual contra crianças e
adolescentes em Teresina-PI. Quanto aos procedimentos realizou-
se pesquisa bibliográfica e de campo. Destaquem-se na elaboração
deste trabalho as contribuições teóricas de Shelb (2015), Sanderson
(2005), Maciel (2010), dentre outros.
O estudo está organizado em seis seções. Na primeira seção,
são apresentados aspectos introdutórios da pesquisa; a segunda
seção discute a doutrina da proteção integral; a terceira aborda a
Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no Brasil e o
papel dos órgãos de proteção; a quarta seção apresenta dados sobre
a violência sexual contra crianças e adolescentes; na quinta, discorre-
se sobre a metodologia da pesquisa e procede-se à análise dos dados
coletados. A sexta e última seção apresenta as considerações finais
obtidas por meio da investigação realizada.

18  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


A doutrina da proteção integral: um novo paradigma ao Direito da
Criança e do Adolescente

A doutrina da proteção integral estabelecida na Constituição


Federal de 1988 em seu artigo 227 substituiu a doutrina da
situação irregular, garantindo à criança e ao adolescente, os direitos
fundamentais pelo Estado, família e sociedade que tem o dever
de assegurar seus direitos com absoluta prioridade. A partir deste
marco importante foi construído um novo paradigma para o direito
da criança e do adolescente.
A superada doutrina da situação irregular tinha natureza
restrita, visto que limitava as crianças e adolescentes em seus
direitos fundamentais, ao dispor meramente sobre providências a
serem tomadas em relação à crianças e adolescentes em situação de
abandono ou delinquência. Por outro lado, com caráter de política
pública, implanta-se a doutrina da proteção integral.
De acordo com Machado (2003), as crianças e adolescentes
tem seus direitos fundamentais ditos como direitos especiais, pois
são diferenciados dos direitos dos adultos, por apresentarem dois
aspectos: quantitativo, pois crianças e adolescentes gozam de
mais direitos do que os adultos ao disporem de uma prioridade
constitucional na garantia de seus direitos, e qualitativo por serem
titulares de direitos inerentes a sua condição de pessoa em situação
de peculiar desenvolvimento.
O ECA em seu artigo 3º traz os pressupostos básicos da doutrina
da proteção integral, quando determina que os direitos da criança
e do adolescente devem ser assegurados , por lei ou por qualquer
outros meios, com a finalidade de que sejam oferecidas todas as
oportunidades e facilidades, a fim de conceder à este público o
desenvolvimento integral.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos


fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por
lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades,
a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 19


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade
(BRASIL, 1990).

Segundo Maciel (2010), a Doutrina da Proteção Integral


proporcionou as crianças e adolescentes gozar de direitos
fundamentais como qualquer ser humano, pois tais direitos são
resguardados tanto pelo Estado, família como também pela própria
sociedade, conforme a Constituição dispõe em seu artigo 227.
Dessa forma, a proteção ao público infanto-juvenil não se
restringe a um segmento específico, mas torna-se atribuição comum,
responsabilidade equânime do Estado, da família e da sociedade que
precisam garantir que crianças e adolescentes gozem de todos os
direitos fundamentais, tendo em vista a circunstância de encontrar-
se em situação peculiar de desenvolvimento.
Tem-se, pois, que a doutrina da proteção integral constituiu-se
em mudança paradigmática que influenciou significativamente todas
as regulamentações nacionais voltadas ao público infanto-juvenil,
prevendo princípios basilares na proteção a este público, bem como
a criação de uma política de atendimento por meio de vários órgãos
com atribuições específicas de resguardo aos direitos fundamentais
de crianças e adolescentes em todo o território nacional.
Em relação aos princípios que embasam a doutrina da
proteção integral tem-se a prioridade absoluta, o melhor interesse e
a municipalização. Segundo Maciel (2010), o princípio da prioridade
absoluta tem como objetivo a proteção integral das crianças e dos
adolescentes, proporcionando que estes gozem de seus direitos
fundamentais enumerados no artigo 227, caput, da Constituição
Federal, e renumerados no caput do artigo 4º do Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Pode-se afirmar que o princípio fundamental e eixo de decisões,
legislação e políticas ao público infanto-juvenil na atualidade
é o princípio do melhor interesse da criança/adolescente. Este
princípio estabelece a prevalência de circunstâncias que garantam a
melhor solução ao menor envolvido, foi adotado pela comunidade
internacional na Declaração dos Direitos da Criança, em 1959. Com

20  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


a adoção da doutrina da proteção integral, a aplicação do referido
princípio ganhou amplitude, aplicando-se a todo público infanto-
juvenil, inclusive e principalmente nos litígios de natureza familiar.
O princípio da municipalização refere-se, segundo Maciel
(2010), às ações do poder público para providenciar a política
assistencial de maneira a tornar viável a doutrina da proteção
integral. Com a chegada da Constituição Federal de 1988, a política
assistencial passou a ser ampliada e descentralizada, cabendo a
atuação de órgãos protetivos, prioritariamente na esfera local, como
o Conselho Tutelar.
Dessa forma, o princípio da municipalização é de grande
relevância na realização das políticas públicas de abrangência social.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 88º,
I, a municipalização do atendimento, seguindo a determinação do
artigo 227, parágrafo 7º, da Constituição Federal. Vejamos: “Art.
88. São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do
atendimento; [...].” (BRASIL, 1988).
Os direitos fundamentais são de extrema importância para
a vida de qualquer cidadão, tais direitos são indispensáveis para a
formação, principalmente da criança e do adolescente. Assim, adotar
no ordenamento jurídico pátrio a doutrina da proteção integral é
essencial para que sejam garantidos os direitos fundamentais de
crianças e adolescentes, vez que esta doutrina preconiza a tutela
jurídica de todas as necessidades do menor a fim de promover seu
desenvolvimento integral.

A política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil e os


órgãos de proteção

A política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil


é de responsabilidades dos quatro entes federativos: União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. Vale lembrar que a atuação destes entes
dá-se de maneira articulada por meio de um conjunto de ações de
natureza governamental e não governamental. É de suma importância
enfatizar que o ECA dispõe em seus artigos 87 e 88 sobre a política de

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 21


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
atendimento e as linhas de ação, diretrizes e suas responsabilidades
acerca dos programas e entidades de atendimento.
É de se observar que as linhas de ação da política de atendimento
envolvem tanto as políticas sociais básicas, programas de assistência
social, como também serviços especiais de prevenção, entre tantos
outros programas de atendimento. E o artigo 88 enfatiza em suas
diretrizes de modo especial, atenção aos programas e entidades
de atendimento, e ainda promove a participação da sociedade nas
políticas de atendimentos.
Para que a política de atendimento efetive-se, alguns órgãos
passaram a ter atribuições específicas em relação ao público infanto-
juvenil a fim de desenvolver serviços especiais de proteção e diretrizes
básicas de atenção à crianças e adolescentes no Brasil.
A função institucional do MP com a causa da infância e
adolescência efetiva-se na LC nº75/93, artigo 5º, inciso III, alínea e, de
maneira que o órgão ministerial assume função primordial na defesa
destas pessoas em desenvolvimento considerando-se as atribuições
elencadas no artigo 201 do ECA. Tais atribuições tem caráter judicial
e extrajudicial na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais de
crianças e adolescentes.
Segundo Maciel (2010) o Ministério Público passou a voltar-
se ainda mais para a solução dos problemas sociais, se libertando
da antiga figura onde se apresentava como uma instituição voltada
unicamente para a persecução criminal.
O ECA trouxe à política de atendimento um órgão antes
inexistente no Brasil: o Conselho Tutelar. Este órgão constitui-se no
grande defensor dos direitos infanto-juvenis sendo regulamentado
pelos artigos 131 a 140 da legislação estatutária. Cury (2003, p. 445)
acerca deste dispõe:

[...] Conselho Tutelar não é apenas uma experiência, mas uma


imposição constitucional decorrente da forma de associação
política adotada, que é a Democracia participativa. [...] O Estatuto,
como lei tutelar específica, concretiza, define e personifica, na
instituição do Conselho Tutelar, o dever abstratamente imposto,
na Constituição Federal, à sociedade. O Conselho deve ser, como

22  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


mandatário da sociedade, o braço forte que zelará pelos direitos
da criança e do adolescente.

Assim, o Conselho Tutelar é efetivação do papel que a sociedade


assume na proteção e garantia aos direitos fundamentais de crianças
e adolescentes como dispõe o artigo 227 da Constituição Federal.
O artigo 131 do ECA define o órgão tutelar como: “Art. 131. O
Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos
da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.” (BRASIL, 1990).
Além do MP e do Conselho Tutelar cabe destacar o papel do
Poder Judiciário, mais especificamente, da Justiça da Criança e do
Adolescente como eixo basilar na política de atendimento e proteção
a crianças e adolescente no Brasil. Conforme dispõe o artigo 145 do
ECA a Infância e Juventude faz parte da Justiça Estadual.
A Justiça da Infância e Juventude tem como diferencial o
apoio da equipe interprofissional composta por assistentes sociais,
psicólogos, pedagogos e educadores (comissários), como órgão
auxiliar. O papel desta equipe é fundamental, tendo em vista que,
diante da inaptidão do magistrado em lidar com circunstâncias
específicas que não são próprias de sua formação jurídica, os
profissionais habilitados podem conduzir à solução mais adequada
a cada caso concreto a partir do olhar de suas especialidades.

A violência sexual contra crianças e adolescentes

O ECA estabelece em seu artigo 5º que nenhuma criança


ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido
na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. Entretanto, o público infanto-juvenil, diante
de sua fragilidade e vulnerabilidade social é constantemente alvo de
diversos tipos de violência.
A violência sexual configura-se diante de qualquer ato de
natureza sexual empreendido contra a criança ou adolescente, ainda

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 23


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
que não se utilize de violência sexual. Sanderson (2005) menciona,
ainda, como critérios caracterizadores da violência sexual contra
crianças e adolescentes a diferença de idade entre agressor e vítima,
pois o agressor é uma pessoa mais velha; o lugar de objeto da criança
para satisfação de um desejo sexual que é tão somente do adulto;
e a impossibilidade da criança oferecer consentimento informado,
em razão da desigualdade de poder ou da condição mental.
A violência sexual, além de gerar repúdio de grande parte da
sociedade, traz consequências físicas e psicológicas graves à criança/
adolescente, como a gravidez indesejada, doenças sexualmente
transmissíveis, além de todos os possíveis transtornos para a saúde
mental da vítima. É importante destacar que a maioria das vitimas
de tal violência tornam-se vulneráveis a transtornos sexuais, uso
de drogas, depressão e, por fim, ao suicídio. Os sentimentos mais
comuns entre as vítimas são a ansiedade, solidão, vergonha, culpa,
isolamento social além de baixa autoestima.
A maior parte dos casos de violência sexual contra crianças
e adolescentes ocorrem no âmbito intrafamiliar e é praticada,
principalmente, por parentes próximos. Habigzang et al. (2005)
destacam que as modificações na configuração familiar pela saída ou
a entrada constante de pessoas, a condição financeira que faz com
que muitas vezes o agressor seja também provedor, o envolvimento
com a criminalidade são também fatores que contribuem para a
permanência das circunstâncias de violência sexual.
Múltiplas são as consequências da violência sexual contra
crianças e adolescentes. Furniss (2002) alerta que as consequências
mais comuns do abuso sexual são: a vergonha excessiva,
comportamento agressivo, hiperatividade, a fuga dos contatos
físicos, tentativa de suicídio, comportamento antissocial, falta
de confiança nos adultos, depressão e medo. Na mesma linha,
Azambuja (2004) acrescenta que o infanto-juvenil pode apresentar
comportamentos posteriores à violência sofrida, como, por exemplo:
isolamento afetivo, uso de drogas, distúrbios de conduta (roubos e
mentiras), que podem transformar-se em síndromes dissociativas,

24  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


transtornos severos de personalidade e transtornos de estresse pós-
traumático.
Dessa forma, o papel dos órgãos de proteção ganha ainda mais
relevância, tendo em vista que, com o aumento no número de casos,
faz-se necessário a criação de políticas públicas e a implementação
de ações mais pontuais a fim de garantir que a criança/adolescente
vítima de violência sexual sintam-se seguros e amparados ao buscarem
a proteção do Estado. Nesse sentido, ressalte-se a criação da Lei
13. 431 de 2017 que estabelece o sistema de garantia de direitos da
criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, e define
violência sexual em seu artigo 4º, inciso III como:

Art. 4º. [...]


III - violência sexual, entendida como qualquer conduta que
constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar
conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive
exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não
[...].

Com a definição das diversas formas de violência sexual contra


crianças e adolescentes concebe-se, pois, a necessidade de atuação
dos órgãos de proteção em diversas frentes a fim de garantir que em
quaisquer circunstâncias o menor será devidamente amparado pelos
órgãos de proteção. Ademais, a previsão legal amplia os âmbitos
de ocorrência da violência sexual, demandando maior atenção e
fiscalização dos órgãos competentes para que as disposições legais
sejam observadas e o menor seja integralmente resguardado em sua
integridade.

A violência sexual contra crianças e adolescentes e a atuação dos


órgãos de proteção em Teresina-PI: metodologia, resultados e
discussão

Para alcançar os objetivos deste estudo, desenvolveu-se uma


pesquisa básica, a fim de ampliar as discussões acerca das disposições
do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 25


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
de 1988, focalizando os direitos violados das Crianças e Adolescentes
em situações específicas de violência sexual.
O estudo adotou o método dialético tendo em vista a busca
pela compreensão do fenômeno a partir do contexto sócio-histórico
em que se desenvolve. De acordo com Lakatos e Marconi (2001) o
método dialético analisa o mundo dos fenômenos através de sua
ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança
dialética que ocorre na natureza e na sociedade.
Quanto à forma de abordagem a pesquisa é qualitativa. Em
relação aos objetivos desenvolveu-se pesquisa de caráter explicativo
tendo em vista o intuito de elucidar as causas e efeitos da violência
sexual contra crianças e adolescentes em Teresina-PI. Quanto aos
procedimentos realizou-se pesquisa bibliográfica e de campo. A
pesquisa bibliográfica desenvolveu-se pelo levantamento de material
publicado relacionado, como também livros, artigos científicos,
dissertações, teses e outras fontes científicas que subsidiaram o
estudo. Destaquem-se na elaboração deste trabalho as contribuições
teóricas de Shelb (2015), Sanderson (2005), Maciel (2010), dentre
outros.
A pesquisa de campo desenvolveu-se em Teresina-PI por
meio de questionário com perguntas abertas aplicado a 4 (quatro)
sujeitos: uma promotora de justiça, uma assistente social atuante na
Vara da Infância e Juventude, uma gerente do Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS) e um conselheiro
tutelar. Os questionários foram aplicados no mês de abril de 2018
visando coletar informações advindas das práticas profissionais
e da experiência dos sujeitos com o fenômeno analisado nesta
investigação.
Após a coleta dos dados, estes foram analisados de maneira
descritiva e interpretativa, visando compreender o conteúdo das
respostas concedidas à luz da doutrina e da legislação discutidas
neste estudo.

26  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


Análise de dados: questionamentos aos profissionais atuantes na
área da infância e juventude

A fim de conhecer as causas e sujeitos envolvidos nos atos


de violência sexual contra crianças e adolescentes, indagou-se aos
participantes da pesquisa quais sujeitos mais cometem atos de
violência sexual contra a criança e o adolescente, obtendo-se as
seguintes respostas:

PROMOTORA: Não só pela observação de nossa experiência,


mas também pelos relatos de pesquisas, as pessoas que mais
cometem atos de violência inclusive sexual contra crianças e
adolescentes, são as pessoas mais próximas. Pais, parentes e
vizinhos.

GERENTE DO CREAS: A realidade atual do CREAS LESTE é: em


primeiro lugar o padrasto, seguido pelo pai.

CONSELHEIRO TUTELAR: Todos os dias, infelizmente, nossas


crianças e adolescentes sofrem as mais diversas formas de
violência, entre elas, a violência sexual. Tendo como base a Zona
leste de Teresina, área de atuação do IV Conselho Tutelar, em
2017, recebemos 46 (quarenta e seis) denúncias. Sendo assim, os
principais sujeitos de cometer tal violência, vem sendo acometido
por tios, pai, padrasto, irmão.

ASSISTENTE SOCIAL: Os principais sujeitos acusados a


praticarem o ato da violência sexual contra criança e adolescente,
encontram-se na maioria das vezes dentro do ambiente familiar,
sendo eles, pais, padrasto, tios, tias, primos e até mesmo amigos
mais próximos.

É possível verificar semelhança nas respostas dos sujeitos


da pesquisa ao destacarem parentes e pessoas próximas como
principais sujeitos a cometerem a violência sexual contra a criança
e o adolescente. Notam-se, ainda, algumas respostas voltadas
para a especificidade de cada área de atuação dos profissionais. A
promotora relata tal violência com base em estudos e também nas
experiências vividas, já a gerente do CREAS e conselheiro tutelar

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 27


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
expressaram de modo especifico, pois ambos atuam na zona leste de
Teresina-PI e identificam o padrasto e o pai como principais sujeitos
ativos na violência sexual.
Observa-se que, mesmo diante das particularidades e das
experiências específicas de cada profissional, há o consenso quando
relatam que os sujeitos mais comuns por praticar tal violência estão
dentro do seio familiar, entre eles estão pais, padrasto/madrasta,
tios, irmãos, primos. Vale lembrar que este tipo de violência sexual
denomina-se por violência intrafamiliar.
Dias (2007 p. 23) apresenta dados que corroboram as
experiências apresentadas pelos sujeitos da pesquisa: “Em 90% das
denúncias, o autor é membro da família da vítima, é alguém que ela
ama, conhece e respeita, sendo que em 69,6% dos casos o autor é o
pai biológico, em 29,8% o padrasto em 0,6% o pai adotivo”. Assim,
os dados revelam a realidade alarmante em relação à violência
sexual contra crianças e adolescentes: elas são, predominantemente,
violentadas por aqueles que deveriam dar-lhes segurança.
Foi perguntado aos sujeitos como a família pode agir na
prevenção aos atos de violência sexual contra a criança e o adolescente,
e se teve como respostas:

PROMOTORA: Com o dever de cuidado a suas crianças e


adolescentes, assistindo-as, seja através da educação formal,
como em orientações na própria família, e através de buscas,
junto aos aparelhos de saúde (UPAS) e da assistência Social,
como CRAS, que trabalham na prevenção de situações de risco.

GERENTE DO CREAS: Na orientação dos filhos quanto aos


toques bons e permitidos (abraço) e toques ruins não permitidos
(abusos), como também no monitoramento das saídas dos filhos
(onde estão, com quem estão e o que estão fazendo).

CONSELHEIRO TUTELAR: A família tem que cumprir com o


seu Poder Familiar: Proteger! Proteger é cuidar! Ficar atentar,
dialogar e assim poder evitar ou agir diante de uma situação
de violência sexual. Estando presente na vida da criança e do
adolescente. Participando das reuniões nas escolas. Dialogando

28  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


sobre sexualidade, afinal, dignidade sexual também é Direitos
Humanos!

ASSISTENTE SOCIAL: Uma das principais maneiras de prevenção


é através da conversa, estabelecendo uma comunicação clara
[...]. Outra forma é a proteção direta, estar sempre atentos com
que a criança tem contato, que tipos de contatos e estar sempre
atento aos sinais que as crianças que são abusadas demonstram.

Os sujeitos relatam a importância do diálogo entre a família e


a criança ou adolescente acerca da sua sexualidade como forma de
prevenir ou até mesmo descobrir se os mesmos estão passando por
algum tipo de abuso, nesse sentido, a comunicação entre ambos é
de extrema importância. A gerente do CREAS enfatiza a importância
da conversa entre pais e filhos envolver o esclarecimento quanto aos
toques bons e permitidos (abraço) e toques ruins não permitidos
(abusos), “brincadeiras”, segredos, que não podem ser relatados
aos responsáveis (segundo os abusadores). Assim, as crianças e
adolescentes estabelecem com os pais (familiares) uma relação de
confiança, com liberdade de relatar aos mesmos qualquer atitude
suspeita.
Nesse sentido, Pisa (2007, p. 464) afirma que: “A vítima, a
princípio, relata os fatos ao ente de sua confiança, familiar ou não
[...].” Dessa forma, é imprescindível estreitar os laços familiares de
maneira a gerar relações de segurança e cumplicidade a fim de que
a criança ou adolescente possam desenvolver a confiança necessária
para expressarem possíveis situações de violência.
Indagou-se aos sujeitos da pesquisa qual o papel do Estado
na concretização da doutrina da proteção integral à criança e ao
adolescente preconizada pela Constituição Federal de 1988 e o
Estatuto da Criança e do Adolescente, obtiveram-se as seguintes
respostas:

PROMOTORA: Ambos dispositivos introduzem a Doutrina da


Proteção Integral em nosso ordenamento jurídico, e colocam
o Estado, como protagonista das políticas públicas afetas a

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 29


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
crianças e adolescentes, em razão de prevenção de qualquer sorte
de violência.

GERENTE DO CRAS: Na Assistência Social o papel do Estado é


a implantação dos serviços de proteção social básica e especial –
CRAS/CREAS.

CONSELHEIRO TUTELAR: O Estado (todos os Poderes) tem que


fazer valer a Doutrina, para que realmente teoria e prática possa
ser vivenciada e assim criando políticas, serviços e programas
para enfrentar / acabar as violências contra nossas crianças e
adolescentes. Nessa esteira podemos destacar o Plano Nacional
de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil em 2000. Em
2002 Foi criado o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência
Sexual Contra Crianças e Adolescentes.

ASSISTENTE SOCIAL: No campo da proteção em relação à


violência sexual, o Poder Público deve fortalecer os serviços de
Proteção Social Básica, como CRAS e Serviços de Convivência,
assim como os serviços de Proteção Social Especial, tais como
CREAS e outros órgãos de atendimento aos casos de violência
contra o público infanto-juvenil como Delegacias, SAMVIS. Além
disso, deve investir na disseminação de informações através
de todos os meios de comunicação, abordando a temática
de maneira clara e acessível a toda população, fortalecendo
campanhas de prevenção, produzindo materiais informativos e
divulgando o disque 100.

A promotora enfatiza os deveres do Estado previstos na
Constituição Federal e no ECA, nesta mesma perspectiva, o
conselheiro tutelar ressalta a doutrina da proteção integral como
maior fundamento previsto legalmente em relação à proteção
infanto-juvenil destacando a importância de políticas específicas para
este público como o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto-Juvenil criado no ano 2000 e o Comitê Nacional de
Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes,
criado em 2002.
A assistente social, a gerente do CREAS e o conselheiro tutelar
destacam as medidas específicas no âmbito da assistência social. No
campo da proteção em relação à violência sexual, ressaltam que o

30  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


Poder Público deve fortalecer os serviços de proteção social básica,
como Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e serviços
de convivência, assim como os serviços de proteção social especial,
tais como CREAS e outros órgãos de atendimento aos casos de
violência contra o público infanto-juvenil como Delegacias e Serviço
de Apoio à Mulher Vítima de Violência Sexual (SAMVIS), além da
divulgação do disque 100.

Prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes em


Teresina-PI: relato de experiência

Um dos objetivos deste estudo foi promover ações de


conscientização social em instituição de acolhimento à crianças
e adolescentes em Teresina-PI a fim de prevenir a violência sexual.
Para alcançar este objetivo a pesquisadora mobilizou grupo de
voluntários a fim de desenvolverem ações diversas em uma instituição
de acolhimento institucional a fim de conscientizar crianças e
adolescentes internas, bem como os voluntários envolvidos (em
sua maioria jovens estudantes do Curso de Bacharelado em Direito
de duas instituições de ensino superior) sobre circunstâncias que
caracterizam a violência sexual, suas causas, consequências e
prevenção.
A instituição de acolhimento institucional escolhida foi a Casa
Savina Petrilli, localizada na zona norte de Teresina-PI. Trata-se de
um serviço de acolhimento institucional provisório e excepcional
para crianças e adolescentes do sexo feminino, sob medida de
proteção e em situação de risco pessoal e social, cujos grupos
familiares encontrem-se impossibilitados de cumprir sua função
de cuidado e proteção por situações de abandono, negligência,
violência ou exploração. A Casa possui como finalidade a proteção
integral, respeitando a condição de sujeito de direito das meninas,
desenvolvendo estratégias de fortalecimento dos vínculos familiares
e comunitários, o resgate da autoestima e o desenvolvimento da
autonomia. A Casa Savina Petrilli possui a capacidade diária de

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 31


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
atendimento de 32 crianças e adolescentes, dentro de uma vivência
de valores, privacidade e respeito. (ANBEAS, 2018).
Muitas crianças e adolescentes, ao sofrerem situações
de violência sexual no ambiente doméstico acabam tendo um
comportamento mais reprimido e, por medo ou vergonha, crianças
silenciam e perdem parte significativa da infância, que deveria ser
destinada ao brincar e ao lazer. Nessa perspectiva, a primeira ação
desenvolvida na casa foi uma festa em comemoração ao dia das
crianças com o tema “De volta à Inocência”, oportunidade em que
por meio de doações, pôde-se preparar uma festa com bolos, doces,
salgados, decoração, brincadeiras, palhaços e muita animação.
Foi um momento marcante para as internas, que contou com a
participação e apoio dos alunos voluntários, professoras voluntárias,
Irmã Raimunda, responsável pela Casa e a doutora Maria Luiza de
Melo, juíza da Vara de Infância e Juventude de Teresina-PI.
A festa despertou motivação nas internas, bem como o
envolvimento com os voluntários, fatores que impulsionaram a
realização de outras atividades como atividades de recreação com
futebol de sabão, jogos infantis com o objetivo de acompanhar o
comportamento das crianças em cada dinâmica realizada, piquenique,
aulas de dança, apresentações culturais e um seminário sobre
violência sexual contra crianças e adolescentes em uma faculdade de
Teresina-PI que contou com a participação dos voluntários e alunos
de vários cursos e profissionais de várias áreas.
Os laços afetivos entre voluntários e internas geraram alguns
apadrinhamentos afetivos. O apadrinhamento afetivo possibilita
que uma pessoa cadastre-se como padrinho ou madrinha de uma
criança ou adolescente a fim de proporcionar convívio familiar de
maneira que o menor possa sair da instituição de acolhimento e
ter a possibilidade de conviver em outros ambientes e desenvolver
atividades que o façam conhecer valores que podem influenciar
positivamente sua formação.
Dessa forma, a experiência realizada foi proveitosa e atingiu o
objetivo de gerar conscientização social e proporcionar às crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual momentos que promovam

32  Pamella Christine Rodrigues Araujo • Suênya Marley Mourão Batista


uma vida digna em plenitude e colaborem com seu desenvolvimento
integral.

Considerações Finais

O presente estudo analisou a violência sexual contra crianças


e adolescentes observando a atuação dos órgãos de proteção no
estado do Piauí. Constatou-se que os órgãos de proteção exercem
papel fundamental na implantação da doutrina da proteção integral,
pois, como integrantes da política de atendimento prevista no ECA,
estes órgão tem atribuições voltadas ao desenvolvimento de ações
e diretrizes que promovam a proteção do público infanto-juvenil
contra qualquer ameaça ou violação aos seus direitos fundamentais.
Constatou-se que a violência sexual contra crianças e adolescentes
apresenta causas múltiplas e complexas, e está relacionada tanto
com questões socioculturais como também econômicas, e deve ser
analisada resguardando a imagem e a integridade física, psíquica e
moral da criança e do adolescente vitima da violência sexual.
A partir destas constatações, reitera-se a necessidade de que
Estado, família e sociedade como eixos responsáveis pela proteção
à infância e adolescência assumirem seus papeis a fim de que se
alcance com maios efetividade a proteção integral. É preciso que
os órgãos de proteção disponham de um maior aparato técnico
e financeiro para que possa empreender as ações necessárias na
prevenção e combate à violência sexual e aos diversos outros tipos
de violência que crianças e adolescentes são vítimas cotidianamente.
As ações desenvolvidas na Casa Savina Petrilli relevam a urgência de
mobilizações da sociedade em prol da causa da infância e juventude
em suas diversas esferas de interesses, vez que, por se constituírem
como pessoas em desenvolvimento, encontram-se em situação
peculiar de vulnerabilidade exigem maior atenção de todos os setores
responsáveis pela sua proteção.
É importante salientar que os órgãos de proteção devem
continuar investindo nas divulgações e ações públicas acerca do
tema, promovendo eventos para que todos possam ser devidamente

A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 33


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
informados de sua responsabilidade e para que crianças e adolescentes
sintam segurança e acolhimento por parte destes órgãos.

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A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 35


E A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO NO PIAUÍ
INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPEDENTES
DO CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA
OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E
ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS

Ilda Maria Nunes Lustosa


Marcelo Leandro Pereira Lopes

Introdução

O
presente artigo analisa algumas reflexões acerca da
internação compulsória de crianças e adolescentes
dependentes do crack. Propõe-se realizar um estudo
sobre a importância dos direitos das crianças e adolescentes e a
responsabilidade do Estado com a implantação de políticas públicas
que garantam informação, segurança e medidas que visem coibir o
crescimento desenfreado do consumo de drogas, especificamente o
crack.
A internação compulsória surge como uma tentativa de arma
legal de combate às drogas, além de ser um tratamento que possibilita

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
37
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
reabilitação e reinserção social. Por se tratar de uma medida de
internação por um lado é entendida como proteção do direito à vida
e por outro, fere o direito de liberdade do indivíduo.
Diante da temática pautada a partir do estudo, resta o desafio
de solucionar a problemática em questão: A internação compulsória
de crianças e adolescentes dependentes do crack no Estado do Piauí
entre os anos de 2015 a 2017, com base na Lei nº 10.216/2001 e no
Estatuto da Criança e do Adolescente promove a proteção do direito
à vida ou representa violação do direito à liberdade?
Desse modo, o objetivo geral da pesquisa foi analisar se no
Estado do Piauí, as crianças e adolescentes dependentes do crack
têm proteção do direito à vida ou violação do direito à liberdade.
E como objetivos específicos: apresentar um levantamento sobre a
eficácia da internação compulsória; identificar a responsabilidade
do Estatuto da Criança e do Adolescente para que as leis se tornem
efetivas (Lei nº 8.069, de 2013. Lei nº 10.216, de 2001); descrever
por que se faz tão necessária a intervenção do Estado e da sociedade
para a efetivação de políticas públicas.
Utilizou-se como fundamentação teórica, as concepções de
autores como: Borges (2014), o qual diz que o uso do crack é destrutivo
tanto para o usuário quanto para a família; Moraes (2012), que
afirma que o direito à vida sobrepõe liberdade de escolha do usuário;
Prates (2007), que enaltece a importância da estrutura familiar
para os adolescentes emocionalmente abalados; Pratta (2006), que
discorre sobre a drogadição afirmando que é uma consequência
da alienação histórico-social, política e econômica; Santos (2011),
que alerta quanto à fase de transição de a adolescência ser mais
favorável para o contato com drogas, já que sentem a necessidade
de conquistar uma posição perante à família e à sociedade; Resende
(2008), que explica sobre os complicadores no tratamento do
adolescente dependente de drogas; entre outros pesquisadores que
abordam a temática. Também foram citados no decorrer do trabalho
os seguintes documentos legais: Constituição Federal; Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA); Lei 10.216/2001.

38  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


Quanto à metodologia, o estudo constitui-se a partir de uma
pesquisa de campo, de abordagem qualitativa, em que a coleta de
dados se deu através de questionários estruturados e aplicados ao
Coordenador e Psicóloga da Coordenadoria de Enfrentamento às
Drogas (CENDROGAS) e ao psicólogo da Comunidade Terapêutica
Casa do Oleiro em Teresina-PI, a interpretação dos dados coletados
possibilitou a construção deste trabalho.
Esta investigação buscou compreender como se dá o uso
indiscriminado de drogas por crianças e adolescentes, abordando
os efeitos do crack nesses usuários e os motivos relacionados ao seu
consumo para compreender a realidade de uma das drogas mais
debatidas na atualidade. Desse modo, abordar-se-á nas seções
seguintes: o crack e seus efeitos na vida de crianças e adolescentes;
internação compulsória no tratamento de adolescentes dependentes;
análise dos dados coletados e os resultados da pesquisa.

O crack e seus efeitos na vida de crianças e adolescentes: a


problemática da drogadição na adolescência

O Estatuto da Criança e do Adolescente define como adolescente


a pessoa entre 12 e 18 anos de idade com uma característica especial
de pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, ou seja, em fase
de crescimento físico, psicológico, intelectual, espiritual e moral,
devendo ser garantido de forma saudável e plena (BRASIL, 1990).
A adolescência é uma fase intermediária: a pessoa não é mais
criança e ainda não é adulto. Esse período é uma fase de grande
complexidade e oscilações de humor, características marcantes do
processo de desenvolvimento emocional, como insegurança, certezas,
birras, excesso de alegria, mau humor exacerbado, enfim, inúmeras
inconstâncias que culminam em uma fase de grande dramaticidade,
quando tudo se torna maior do que realmente deveria ser.
Conforme explica Prates (2007, p. 61):

A adolescência é uma fase da vida em que, normalmente


prepondera a instabilidade emocional, seja pelas constantes

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
39
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
descobertas, pelas novas responsabilidades que se apresentam
diariamente ao jovem, seja pelas suas incertezas, ou pela
necessidade de consolidação de sua identidade, dentre outros
fatores intrínsecos correspondentes ao desenvolvimento humano,
ou mesmo por fatores externos de repercussão direta no âmago
jovem.

Apesar da convivência com a família se tornar um pouco mais


difícil e a referência para esses jovens passar a ser o grupinho de
amigos, o papel dos familiares e o vínculo criado pelos laços parentais
é de importância vital e proporciona liberdade para expressarem-se
com confiança e orientação para agirem com responsabilidade.
Ao ser determinado um intervalo de tempo, a sociedade impõe
que o adolescente se reconheça buscando se identificar, em razão
dessa fase ter um termo chamado de idade-problema, devido serem
julgados, maior parte das vezes, por um padrão adulto e não o que
seja adequado a sua idade, assim o adolescente desenvolve uma
insegurança em razão da necessidade de comportar-se de acordo
com os padrões da nova fase (PRATES, 2007).
Por ser uma fase de transição para a vida adulta, tende-se a julgar
o comportamento dos adolescentes baseando-se nos princípios e
responsabilidades atribuídas a um adulto, o que pode influenciar de
forma negativa à personalidade desses indivíduos, que nesta fase da
vida, necessitam de compreensão e orientação. A responsabilidade
do direcionamento da vida de um adolescente é delegada à família,
ao estado e à sociedade.
O período mais propício para ter contato com drogas e
começar a usá-las são os de transição, como mudança de emprego,
conflitos familiares, sexualidade, e é por isso que os adolescentes são
as vítimas mais frequentes. Por estar em processo de maturação, são
envolvidos pela curiosidade e estão mais expostos à experimentação.
Somam-se a essas questões a constante problemática de que o
adolescente nessa fase de transição sente a necessidade de conquistar
uma posição perante à família e sociedade, agindo muitas vezes
de forma impulsiva, seja usando drogas como meio de fuga, ou

40  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


praticando atos infracionais para manter seu vício na droga, o que é
muito comum (SANTOS, 2011).
Diante dessa visão pessimista da adolescência somada às
dificuldades naturais dessa fase de transformações, os adolescentes
tornam-se vulneráveis a quaisquer meios de fuga, satisfação e alívio
da pressão social.
Percebe-se então, que o consumo de drogas na adolescência
deve ser entendido como consequência de todos esses fatores e não
como causa de problemas sociais, como o aumento da violência e atos
infracionais. A criminalidade e qualquer outro tipo de delinquência
relacionada ao uso indiscriminado de drogas na adolescência são
ocasionados pela necessidade de manutenção do vício, visto que
esses jovens, em sua maioria, não possuem independência financeira
ou vivem em condições de carência.

Internação compulsória no tratamento de adolescentes dependentes

A internação compulsória de dependentes químicos em


detrimento do grande alastre de vários tipos de entorpecentes
nos dias atuais, torna-se cada vez mais necessária resguardando a
ordem social e principalmente entes queridos que sejam afetados
indiretamente com esse mal.
Percebe-se estar diante de um fato grave, que de um lado
demonstra o drama dos aprisionados pelas drogas, o sofrimento
das famílias que clamam por ajuda e do outro uma sociedade que
anseia por resposta. Vem sendo adotada pelo Estado uma medida
para solucionar o problema do crack no país chamada internação
compulsória, que se dá por meio da internação do usuário
coercitivamente.
Entende-se por internação compulsória uma determinação
judicial para a abordagem e encaminhamento de usuários de drogas
para clínicas especializadas, baseada em critérios previstos na Lei
Federal 10.216/2001 que objetiva proteger os direitos da pessoa com
transtornos mentais, incluindo a dependência química e anexada ao
parecer médico que atua como auxiliar técnico em saúde.

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
41
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
A atitude que culmina na internação compulsória é entendida
como medida assertiva por ser um tratamento intensivo que se
faz necessário diante da necessidade de afastar por um período
determinado pelo tratamento e pela condição e efeitos que
determinada droga provocou no organismo e na vida desses usuários.
O conceito de internação, nesses casos, não significa aprisionamento
nem exclusão, mas uma medida de cuidados e procedimentos que
irão reconstruir a identidade moral e social, além de devolver a
dignidade a esses jovens.
Assim, a criança ou adolescente, ao se drogar, pratica conduta
que coloca em risco sua própria vida (art. 98, III, ECA), sendo aplicável
a medida de internação compulsória. Entretanto, sendo tal medida
aplicada excepcionalmente pela Lei 10.216/2001, tratando-se de
pacientes altamente vulneráveis, como as crianças e os adolescentes,
deve ser aplicada em caráter mais excepcional ainda, precisando
sempre ser fundamentada com base no princípio do melhor interesse
da criança e do adolescente e visando sua reintegração familiar e
social (BRASIL, 2001).
Deve-se sempre pensar que a internação compulsória como
um processo seguro que resguarda a integridade física e moral de
crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco à
vida individual e coletiva. Quando se trata dos problemas de uso
de drogas, concomitantemente trata-se de um problema de saúde
pública, já que afeta o corpo e a mente desses usuários e faz-se
necessários tratamentos à base de medicamentos e acompanhado
por profissionais especializados, isso nos obriga a refletir que,
fechar os olhos para essa situação é quase que permitir que o uso
indiscriminado de drogas se alastre de maneira incontrolável,
tornando-se quase uma epidemia desenfreada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê ainda que é
competência do Conselho Tutelar requerer e aplicar a medida de
internação, bem como do Mistério Público também:

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: I - atender as


crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e

42  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII; [...] III
- promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a)
requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço
social, previdência, trabalho e segurança; [...] VI - providenciar
a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as
previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato
infracional; Art. 201. Compete ao Ministério Público: VIII - zelar
pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados
às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e
extrajudiciais cabíveis; [...] (BRASIL, 1990).

Portanto, quando o adolescente faz uso de drogas de maneira


abusiva, tornando-se dependente, surge para os integrantes do
Sistema de Garantias: Conselho Tutelar, Ministério Público, Advocacia
e Defensoria Pública, a responsabilidade de requerer a internação
como medida de proteção a fim de lhe garantir o direito à saúde.
A importância da implantação de políticas públicas que tenham
por objetivo a efetivação dos direitos garantidos pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, que visem à prevenção do envolvimento
com drogas na adolescência através de políticas de inclusão que
ofereçam aos adolescentes e às suas famílias alternativas para lidar
com os desafios enfrentados durante essa fase, a fim de que não seja
necessário um tratamento posterior, quando já houve o dano à saúde
do adolescente, pois é muito mais difícil de reparar (RESENDE, 2008).
Desse modo, o apoio e auxílio da família contribuem de maneira
positiva e garante a continuidade do tratamento e a disposição e
segurança para o enfrentamento do desejo em retomar o vício.
Por se tratar especialmente de adolescentes que ainda passam
por processo de desenvolvimento em todos os âmbitos, faz-se
necessário um cuidado redobrado e atenção à estrutura física e
humana dos estabelecimentos que irão recebê-los. Antes de qualquer
atitude mais precipitada, é essencial que após o recolhimento desse
adolescente do seu local de risco, faça-se uma investigação minuciosa
do comportamento consigo e com o meio social para detectar as
possíveis causas que o levaram ao envolvimento com drogas.
Todos os procedimentos antes da internação devem ser
acompanhados por uma equipe médica e multidisciplinar preparada

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
43
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
para lidar com estes casos. A abordagem desses adolescentes nunca
deve ser encarada como uma prisão, mas como um tratamento de
saúde que levará um tempo determinado pela sua condição.
Partir de uma criteriosa avaliação inicial médica, o exame clínico
completo, juntamente com o neurológico, exames laboratoriais
e uma avaliação da família e seu contexto social, é fundamental
para que se identifique qual o tratamento mais adequado em cada
caso e se elaborar um projeto terapêutico individual, capaz de,
comprometendo o paciente e sua família, tornar o mais claro possível
os objetivos a serem alcançados, a forma de atingi-los o papel de
cada um (RESENDE, 2008).

A internação voluntária, involuntária e compulsória a luz da Lei


10.216/2001

A reforma psiquiátrica no Brasil teve seu início nos anos 80,


materializando-se com a criação da Lei nº 10.216/2001, passando
mais de uma década em debates para entrar em vigor. Veio com
a finalidade de discutir uma nova política de saúde pública, e a
reinserção dos pacientes no âmbito social (BRASIL, 2001).
Com objetivo de acrescentar ao paciente melhor condição de
tratamento, expõe em seu artigo 6º as modalidades de internação
psiquiátrica: voluntária, involuntária e compulsória, conforme artigo
6º, da Lei 10.216/2001:

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante


laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de
internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se
dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária:
aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de
terceiro; III - internação compulsória: aquela determinada pela
Justiça (BRASIL, 2001).

Pela simples leitura da Lei nº 10.216/2001, o pedido judicial


pela internação compulsória apenas precisa ser instruído com um

44  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


laudo médico circunstanciado atestando a precisão de internação
do paciente. Fora isso, cabe ao juiz competente avaliar a solicitação
e verificar as condições de segurança do estabelecimento para o
paciente, os outros internados e os funcionários.
A intoxicação habitual por substâncias entorpecentes é
considerada doença de notificação compulsória, em caráter
reservado, a dependência química é uma doença complexa e requer
um tratamento complexo. O dependente necessita de socorro, não
de uma consulta a sua opinião. A internação compulsória por ordem
judicial pressupõe uma ação afetiva e decidida do Estado no sentido
de aumentar as vagas em clínicas públicas criadas para esse fim.
Não é exagero mencionar que a dependência química se infere
como doença que traz um transtorno que faz com que a única fonte de
interesse do indivíduo é a droga, perdendo totalmente a importância
em outras atividades da vida, se voltando inteiramente ao consumo
da droga.
Com o advento da Lei 10.216/2001, marco da Reforma
Psiquiátrica brasileira, houve uma evolução no tratamento do
dependente de drogas, antes visto simplesmente como doente,
passou a ser tratado como um indivíduo portador de transtorno
mental, possuindo direitos e garantias que devem ser atendidos.
Entretanto, tal lei não foi criada especificamente para tratar
dos dependentes químicos, como se pode notar nos seus dispositivos,
ela menciona pessoa portadora de transtorno mental.

A internação compulsória de crianças e adolescentes dependentes


do crack, no Estado do Piauí, em Teresina-PI: análises de dados

Foi elaborado um questionário abrangendo seis perguntas


abertas, entregue no dia 20 de abril de 2018 para o coordenador
e psicóloga da Coordenadoria de Enfrentamento às Drogas
(CENDROGAS) recebido no dia 25 de abril. Do mesmo modo,
respondido pelo psicólogo da Comunidade Terapêutica Casa do
Oleiro entregue no dia 25 de abril de 2018 e recebido no dia 04 de
maio do mesmo ano, na cidade de Teresina- PI. Os dados foram

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
45
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
coletados por meio do questionário. Os sujeitos dessa pesquisa
foram apresentados de coordenador, psicóloga e do psicólogo.
Diante do exposto, pôde-se analisar o conteúdo das respostas
de uma forma lacônica sobre as vertentes do teor da internação
compulsória para crianças e adolescentes, devido se correlacionar aos
direitos humanos das crianças e adolescentes, presentes no Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) e em diferentes documentos
também há a definição de direitos. Isto posto, questionou-se aos
profissionais como as crianças e adolescentes em dependência
química são vistos no Estado do PI e como veem a internação
compulsória, tendo as seguintes respostas:

COORDENADOR: Pelo que ouço, parte da sociedade é a favor da


internação compulsória, o órgão CENDROGAS e eu não somos
a favor porque vai contra a liberdade. Acredito que o primeiro
passo a ser dado é o reconhecimento que precisa do tratamento,
pois esses jovens estão em uma fase muito vulnerável a tudo.
Os gestores do órgão comungam com a ideia da prevenção
e sensibilização, dando palestras para sensibilizar a escolha
própria do dependente. Mas não deixo de informar que aqui no
CENDROGAS já apareceram casos de internação compulsória.

PSICÓLOGA: Temos um olhar cauteloso com esses adolescentes


dependentes, precisamos ajudá-los e buscar apoio junto aos
órgãos e Estado através de políticas públicas para que haja uma
diminuição nesse percentual que só vem aumentando. Eu não
sou a favor da internação compulsória, pois no CENDROGAS
trabalhamos com o projeto ressocializar para não prender, mas já
ouvi falar de pessoas que tiveram o tratamento compulsório com
êxito nos resultados.

PSICÓLOGO: O adolescente é visto como uma vítima social,


acredito que o processo da internação compulsória em
determinados casos seja necessário.

Houve semelhanças nas respostas dos profissionais e uma


oposição. O coordenador juntamente com a psicóloga exprimiram
que, em termos gerais, a sociedade se posiciona a favor da internação
como garantia de tratamento e distanciamento do vício, citando

46  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


também sobre a vulnerabilidade desses adolescentes que usam
drogas, porém como profissional e utilizando-se desta conduta e
conhecimento de maneira particular, não acredita na eficácia da
internação compulsória, pois vai contra a liberdade da criança e
adolescente os quais estão prenunciados no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) em seu artigo 4º, abrangendo o “[...] direito à vida,
à liberdade, à igualdade, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, à segurança [...]”, acreditando que existem vários outros
métodos, não deixando de mencionar sobre essa internação que pelo
conhecimento de ambos já foi eficaz em certos casos.
Expressando-se de modo mais específico, o psicólogo vendo o
adolescente como vítima social, acredita que essa internação funcione
em alguns casos, pelo fato de tal dependente não ter a própria
capacidade de reconhecer que precisa de um tratamento adequado
para sair de tal vício. Considerando a possibilidade de casos já
existentes, perguntou-se aos profissionais como se dá o acolhimento
da internação da criança ou adolescente, obtendo como respostas:

COORDENADOR: A própria comunidade (abrigo) irá responder


melhor, pois cada uma tem suas normas específicas.

PSICÓLOGA: A demanda é espontânea e o dependente, na


maioria dos casos, chega acompanhado com a família ou
representante de alguma comunidade, fala do seu interesse, em
seguida é feita uma triagem (entrevista) com o assiste social e de
acordo com a disponibilidade de vagas faz-se encaminhamento
para tal comunidade.

PSICÓLOGO: Passa por uma triagem (processo de escuta), logo


em seguida são realizadas as orientações.

Diante da temática compulsória, é possível perceber que o


coordenador explanou de forma não conhecedor desse acolhimento,
devido ao órgão onde trabalha não ser a favor da internação
compulsória, enquanto a semelhança das respostas da psicóloga
e do psicólogo, os quais explicaram que de forma espontânea ou
acompanhado de terceiros o dependente passa por uma entrevista,

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
47
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
e em seguida é feito o encaminhamento para a comunidade e as
orientações.
Revertendo esse quadro, precisa-se do amparo jurisdicional do
Estado, com o propósito de que seja oferecido o suporte adequado
a essas falhas de acolhimento ao adolescente, como o tratamento
especializado para a drogadição, acompanhamento psicoterápico,
orientação e acompanhamento temporário, inserção do assistido e
de seus familiares nos programas necessários, dentre os previstos no
artigo 101º do ECA.
Assim como cita Capez (2011), o dependente necessita de
socorro, a internação compulsória por ordem judicial pressupõe uma
ação afetiva e decidida do Estado no sentido de aumentar as vagas
em clínicas públicas criadas para esse fim, sob pena de o comando
legal incluso na Lei nº 10.216/2001.
Entendendo que há uma grande preocupação com a
recuperação desses dependentes, fez-se a seguinte pergunta: de que
forma acontece a reinserção e ressocialização da criança e adolescente
no ambiente social e como acontece a participação da família no
tratamento. Seguem-se as repostas:

COORDENADOR: Cada comunidade tem uma maneira de


trabalhar isso, na sua totalidade elas tentam capacitar esses
adolescentes fazendo cursos. A família, na maioria das vezes,
participa desse tratamento dependendo da norma de cada
comunidade, quando não se tem vínculo, algumas dessas
comunidades tratam a reconstrução desse afeto com a família,
junto com o psicólogo.

PSICÓLOGA: As comunidades fazem cursos profissionalizantes


como (informática, marcenaria, mecânica, agricultura,
artesanato, de português, higiene pessoal) tudo isso como
forma de ressocializar. A participação das famílias é em relação
às visitas e reuniões que geralmente são feitas semanalmente,
quinzenalmente ou mensalmente, porque não pode acontecer
essa quebra de vínculo.

PSICÓLOGO: A reinserção é feita ao longo do processo e no


pós-tratamento. Ao longo do processo: visitas da família, a cada
três meses o acolhido passa um final de semana em sua casa e
segue essa rotina até o final do tratamento. A família participa

48  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


de reuniões e recebe orientações em como lidar com toda essa
demanda. Atividades como: manutenção do sítio da comunidade,
estudos como forma de capacitação, espiritualidade e etc.

De acordo com as respostas, verifica-se que há grande


semelhança nas explicações dos profissionais, sendo os psicólogos
mais específicos na questão posta, a ressocialização dentro da
comunidade basicamente é feita por atividades rotineiras, cursos
profissionalizantes e espiritualidade.
Sobre a família, de acordo com a psicóloga, esse vínculo é de
muita importância, assim como trata o artigo 22º do ECA “[...] aos
pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação
de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”, a família
participa das reuniões, fazem visitas semanalmente ou mensalmente
e no decorrer do tratamento o acolhido passa finais de semana em
casa.
Importante salientar sobre a sistematização de políticas
públicas com crianças e adolescentes, no artigo 227º, § 3º, inciso VII
da Constituição Federal “[...] programas de prevenção e atendimento
especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de
entorpecentes e drogas afins”, o Estado deve fazer acontecer mais
programas de incentivo a não drogas, um olhar com cautela e mais
preocupação.
Com base no ECA artigo 7º, a criança e o adolescente são
dotados de direito, inclusive mediante a efetivação de políticas
sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso, para uma total reinserção e ressocialização no
ambiente social.
Tendo em questão essa problemática, nessa linha de
pensamento rebuscou aos profissionais: a internação compulsória
é a única forma viável, o Estado do PI utiliza-se desse instrumento?

COORDENADOR: Não é a única forma viável e o Estado não


se utiliza desse instrumento, pelo Estado não há nenhuma
comunidade específica para internação compulsória.

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
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À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
PSICÓLOGA: O Estado ainda não se utiliza da internação
compulsória, por trabalhar em outras atividades de ressocialização
essa não é a única forma viável, mas em Teresina- PI existem
duas clínicas particulares que trabalham com a internação
compulsória, sem ligação com o Estado.

PSICÓLOGO: Não, em alguns casos a justiça compreende que


para preservação do indivíduo, familiares e sociedade o mais
adequado é a internação compulsória, mas pelo Estado do PI
ainda não existem clínicas e comunidades específicas para esse
tratamento, além disso, existem clínicas particulares que fazem
esse tipo de tratamento aqui em Teresina-PI.

Notemos as semelhanças das repostas dos profissionais, visto


que os três têm o conhecimento de que no Estado do PI ainda não
se utiliza da internação compulsória, e que esse tratamento não é
a única forma viável, citando a psicóloga que trabalha com outras
atividades de ressocialização. No entanto, os dois psicólogos afirmam
que em Teresina-PI existem clínicas particulares que trabalham com a
internação compulsória (não tive acesso).
Exprimindo ainda o psicólogo que em alguns casos a justiça
compreende que para preservação do próprio indivíduo, família e
sociedade o mais adequado seria internação compulsória, como faz
menção ao que diz Borges (2014), ao afirmar que o uso do crack é
destrutivo tanto para o usuário quanto para a família. Essas crianças
ou adolescentes que passam por uma fase de risco pessoal e social,
devido ao uso de substâncias psicoativas, precisam de medidas de
proteção pertinentes, uma delas prevista no inciso V, artigo 101º,
do ECA, “[...] a requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial”. Precisa-se
resgatar e assegurar o direito à saúde desses adolescentes, com o
objetivo em especial as políticas públicas.
Com base no que vimos, pela carência exposta da falta de
clínicas e comunidades para crianças e adolescentes no Estado do
PI, pelo fato de não ter sido adequado ainda essa possibilidade
de tratamento e por ser usadas outras formas de ressocialização,
perguntou-se aos profissionais qual a estatística de crianças e

50  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


adolescentes envolvidos com drogas no Estado do PI, e quantos
desses necessitam da internação como forma de ressocialização?

COORDENADOR: Posso falar na demanda que procura aqui


na CENDROGAS, que tem a estatística de 20%, mas o índice é
bem maior de uso de drogas entre adolescentes, a maioria vem
acompanhada da família que já faz a conscientização e aceito
a o tratamento, os que vêm não são necessários à internação
compulsória.

PSICÓLOGA: Pelos cálculos feitos através do órgão CENDROGAS,


a estatística é de 20%, mas o uso entre os adolescentes infelizmente
vem crescendo cada vez mais. Recebemos adolescentes que
geralmente estão acompanhados e percebemos na entrevista
que eles tiveram o convencimento da família para buscar o
tratamento, de início não sendo da própria vontade deles, mas
já conscientizados. Mas aqui no CENDROGAS ouvimos que há
vários adolescentes que não se conscientizam que eles necessitam
do tratamento e que seria viável a internação compulsória.

PSICÓLOGO: Não estava apto a responder.

Há uma afinidade entre as repostas do coordenador e da


psicóloga, por ambos trabalharem no órgão estadual CENDROGAS,
divergente do psicólogo que não soube responder justamente pelo
motivo dele apenas fazer parte do tratamento em si dos dependentes
que são encaminhados de determinando órgão.
Consonante com o questionamento o coordenador e psicóloga,
disseram que o percentual de acordo com o CENDROGAS de
crianças e adolescentes envolvidos com drogas é de 20% (vinte por
cento), mais admitem que esse percentual seja bem maior, como
cita Sapori (2010) que afirma que os usuários de crack compõem
a parcela da população brasileira que faz uso de diferentes drogas
ilícitas, infelizmente.
Como forma de ressocializar, percebido nas repostas, vemos
que a maioria já chega à busca do tratamento não pela vontade
própria, mas pela conscientização da família e nesses casos eles são
encaminhados para tratamento, além disso, como fala a psicóloga,

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
51
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
há casos em que esses adolescentes não se conscientizam que
precisam de ajuda, portanto seria viável a internação compulsória.
Avante das respostas dos profissionais, verifica-se a compreensão
com o ECA, em seu artigo 4º, já devidamente referenciado. No que
tange aos direitos humanos da criança e do adolescente, percebe-se
que o Estado do PI ainda não possui uma estrutura suficiente para
fixar em seus parâmetros um olhar para as consequências das drogas
na vida de crianças e adolescentes.

Considerações finais

No de correr do processo de construção deste artigo, dialogando


com a literatura e estudos de autores que aprofundaram e deram
embasamento à temática, buscou-se realizar um debate acerca da
internação compulsória de crianças e adolescentes usuários do crack,
sobre a problemática dessa medida extrema como proteção do
direito à vida ou violação do direito à liberdade.
Diante do exposto e tendo-se consciência das consequências
positivas e negativas que envolvem essa prática, compreende-se a
difícil missão de universalizar a aceitação de maneira ampla e efetiva
das condutas que envolvem as estratégias e abordagens da internação
compulsória.
Apesar de se apresentar como medida de tratamento aos
dependentes de droga, sua eficácia é comprometida pelas discussões
envolvendo profissionais da saúde, defensores públicos, equipes
multidisciplinares e as famílias que vivenciam o poder destrutivo do
uso indiscriminado de drogas pelos filhos como rotina diária, o que
causa, na maioria dos casos, a destruição do núcleo familiar.
Analisando de maneira imparcial, de um lado nos deparamos
com a violação do direito à liberdade dessas crianças e adolescentes
defendida pelos contraditores à internação compulsória, numa
tentativa de priorizar o que reza os princípios fundamentais da
Constituição Federal.
De outro lado, conflitamos com o sofrimento das famílias
que assistem o desfacelamento de seus lares e a destruição de vidas

52  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


ceifadas pela dependência do crack, essas famílias encontram na
internação compulsória uma saída para solucionar este problema e
de alguma forma dividir com profissionais preparados às angústias e
violências vivenciadas constantemente.
Pensar no sofrimento dos familiares nos sensibiliza e nos torna
conscientes das consequências negativas e destrutivas desse mal que
assola a vida humana. O uso do crack por crianças e adolescentes
os priva do convívio social, de se desenvolverem fisicamente,
emocionalmente e cognitivamente a desfrutarem desse momento de
transição de maneira digna e natural.
Quando associamos internação compulsória com crianças e
adolescentes, estamos tratando de usuários resistentes a qualquer
tipo de tratamento, visto que não têm consciência dos riscos
eminentes e dos sinais acionados pelo uso da própria droga. Estamos
acenando para jovens e crianças que perderam a capacidade de se
alimentar, higienizar, habilidades que dignificam a pessoa humana,
estão pulando etapas descartando a infância, fase em que formamos
personalidade e nos desenvolvemos de maneira integral.
Diante de todas essas questões e na falta de políticas públicas de
prevenção eficientes e eficazes, estruturadas para atender de maneira
justa e informativa essas crianças e adolescentes, cabe às famílias,
uma vez que se deparar com essa dura realidade, buscar junto ao
poder judiciário medidas de internação para manter a integridade
física e intelectual de seus filhos. Essa situação acontece por falta
de orçamento familiar para custear outra firma de tratamento de
reabilitação e ressocialização.
Portanto, mesmo entendendo as fragilidades que cercam o
tratamento de internação compulsória, compreendo que uma vez
descartada todas as possibilidades de recuperação desses usuários,
esta seja a medida mais apropriada e efetiva para o cumprimento dos
direitos e da dignidade humana.
O cerceamento da liberdade física acontece de maneira
temporária, fazendo-se necessária como forma de proteção do
vício. Voltar à sanidade psíquica revela a esses usuários os riscos e a
necessidade do afastamento permanente de uma recaída, somente

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
53
À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E LEIS CORRELATAS
desta forma dá-se a oportunidade de reconstruir uma história e
apropriar-se dos seus direitos.

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54  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


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INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DO


CRACK: PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA OU VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE
55
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rj-afirma-secretario. Acesso em: 27 jan. 2018.

56  Ilda Maria Nunes Lustosa • Marcelo Leandro Pereira Lopes


JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS
DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE
DE ALTOS - PI

José Edson Dias das Neves


Maria Gessi-Leila Medeiros

Introdução

N
o esforço de discutir acerca das políticas públicas
relacionadas à juventude, o presente artigo
desenvolve, primeiramente, uma conceituação sobre
a qualificação do jovem, buscando apresentar alguns elementos
referentes à participação juvenil em projetos sociais voltados
para a inclusão social e educacional, por meio da análise das
iniciativas governamentais alusivas à formação para o trabalho, e
de concepções e objetivos que fundamentam as ações e programas
sociais direcionados aos jovens na cidade de Altos – PI.
Nesse sentido, a ideia da inserção desses jovens, ou sua devida
preparação, no mundo do trabalho e para o mundo do trabalho,
passa a compreender essa formação como um instrumento educativo
que se propõe à construção da cidadania. Inserindo-se nos estudos

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 57


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
das transformações do Estado e das mudanças produzidas no
mundo do trabalho, com o foco nas políticas públicas pertinentes
à juventude, como uma resposta às questões sociais decorrentes
dessas transformações ocorridas, que precisa ser compreendida
como uma categoria que está em constante construção, ou seja,
que pode mudar conforme o tempo, o espaço, as condições sociais,
econômicas, políticas, familiares, etc. Assim, há várias concepções
e é possível se deparar com diferentes interpretações teóricas,
ideológicas e políticas sobre este segmento. Dessa forma, a juventude
não pode ser definida apenas como faixa etária.
Diante disso, surgem alguns questionamentos: Que práticas
visam contribuir no processo de construção e consolidação do
Estado no que diz respeito ao acolhimento adequado desse enorme
contingente de jovens? De que maneira os jovens altoenses podem
participar de ações vinculadas à assistência social? Soma-se a essas
questões o baixo conhecimento do poder público sobre a realidade
juvenil, o que, em muitos casos, provoca um desencontro entre as
demandas dos jovens e as políticas públicas.
Desse modo, constitui-se como hipótese de pesquisa a
perspectiva de que a representação normativa, embora focada
nos jovens, não incide apenas sobre eles, isoladamente, pois trata,
sobretudo, de universos relacionais: jovens e mundo adulto, este
último marcado pelo poder exercido nas instituições, nas quais as
possibilidades de interação, de conflito e de solidariedade também
se destacam. É preciso considerar que a disputa em torno das
concepções ocorre, ainda hoje, na arena pública, protagonizada
pelos vários atores, tanto jovens como adultos, que desenvolvem
ações nesse segmento, incluindo nessa diversidade não só a sociedade
civil como a própria composição dos aparatos do Estado.
O pressuposto que embasa este estudo é o de que as ações
governamentais, ao se dirigirem prioritariamente aos jovens
pertencentes aos setores mais empobrecidos da população, acabam
por reforçar a hipótese de que estes jovens constituem-se como um
problema social, e, como tal, devem ser tutelados e disciplinados
para se incluírem de modo efetivo na sociedade.

58  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


Esta pesquisa se justifica, em síntese, no que se refere aos novos
desafios para a elaboração das políticas públicas de juventude, na
construção de uma unidade de pensamento sobre a concepção de
juventude, diferenciando condição juvenil de situação juvenil; e como
fonte bibliográfica para pesquisadores dessa área de interesse e para
profissionais que lidam com formulação e implantação de políticas
voltadas para esse segmento etário.
Como procedimento metodológico, optou-se por uma
pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa de caráter documental-
bibliográfico, com base nas contribuições de Abad (2008), Bango
(2003), Carvalho (2015), Sposito (2003), fundamentando-se,
portanto, em pressupostos de autores que abordam a questão social
relacionada aos jovens na perspectiva de desenvolver intervenções
baseadas nos conhecimentos pedagógicos e sociais. Nesse percurso,
tomou-se ainda como base os resultados de estudos relacionados
aos aspectos históricos do município de Altos – Piauí, como também
dados coletados na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
e Cidadania de Altos – PI e de dados estatísticos por meio de fontes
oficiais referentes ao tema abordado.

Aspectos históricos do município de Altos

A origem da cidade está relacionada com a chegada de João


de Paiva Oliveira, vindo do Ceará, nos anos de 1800, quando fixou
residência em são José dos Altos, mas somente a partir de 1922,
através da Lei Estadual n°1.041, de 18 de julho foi elevada à categoria
de Município, com a denominação de Altos. A instalação solene da
comarca deu-se em 12 de outubro do mesmo ano, desmembrando-se
dos Municípios de Teresina, Campo Maior e Alto Longá (FERREIRA,
1995, p. 17).
O Município de Altos está localizado no interior do Estado
do Piauí, a uma distância de 38 km da capital Teresina, com área
territorial correspondente 957.654 km². De acordo com o censo
de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a
população conta com 38.822 habitantes, sendo 49,2% homens e

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 59


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
50,8 do sexo feminino. Conta ainda com uma população de 10.878
com idade entre 15 e 29 anos de idade. População domiciliar urbana
de 27.388 e 11.434 na área rural. Hoje, estima-se uma população de
40.440 habitantes, sendo a terceira maior cidade da região integrada
de desenvolvimento da grande Teresina em numero de habitantes,
tendo densidade demográfica de 40,54 hab/km². (Brasil, 2018)
Essa população representa 1,24% da população estadual, sendo
o nono mais populoso do Estado do Piauí e 0,019% da nacional, que
corresponde a 788º do país. Possui um Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) de 0,614, o qual é relativamente considerado bom
pelo programa das nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD).
O PIB era de 8.706,16, esse montante corresponde ao
sétimo da grande região de Teresina e o 46º em relação ao Estado,
pois a atividade econômica se concentra em três maiores áreas:
agropecuária, indústria e serviços (administração, defesa, educação,
saúde pública e seguridade social), em que o município de Altos possui
um cadastro central de empresas com 443 em unidades locais, sendo
425 atuantes, 3.254 pessoas trabalhando nessas empresas, com um
salário médio de 1,7 e apenas 2, 836 assalariados (IBGE, 2006).
Altos possui, em sua composição administrativa (2017), no
quadro de pessoal por vínculo de 934 estatutários, 89 comissionados
e 1565 sem vínculo com a Adm. Direta. Conta em sua estrutura
com um estádio de futebol, denominado “Felipão”, um ginásio
poliesportivo, um campus da Universidade Estadual do Piauí, Roberto
Raulino da UESPI, onde funciona curso superior em Bacharelado
em Administração a distância (EAD), uma biblioteca municipal, um
centro artesanal e cultural. Tem como meios de comunicação apenas
o jornalismo impresso local e uma rádio FM (DIAS, 2004, p. 24).
O Município é visto com grande potencial para investimentos
na produção, com grandes diversidades de frutas, além de suas
riquezas naturais abundantes, com rios perenes, cachoeiras e riachos
viabilizando atividades turísticas.
Os recursos vegetais mais explorados no Município são a laranja,
a carnaúba, o babaçu, a castanha de caju e a manga. A manga é a
fruta que apresenta maior escala de produção, sendo assim um dos

60  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


maiores cultivadores no estado do Piauí, razão pela qual ganhou o
apelido de “Capital da Manga”, no entanto, não existe no município
indústria que possa transformar essa extração em fonte de renda em
larga escala de produção, beneficiando a população local (DIAS,
2014, p. 23). Destaca-se ainda como um grande produtor regional
de vassouras de palha e jacás (espécie de cestos confeccionados
artesanalmente com bambus) (DIAS, 2004, p. 27).
Apesar de suas potencialidades, apresenta um índice de
pobreza e desigualdades (2003) de 57,20% de sua população. Classe
de rendimento mensal per capita nominal até R$ 70,00 reais, 17,8%;
até ¼ salário 35,9% e até ½ salário 68,0% da população.
O censo escolar por indicadores sociais do IBGE, realizado com
pessoas de 15 anos ou mais que não sabem ler ou escrever: amarela,
124; branca, 951; parda, 5,601 e preta, 728, ou seja, 19,07%. A taxa
de analfabetismo no ano de 2000 era de 35,5%, no censo de 2010
caiu para 26,0%. As pessoas com idade de 10 anos ou mais de idade
sem nível de instrução e fundamental incompleto chaga a casa de
21,480 pessoas; com fundamental completo e médio incompleto,
4.684; médio completo e superior incompleto, 5.079 e superior
completo, 1016 pessoas.
Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP) apontam uma evolução significativa
no município de altos no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB), saindo de 4,6 em 2015 para 5,3 em 2017. A meta é
superior já é superior á estabelecida pelo Ministério da Educação,
que é de 4,9 até 2021.
O IDEB foi criado em 2007 e reúne, em um só indicador,
os resultados de dois conceitos igualmente importantes para a
qualidade da educação: o fluxo escolar e as médias de desempenho
nas avaliações.

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 61


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
Política Nacional de Juventude: ações e/ou promoções de eventos e
projetos do município de Altos inerentes às políticas públicas

O tema da juventude tem-se apresentado como uma questão


emergente no século XXI. Em 12 de agosto de 2010, a Organização
das Nações Unidas (ONU) abriu mais um Ano Internacional da
Juventude. Sob o tema “Diálogo e Entendimento Mútuo”, a ONU
objetiva encorajar o diálogo e a compreensão entre gerações,
promover os ideais de paz, o respeito pelos direitos humanos, a
liberdade e a solidariedade.
A Política Nacional de Juventude divide essa faixa etária em três
grupos: jovens da faixa etária de 15 a 17 anos, denominados jovens-
adolescentes; jovens de 18 a 24 anos, como jovens-jovens; e jovens
da faixa dos 25 a 29 anos, como jovens-adultos. Considerando essa
divisão, pode-se perceber que o primeiro grupo já está incluído na
atual política da criança e do adolescente; entretanto, os outros dois
não estão.
Nas políticas desenvolvidas para o segmento jovens, destacam-
se dois tipos de intervenção que variam de acordo com o conceito
que se tem de juventude como destacam Carrano e Sposito (2003).
Uma que entende o jovem como uma ameaça social e outra que
reconhece os jovens como sujeitos de direitos. A primeira resulta
em políticas coercitivas a fim de controlar a ameaça, “proteger” a
sociedade desse jovem risco. A segunda, menos usual que a primeira,
reflete a percepção dos jovens como sujeitos ativos socialmente que
vêm enfrentando determinados problemas sociais que acarretam
uma certa instabilidade a essa fase da vida. Por isso a necessidade de
políticas especiais.
A análise desse trabalho estará voltada para o tipo de
participação dos jovens nos diferentes projetos apresentados pelo
município de Altos – PI, com base na percepção sugerida anteriormente
de que os jovens, como atores sociais, devem participar ativamente
da elaboração e da implementação das ações voltadas para eles.
Pelas informações recolhidas junto à Secretaria de Assistência
Social, dos projetos relacionados à juventude da Prefeitura de Altos –

62  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


PI, contam com a participação do público destinatário na elaboração,
porém, essa participação é restrita muitas vezes a simples sugestão
de atividades.
Como pode ser observado, as ações executadas pela Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania de Altos – PI,
considerados programas estruturantes, de atendimento geral à
comunidade como, por exemplo, os direcionados à educação,
ampliação do acesso e permanência escolar de jovens – Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), do MEC,
e o Brasil sem Miséria, do (MDS), que visa possibilitar ao jovem uma
capacitação profissional para sua inserção no mercado de trabalho.
Um dos principais desafios para a implementação de uma política
pública asseguradora de direitos sociais para a juventude é obter a
mobilização permanente da sociedade civil, conjugada à vontade e à
decisão política para ampliar, aperfeiçoar, avaliar e monitorar, além
de realizar o controle social democrático das atuais iniciativas.
Torna-se a secretaria municipal de assistência social um órgão
da Administração Pública demandante por vagas do Pronatec e
Bolsa Formação com cursos ofertados gratuitamente em âmbito
nacional, e no caso do município em estudo, a parceria ocorre entre
a Prefeitura Municipal de Altos e o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC), que realiza a qualificação profissional.
Em agosto de 2014 a janeiro de 2015, o município de Altos
ofertou 12 cursos de formação inicial e continuada (FIC), em que
ocorre a qualificação profissional e escolaridade mínima variada
com carga horária de, no mínimo 160h, dentre eles: depilador,
manicure e pedicure, cabeleireiro, maquiador, operador de
computador, operador de caixa assistente administrativo, assistente
de costura, pizzaiolo, confeiteiro, saladeiro, almoxarife e curso de
porteiro e vigia. Esses cursos atenderam em torno de 200 jovens
altoenses, pela intersetorialidade no desenvolvimento dos projetos
e pelo desenvolvimento da autonomia entre os participantes de seus
programas. Esses cursos atenderam neste período aproximadamente
294 jovens altoenses, como expresso no quadro 01.

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 63


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
Quadro 1 – Curso de Formação Continuada
Quantidade de
Curso Sexo Período Carga horária
participantes
Depilador 20 Feminino 3 meses 160h/s
Manicure e
20 Feminino 3 meses 160h/s
pedicure
Cabeleireiro 02 Masculino 5 meses 400h/s
Maquiador 20 Feminino 3 meses 160h/s
Operador de Masculino e
20 5 meses 220h/s
computador feminino
Operador de Masculino e
20 3 meses 160h/s
caixa feminino
Auxiliar Masculino e
20 3 meses 160h/s
administrativo feminino
Costureira 20 Feminino 5 meses 220h/s
Masculino e
Pizzaiolo 20 3 meses 160h/s
feminino
Confeiteiro 20 Feminino 3 meses 160h/s
Masculino e
Salgadeiro 20 3 meses 160h/s
feminino
Curso de Masculino e
20 3 meses 160h/s
porteiro e vigia feminino
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania / Altos PI /2019.

É por meio de programas que o Estado reconhece o papel


estratégico da juventude no desenvolvimento do país e aponta os
direitos que devem ser garantidos de acordo com a especificidade
dessa população. No entanto, demonstra que ainda há muitas
conquistas a serem efetivadas, tanto na elaboração e execução de
políticas sociais públicas específicas para garantir direitos a essa faixa
etária. Além de que, a juventude concorre com os desdobramentos
da conjuntura econômica e social e episódios de natureza violenta
envolvendo jovens.
Estes programas têm ainda como meta capacitação dos
beneficiários a inferir renda e deixar de receber o auxílio do programa
Bolsa Família. Além da capacitação, o programa repassa aos jovens

64  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


participantes desses cursos uma bolsa formação, no valor de dois
reais por hora aula, ao final de cada quinze dias de aulas.
Apoiar as organizações de juventude e contribuir para que os
jovens tenham uma participação ativa efetiva na sociedade dando
legitimidade às suas diferentes formas de expressão e atuação é
entender e investir no jovem como agente de mudança social. Os
jovens são desafiados a construir no plano da municipalidade uma
sociedade mais participativa e mais democrática ao se envolverem
politicamente no exercício de variadas formas de ação, resistência e
negociação com outros poderes da cena política.
Ainda no ano de 2015, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social aderiu ao Programa de Promoção do Acesso ao Mundo do
Trabalho (Acessuas Trabalho) que buscava a autonomia das famílias
usuárias da Política de Assistência Social, por meio da integração ao
mundo do trabalho. A iniciativa faz parte de um conjunto de ações de
articulação de políticas públicas e de mobilização, encaminhamento
e acompanhamento de pessoas em situação de vulnerabilidade e/
ou risco social para acesso a oportunidades afeitas ao trabalho e
emprego.
Dentre o público atendido pelo programa, encontra-se as
populações urbanas e rurais em situação de vulnerabilidade e risco
social com idade entre 14 e 59 anos, tais como adolescentes e jovens
no sistema socioeducativo e egressos, famílias com presença de
trabalho infantil, Adolescentes vítimas de exploração sexual, Jovens
do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, Jovens
negros em territórios do Plano Juventude Viva, além de viabilizar o
ingresso de pessoas portadoras de deficiência ao mundo do trabalho
por meio de oficinas de emprego e trabalho. Este programa em
parceria com o Pronatec se estendeu até o ano de 2016.
A inserção da juventude nas políticas sociais públicas, portanto,
não pode significar simplesmente inclusão passiva e os projetos
sociais cujo público é jovem deve considerar isso. Nesse sentido, a
participação em programas e ou projetos podem ser uma forma de
incluir os jovens e, assim, possibilidades para o desenvolvimento
da cidadania desses jovens ao dar-lhes a oportunidade de criar

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 65


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
novas formas de socialização, principalmente por meio de cursos
profissionalizantes, capacitando os indivíduos envolvidos ao mercado
de trabalho.
Também é possível perceber uma sobreposição de ações no ano
de 2017, entre as modalidades do município de Altos em parceria com
Sesc, em que foram realizados cursos ofertados prioritariamente ao
público alvo do Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF), o
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) – antigo
PETI e Projovem Adolescente –, sendo que os cursos de capacitação
profissional oferecidos aos jovens nesse período foram: corte de
cabelo masculino e designer de barba, ovos e trufas de chocolates,
contando com uma aluna empreendedora.
Além da manutenção permanente de oficinas com trabalhos
voltados para crianças e adolescentes até os 17 anos de idade em
situação de vulnerabilidade e/ou risco social, buscando afastar
esses jovens da ociosidade, violência doméstica, psicofísica e de
crimes sexuais. São elas: oficinas em operador de informática,
danças variadas, jogos, capoeira, jiu-jitsu, aulas de violão e outros
instrumentos de percussão. Aproximadamente 120 pessoas foram
atendidas nessas turmas, como expresso no quadro 2.

Quadro 2 – Cursos de Capacitação Profissional


Quantidade de
Curso Sexo Carga horária
participantes
Corte de cabelo
01 mulher e
masculino e designer e 30 40hs/s
29 homens
barba
Ovos e trufas de
30 Feminino 20h/s
chocolates
Comidas natalinas 30 Feminino 20h/s
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania / Altos PI /2019.

Os jovens com suas diversas nuances e características traz um


alto potencial de contribuição na sociedade seja na sua economia
ou política, no entanto, como o artigo buscou mostrar há ainda um

66  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


longo caminho a ser percorrido pelas políticas sociais públicas, como
a Política Nacional da Juventude em ouvir e possibilitar a participação
ativa dos jovens.
Vimos que os jovens, em sua grande maioria, vêm de um processo
histórico de exclusão social, política e econômica, muitas vezes ainda
vista apenas como um problema social que deve ser reprimida e não
enquanto sujeitos ativos de direitos. A Política Nacional da Juventude
vem ampliando sua atuação e abrangência, no entanto, é preciso
garantir o protagonismo dos jovens nesse processo e para tanto se
torna necessário preparar os jovens e os profissionais que atuam nas
políticas que envolvem os jovens.
Um levantamento realizado no município de Altos – PI, no ano
de 2018, permitiu identificar dois programas federais vinculados
à Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), distribuídos em três
categorias de atendimentos: universais, atrativos e exclusivos. Sendo
eles: o Juventude Viva e o ID Jovem com ações voltadas a prevenção
da vulnerabilidade negros em situação de violência física e simbólica,
a fim de buscar a inserção dos jovens e possibilitar inclusão social
e autonomia dos jovens inseridos no programa, constituído pelo
segmento ainda não contemplado por políticas sociais específicas.
No entanto, as ações executadas pela Secretaria Municipal Social
e Cidadania da cidade Altos – PI já com uma significativa inserção
na luta pelos direitos dos jovens, para a necessidade de um maior
estudo sobre essa política, tende a subsidiar em ações de fundamental
importância ações multidisciplinar, envolvendo os profissionais
das áreas humanas e sociais, para, de fato, efetivar-se uma política
pública de juventude norteada pela participação transversal dos
jovens como sujeitos de todas as ações, pela intersetorialidade no
desenvolvimento dos projetos e pelo desenvolvimento da autonomia
entre os participantes de seus programas, diante de uma política
pública com o enfoque no jovem como ator social estratégico do
desenvolvimento, e ser transformar em uma política pública de
Estado com garantidas a sua continuidade, independentemente da
vontade do governante que esteja no poder.

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 67


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
Trajetória política e de desenvolvimento democrático para seus
cidadãos e para juventude de modo geral

Compreende-se por desenvolvimento integral da juventude


as diversas dimensões constitutivas que incidem tanto no plano de
realização e história de vida pessoal dos jovens quanto nos seus
cursos de vida. Parte-se da premissa que apreender a juventude
contemporânea implica entender que a vivência da experiência juvenil
tem um sentido em si mesma, não sendo somente uma passagem
para a vida adulta, sendo preciso considerar o sentido da diversidade
e das múltiplas possibilidades de como esta condição é ou pode ser
vivida.
Nesse sentido, pensar em políticas públicas para a juventude a
partir da perspectiva de desenvolvimento integral implica compreender
a multiplicidade das dimensões da vivência e da condição juvenil.
Isto é, significa entender que ainda que apresentem enfoque setorial,
as políticas devem ser analisadas a partir da integralidade dessas
diversas dimensões.
Isso não significa compreender que todas as políticas devam ser
totalizantes, ou seja, devam contemplar todas as dimensões presentes
na vivência juvenil. No entanto, é preciso promover um diálogo no
conjunto das políticas públicas no intuito de estabelecer um marco
institucional que sirva de referência para a composição das ações
políticas. Segundo Abad (2008), “[...] a política pública, conforme
mais utilizado na América Latina, representa a escolha por realizar ou
não de um governo frente a uma situação. Ela também concretiza a
ação do Estado, implicando num investimento de recursos estatais”.
Nas sociedades modernas contemporâneas, o Estado é a
agência dominante de produção, financiamento e regulação das
políticas públicas. O foco deste estudo foi a concepção de Estado
Ampliado (GRAMSCI, (1971), no qual o Estado é o complexo das
atividades práticas e teóricas com o qual a classe dominante não
somente justifica e mantém a dominação como procura conquistar o
consentimento ativo daqueles sobre os quais ele governa (GRAMSCI,
1971, p. 244). É importante salientar que a hegemonia se expressa

68  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


tanto na sociedade civil quanto no Estado, porém existe grande
autonomia dos aparelhos hegemônicos privados frente ao Estado,
principalmente quando uma fração de classe dominante, que não é
hegemônica, detém o poder político e tensiona a classe hegemônica.
A questão juvenil na agenda pública está relacionada, em maior
grau, segundo Bango (2003, p. 15), com a visibilidade desse segmento
no processo de redemocratização ocorrido na América Latina no final
da década de 1980. Nessa abertura democrática, os jovens foram
os principais protagonistas. Essa participação se deu com base em
movimentos estudantis, partidos políticos e movimentos sociais,
nos quais os jovens desempenharam importante papel em prol do
retorno da democracia.
O enfoque da incorporação dos jovens nos processos de
modernização – situada temporalmente na década de 1950 – pode ser
caracterizado como a busca da incorporação dos jovens nos processos
de modernização por meio das políticas educativas. Contudo, com o
passar do tempo, as possibilidades de mobilidade social por meio da
educação foram caindo, oportunizando explicitamente as maiores
ofertas educacionais para os jovens das camadas média e alta.
Nesse contexto, de enfoque das políticas sociais como
forma de compensar os notórios problemas causados pelos
programas de ajuste, puseram-se em prática diversos programas
de combate à pobreza, baseados na transferência de recursos aos
mais empobrecidos. Tais políticas ficaram conhecidas como “de
compensação social”. Segundo Bango (2003, p. 19), embora nenhum
desses programas seja reconhecido como programa juvenil, grande
parte dos beneficiários era formada por jovens. A aplicação desse
enfoque “do jovem como problema” contribuiu enormemente para
o estigma que até hoje ronda o imaginário social.
No âmbito mundial, é a atual geração que experimenta,
justamente por serem jovens, as novas maneiras de estar no mundo,
com as novas tecnologias, o acesso, mesmo que desigual, à internet,
ao celular etc. Assim como outros segmentos, é também, o segmento
juvenil que experimenta as transformações no mundo do trabalho,

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 69


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
transformações proporcionadas pelas mudanças tecnológicas e que
acarretam riscos ambientais que ameaçam a humanidade.
Neste mesmo sentido, Oliveira et al. (2006, p. 42) defende
a necessidade de políticas públicas direcionadas a juventude
argumentando que há a precisão de aplicação e ampliação dos
recursos direcionado para estas políticas, em que para isso estas
devem deixar de serem vistas pelo governo como gastos, para
passarem a serem reconhecidas como investimentos, já que estas
produzem impactos positivos em nossa sociedade.
As políticas públicas para a juventude configuram-se também
como um processo de difícil elaboração, pois, de acordo com Sposito
e Carrano (2003, p. 13), estas políticas podem agir ativamente na
produção de novas representações da população jovem, ou seja,
elas não são apenas um retrato passivo de como a juventude pode
ser concebida, mas podem influenciar na concepção que se tem da
juventude. Rocha (2003) aponta que em nosso país é bastante comum
a não realização de atividades direcionadas a juventude pobre, pois
os governantes não percebem essa necessidade, “principalmente
quando estes são de regiões urbanas periféricas que já sofrem
sistematicamente em seu cotidiano, a falta da ação governamental”
(ROCHA, 2003, p. 13).
De acordo com Kafrouni (2009, p. 18), os itens apontados
acima evidenciam que as políticas públicas direcionadas aos jovens
no Brasil ainda necessitam de uma institucionalidade forte, podendo
contribuir para a legitimidade das ações elaboradas e implantadas
e também para que autores se comuniquem entre si, evitando
a diversidade de orientações e concepções das ações dirigidas à
população jovem. Frente a isso, buscamos então neste estudo
caracterizar as políticas públicas direcionadas aos jovens.
Essa diversidade juvenil desafia os diferentes atores públicos
governamentais e a sociedade civil para além do reconhecimento da
diversidade que, com influências mútuas de cima para baixo e de
baixo para cima, necessitam direcionar tais demandas para os poderes
públicos, para o Estado. E esse direcionamento, necessariamente,
amplia a agenda e os embates, e esses, no espaço público, favorecem

70  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


a generalização da expressão: jovens como sujeitos de direitos. Há,
assim, uma ampliação dos direitos de cidadania.
Em síntese, no que se refere aos novos desafios para a elaboração
das políticas públicas de juventude, atuais, eles residem primeiro
na construção de uma unidade de pensamento sobre a concepção
de juventude, diferenciando condição juvenil de situação juvenil; e
segundo, na orientação dos mandatários e técnicos dos diferentes
organismos governamentais por um mesmo objetivo, para formular
e implantar políticas direcionadas a esse segmento etário.

Políticas públicas relacionadas à juventude dentro do processo de


abertura democrática (discussão sociológica e filosófica)

A categoria política pública está presente na literatura acadêmica


com várias definições, desde as mais simples às mais complexas. Muller
e Surel (2002, p. 71) destacam que existe certa dificuldade para se
definir o que seria política pública. Para os autores, as definições vão
desde as qualificações mínimas: quando conferem ao Estado o papel
de decidir ou não sobre as ações a serem realizadas, como também
apresentam até as definições mais completas: quando a política
pública se apresenta como um programa de ação governamental
para um determinado setor da sociedade.
Azevedo (2001, p. 42) denota que a política pública “[...]
implica em considerar os recursos de poder que operam na sua
definição e que tem nas instituições do Estado, sobretudo na
máquina governamental, o seu principal referente” (p. 5), ou seja, é
o Estado, como possuidor do poder de definir as ações públicas, que
serão implementadas através de sua estrutura governamental que
coloca em prática o que foi elaborado para determinado fim.
Nesse cenário, Novaes (2009, p. 13) ressalta a importância de
se compreender as políticas públicas voltadas para juventude. Para
tanto, o autor aponta sobre o formato que a política pública pode
ser utilizada e, apresenta como referência os direitos e as redes de
proteção social em vigor. Dessa forma, classifica as políticas públicas

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 71


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
para a juventude em três modelos: as universais, as atrativas e as
exclusivas.
As políticas classificadas como universais são aquelas políticas
setoriais que são direcionadas a toda a população, sendo os jovens
também contemplados com as mesmas, tendo como exemplo as
políticas educacionais, de trabalho e emprego, de assistência social
de cultura, de combate à violência, etc.
Desse modo, alguns desafios são apontados por Bango (2003,
p. 41) para a constituição das políticas de juventude, são eles:

Primeiro, ao usar os jovens como tema, deve-se ter em mente


que se está efetuando um recorte analítico, portanto, é
importante pensar a juventude como uma categoria relacional;
esta primeira questão liga-se a uma segunda prevenção, que é
não se olhar a juventude desde um ponto de vista relacional e
terceiro corresse o risco de confundir as políticas de juventude
com a institucionalização da juventude, ficando as políticas de
juventude fora do contexto ou ilhadas em relação às políticas
sociais. (BANGO, 2003, p. 48).

Percebe-se, pois, que a movimentação para a construção de


políticas públicas para a juventude se deu a partir da necessidade do
Estado de responder a diversos fatos que tiveram dimensão nacional
envolvendo jovens em situação de agressão e violência, passando
uma imagem bastante contraproducente dos mesmos.
Esses fatos desencadearam no imaginário social uma visão
negativa dos jovens, pois se passou a associar mais do que nunca
à juventude a questões de violência, comportamentos de riscos e
também a transgressões. Além disso, a própria estratégia presente
nos conteúdos das políticas se utilizou dessas percepções para serem
construídas. Como nos mostra Silva e Andrade (2009, p. 13), os
programas de maneira geral contemplavam como foco principal os
jovens excluídos, ou no termo que ficou comum em denominar como
jovens em situação de risco social.
Ainda segundo Abramo (1997, p. 29), a problematização
social da juventude faz-se acompanhar do “desencadeamento de
uma espécie de ‘pânico moral’ que condensa os medos e angústias

72  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


relativos ao questionamento da ordem social como conjunto coeso
de normas sociais”.
A concepção de juventude como “momento de transição de um
ciclo de vida” está associada ao modo como a Sociologia funcionalista
a categorizou para fins de análise – como o momento da integração
social, quando os jovens se tornam membros da sociedade. Como a
juventude é pensada como um processo de desenvolvimento social
e pessoal de capacidades e ajustes aos papéis adultos, são as falhas
nesse desenvolvimento e os ajustes que se constituem em temas de
preocupação social.
É nesse sentido que a juventude só está presente para o
pensamento e para a ação social como ‘problema’, como objeto de
falha, disfunção ou anomia no processo de integração social; numa
perspectiva mais abrangente, como tema de risco para a própria
continuidade social (ABRAMO, 1997, p. 29).
As políticas públicas adotadas, em busca de integrar socialmente
o jovem, percorrem como que uma única via de mão dupla: incentivam
programas de ressocialização vinculados à educação não formal –
por meio especialmente da organização de oficinas ocupacionais,
da prática de esportes, da arte e de programas de capacitação
profissional, “que muitas vezes não passam de oficinas ocupacionais,
ou seja, não logram promover qualquer tipo de qualificação para o
trabalho” (ABRAMO, 1997, p. 26).
Os muitos recortes favorecidos pela análise da questão-alvo
apontam para a construção de programas ordenados tematicamente
e implementados a partir de determinados critérios de focalização
e seletividade da população. “Nesse esquema, corre-se o risco
de confundir políticas de juventude com a institucionalidade da
juventude, ficando as políticas de juventude fora do contexto ou
ilhadas em relação às políticas sociais” (BANGO, 2003, p. 49).
Este painel das políticas de jovens na América Latina e no Brasil
nos permitiu mostrar que, especialmente em nosso país, há ainda um
longo caminho a percorrer no sentido de transformar em políticas
públicas as políticas de governo para a juventude: políticas públicas
constituídas e implementadas a partir de um espaço público que

JUVENTUDE E CIDADANIA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 73


MUNICIPAIS DIRIGIDAS AOS JOVENS NA CIDADE DE ALTOS – PI
contemple o Estado e a sociedade civil, abandonando a lógica das
políticas estatais.
Para tanto, torna-se necessário romper com a setorização
das políticas de juventude, romper com a visão estigmatizada ou
utilitarista da condição juvenil, estimular uma melhor relação entre a
sociedade civil e os jovens, promovendo a participação dos jovens na
construção de sua cidadania.
Segundo Sposito (2003), superar a fragmentação das políticas
juvenis não é o único desafio, dois aspectos que vêm orientando as
políticas devem ser superados. O primeiro aspecto é a total ausência
de participação dos jovens na formulação, implementação e
avaliação das políticas e segundo aspecto incide sobre a capacidade
do governo federal de fomentar uma concepção abrangente dos
jovens como sujeitos de direitos.
Ainda segundo a autora, se assumirmos que a condição juvenil
recorre a uma pluralidade de situações e de sujeitos, reconheceremos
que as políticas de juventude percorrerão caminhos diversificados.
Essas políticas, então, poderão ser de inclusão, de ações afirmativas
ou de integração da vida adulta, entretanto o que as “[...] unifica deve
ser a sua inserção no campo de luta pelos direitos e de construção da
democracia” (SPOSITO, 2003, p. 73).
Embora seja possível considerar que as orientações e imagens
socialmente construídas sobre a juventude refletem relações de poder
e tendem a negar a diversidade de situações, segundo Sposito (2003)
trata-se de um campo de disputa, não só em torno das modalidades
de ações, mas, em torno dos significados atribuídos à condição
juvenil.

Considerações finais

Ao resgatarmos, mesmo que de forma breve, as questões


históricas acerca da política pública para a juventude no Brasil,
percebemos que as ações do Estado em relação às crianças e jovens
dar-se-á no início do século XIX, período em que a infância e a

74  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


juventude passaram a ser observadas como um problema social,
requerendo ações por parte do Estado.
Desta forma, quando a juventude entra em cena no mundo
contemporâneo, a mesma é vista, especialmente a partir de duas
formas de abordagem, como um “problema” social, apresentando
um comportamento de risco que deve ser controlado e reprimido,
ou então, como uma fase transitória para a vida adulta, que deve
preparar o jovem para ser um adulto “ajustado” e produtivo na
sociedade.
Sendo assim, fica claro que o tipo de política do município de
Altos – PI reflete não apenas a concepção de juventude que se tem,
mas a forma com que se faz política, isto é, a relação do estado com a
sociedade civil na definição, implementação e controle social dessas
políticas. Ainda que consideremos o caráter preliminar da análise aqui
desenvolvida, uma vez que a mesma deverá ser acrescida com estudo
de caso qualitativo, a realidade investigada aponta para a necessidade
de se ampliar o canal de participação entre o estado e a sociedade
civil a partir de conceituações renovadas sobre a juventude, na qual
os jovens não sejam apenas “problemas” demandantes de solução,
“vítimas” a espera de assistência ou “agentes” de mobilização de
projetos heterônomos, mas sujeitos ativos e conscientes de direitos.
Finalizamos este artigo com a indagação de como as políticas
públicas de juventude necessitam ser articuladas com as demais
políticas sociais. A transversalidade do tema juventude é essencial
para que os programas, projetos e ações governamentais possam de
fato atender às especificidades das demandas do segmento juvenil,
ou seja, isso possibilitará que as políticas juvenis de fato funcionem
contribuindo assim para a transformação da realidade social dos
jovens.

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78  José Edson Dias das Neves • Maria Gessi-Leila Medeiros


O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO
DE NECESSIDADE EM FAVOR DA VÍTIMA DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Stéfane Maria Távora Barbosa


Eduardo Faustino Lima Sá

Introdução

D
esde os primórdios na tentativa de instituir a diferença
de participação na sociedade entre homens e mulheres
e, ao longo da história, foram realizadas evoluções
significativas ao mundo feminino, mas ainda existem sequelas
oriundas do patriarcado que trata as mulheres de forma submissa
e com papel secundário na sociedade. E, analisando o contexto
histórico é possível verificar o fundamento da função feminina na
sociedade.
Nesse contexto, no Brasil vigora a Lei Maria da Penha nº 11.
340/2006, que tem o intuito de proteger à mulher que se encontre em
estado de vulnerabilidade, criando mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar, a lei expõe em sua redação inúmeras medidas
protetivas a fim de resguardar a vítima da agressão, no entanto, essas
medidas mesmo apresentando medidas potencialmente eficazes

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 79


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
não atinge o resultado pretendido, por ainda existir um número
alarmante de mulheres sendo mortas e agredidas, pela condição de
ser mulher, a relação histórica da submissão feminina, o preconceito
e o machismo entranhado na sociedade refletem em altos índices de
violência e feminicídio (BRASIL, 2006).
O estudo parte do seguinte problema: qual forma se pode
utilizar para que a mulher se defenda de agressões cometidas no
âmbito familiar, amparada pela licitude jurídica do ato? Tem-se
como hipótese que o Estado mesmo com a tutela de resguardar a
vida e garantir a segurança de mulheres que sofrem agressões, não
tem como fazer isso integralmente e, devido ao grande número de
casos que acontecem recorrentemente, é preciso buscar maneiras
mais efetivas que possam de fato garantir e resguardar a vida através
do ato de reagir e defender-se.
O objetivo geral desse trabalho é analisar como as excludentes
de ilicitude da legítima defesa e do estado de necessidade podem
ser utilizado por mulheres que sofrem agressões no âmbito familiar
e doméstico. Para analisar de forma satisfatória o objetivo central
foram traçados os seguintes objetivos específicos: explorar o
contexto histórico da mulher para entender a violência fixada no
âmbito familiar, investigar o uso da legítima defesa e do estado de
necessidade, estudar as excludentes de ilicitude como uma opção
para resguardar a vida e integridade física das vitimas desse crime.
A pesquisa justifica-se pelo interesse da pesquisadora em
estudar e aprofundar-se sobre a temática, buscando, através do
presente trabalho, entender os absurdos casos de violência que
ainda existem contra mulheres, principalmente, no âmbito familiar e
buscar por uma solução que seja eficiente para proteger e amenizar a
violência doméstica contra mulheres.
Quanto à natureza do estudo, usou-se a pesquisa básica, por ter
como objetivo a compreensão da relação entre legítima defesa e do
estado de necessidade com casos de violência doméstica e familiar.
Quanto à forma de abordagem foi utilizada a pesquisa qualitativa,
no tocante ao objetivo optou-se pela pesquisa exploratória, no
procedimento adotou-se pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo.

80  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


Violência doméstica contra a mulher no brasil

A violência doméstica contra a mulher consiste em várias


formas de abusos físicos ou psicológicos de um membro do núcleo
familiar em relação a outro, sejam estes parentes ou não da vítima,
nesse caso a mulher, com objetivo de manter poder ou controle ou
em função da condição de gênero.
A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, tem como intuito
proteger mulheres de agressões físicas, psíquicas, patrimoniais,
moral e sexual, constituindo uma importante função de proteção e,
o reconhecimento da vulnerabilidade sofrida por parte da população
feminina, expondo todas as formas de agressões que as vítimas
podem sofrer e não apenas as físicas, visando promover políticas
públicas para coibir os papéis estereotipados, e a realização de
companhas educacionais para prevenção da violência doméstica e
familiar (BRASIL, 2006).
Apesar de todas as políticas e campanhas contra a violência
doméstica e familiar os números de dados de pesquisas ainda são
alarmantes e é notável que a violência ainda seja um problema de
grande impacto social. Segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos
Espaços Público e Privado (FPA/SESC, 2010): “No Brasil, estima-se
que cinco mulheres são espancadas a cada 2 minutos; o parceiro
(marido, namorado ou ex - companheiro) é o responsável por
mais de 80% dos casos reportados”. Ainda assim, sua magnitude
não é devidamente notada, devendo-se ao histórico cultural de
desigualdade, alimentado por séculos, convencionando um pacto
social de silêncio para esse crime.
A concepção social consolidada, de posse do homem em relação
à companheira é tão evidente que certos comportamentos violentos
são tidos como aceitáveis e até mesmo justificáveis socialmente e se
utilizam da discricionariedade de gênero, tal como o papel do homem
e da mulher. É necessário que haja uma desnaturalização desses
comportamentos, não apenas das vítimas do crime, mas também de
toda comunidade que observa essa realidade.

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 81


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Portanto, é possível analisar que a maior parte das mulheres
agredidas teve como opressor, pessoa do sexo oposto e do convívio
amoroso, portanto, o agressor tem fácil acesso às vitimas tornando
mais fácil à reincidência da agressão e ameaças, mesmo com medidas
protetivas que o Estado possa oferecer-lhes a insegurança e constante
estado de medo também constitui uma forma de agressão.
Violência não se resume apenas em física, existem muitas
variáveis, na Lei Maria da Penha são relacionadas à violência
física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial
e violência moral. Dentre todas as violências que as mulheres
podem vir a sofrer a mais difícil de identificar é a psicológica, por
ser subjetiva, mas isso não a torna mais branda, pelo contrário tem
consequências devastadoras para as vítimas. Segundo a pesquisa, a
violência psicológica tem aumentado e a violência física continua em
alta. Fonte: Senado, 2015 o tipos de violência mais sofrida ainda e
a física com 66%, mas a violência psicológica teve grande aumento
chegando a 48%.
Os primeiros traços de violência são detectados na violência
psicológica, que muitas vezes apresentam-se sutilmente nas relações
e tendem a ter um crescimento ao longo do convívio amoroso, e
a maioria dos opressores busca justificar a violência psicológica
colocando a culpa em algum comportamento exercido pela
companheira, e tal violência tende a aumentar e não se torna apenas
psicológica, mas também física, que conforme o gráfico também
continua em alta, e muitas vezes evoluindo para o feminicídio.
É notável que mesmo com as políticas de proteção, divulgação
e alertas sobre a violência no ambiente doméstico ainda exista a
resistência à denúncia, pois não só o fator físico deve ser levado em
conta como também o psicológico, financeiro, moral e sem duvida
o medo e as ameaças a sua vida e muitas vezes de seus familiares,
por isso muitas mulheres acabam por procurar opções diversas
a denuncia, como procurar ajuda de familiares ou amigos, até
mesmo a procura por ajuda em delegacia comum, que nem sempre
tem o procedimento adequado para atender a vitimas desse tipo
de violência, muitas mulheres ainda continuam sem fazer nada em

82  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


relação às agressões que sofrem e em sua maioria vindo a sofrer novas
violências ou como em muitos casos o trágico desfecho de suas vidas.

Da Legítima Defesa e do Estado de Necessidade

Em todos os modelos de sociedades, ao longo do tempo,


pôde-se observar a manifestação dos sistemas jurídicos, sobretudo,
da evolução do instituto das excludentes de ilicitude, especialmente
da legítima defesa e do estado de necessidade em conjunto com a
evolução do direito em si.
Logo, a construção histórica adotada até os dias atuais sofreu
várias modificações quanto à interpretação da finalidade do instituto
da legítima defesa e, consequentemente, da aplicabilidade deste,
mas a noção jurídica da legítima defesa como se tem nos dias atuais,
somente surgiu quando o Estado reclamou para si o castigo do autor
em face da prática de uma ofensa pública ou privada.
Aplica-se o Código Penal Brasileiro a exclusão da ilicitude
do agente que em legítima defesa, repelir agressão injusta atual
ou iminente de direto seu ou de outrem. Para Nucci (2014, p.236)
legítima defesa: “É a defesa necessária empreendida contra agressão
injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiro,
usando, para tanto, moderadamente, os meios necessários”.
Ainda expõe Zaffaroni (2013, p.502):

Na realidade, o fundamento da legítima defesa é único, porque se


baseia no princípio de que ninguém pode ser obrigado a suportar
o injusto. Trata-se de uma situação conflitiva, na qual o sujeito
pode agir legitimamente, porque o direito não tem outra forma de
garantir o exercício de seus direitos, ou, melhor dito, a proteção
de seus bens jurídicos.

Logo, o injusto não é conduta aceitável no ordenamento


jurídico, onde este expede uma legitimidade para o indivíduo lesado
poder repelir a agressão ou possível agressão iminente, quando não
houver outro meio jurídico possível para o indivíduo proteger o bem
jurídico.

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 83


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
O artigo 24 do Código Penal Brasileiro normatiza o instituto do
Estado de Necessidade, uma vez que, o indivíduo que pratica o fato
para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem
podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício
nas circunstâncias, não era razoável exigir-se (BRASIL, 2018)
Para Zaffaroni, o estado de necessidade exime de
responsabilidade o autor do fato, quando preenchidos todos os
requisitos do artigo 24 do Código Penal Brasileiro, porque atua
como causa de justificação, ou como causa de inculpabilidade.
Assim explica o autor:

Este mesmo equilíbrio de males da necessidade justificante


permite resolver, de modo racional, também a situação dos
náufragos: como ambos estão atuando inculpavelmente, o
terceiro que intervém não pode ajudar juridicamente a nenhum
dos dois, posto alheio à necessidade que, por ser unicamente
exculpante conduz à reprovação, e, por conseguinte, não pode ser
estendida ao mal que se quer evitar, que pode provir tanto de uma
força da natureza, como de uma ação humana: age em estado
de necessidade justificante aquele que arranca a madeira de uma
cerca para repelir a agressão de que é vítima, ou quem comete
um delito contra a propriedade coagido por outro, que ameaça
matar a sua mulher, ou o que viola um domicílio para escapar
de um sequestro, ou aquele que mata o puma que lhe ataca
quem empurra o epilético que cai sobre si, aquele que esmurra
o hipnotizado que tem ordem de lesioná-lo, ou quem viola um
domicílio para refugiar-se de um ciclone etc. (2013, p.514)

Assim, esse instituto permite ao indivíduo que se encontra em


uma situação de necessidade, em que o conflito fático lhe impõe
uma escolha, a violação de um tipo penal ou a sua exclusão de
culpabilidade. Diferentemente da legítima defesa, que requer um
modelo corretivo para os extremos, ou seja, na iminência do ato.
A existência de um perigo atual, para um bem jurídico de maior
importância está ligado à situação de não haver outro meio de poder
evitá-lo, dessa forma, a atualidade indica a presença do perigo e
a carência de meios não só atuais, mas também, antes do perigo,
converter-se em dano. Logo, o indivíduo que em uma situação de

84  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


perigo, para salvaguardar sua vida, comete um tipo penal previsto
na lei, age em Estado de Necessidade, porque haveria poucas
probabilidades de que um meio menos lesivo chegasse a tempo,
ainda quando, ao contrário, o dano pudesse vir a materializar-se.
Sobretudo, observa-se nesse contexto, a aplicação de uma
norma penal não incriminadora, permissiva, justificante. Logo, no
artigo 23 do Código Penal Brasileiro, o legislador dispõe das ocasiões
em que a norma penal será permissiva, não se exigindo conduta
antijurídica do agente, quando este agir dentro dessa permissividade.
Observe-se que o Código é claro em dizer que não há crime. Inexiste
a antijuricidade, assim inexiste o crime (BRASIL, 2018).
Para o instituto da legítima defesa, bem como para o Estado
de Necessidade não há crime, pois há uma permissão legal para o
indivíduo repulsar agressão ilegítima, atual ou iminente, por parte
do agredido ou em favor de terceira pessoa, contra o agressor.
É imprescindível a análise da norma penal permissiva, sempre
observando que esta permissão para repelir a agressão, ilegítima e
não provocada, não implica que o direito incentive, fomente e muito
menos que nos ordene semelhante conduta. Nestas hipóteses de
conflitos, a ordem jurídica limita-se a permitir a conduta. Logo, não
se presume que um homem que pode fugir, prefira matar.

Relação entre legítima defesa, estado de necessidade e a violência


doméstica contra mulher

Como demonstrado anteriormente, a violência doméstica


contra a mulher é uma realidade no Brasil. Diante disso, o legislador
concedeu a permissão de o indivíduo agir em legítima defesa, quando
estiver mediante a uma agressão injusta, ou em Estado de Necessidade
para salvar de perigo atual o direito de si. Sobretudo, em diversos
casos, a mulher é vítima de violência doméstica, sofrendo diariamente
agressões injustas por parte de seu parceiro que, geralmente,
constituem-se como agressão física, social e mentalmente dominante
na relação.

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 85


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Assim, a doutrina reconhece o tipo permissivo, como expõe
Zaffaroni (2013, p.499):

Cabe aclarar que a afirmação de que o tipo permissivo (ou


causa de justificação) tem um aspecto subjetivo, de modo algum
implica que a este pertença o conhecimento de que está agindo
conforme o direito, porque tal conhecimento é absolutamente
desnecessário para que ocorra a justificação ou tipicidade
permissiva. Assim, por exemplo, para que um sujeito possa agir em
legítima defesa, basta que reconheça a agressão de que é objeto e
o perigo que corre, agindo com a finalidade de defender-se. Estes
elementos faltam quando o sujeito dispara contra alguém que,
precisamente neste momento, para ele apontava uma arma que
tinha escondida sob um jornal, e de cuja existência e manobra não
se havia apercebido. Mas deve ficar bem claro que aquele que se
defende, para fazê-lo legitimamente, não tem por que saber que
está agindo conforme o direito. Por mais que acredite ter agido
contra direito e que fuja e se mantenha foragido, supondo que
atuou antijuridicamente, isto não assume qualquer relevância.

Diante do exposto, para a análise dos institutos de excludente de


ilicitude, a mulher que corre perigo iminente, em que o companheiro
violento a qualquer momento pode atentar contra sua vida ou
integridade, reconhecendo a agressão de que é objeto e o perigo que
a mesma corre e agindo com a finalidade de defender-se, não incorre
em ilícito penal se vier atentar contra o eventual agressor, o parceiro
no caso, em sua defesa.
O autor explana os requisitos para a existência do tipo
penal permissivo, já que o perigo e a necessidade de defesa são os
pontos principais, mesmo que o perigo seja apenas conhecido e
não concretizado. Visto que, não pode a mulher em situação de
vulnerabilidade esperar que o companheiro venha a tentar contra a
sua vida para que esta possa agir, quando já se tem presente no caso
concreto um histórico de agressões e ameaças iminentes.
A base da conduta da mulher que age em legítima defesa, o
ambiente de agressão doméstica, vem do tipo penal permissivo e tem
seus direitos garantidos no princípio da reserva legal, uma vez que a
tipicidade legal exige da norma que ela seja clara e crie uma situação

86  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


hipotética do comportamento proibido, evitando que alguém atribua
uma punição. Porém, o próprio Código Penal Brasileiro permite a
conduta quando praticada em legítima defesa.
Destarte, buscou-se distinguir a compreensão conceitual de
legítima defesa, quando a mulher passa a viver em constante ameaça
no ambiente doméstico, assim como demonstra Zaffaroni (2014,
p.506):

Não é necessário que a agressão antijurídica tenha sido iniciada.


A lei diz que a agressão pode ser atual ou iminente. É atual,
quando já foi iniciada, e é iminente, quando ainda não começou,
mas está prestes a ocorrer. O requisito da iminência é coerente
se por tal se entende que o agressor pode levá-la a cabo quando
quiser, porque é inequívoca sua vontade de fazê-lo e já dispõe dos
meios para isto, mas não deve ser entendida no mero sentido de
imediatismo temporal.

Entende-se que, independente da agressão concretizada, o fato


da iminência é suficiente para justificar a legítima defesa, pois não é
quis o legislador beneficiar o agressor ao permitir que possa agredir a
vítima, para só depois da agressão essa possa se defender.
O tipo penal permissivo prevê que a iminente agressão pode
ser expelida, pois o agressor, nos casos de violência doméstica, pode
levar a cabo quando quiser a agressão, estando este em relação de
dominação em relação à vítima. De fato que, esta ao se defender em
relação a esta agressão, não incorre em um ilícito penal.
Observa-se quanto ao estado de necessidade:

Nesta hipótese legal, aquele que sofre o mal menor não cometeu
qualquer ato contrário ao direito, e, não obstante, deve suportar
o mal, porque quem o infere encontra-se em uma situação de
necessidade, em que o conflito fático lhe impõe uma escolha.
Daí que aqui, diversamente do que ocorre com a legítima defesa,
em que só tem valor corretivo para os extremos em que excede a
moderação, a ponderação dos males (o que se evita e o que se
causa) tem importância capital. (ZAFFARONI, 2014, p.514).

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 87


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Nesse ínterim, o autor afirma que a pessoa sofredora do mal
injusto tem a opção de repulsá-lo. É a norma penal permissiva, onde,
no estado de necessidade, o perigo precisa ser atual, não extremo
como na legítima defesa. Com efeito, a mulher que sofre ameaças
de seu conjugue e esse jura ceifar contra sua vida diariamente e, esta
por sua vez, agindo em estado de necessidade, contra as agressões
daquele, atenta contra a vida de seu agressor, incorre no tipo penal
permissivo, não lhe sendo imputado um fato antijurídico.
Sobre o perigo atual, tem-se:

O requisito da existência de um perigo atual para um bem jurídico


de maior importância deve vincular-se com a inexistência de outro
meio de evitá-lo. A “atualidade” do perigo indica que não existe,
de momento, outro meio de evitá-lo, mas tampouco que exista
um lapso temporal por vir, que criasse a possibilidade do meio,
por enquanto inexistente, surgir ou apresentar-se disponível. [...]
Destarte, é atual o perigo de morte de quem fica encerrado pelo
efeito de um terremoto e derruba os muros para sair, porque
haveria poucas probabilidades de que um meio menos lesivo
chegasse a tempo, ainda quando, ao contrário, a morte pudesse
vir a materializar-se vários dias após. (ZAFFARONI, 2014, p.515).

Não é requisito, no estado de necessidade, que a mulher


vítima de violência doméstica constantemente, aguarde o mal maior
acontecer, para que possa começar a repelir o injusto. A real existência
de perigo (um parceiro violento é um perigo constante e iminente) é
justificante para que se iniciem atos necessários a cessar o ilícito.
Em tese, se tem o perigo atual, a proteção do bem jurídico maior,
ou seja, a vida, a inexistência de outro meio de evitá-lo. Observe que
o injusto não é causado pela mulher (na situação em comento) e a
ação se dá previamente à materialização do dano. Portanto, antes
que o eventual agressor que ameaça diariamente a mulher culmine
em cometer homicídio contra esta, é permissiva a ação desta contra
aquele.
Por conseguinte, o tipo permissivo do estado de necessidade
justificante reclama o reconhecimento da situação de necessidade
e a finalidade de evitar o mal maior, como aspectos subjetivos do

88  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


mesmo. Contudo, o elemento subjetivo do tipo é a defesa pessoal da
mulher, em proteção à sua vida.

Aspectos metodológicos: análise e discussão dos dados

Este estudo desenvolveu-se por meio de pesquisa básica com


método dialético, para o desenvolvimento da investigação utilizou-
se a abordagem qualitativa, quanto aos objetivos, optou-se pela
pesquisa exploratória, quanto aos procedimentos adotou-se pesquisa
bibliográfica e pesquisa de campo.
Foi utilizado como instrumento para a obtenção de dados
um questionário, que permitiu coletar a opinião escrita dos sujeitos
investigados, que foram um advogado atuante na área do Direito
Penal de Teresina-PI e um psicólogo de Teresina-PI, sobre o assunto
em questão, contendo perguntas abertas. O campo de pesquisa foi o
município de Teresina-PI.
Quando perguntados sobre como mulheres que sofrem
agressões no âmbito familiar e doméstico podem fazer uso da
legítima defesa e estado de necessidade para resguardar sua vida e
integridade física, amparadas pela licitude do ato, foram obtidas a
seguinte resposta do advogado:

A situação de violência doméstica é mais comum do que imagina-


se nos dias atuais. O uso de meios para repelir a agressão injusta
é totalmente amparada pelo código penal Brasileiro. O Código
Penal também possui condutas permissivas, dentre elas estão à
legítima defesa e o exercício regular do direito. É sabido que a
violência doméstica é uma agressão injusta, assim, sua repulsa
é admissível, observado os requisitos legais. Sobretudo, esses
requisitos legais são moldáveis a situação, pois não pode o
Código Penal exigir um ato racional de uma mulher em situação
de perigo, ou seja, não precisa ela ser agredida de fato para só
então estar coberta pela permissividade da norma penal. Assim,
a mulher que vive em constante situação de violência doméstica, e
corre perigo iminente de sua vida, a qualquer momento de perigo
pode agir em legítima defesa.

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 89


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Com base na resposta é importante verificar a ênfase do
advogado em relatar a racionalidade do ato da mulher vítima da
constante violência, correndo perigo iminente a todo e qualquer
momento e, tais condutas constarem permissivamente no Código
Penal Brasileiro, em seu artigo 25, que relata entender legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Dando seguimento à coleta de dados com advogado, pertinentes
a mesma temática, mas agora não apenas apresentando-se como
forma de repelir as agressões como de reduzi-las, portanto, lhe foi
perguntado se a legítima defesa e estado de necessidade poderiam
ser uma forma de redução aos casos de violência doméstica.
Obtendo-se a seguinte resposta:

A legítima defesa em si não resolve o problema da violência


doméstica contra a mulher. Porém, é sabido que em modelos que
o uso da força imediata à injusta agressão, pode reprimir a figura
do agressor, pois apesar de ser uma conduta autorizada pelo
código, à força em legítima defesa não é utilizada pela agredida
habitualmente. Não há comprovação prática que uma pena, seja
ela exercida pela tutela do estado, ou por autotutela, controle o
indivíduo, ou o índice de crimes de indivíduos em uma sociedade,
porém, há de se observar que o indivíduo que sabe que existe uma
permissividade em caso de defesa de sua companheira em uma
situação de agressão contra esta, pode existir um receio em dar
prosseguimento ao ato. Porém, são situações que se submetem à
análise do caso concreto.

Diante das informações obtidas, observa-se a necessidade do


advogado em afirmar que a pena não controla o indivíduo, nem o
impede de cometer o ato pretendido, em conformidade com essa
ideia, Queiroz (2001, p.62) relata que:

A norma penal, embora pretenda dissuadir comportamentos


delituosos (função de prevenção geral ou especial), não se presta,
em verdade, a esse fim, pois ninguém se abstém de praticar
crimes em atenção à possibilidade de sofrer a incidência do

90  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


aparato repressivo, vale dizer, a norma penal não intervém no
processo motivacional de formação da vontade de delinquir, já
que, quando alguém se abstém de praticar crime, assim o faz por
motivo de outra ordem (moral, religioso, cultural etc.).

O crime de violência contra a mulher encontra-se na ordem


cultural na sociedade, derivada do patriarcado e a posição de
submissão da mulher para com os homens, em que a vítima sempre
tem medo de seu agressor, mas a partir do momento que a vítima de
agressões passa a reagir, em um panorama prático é possível que a
visão do agressor seja evitar cometer o crime por medo de represália
física, sendo assim, um fator favorável à redução dos casos de
violência doméstica e familiar.
Nesse contexto, apresentou-se mais uma pergunta feita
ao advogado, referente ao mesmo tema, com mudanças no
questionamento. Em relação às mulheres, acredita-se que uma grande
proporção deixa de denunciar por medo de sofrer novas agressões ou
por não achar que as medidas protetivas serão suficientes para coibir
seu agressor? A resposta foi:

Sim. É sabido que o sistema penal não consegue se efetivar em


todos os seus aspectos, sobretudo nas penas e na ressocialização
do indivíduo, que é um propósito doutrinário. Se este indivíduo
não cumpre as medidas preventivas e não há uma fiscalização
e acompanhamento eficaz nessa conduta, a falta de coerção
pode fazer com que este não se intimide ou apenas não tenha
uma percepção de importância de uma decisão judicial. A mulher
oprimida tende a ter medo do opressor. Isso faz com que haja o
medo de uma possível denúncia. Ademais, a possibilidade de haver
uma nova agressão mesmo com uma medida protetiva instaurada
pela autoridade é grande. O processo em si não traz garantias,
pois não há um acompanhamento eficaz, apesar dos avanços da
lei Maria da Penha, não se avançou nos mecanismos da função da
pena na sociedade. Logo, um indivíduo possivelmente preso pela
Lei Maria da Penha, não terá um acompanhamento necessário,
como em qualquer outro crime, que vise ressocialização. É como
em qualquer outro crime, provável a reincidência do ato.

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 91


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Acontece na violência doméstica e familiar contra a mulher,
violência essa derivada de quesitos sociais e culturais, instituídos
durante os séculos e acabam sendo imutáveis apenas com a pena
mais rigorosa imposta aos agressores, fazendo-se necessário a busca
de outros meios para proteção das vítimas desses casos.
O questionário realizado com a psicóloga segue a mesma
temática. Ao analisar o ato de violência doméstica e familiar contra
a mulher, é necessário compreender os efeitos psicológicos e físicos
que tal ato pode acometer as vítimas, assim, observou-se a análise
das sequelas mais frequentes nas vítimas de violência doméstica.
Segundo a psicóloga:

A violência contra a mulher começa com o castramento amoroso,


como nos ataques machistas para com a companheira, cessar a
liberdade, como batons, decotes, roupas curtas, e a mulher, por
vezes, não chega nem a se dar conta dos abusos que esta a sofrer
na relação e como isso afeta seu comportamento, encarando
o abuso como cuidado, amor, carinho. E o homem começa a
limitar a sensualidade feminina, pois, por vezes, ele enxerga essa
liberdade como um poder, significando, assim, uma ameaça ao
seu próprio poder e sua masculinidade, então como exercício
do controle é iniciada a repressão, que pode tomar inúmeros
aspectos, como corpo, e psicológico, instalando-se de forma
muito sutil, que, por vezes, só e notada quando chega de fato
à agressão física, então assim a violência vai instalando-se em
pequenas parcelas, e a vítima não é capaz de visualizar.
A principal função da mente nesses
casos é banir as agressões do consciente para
o inconsciente, usando os mecanismos de
defesa, um deles é o recalque que tem como
função armazenar informações que causam
sofrimento, levando-os a uma parte entre o
consciente e o inconsciente sendo mais difícil
acessá-las, então o principal mecanismo de
defesa da mente é da negação, silenciando
e não colocando em palavras o ocorrido,
por isso apresenta-se uma dificuldade das
vítimas relatarem as agressões que sofrem.

92  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


Depois de todos os eventos de agressões que
essas mulheres vivenciam, elas apresentam
várias repercussões negativas na vida e,
consequentemente, diversas sintomas como,
insônia, náuseas, pesadelos, sobressaltos,
sustos, dissociação, às vezes até sintomas de
anestesia corporal ou emocional, como se a
pessoa não estivesse sentindo parte do corpo.
Um distúrbio muito comum em mulheres
na situação de violência apresenta é o stress
pós-traumático, ele surge após situações
traumáticas, são causadas por lembranças
dos eventos de agressões, a aparência muitas
vezes também sofre mudanças, aparentando-
se assustada, desconfiada, em vigilância
constante, com ansiedade, abusos de
medicamentos, hipertensão, uso de álcool,
problemas sexuais, bloqueios sexuais, sociais,
amorosos, dores no corpo apresentando-se
como problema somático e não de fato físico
[...] pode levar a um quadro de isolamento e
até mesmo ao suicídio.

Dado o exposto, desde a repressão que a mulher sofre na


sociedade e, em especial, na relação amorosa, no próprio lar, onde
esta pode aparecer camuflada como um cuidado, até chegar aos
atos de agressões físicas, inúmeros são os abusos, e as consequências
são gravíssimas, pois é um somatório de tudo e a vítima carrega as
sequelas para o restante da vida.
Quando perguntada se a mulher que frequentemente sofre
agressões psicológicas e físicas pelo companheiro, pode desenvolver
mecanismos de defesa, e assim, contra-atacar seu agressor, devido
seu estado mental, obteve-se a seguinte resposta:

Sim, ela pode vir a reagir contra seu agressor, mas é difícil fazer

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 93


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
essa visualização, pois não é uma atitude frequente, levando em
conta que o oprimido tem medo de seu opressor e dificilmente
se rebela, mas existem casos na literatura que narram que
mulheres que sofrem constantes ameaças psicológicas, de tanto
internalizar acabam contra-atacando o companheiro com sua
própria ameaça, mas até mesmo por instintos de sobrevivência
do corpo é possível o contra-ataque ao agressor.

Visualiza-se a relação opressor/oprimido de forma prática,


onde na vida real, os casos de violência doméstica contra a mulher
se dão a partir de uma dominação física e psicológica da figura do
homem sob a condição do sexo feminino, contrapondo os ideais do
senso comum, que verticalizam a solução do problema com a simples
saída da oprimida, do lar.
Sobretudo, conforme a presente pesquisa verificou-se que em
regra, a própria relação de subordinação impede psicologicamente a
reação da oprimida em relação ao opressor, ou seja, não é comum
na prática, que ocorra. Porquanto, a própria confirmação legal
da possibilidade jurídica do uso da legítima defesa e do estado de
necessidade como institutos que possam garantir o bem maior, que é
o direito à vida da mulher, se faz um mecanismo jurídico satisfatório,
ou mais próximo da realidade das mulheres em situação de violência
doméstica.

Considerações finais

Esse estudo analisou a utilização da legítima defesa e do estado


de necessidade em favor de vítimas de violência doméstica e familiar
a partir de considerações delineadas por meio de ideias, análise
doutrinaria com a finalidade de responder a temática posta em
problema: qual forma se pode utilizar para que a mulher se defenda
de agressões cometidas no âmbito familiar, amparada pela licitude
jurídica do ato?
Constatou-se, no estudo, a permissividade do ato de defesa
através das excludentes de ilicitude, da legítima defesa e do estado de
necessidade, a mulher que vem recorrentemente sofrendo ameaças

94  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


usar de tais institutos para reagir e assim resguardar seu bem maior,
a vida.
O referido trabalho partiu das seguintes hipóteses: que
o Estado mesmo com a tutela de resguardar a vida e garantir
a segurança de mulheres que sofrem agressões, não tem como
fazer isso integralmente e, devido ao grande número de casos que
acontecem, recorrentemente, é preciso buscar maneiras mais efetivas
para que possam, de fato, garantir e resguardar a vida através do
ato de defender-se e reagir das injustas agressões e ameaças à vida.
A hipótese foi confirmada, mediante a pesquisa bibliográfica e de
dados, que constatou a que os institutos da legitima defesa e do
estado de necessidade, podem ser usados em favor da vitima, como
forma de reagir às agressões que sofre, portanto, saindo do polo
passivo e encontrando-se como a autora da ação usando seu poder
reativo.
Com base nos objetivos propostos, é possível analisar como
as excludentes de ilicitude da legítima defesa e do estado de
necessidade podem ser utilizado por mulheres que sofrem agressões
no âmbito familiar e doméstico, partindo dessa análise para explorar
o contexto histórico da mulher para entender a violência fixada no
âmbito familiar, investigar o uso da legítima defesa e do estado de
necessidade, estudar a inclusão desses institutos como opção para
resguardar a vida e integridade física das vítimas desse crime.
O objetivo foi alcançado através dos dados coletados, que
permitiu analisar como de fato poderiam ser utilizadas as excludentes
de ilicitude para o resguardo das vítimas do crime em questão e, se de
fato, podem ser uma solução até mesmo de controle social e, porque
mesmo com leis que amparem as vítimas ainda existem inúmeros
casos sem denúncia, constataram-se, também, os efeitos psicológicos
sofridos pelas vítimas de agressão doméstica e familiar e o medo a
que são submetidas devido ao estado de opressão constante e quais
os mecanismos de defesa podem ser utilizados para repelir e reagir às
agressões.
Dessa forma, a pesquisadora constatou que de fato, os institutos
da legítima defesa e do estado de necessidade podem ser usados

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 95


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
de forma benéfica tanto para o resguardo à vida das vítimas, que
passaria a ter uma conduta reativa as agressões, e assim tornando-
se também eficiente para o controle social dos altos números de
violências cometidas no ambiente familiar e doméstico, portanto, a
vítima, não necessariamente, precisa se utilizar de tais meios, mas
sendo amparada pela permissividade do ato, caso seja preciso, e por
tanto se sinta mais protegida e amparada pelo Estado.

Referências

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domestica-e-familiar-contra-as-mulheres/2014. Acesso em: 13 out.
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NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Direito Penal. ed. 10 Ed.


Forense Ltda., Rio de Janeiro. 2014.

96  Stéfane Maria Távora Barbosa • Eduardo Faustino Lima Sá


QUEIROZ, P. Direito Penal. Introdução a critica. São Paulo: Saraiva
2001.

ZAFFARONI, Eugenio Raull. PIERANGELI, José Henrique. Manual de


Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013.

ZAFFARONI, Eugenio Raull. PIERANGELI, José Henrique. Manual de


Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

O USO DA LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE EM FAVOR DA 97


VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
O DEPOIMENTO DO POLICIAL
USADO COMO MEIO DE PROVA PARA A
CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI

José de Ribamar Veras Júnior


Francisca Marta Magalhães de Brito

Introdução

O
presente artigo discorre acerca da licitude do
depoimento do policial usado como meio de prova
hábil a condenar possíveis autores de um fato tido
por criminoso, pois, há controvérsias dentro da doutrina, embora se
siga uma posição majoritária, acerca da utilização do depoimento
do policial como meio de prova usado, corriqueiramente, pelo
Ministério Público.
A fundamentação da pesquisa realizada alicerçou-se na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88),
bem como nas principais legislações infraconstitucionais que se
relacionam com o tema em discussão, como por exemplo, o Código
de Processo Penal (CPP), doutrinas, jurisprudências e opiniões de
especialistas no assunto.

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 99


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
A problemática referente à pesquisa se apoiou na seguinte
questão: o depoimento dos policiais pode ser considerado como meio
de prova suficiente, capaz de culminar na condenação do acusado,
sob o ponto de vista de que os referidos policiais têm pretensão de
ver o provável autor do fato condenado?
Este trabalho se fundamentou nas hipóteses de que a prova
testemunhal é um meio reconhecidamente falho, dadas as alterações
externa (interferência de terceiros) e interna (psicológicas) do ser
humano, como, por exemplo, as falsas memórias, bem como a intensa
rotina do policial, que se submete a inúmeros casos semelhantes, e,
que, por vezes, confunde os acontecimentos, o que pode levar a uma
condenação injusta.
Assim, o objetivo geral consiste em analisar os aspectos jurídicos
correlacionados ao depoimento do policial como meio de prova
que sustente uma condenação, usufruindo dos dispositivos legais
anteriormente citados. Já os objetivos específicos, consistem em:
descrever a fragilidade da prova testemunhal do policial para condenar
o acusado; demonstrar que o policial, pela carga emocional que exige
sua profissão, pela pressão do governo, de superiores hierárquicos
e da população, e pelo interesse no deslinde da persecução penal,
está se não, absolutamente, pelo menos relativamente, interessado
na condenação do incriminado; descrever que o ônus da prova cabe
ao Estado, sendo este, dentro da relação jurídica, ente superior ao
particular, e, com isso, capaz de angariar provas firmes que possam
chegar à condenação do suspeito.
O escopo deste estudo se finca na possibilidade de esclarecer
ao mundo acadêmico e social, as nuances do depoimento do policial
usado como meio de prova, pelo Ministério Público, consistente em
condenar um acusado de um crime, isto porque o processo penal
deve ser justo e sem máculas, conforme a ótica do princípio do devido
processo legal, que deve ser observado, a rigor, dentro do caderno
processual.
Destaca-se que o percurso metodológico ateve-se às entrevistas
realizadas com o fim de reunir informações e dados que servirão de
base para a edificação da investigação sobre a licitude do depoimento

100  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


do policial como meio de prova utilizado pelo Ministério Público
objetivando a condenação de um acusado em determinado delito,
tendo como base teórica os fundamentos de Nucci (2016), Lopes
Júnior (2016), Avena (2017), entre outros, que são importantes para
a discussão do tema em comento.
Trata-se de uma pesquisa exploratória. Quanto ao procedimento
técnico, é bibliográfica, baseando-se nos doutrinadores citados
alhures, e, de campo, utilizando como instrumentos de informação
um questionário com perguntas abertas, a partir do método
dialético, ou seja, forma de discurso entre duas ou mais pessoas com
pontos de vista sobre um mesmo tema, pretendendo formar uma
verdade através de pressupostos devidamente fundamentados, e, da
abordagem qualitativa, que deixa os entrevistados livres para indicar
sua ótica a respeito do tema. A pesquisa foi realizada com dois
operadores do direito, sendo um assessor ministerial e um defensor
público, todos atuantes na área criminal.

Teoria geral da prova: conceito e finalidade

O objetivo do processo é a reconstrução de um fato que ocorreu


no passado, a fim de se extrair as consequências daquilo que ficou
demonstrado, ou seja, o processo é um instrumento de retrospecção.
Assim, Lopes Júnior (2016, p. 264) confirma o entendimento do
parágrafo anterior, afirmando que as “provas são os meios através
dos quais se fará essa reconstrução do fato passado (crime)”. Através
das provas o julgador é capaz de chegar à proximidade da verdade
dos fatos, fundamentando a sua livre convicção, daí por dizer que as
provas, jamais, devem ser contaminadas por quaisquer vícios.
Do que foi dito alhures, tira-se a finalidade das provas, cuja
razão é construir o convencimento do magistrado, que decidirá o
futuro do réu, condenando-o ou absolvendo-o. Com isso, “o juiz deve
ser ignorante quanto aos fatos que lhe são apresentados, eis que se
conhecê-los previamente restará impedido de exercer a jurisdição”
(TÁVORA; RODRIGUES, 2016, p. 614).

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 101


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
Muito embora essa conceituação doutrinária trazida à baila,
destacamos o teor do artigo 155 do Código de Processo Penal – CPP,
que, ao se referir sobre o tema, diz: “[...] o juiz formará sua convicção
pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial”.
Com isso, o legislador conceituou prova como sendo aquela que
forma a convicção do magistrado, porém, sendo ela produzida em
juízo, por intermédio do contraditório.

Natureza Jurídica e o objeto

Temos que a natureza da prova resulta da relação umbilical


da própria prova com a verdade material dos fatos, tida como a
verdade real. Desta forma, é “inerente ao desempenho do direito
de ação e de defesa” (NESTOR; RODRIGUES, 2016, p. 616), que é,
respectivamente, o direito de se levar à apreciação do Poder Judiciário,
uma causa em que o bem jurídico tutelado está sendo ameaçado,
bem como, o de se defender das alegações esposadas. Para Távora e
Rodrigues (2016), quanto às normas que dizem respeito às provas,
aquelas são de natureza iminentemente processual, possuindo
aplicação imediata.
O objeto da prova diz respeito àquilo que se pretende
demonstrar alegando, a fim de que o julgador possua conhecimento
necessário para solucionar o litígio, inteligência do que ensina Nucci
(2016). Távora e Rodrigues (2016) preleciona que o objeto da prova
se trata do conjunto de meios que se tem por precípuo a fim de
viabilizarem o julgamento.

Meios de Prova

Conforme inteligência de Paulo Rangel (2014), os meios


de prova são todos aqueles que possibilitam ao juiz, direta ou
indiretamente, conhecer sobre a verdade dos fatos alegados. Nessa
esteira, a busca para se demonstrar a verdade do ocorrido toma
um caráter libertário na confecção da prova. Desta feita, as partes
somente podem provar o teor de suas alegações por todos os meios

102  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


de provas lícitas admitidas no processo, a fim de se demonstrar a
verdade do que alegam na esteira processual.

Ônus da prova

Nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues (2016, p.


642), “o ônus da prova é o encargo atribuído à parte de provar aquilo
que alega”. Eis que, caso o Estado, representado pelo Ministério
Público, afirme que o acusado é autor de um fato criminoso, o
próprio parquet deve provar a materialidade do delito, bem como
apresentar indícios suficientes de autoria delitiva.
Contudo, data vênia, aviva-se os ensinamentos de Lopes Jr.
(2016) quanto ao ônus da prova que recai sobre o réu a partir do
instante em que este suscita excludentes de ilicitude (art. 23 do
Código Penal), pois é presumidamente inocente, logo, não há que
se falar em carga probatória em exatamente nada em que o mesmo
alegar.
Assim, aviva-se que o réu está acobertado do princípio da
presunção da inocência, tradução do in dubio pro reo, e, com isso, em
caso de dúvidas entre o suscitado pela acusação e pela defesa, não
há que se oportunizar ao réu que prove o teor de qualquer alegação,
devendo o julgador, por bem, ser favorável ao réu e excluir a ilicitude
do fato alegado contra o mesmo.

Prova em espécie

A fim de se chegar a uma conclusão lógica acerca da oitiva


policial como meio de prova pura capaz de alcançar à verdade dos
fatos alegados, torna-se imprescindível, depois de explicar sobre
a Teoria Geral das Provas, falar sobre provas em espécies. Aqui
concentraremos energia especialmente na prova testemunhal, tendo
em vista ser o meio de prova ligado à oitiva de alguém. Isto posto,
passa-se a analisar pormenorizadamente a prova testemunhal.

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 103


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
Prova Testemunhal

Tem-se por testemunha aquela que toma conhecimento de


determinada situação e pode confirmar a veracidade desse fato
compromissada legalmente em dizer a verdade, ideia apontada por
Nucci (2016). Ademais, Távora e Rodrigues (2016) ensinam que
testemunha é a pessoa desinteressada com o desenrolar da causa,
que declara em juízo o que sabe sobre os fatos, através de suas
percepções sensoriais.
Este conceito é o que mais se aproxima do conceito de prova
colocado pelo legislador no artigo 157, caput, do CPP, pois prova
é aquela produzida em contraditório judicial, ou seja, aquela que
oferece a oportunidade à outra parte de exercer seu direito de defesa
perante a um juiz togado. A natureza da prova testemunhal diz
respeito a mais um meio de prova com o fim de esclarecer os fatos
(BRASILEIRO, 2017).

Características

A primeira característica da prova testemunhal é a judicialidade,


pois se tem por testemunha o sujeito que presta seu depoimento
perante o magistrado, ou seja, em juízo (TÁVORA E RODRIGUES,
2016). Deste modo, a testemunha que prestou seu depoimento na
fase inquisitória, ou seja, no inquérito policial, deve sustentar o que
fora falado naquela fase, em juízo.
A segunda característica que se traz à baila é a objetividade
quanto ao depoimento de uma testemunha, tendo em vista que esta
deve se limitar ao relato dos fatos. A propósito, este é o teor do artigo
213 do CPP, esse dispositivo marca que a testemunha não deve fazer
declarações pessoais, ou seja, particulares, quanto aos fatos, com a
ressalva de quando tais apreciações sejam inseparáveis do ocorrido.
Sobre a individualidade do depoimento da testemunha, outra
característica respeitável para essa espécie de prova, o artigo 210
do CPP esclarece que aquelas serão inquiridas de per si, ou seja,

104  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


isoladamente, de modo que umas não saibam e nem ouçam os
depoimentos umas das outras.

Deveres, vedações, recusas e impedimentos

Há algumas formalidades dentro do processo em que a


testemunha deve se encaixar, dentre elas, menciona-se primeiramente
seus deveres, que, inicialmente, diz respeito ao seu comparecimento
em audiência, sendo previamente intimada.
Outro dever das testemunhas é o compromisso com a verdade,
tal preceito está ordenado no artigo 203 do CPP, que explana a
promessa da testemunha em falar a verdade do que souber e do que
lhe for perguntado.
Quanto às recusas e impedimentos, Távora e Rodrigues
(2016) rememoram o teor do artigo 202 do CPP, em que todas as
pessoas podem prestar depoimento em juízo, contribuindo com a
Administração da Justiça.
Porém, a própria legislação indica algumas pessoas que podem
se recusar a depor em algumas ocasiões. Tais pessoas são as que têm
laços de parentesco e afinidade com o acusado, conforme exposto
no artigo 206 do CPP – ascendentes e descendentes, os afins em linha
reta, o cônjuge, o irmão, além da companheira. “A lei não poderia
quebrar ou sobrepujar laços muitas vezes indissolúveis de respeito
e carinho dentro das relações familiares e conjugais” (TÁVORA;
RODRIGUES, 2016).
Quanto às vedações ao depoimento da testemunha, o artigo
206 do CPP apresenta um rol não taxativo, como por exemplo, o
ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda
que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado.

Valor probante

Lopes Jr. (2016) evoca que a prova testemunhal é o meio de


prova mais utilizado no processo penal brasileiro. Contudo, é o meio
mais frágil, justamente por carregar vícios que a torna perigosa,

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 105


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
manipulável e de pouca confiança. O autor relembra ainda que esse
paradoxo – do uso constante da prova testemunhal no processo
penal e a sua falibilidade – torna a persecução penal desacreditada,
bem como o próprio rito processual.
No que tange à narrativa, o magistrado, de acordo com o artigo
203 do Código de Processo Penal, deve atribuir particular estima para
informação da testemunha sobre as “razões de sua ciência”. Desta
forma, o que a testemunha diz em juízo, deve passar pela análise
acurada do julgador.
Notadamente, a prova testemunhal apresenta várias facetas,
e, dentre as quais, primeiramente se destaca as falsas memórias, que
se discutirá adiante, bem como o medo, sem falar que, nos casos
dos militares há, ainda, a presença da fadiga laboral, o excesso
de ocorrências semelhantes em sua rotina policial, que inferem na
credibilidade do seu testemunho.

Fragilidades

Na persecução penal, como já dito, é costumeiro se ver a presença


da prova testemunhal sendo analisada harmonicamente com outros
meios de provas considerados no processo. Destarte, este meio de se
provar uma situação contém vícios que estão umbilicalmente ligados
a ele, tais como o estado emocional da testemunha, o grande intervalo
de tempo do fato presenciado e à data da colheita do depoimento da
testemunha, bem como as falsas memórias e as inúmeras ocorrências
policiais semelhantes. Esses elementos são suficientes para tornar as
provas testemunhais viciadas, as razões disto serão expostas a seguir
de forma individual.

Estado emocional

Popularmente se propagou o crédito de que quanto mais


forte for o evento emocional vivenciado, o sujeito que o vivenciou
nunca o esquecerá. Contudo, o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) publicou em 2015 um projeto chamado “Pensando

106  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


o Direito”, sobre os avanços científicos em psicologia do testemunho
aplicados ao reconhecimento pessoal e aos depoimentos forenses,
sendo que, no referido projeto, ressaltou que “de fato, as lembranças
emocionalmente carregadas costumam ser lembradas com maior
vividez, contudo, isso não significa que elas sejam lembradas com
maior precisão ou nem que a pessoa tenha que lembrar tudo que foi
codificado no momento”.
Isto quer dizer que, muito embora o fato ocorrido esteja
sempre na memória de quem o testemunhou, não implica dizer que
o seu testemunho será carregado de exatidão e acerto, conforme
foi praticado, isto porque seu psicológico restará abalado, fazendo
com que tenha breves apagões da realidade. Assim sendo, aplicando-
se o conhecimento supra ao trabalho policial, haja vista que este é
carregado de várias ocorrências repletas de alta carga de adrenalina
capaz de afetar seu estado psíquico, e, consequentemente seu
testemunho, deve-se, por oportuno, a priori, saber que seu depoimento
conterá, ainda que minimamente, vícios que pode afetar o processo.

Intervalo de tempo

Outra percepção importante e que é perspicaz para dosar o


depoimento testemunhal tendo em vista a sua fragilidade, é o intervalo
de tempo entre o fato testemunhado e a colheita desse depoimento.
Ainda com base no estudo do IPEA (2015), o principal efeito desse
lapso temporal de retenção da memória é o esquecimento, pois, com
o transcurso do tempo, a lembrança tende a perder gradativamente
a pureza e a riqueza de detalhes, podendo, por vezes, chegar ao seu
completo esquecimento.
Um dos principais vilões da perfeita prova testemunhal – fala-
se, aqui, aquela que é produzida em contraditório judicial, conforme
artigo 155 do CPP – é o tempo, principalmente porque da data
do fato até o dia da audiência de instrução e julgamento decorre
anos, sendo que essa grande demora em se produzir efetivamente
a prova, ou seja, a morosidade da justiça, encontra-se em primeiro
lugar do ranking de reclamações na ouvidoria do Conselho Nacional

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 107


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
de Justiça – CNJ, que aponta a porcentagem de 48,78% (3.013) das
manifestações recebidas em face a lentidão da justiça, isso conforme
relatório trimestral de abril, maio e junho do ano de 2017. Portanto,
a demora judicial para se julgar um feito também dá causa ao
esquecimento, do contrário, certamente o depoimento testemunhal
em juízo seria confiável.

Falsas memórias

É importante conceituar, inicialmente, o que é memória, e,


para Myers (1999) citada pelas autoras Juciméri Silva Machado
e Scheila Beatriz Sehnem em seu artigo sobre “falsas memórias: o
pecado da atribuição errada”, memória “é uma incessante tentativa
de reconstrução e reprodução de fatos já vivenciados”, noutras
palavras, é a aptidão de arquivar e resgatar informações retidas
na psique. Contudo, o cérebro humano não funciona como uma
câmera polaroid que registra imagens e acontecimentos de forma
instantânea e quando se precisa está lá com nítida perfeição.
Lopes (2015) ainda cita os estudos de Elizabeth Loftus, em
que é provada a possibilidade de se implantar uma falsa memória
em qualquer sujeito, sem que, ao menos tenha ocorrido o evento
enganoso. Conclui-se, portanto, que com o transcurso do tempo
entre o fato presenciado até a formação da prova é possível formar
uma memória falsa, ou seja, distorcida da realidade, e, portanto,
falha à persecução penal, por se tratar de uma prova viciada.

Ocorrências policiais idênticas

É relevante, no tocante ao depoimento testemunhal, a riqueza


dos detalhes contados pela testemunha, devendo a mesma trazer à
mente tudo aquilo que ela lembra e que é pertinente ao processo.
Sendo que “depoimentos com conteúdo indeterminado não podem
fornecer uma real percepção dos fatos” (BADARÓ, Gustavo, 2015, p.
473). Nítido é que na profissão policial, em seu mister, acompanha
inúmeras ocorrências similares cujas semelhanças podem leva-lo a

108  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


intercalar duas situações parecidas que são desconexas umas com as
outras e que formará um todo contaminado.

Testemunho do policial como meio de prova e valorização de seu


depoimento

Tecidas estas considerações anteriores, tendo por certo que


o tema é bastante controvertido, vai-se um pouco mais fundo para
se discutir a matéria e levar em consideração todos os seus pontos,
para que ao final, chegue uma conclusão plausível sobre a questão
levantada.
Atualmente, o entendimento dos tribunais superiores do Brasil,
é que o depoimento do policial pode ser perfeitamente usado em
juízo, tendo em vista que se trata de agente público dotado de fé
pública, e, portanto, sujeito idôneo quanto o que diz.
Assim, para Nucci (2016), o juiz deve analisar cuidadosamente
o teor do depoimento do policial que investiga um crime, pois o
mesmo policial está enraizado ao fruto da sua investigação, e vale
destacar que esse fruto pode ser podre.
Aury Lopes Júnior (2016, p. 349) arremata dizendo que “se não
há impedimento para que os policiais deponham, é elementar que
não se pode condenar só com base nos seus atos de investigação e na
justificação que fazem em audiência”, logo, em seu depoimento, não
deveria ser colocado o crédito de ser agente público e por isso dotado
absolutamente de fé pública, pois está carregado de vícios, com isso,
devendo ser desvalorado.
Ademais, é imperioso mencionar uma recente pesquisa realizada
pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ), e
publicada no início deste ano (2018), em que relata que a palavra de
policiais é a que mais induz juízes a condenar um acusado.
A pesquisa realizada pela DPE-RJ se baseou em mais de 2,5 mil
sentenças proferidas no Estado do Rio de Janeiro, e, de acordo com
o estudo, em 62,33% das decisões, o agente de segurança foi a única
testemunha ouvida no processo e 53,79% dos casos, o depoimento

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 109


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
dele foi a principal prova considerada pelo magistrado, para condenar
o acusado.
Com isso, verifica-se julgamentos automáticos, baseados
exclusivamente em depoimentos de policiais, sob a pretensão de que
eles possuem fé pública. Todavia, embora se trate de agente público,
e, portanto, com fé pública, são seres humanos falhos.

Admissibilidade do depoimento do policial

Traz-se a essa dança as lembranças de Badaró (2015) que


norteia o estudo sob duas correntes, a primeira radical, e, para o
autor, deve ser descartada, pois entende que o fato da testemunha
ser policial, por si só, não a torna impedida de depor, não havendo
qualquer disposição legal nesse sentido, pois o policial não se
enquadra nas hipóteses do artigo 207 do Código de Processo Penal.
Já para a outra corrente, prevalece o sentido de que os policiais, pela
simples condição funcional são suspeitos.
Gustavo Badaró (2015, p. 474) instrui afirmando que o
depoimento do policial de forma isolado, ou seja, sem nenhum
outro meio de prova levantado pelo parquet – que é a figura do
Estado-Acusação representado pelo Ministério Público – não deve
fundamentar a sentença judicial condenatória, haja vista a pretensão
policial em ver o sujeito que prendeu condenado. Portanto, tem-se
por inadmissível decisão condenatória com base em testemunho
exclusivo de policiais, porém, infelizmente, é o que mais se tem nas
decisões brasileiras.

Metodologia e discussão dos dados

Quanto ao procedimento técnico, esta pesquisa constitui-se


como bibliográfica, baseando-se, principalmente, nos doutrinadores
Nucci (2016), Lopes (2016), Avena (2017) e Brasileiro (2016), e, de
campo, utilizando como instrumentos de informação um questionário
com perguntas abertas, a partir do método dialético e da abordagem
qualitativa. A pesquisa foi realizada com dois operadores do direito,

110  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


sendo um assessor ministerial e um defensor público, todos atuantes
na área criminal, que possibilitou chegar ao resultado de que não há
falar em maiores irregularidades quanto ao depoimento do policial.
Aos entrevistados foi perguntado se consideram a prova
testemunhal como falha e capaz de causar prejuízo às partes, ao que
o Assessor Ministerial respondeu que não acredita ser falha e nem
que seja capaz de causar prejuízo às partes, mas, que, talvez, capaz
de causar prejuízo ao processo. Já o Defensor Público, afirmou que
considera a prova testemunhal como falha e capaz de causar prejuízo
às partes, e ressaltou que, ao contrário do que muitos Juízes pensam,
é impossível alcançar a verdade real, sobretudo por meio da prova
testemunhal.
Em que pesem as considerações feitas pelos entrevistados,
vislumbrou-se a falibilidade da prova testemunhal, tendo em vista
que este meio de prova não é seguro, o que prejudica a verdade real,
ou seja, a verdade do fato. Para o doutrinador Sérgio Pinto Martins
(2010), a prova testemunhal é a prostituta das provas, justamente
por ser a mais hesitante. Em outras palavras, o autor quis dizer que
a prova testemunhal é vendida (corrompida) facilmente por vários
fatores, sejam eles extrínsecos ou intrínsecos.
Em ato contínuo, tanto ao Assessor Ministerial quanto ao
Defensor Público, foi perguntado se consideram o mandamento do
art. 342 do Código Penal brasileiro (crime de falso testemunho) como
meio suficiente para garantir um depoimento sólido. O Assessor
Ministerial considerou que nenhuma legislação desde as primeiras
normatizações humanas foram capazes de garantir totalmente ou
tornar a salvo o bem jurídico que se pretendia resguardar. E com o
referido dispositivo não foi diferente. O Defensor Público, por sua
vez, usando outras palavras, manifestou-se no mesmo sentido do
Assessor Ministerial, ressaltando, porém, que a incidência do artigo
em comento não garante que depoimentos não sejam viciados
em razão de coações ou intimidações. Ante as afirmações tecidas
pelos entrevistados, pôde-se chegar à conclusão de que o referido
dispositivo não assegura um testemunho concreto, muito embora
intimide a testemunha.

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 111


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
Quanto ao terceiro dado, como consideram a atitude do
Ministério Público, no que diz respeito ao arrolamento de policiais
que fizeram parte da operação ou da elaboração do Inquérito Policial,
como testemunhas para acusar alguém, o Assessor Ministerial
considerou o ato como legítimo e explicou que não há quem seja
melhor ou pior testemunha. O Defensor Público considerou que
verdadeiramente, com essa estratégia, o Ministério Público apenas
tenta judicializar aquilo que foi produzido no inquérito, não
apresentando nada de novo.
Com a inteligência de Lopes (2016), ressalta-se que é comum
encontrar no rol de testemunhas arroladas pelo Ministério Público
apenas os policiais que participaram da operação e da elaboração
do inquérito. Para o autor, o Ministério Público busca judicializar
a palavra dos policiais para driblar a vedação de condenação
“exclusivamente” com base nos elementos informativos colhidos na
investigação.
Logo, aqui se verificou uma jogada ministerial a fim de maquiar
possível ilegalidade contida no art. 155 do CPP, tendo em vista que
buscam apenas judicializar os elementos de prova produzidos na fase
inquisitória, sendo que as sentenças normalmente são baseadas na
prova testemunhal que ali foi produzida.
Na sequência, foi questionado aos entrevistados se consideram
o testemunho dos policiais legítimo, usado pelo Ministério Público,
com o fim de condenar um acusado. O Assessor Ministerial respondeu
que sim, pois o policial está no mesmo “patamar testemunhal”
de qualquer outra testemunha. O Defensor Público também o
considerou como legítimo, mas ressaltou que não deveria ser
suficiente para condenar. Além disso, destacou o controle externo da
atividade policial por meio do Ministério Público, que, de certa forma
pressiona os policiais, que recebem uma carga de coação muito forte
para que tentem fundamentar as conclusões do inquérito policial,
razão pela qual, seus depoimentos são relativamente viciados.
Lopes (2016) entende que realmente não há uma restrição ou
proibição de que o policial seja ouvido como testemunha, senão
que deverá o juiz ter muita cautela no momento de valorar esse

112  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


depoimento. O referido autor ressalta que a restrição não é em
relação à possibilidade de depor, mas sim ao momento de (des)
valorar esse depoimento.
Aproveitando a oportunidade do dado levantado, foi
questionado ainda que, em sendo considerado, pelo julgador, a
prova testemunhal do depoimento do policial, se os entrevistados
acreditam que ela deve ser apreciada de forma isolada ou com
ressalvas, necessitando outras provas para embasar a condenação.
Ao que o Assessor Ministerial respondeu que acredita que não
deve ser apreciado nem de forma isolada, nem com a necessidade de
outras provas para embasá-la, destacando que só é possível aferir
se uma prova está de acordo ou não com a verdade real quando
colocada em análise com as outras. Por outro lado, no entendimento
do Defensor Público, é necessário avaliar com ressalvas, exigindo
outras que complementem o arcabouço probatório. Caso contrário,
se as palavras dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante
forem as únicas provas, seria como se o Promotor que ofereceu a
denúncia testemunhasse em juízo e, apenas com isso, o Juiz proferisse
a condenação.
Assim, analisando a discussão, entendeu-se que cabe ao
magistrado valorar a pretensa prova, de modo que ela não seja
analisada de forma isolada, senão, com outras provas produzidas em
juízo e que é desarrazoado condenar alguém, com base na famigerada
prova produzida, se for a única dentro do processo.
Destaca-se uma importante consideração feita pelo Defensor
Público, no sentido de que se deve investir mais em prova técnica,
pois esta não está sujeita a tantos vícios como a prova testemunhal,
justamente por aquela ser produzida por meios científicos e grande
confiabilidade.

Considerações finais

Introduziu-se este trabalho com tudo que foi realizado durante


esta pesquisa, apontando detalhadamente os recursos metodológicos
utilizados, bem como a modalidade da pesquisa, que, quanto ao
procedimento técnico, é bibliográfica e de campo, utilizando como

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 113


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
instrumentos de informação um questionário com perguntas abertas,
a partir do método dialético e da abordagem qualitativa.
Diante de tudo isso, pôde-se chegar à conclusão de que
processualmente falando, não há falar em ilicitude quanto à escolha
do depoimento do policial como meio de prova, pois cabe às partes
escolher os melhores meios a se chegar na verdade dos fatos. Ademais,
o art. 202 do Código de Processo Penal é taxativo ao ressaltar que
toda pessoa poderá ser testemunha.
Ocorre que se verifica um engodo quando o depoimento do
policial é usado exclusivamente no processo, sem que haja qualquer
outro meio de prova que consubstancie este depoimento. Além disso,
é dizer que, esses agentes são os mesmos que, na maioria das vezes,
constrói os elementos de informação na fase inquisitiva. Portanto,
tem-se que, o depoimento, apreciado isoladamente, é falho.

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114  José de Ribamar Veras Júnior • Francisca Marta Magalhães de Brito


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Avanços científicos em Psicologia do Testemunho aplicados ao
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WILBERT, Juciméri Silvia Machado; MENEZES, Scheila Beatriz


Sehnem de. Artigo Falsas memórias: o pecado da atribuição errada.
Unoesc & Ciência – ACSA, Joaçaba, v. 2, n. 1. 2011.

O DEPOIMENTO DO POLICIAL USADO COMO MEIO DE PROVA 115


PARA A CONDENAÇÃO EM CAMPO MAIOR-PI
A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO
DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS

Bruna Rezende dos Santos


Maria Gessi-Leila Medeiros
Rosíria Mary Gonçalves Coelho

Introdução

A
Judicialização da Saúde é um tema que tem sido foco
de debate nos tribunais pátrios na atualidade, pois o
Sistema Único de Saúde, associado ao Estado, não está
sendo capaz de garantir a efetivação o direito à vida, intrinsecamente
ligada ao direito à saúde, previsto na Constituição Federal de 1988.
Por conta disso, tem-se observado o aumento considerável do número
de ações judiciais que buscam garantir a efetivação de tais direitos.
Diante da ineficácia e descumprimento das normas relacionadas
ao tema os cidadãos recorrem ao poder Judiciário, vez que a saúde
pública, por si, tem se mostrado insuficiente.
Com enfoque na judicialização do fornecimento de fármacos
excepcionais não disponíveis através do requerimento, o trabalho
se desenvolve a partir de um estudo que visa analisar o fenômeno
da judicialização e quais medidas são cabíveis para o portador de

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 117


doenças requerer o acesso ao fármaco. Desse modo, o estudo
partiu do seguinte problema: como se constitui a judicialização do
fornecimento de medicamentos excepcionais?
Nesta senda, emergiram algumas questões de pesquisa: Quais
ações são cabíveis para pleitear o fármaco excepcional? Quais
medidas são cabíveis quando o Estado descumpre a tutela de urgência
do fornecimento da medicação?  A teoria da reserva do possível é
usada como argumento para a negativa do fornecimento do remédio
excepcional?
Todavia, para responder à pergunta central da pesquisa, a
hipótese foi aprimorada da seguinte maneira: a procura do Poder
Judiciário para a efetivação dos direitos sociais, precipuamente
no fornecimento de medicamentos, é decorrente da falta de
regulamentação pelo Sistema Único de Saúde dos medicamentos de
natureza excepcionais, o que implica a recorrente negativa por parte
da Administração Pública e a necessária busca por resposta do Poder
Judiciário.
Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo geral:
analisar que implicações levam à judicialização do fornecimento
de medicamentos excepcionais e qual a atuação do Judiciário nesse
processo, com base na Constituição Federal de 1988, bem como
nas legislações pertinentes e nos julgados no âmbito das varas da
comarca de Teresina, capital do Piauí, entre os anos de 2017 a 2018.
Para alcançar o objetivo geral, foram traçados os seguintes
objetivos específicos: analisar os julgados no âmbito da Suprema
Corte no fornecimento de medicamentos excepcionais; verificar a
concepção do Estado do Piauí frente à crescente demanda de ações
judiciais referentes ao requerimento de medicamentos excepcionais;
e, por fim, demonstrar as medidas cabíveis ao cidadão junto ao
Poder Judiciário em caso de inércia do Estado na disponibilização de
medicamentos excepcionais.
Assim, a justificativa do presente tema se deu em razão da
grande demanda de ações judiciais que os tribunais de justiça
vêm enfrentando no que diz respeito à falta de fornecimento de
medicamentos excepcionais por parte do Estado. A chamada

118  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


judicialização da saúde sob a perspectiva do fornecimento de
medicamentos excepcionais se dá no momento em que o cidadão o
solicita pela via administrativa e o Estado se escusa de sua obrigação
de garantir o acesso ao medicamento de forma injustificável.
A inoperância do Poder Executivo consubstanciado com a
atuação eficaz e concretizada do Poder Judiciário corroboram a
atual realidade assistida pelo sistema judiciário brasileiro, qual seja a
judicialização da saúde, como meio eficaz da garantia dos princípios
constitucionais do acesso à saúde.
Para a estrutura deste trabalho e desenvolvimento do conteúdo,
utilizou-se, como procedimento técnico, a pesquisa bibliográfica e de
campo, por meio da abordagem qualitativa. Para coleta de dados, foi
utilizado como instrumento o questionário com perguntas abertas,
aplicado com três entrevistados: um defensor público do estado,
com atuação na capital Teresina – PI; um auxiliar administrativo da
farmácia dos remédios excepcionais; e, por último, um juiz dos Feitos
da Fazenda Pública.
Como fundamentação teórica, este estudo contou com autores
como: Sarlet (2006), que alude que o direito à saúde é o principal
direito fundamental social encontrado na Magna Carta de 1988,
articulando-se ao princípio maior que rege todo o ordenamento
jurídico pátrio; Martins (2010), que dispõe que a saúde é um direito
social fundamental, incumbindo ao Estado a desempenhar os serviços,
e, por conseguinte, elaborar as políticas públicas sociais e econômicas
destinadas à saúde; Moura (2013), que aponta que para a efetivação
do direito à saúde é necessário investimento governamental neste
setor, alertando que o Sistema Único de Saúde deve aperfeiçoar suas
políticas públicas para melhor atender o usuário.
Quanto aos tópicos metodológicos, o método utilizado na
pesquisa foi o dialético e a abordagem qualitativa, cujo objeto de
natureza exploratória permitiu à pesquisadora um contato mais
próximo com o objeto do estudo.
Este trabalho abordará nas seções seguintes, em primeiro
momento, o direito à saúde com base na Constituição Federal de
1988, essencial para a compreensão do contexto da positivação

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 119


do direito social; em seguida, discorrerá acerca do surgimento do
Sistema Único se Saúde (SUS), explanando, ainda, a competência
e a responsabilidade solidária entre os entes federativos e quais
meios processuais poderão ser utilizados para se pleitear o remédio
excepcional.

Direito à saúde na Constituição Federal de 1988

O Brasil já apresentou sete Constituições, entres os anos de


1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, e esta última teve grande
destaque por ser conhecida como Constituição Cidadã, visto que,
com a positivação dos Direitos Sociais no que concerne o Direito à
Saúde, recebeu proteção jurídica, vinculada a conceitos e princípios,
demonstrando o compromisso do Estado de Bem-Estar Social. Neste
viés, a Constituição Federal de 1988 preceitua, no segundo título
“Dos Direitos e Garantias Fundamentais, [...] a ordem social, tendo
como objetivo o bem-estar e a justiça social” (BRASIL, 1988).
Nessa mesma linha de pensamento, o artigo 6° da CF/88
elenca os direitos fundamentais: “São direitos sociais fundamentais
a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância” (BRASIL, 1988).
O que se retira ante o exposto é que o constituinte elaborou
textos com total observância ao bem jurídico tutelado, de modo
que o direito à saúde, por estar atrelado à vida, expressa a proteção
constitucional fundamental sob a ótica do princípio da dignidade da
pessoa humana.
Dessa forma, vislumbra-se que o Estado, por ter atribuição
no dever da proteção deste direito coletivo, estabelecendo metas
para serem atingidas por meio de políticas públicas a depender da
competência legislativa prevista na própria Constituição que poderá
ser entre os três entes federativos (União, Estados e Municípios), é
quem irá concretizar o direito à saúde, devendo o Poder Judiciário,
na inércia dos entes, ser acionado para interpretar as normas da
Constituição e as normas infraconstitucionais que a concretizarem.

120  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


Moura (2013) acrescenta que os procedimentos exercidos pelo
Estado são bases essenciais:

A aplicação da norma constitucional está adstrito intrinsicamente


de procedimentos a serem exercidos pelo Estado, bem como
criação de estruturas organizacionais para o cumprimento do
escopo constitucional de promover, preservar e recuperar a saúde
e a própria vida humana. (MOURA, 2013, p. 2).

Com base no exposto, observa-se, deste logo, que os direitos


fundamentais de certa forma são dependentes da organização e do
procedimento, sobretudo quando os aspectos se manifestam na
medida em que os direitos fundamentais são vistos como parâmetro
para a formatação das estruturas organizatórias e dos procedimentos,
servindo como diretrizes para a aplicação e interpretação das normas
procedimentais.
Apesar de todos os procedimentos exercidos pelo Estado, o
direito à saúde é tipificado como bem jurídico indissociável do direito
à vida, devendo a União, os Estados e os Municípios tutelá-la, vez
que foi outorgada como direito fundamental de todo cidadão sendo
recepcionada no âmbito constitucional com proteção jurídica.

O surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS)

Em 1980, ocorreram as primeiras bases para a criação do


Sistema Único de Saúde, destacando-se na VIII Conferência Nacional
de Saúde. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o
SUS foi instituído pelas Leis Orgânicas de n. 8080/90 e n. 8.142/90
que estabeleceram as diretrizes a serem executadas e instituídas como
forma de atuação do SUS.
A Lei n. 8080/90, no artigo 2°, dispõe que a saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício. A referida lei regulamenta as
ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em
caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 121


de direito público ou privado, prevista em todo território nacional
(BRASIL, 1990).
No título II, do artigo 4° da Lei 8080/90, o SUS é definido
como “[...] o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por
órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder
Público, constitui o Sistema Único de Saúde” (BRASIL, 1990).
Observa-se, que o SUS é organizado em todo país, sob a
responsabilidade das esferas autônomas do governo federal, estadual
e municipal, além de possibilitar a participação da iniciativa privada,
como forma de complemento na execução de ações e serviços nas
políticas públicas do SUS, bem como a participação da administração
direita e indireta. Tal previsão também pode ser verificada no artigo
199 da CF/88:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º As


instituições privadas poderão participar de forma complementar
do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante
contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. (BRASIL, 1988).

Nesse contexto, tanto a Lei do SUS quanto a Constituição


Federal, ao disciplinar o direito à saúde, fazem a menção em seus
artigos da possibilidade da iniciativa privada participar. No entanto,
isso deve ocorrer por meio de mecanismos jurídicos que garantam
ao sistema controle e fiscalização sobre o serviço do prestador
privado, sobretudo para garantir segurança jurídica e financeira a
sua prestação de serviço.
Em razão da importância do direito à saúde, a Lei Orgânica da
Saúde de 8080/90 delineia os princípios do sistema de saúde, em seu
art. 7°, inciso II, estabelecendo que as ações e os serviços públicos de
saúde obedecerão, dentre outros, ao seguinte princípio: integralidade
de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo
das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso e em todos os níveis e complexidade do
sistema (BRASIL, 1990).

122  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


A leitura do artigo depreende que o serviço deve ser integral,
contínuo e, se necessário for, também individual, independentemente
das políticas públicas de caráter geral. Isso significa que enquanto
existir tratamento específico para determinado paciente deve ele ser
ministrado. 
O Sistema Único de Saúde é composto pelos princípios da
universalidade do acesso, compreendida como a garantia de acesso
aos serviços de saúde para toda a população, a integralidade da
atenção, como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos; a equidade, que
embasa a promoção da igualdade com base no reconhecimento das
desigualdades que atingem grupos e indivíduos; a participação social,
que estabelece o direito da população de participar das instâncias de
gestão do SUS, por meio da gestão participativa, e dos conselhos de
saúde, que são as instâncias de controle social, e a resolubilidade 
(BRASIL, 1990).
Diante do exposto, o que se retira é que a descentralização do
SUS, em cada órgão, tem suas atribuições, competindo ao Ministério
da Saúde a responsabilidade pelas políticas aplicadas ao SUS, restando
à Secretaria de Estado planejar, programar e organizar os serviços
regionalizados, por fim, a Secretaria Municipal fica responsável pela
gestão das ações, planejamento, organização, controle e avaliação,
além de poder celebrar convênio na iniciativa privada.

Da competência e da responsabilidade solidária entre os entes


federativos

A Carta Magna, em diversos dispositivos, trata da proteção do


direito à saúde. O art. 1º elegeu a dignidade da pessoa humana como
fundamento da República Federativa do Brasil. O artigo 3º constitui
como objetivo desta República a promoção do bem de todos. Por
sua vez, o artigo 5º assegura a inviolabilidade do direito à vida. E
no artigo 6º, o direito à saúde é expressamente garantido dentre os
direitos sociais.

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 123


Podemos verificar que a Constituição Federal de 1988 estabelece
inúmeros serviços a serem prestados direta ou indiretamente pelos
entes federativos. Dessa feita o título III da CF/88 trata sobre a
organização do Estado, sobretudo do serviço da saúde, posto
ser um direito social fundamental a vida. O art. 24, XII, do texto
constitucional, traz as competências concorrentes dos entes, que são
aquelas referentes a matérias que exigem esforços conjuntos de todas
as esferas de poder para que sejam eficientemente concretizadas.
Além disso, o art. 30, VII da CF/88, alude a competência aos
municípios de prestar, com a cooperação técnica e financeira da
União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população
(BRASIL, 1988).
O texto constitucional, no artigo 198, I, faz menção sobre
a descentralização dos serviços e ações públicos referentes à
saúde, preconiza a integralização e direção única em cada esfera
governamental e da participação popular (BRASIL, 1988).
Todavia, no ano de 2015 ocorreu julgado no âmbito do
Supremo Tribunal Federal nos autos do recurso extraordinário de
n° 855178, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, que no teor da
decisão convalidou entendimento jurisprudencial no tocante a
responsabilidade solidária dos entes federativos no que concerne
no dever de prestar assistência à saúde. Veja a íntegra da decisão:
“O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito
fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde
por parte da União, Estados, Distrito Federal e Municípios” (BRASIL,
2015, p. 2).
Observa-se, que em breve palavras o relator firma entendimento
que qualquer tratamento médico o cidadão esteja necessitando se
insere no rol dos deveres dos entes federativos por responderem pela
responsabilidade solidária. Pois as ações que envolvem o serviço
à saúde são de relevância pública, devendo os entes fornecê-lo,
gratuitamente, de forma a concretizar as garantias concedidas pelo
princípio constitucional do direito fundamental à saúde, condição
imprescindível à dignidade da pessoa humana e ao direito à vida.

124  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


Inobstante o entendimento do ministro Luiz Fux, faz jus ao
respectivo artigo 23, inciso II, da CF/88, que dispõem da competência
comum dos entes federados, in verbis: “É competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II -
cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência” (BRASIL, 1988).
Nesse cenário, é manifesto o desejo do ministro e do constituinte
que os Poderes Públicos cooperem na execução das tarefas e objetivos
enunciados. Trata-se, portanto, de uma responsabilidade solidária
em matérias de grande relevância social, como é o caso da saúde, cuja
implementação não pode ser prejudicada por questões de conflitos
de competência. Portanto, todos os entes federados são chamados
à responsabilidade diante de deveres que cabem a todos, em função
do interesse público.
O Tribunal de Justiça do Piauí manifestou-se, por intermédio
da Súmula nº 2, sobre a responsabilidade solidária entre Estado e
Município no fornecimento de medicamentos. Dada à importância a
segue a transcrição da mesma: “O Estado e os Municípios respondem
solidariamente pelo fornecimento de medicamentos para tratamento
de saúde das pessoas necessitadas, na forma da lei, podendo ser
acionadas em juízo em conjunto ou isoladamente” (PIAUÍ, 2000, p.
3).
Observa-se, que o Tribunal de Justiça do Piauí firmou-se
entendimento no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da
Federação em promover os atos indispensáveis à concretização do
direito à saúde. Desse modo, o portador de doença crônica poderá
exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento
da referida obrigação.
Portanto, o direito à saúde, como consectário da dignidade da
pessoa humana, perpassa todo o ordenamento jurídico pátrio, como
fonte e objetivo a ser alcançado através de políticas públicas capazes
de atender a todos, em suas necessidades básicas, incumbindo aos
entes oferecer os meios necessários para a sua garantia.

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 125


Meios processuais para postular perante o Poder Judiciário

O portador de moléstia quando demanda para quaisquer


entes federativos e, este, se escusa podem pleitear a assistência
fármaco terapêutica, através de tutela individual ou coletiva, por um
advogado ou caso esta ser hipossuficiente poderá ser patrocinada,
pela Defensoria Pública Estadual/União ou Ministério Público, por
meio de instrumentos processuais como: Mandato de Segurança e
Obrigação de Fazer, para postular perante o Poder Judiciário.
O Mandado de Segurança, por sua vez, está previsto no inciso
LXIX do artigo quinto da Constituição Federal, dispôs, conceder-se á
mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, quando
o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do
Poder Público. Todavia as Leis de n. 1533/51 e n.4348/64 disciplinam
o processo de mandado de segurança.
O mandado de segurança é uma ação constitucional de
natureza civil, cujo objetivo é a proteção de direito líquido e certo,
lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do
Poder Público.
Havendo a violação ou grave ameaça do direito líquido e certo,
Lenza (2001) acrescenta que “[...] o direito líquido e certo é aquele
que pode ser demonstrado de plano, através de prova pré-constituída,
sem a necessidade de qualquer dilação probatória” (LENZA, 2001, p.
43).
No tocante a ação condenatória de obrigação de fazer, esta
é disciplinada pelo Código de Processo Civil, normalmente pelo
rito ordinário. Este tipo de ação tem cunho de obrigatoriedade por
parte do Estado em fornecer o fármaco, além do mais é passível
que o magistrado estabeleça multa diária na decisão, para caso de
descumprimento. Visto que, a decisão torna-se mais efetiva, pois o
condenado tem, em tese, mais interesse em cumpri-la, para evitar a
incidência do agravante (SILVA, 2012).

126  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


É oportuno ressaltar que a competência, para a apreciação do
mecanismo processual adotado será da Justiça Estadual quando a
ação for promovida em face da autoridade estadual ou municipal
e quando a União for o polo passivo da lide a competência para
apreciar o feito será da Justiça Federal.

A judicialização do fornecimento de remédios excepcionais de alto


custo em Teresina – PI: análise de dados

Para obter os dados da presente pesquisa de campo e alcançar


os objetivos, foi aplicado questionário com perguntas abertas, a
partir do método dialético e da abordagem qualitativa, realizado com
um defensor público do estado, com atuação na capital Teresina – PI;
um auxiliar administrativo da farmácia dos remédios excepcionais; e
um Juiz dos Feitos da Fazenda Pública, todos de Teresina – PI, no mês
de outubro de 2018.
No tocante a obtenção das respostas, foram realizadas cinco
perguntas aos entrevistados, permitindo, assim, à pesquisadora,
analisar os dados que demonstraram a realidade da crescente
demanda da judicialização dos remédios excepcionais que o poder
judiciário vem enfrentando. Para fins de distribuição e análise das
respostas obtidas, os sujeitos da pesquisa foram denominados de
Juiz, Defensor e Auxiliar Administrativo da Farmácia dos Remédios
Excepcionais.
Diante das respostas, foram verificados aspectos semelhantes e
divergentes com relação ao tema abordado, uma vez que se observou
quais fatores levam o portador de moléstia grave a postular o direito
fundamental à saúde. Nessa esteira, foi feita a seguinte pergunta: o
que você entende como a causa crescente da judicialização ao acesso
dos medicamentos excepcionais de alto custo?

JUIZ: A causa crescente da Judicialização decorre pela incapacidade


do Estado em atender todas as solicitações, haja vista que esses
tipos medicamentos são caros e atualmente o Judiciário é o meio
alternativo que os portadores de doenças estão tendo para obter
o tratamento.

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 127


DEFENSOR PÚBLICO: A causa primaria da judicialização
envolvendo a saúde na obtenção de medicamentos excepcionais
se dá em razão por ser um por sistema oneroso, vez que o Estado
limita-se em garantir a todos o direito a saúde. Desse modo,
o cidadão para buscar a tutela jurisdicional, para concessão
do fármaco terá que preencher alguns requisitos, tais como:
demonstrar a incapacidade financeira, comprovar através
receituário e laudo médico a necessidade do uso imediato.

AUXILIAR ADMINISTRATIVO DA FARMÁCIA DOS REMÉDIOS


EXCEPCIONAIS: Não soube responder, vez que a pergunta está
fora de sua alçada.

Verifica-se que as respostas foram similares, haja vista que o


Juiz e o Defensor pontuaram que a causa crescente da judicialização
se dá em razão da escassez de recursos do Estado, pois essas
medicações são muito caras. Em contrapartida, Slaibi afirma que
“[...] o Estado não pode se abster das crescentes solicitações, uma
vez que o direito à saúde prevalece independentemente da existência
de recursos insuficientes para custeá-lo”. Entre linhas, a magistrada
Maria Cristina Barros Gutiérrez Slaibi assevera ainda que “[...] mesmo
que não dispusessem da verba que lhes é repassada pela União, não
poderiam os órgãos públicos negar a prestação de serviços essenciais,
como saúde, educação, segurança” (SLAIBI, 2017, p. 3).
O Supremo Tribunal Federal, no ano de 2017, versou nos autos
do recurso especial de n° 1657156 a atribuição do Poder Judiciário a
três critérios a serem utilizados para o fornecimento de medicamentos
não incorporados à lista do SUS, quais sejam: a comprovação
pela parte autora, mediante laudo médico fundamentado, da
imprescindibilidade do medicamento pleiteado, sendo necessário
também demonstrar a ineficácia dos fármacos fornecidos pelo
SUS para o efeito do tratamento pretendido; a demonstração da
incapacidade financeira do demandante de arcar com o custo do
medicamento prescrito; e por último a existência de registro do
medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BRASIL,
2017).

128  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


Para o relator, ministro Marco Aurélio, o poder público apenas
poderia ser judicialmente compelido a fornecer medicamento de alto
custo não incorporado ao SUS preenchendo dois requisitos, quais
sejam: a comprovação do caráter imprescindível do medicamento, no
sentido de sua eficácia e segurança para o aumento de sobrevida e ou
melhora da qualidade de vida do enfermo, e a prova da incapacidade
financeira do enfermo ou de sua família de não ter condição de
aquisição do fármaco (BRASIL, 2017).
O ministro Roberto Barroso, em seu voto, sustenta que o
poder judiciário para o deferimento do pleito necessitará preencher
cinco requisitos, a saber: a comprovação da incapacidade financeira
do autor em custear o tratamento; a demonstração de que a não
incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa
dos órgãos competentes; a inexistência de substituto do fármaco
incorporado na lista do SUS; a prova da eficácia do medicamento
e, por fim, a propositura da demanda necessariamente em face da
União, já que a ela cabe a decisão final sobre a incorporação ou não
de medicamentos ao SUS (BRASIL, 2017).
Nesse escopo, o posicionamento dos ministros do STF
arrimam os critérios necessários para aquisição do remédio, uma
vez que a decisão judicial quando deferir o pedido de dispensação
de medicamentos excepcional, o magistrado não pode se basear em
apenas em um único laudo ou prescrição médica, haja vista que é
preciso que apontem as evidências científicas confiáveis de que o
medicamento solicitado é eficaz para o tratamento do requerente.
Com isso, confere-se ao poder judiciário maior segurança antes de
deferir o pleito, cabendo observância obrigatória para os demais
tribunais.
Desse modo, o crescimento exponencialmente do número de
decisões judiciais que obrigam, coercitivamente, a administração
pública a fornecer os mais diversos tratamentos de saúde. Nessa
perceptiva, certifica a ineficiência na prestação do serviço básico
de saúde. Assim, o Judiciário assume o papel de suma importância
para efetivação do direito fundamental da saúde. Nesse sentido,
foi indagado: quais tipos de ações poderão ser ajuizados perante

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 129


o Poder Judiciário para o fornecimento do fármaco? Quais os mais
recorrentes?

JUIZ: Ações que podem ser ajuizadas são: mandado de segurança


e obrigação de fazer. As maiores recorrentes é a obrigação de
fazer, tendo em vista que esta ação é ajuizada no juízo de 1°
grau é competente para deferir ou indeferir o pleito autoral, já o
Mandando de Segurança é impetrado no Tribunal de Justiça na
2° instância julgado por desembargador.

DEFENSOR PÚBLICO: As ações para o ajuizamento no Poder


Judiciário são conhecidas por Mandado de Segurança e Obrigação
de Fazer. No tocante das mais recorrentes aqui no núcleo da saúde
são duas: O Mandado de Segurança que é impetrado quando as
provas documentais tais como; documentos médico estão bem
fundamentos robustos o direito líquido e certo fica caracterizado,
já na seara da ação de Obrigação de Fazer o ajuizamento decorre
quando há menos provas documentais.

AUXILIAR ADMINISTRATIVO DA FARMÁCIA DOS REMÉDIOS


EXCEPCIONAIS: As ações mais corriqueiras são os Mandados de
Segurança e Obrigação de Fazer.

Com as respostas obtidas, constatou-se que todos os


entrevistados compartilharam o ideário de que as ações cabíveis
para postular no Poder Judiciário são o mandado de segurança e a
obrigação de fazer. Inobstante o mandado de segurança, a impetração
deverá ocorrer no prazo de 120 dias do ato ilegal praticado pela
autoridade. Ressaltando que o prazo é decadencial, não admitindo
interrupção nem suspensão (BRASIL, 1951).
Todavia, existem duas espécies de mandado de segurança que
podem ser repressivo, quando o dano ao direito já ocorreu, estando
este lesado por autoridade pública; ou preventivo, compreende
demonstrar justo receio de sofrer uma violação de direito líquido e
certo por parte da autoridade, sendo mister a comprovação de um
ato ou omissão concreta (MORAIS, 2002).
Ressalta-se ainda que a regra de distribuição da jurisdição e
as determinações contidas no texto constitucional para julgar o
mandado de segurança compete ao Supremo Tribunal Federal e

130  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


ao Superior Tribunal de Justiça. Nessa toada, foi inquirido se, em
decorrência da emergencialidade características dos mandados
de segurança e das obrigações de fazer, é possível afirmar que há
aplicação de um tratamento diferenciado do judiciário objetivando
dar celeridade ao processo embora sua tramitação já seja prioridade?
Quais medidas são adotadas?

JUIZ: O mandado de segurança e as obrigações de fazer


sempre têm pedido de liminar, entretanto o lapso temporal
para o deferimento do pedido é 24h. Todavia, quando há o
descumprimento da liminar o juiz pode fixar multa diária.

DEFENSOR PÚBLICO: As ações, em regra, têm pedido de liminar,


o poder judiciário para deferir o pedido tem sido razoável com
o tempo. Em casos de descumprimento da obrigação imposta o
julgador aplica-se multa além de realizar o sequestro e o bloquear
as verbas públicas.

AUXILIAR ADMINISTRATIVO DA FARMÁCIA DOS REMÉDIOS


EXCEPCIONAIS: Em muitos casos, como o medicamento é de alto
custo e a farmácia dos excepcionais não fornece devido à falta
de regulamentação do SUS e ANVISA, o requerente postulando
perante o Poder Judiciário em alguns casos só tem acesso 01 mês
depois da decisão, vez que estes tipos de fármacos maioria são
fabricados no exterior.

Há uma semelhança nas respostas dos entrevistados, pois


todos asseveraram que, apesar da urgência, o judiciário concede em
tempo razoável as liminares, o problema se dá em razão de em certos
casos o Estado não querer cumprir. Entretanto, o descumprimento
da liminar visa aplicar multa diária, ou bloqueio de verbas públicas,
de modo que esses meios são utilizados como forma de obrigar o
Estado cumprir a ordem judicial.
Entretanto, cumpre ressaltar que há requisitos para a concessão
de liminares que antecipam os efeitos de sentenças, vinculando-se
à relevância dos motivos em que se assenta o pedido na inicial e a
possibilidade de ocorrência de lesão irreparável ao direito do autor,

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 131


se vier a ser reconhecido somente quando da decisão de mérito (fumus
boni juris e periculum in mora).
Oportuno dizer que não é absoluta a vedação quanto à
concessão de liminar que esgote o objeto da ação, no todo ou em
parte. Sendo urgente e inadiável aquisição do fármaco, poderá o
juiz sob pena de descumprimento determinar o bloqueio de verbas
públicas para efetivação do direito, bem como a fixação de astreintes
contra a pessoa física do agente público.
Dessa forma, o administrador público, quando desobedece
à ordem judicial, age com sua própria vontade, contrariando os
princípios constitucionais. O agente público integra o próprio
Estado e não pode impedir decisão do juiz. Não pode desvestir-se da
condição de membro integrante da ordem constitucional.
O STJ entende, pois, que a astreinte fixada em liminar não
depende do julgamento do mérito para ser executada. Assim, o
descumprimento de obrigação de fazer imposta por liminar pode
levar à cobrança da multa diária nos próprios autos da ação,
independentemente do trânsito em julgado da sentença final.
Visando ainda a garantia da obediência à decisão e em
face da fundamentalidade do direito requestado, é possível o
sequestro ou bloqueio de valores em contas públicas do Estado, do
“quantum” suficiente à aquisição do medicamento, objeto da tutela
deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e
imprescindibilidade do medicamento.
Nesse cenário, Arango (2008, p. 23) define o conceito do
mínimo existencial: “[...] é o direito às condições materiais mínimas
para uma existência com dignidade e que pode ainda exigir prestações
positivas”. Entre linhas, Torres expressa que “[...] o mínimo existencial
abrange qualquer direito, considerado em sua dimensão essencial
e inalienável, não podendo ser mensurado, por envolver mais os
aspectos de qualidade do que de quantidade” (TORRES, 1999, p. 4).
Nesse contexto, questionou-se: De modo que o mínimo existencial é
considerado um princípio constitucional essencial e fundamental, é
possível dizer se há ou não uma tendência do Executivo em justificar

132  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


para a negativa do pleito utilizando a Teoria da Reserva do Possível?
Explique.

JUIZ: A teoria da reserva do possível não é utilizada pelo Estado


pois não se sabe se o fornecimento dos fármacos excepcionais de
alto custo vai inviabilizar as contas do Estado.

DEFENSOR PÚBLICO: O Estado por sua vez não utiliza dessa


teoria tendo em vista que segundo entendimento jurisprudência o
que prevalece e a supremacia do direto a vida e posterior à saúde.

AUXILIAR ADMINISTRATIVO DA FARMÁCIA DOS REMÉDIOS


EXCEPCIONAIS: Não sabe responder, por não ter conhecimento
técnico jurídico.

Denota-se que as respostas são divergentes, haja vista que o


Juiz alude que o fornecimento o fármaco de natureza excepcional não
se sabe se inviabiliza as contas do Estado. Já o Defensor Público aduz
que a teoria já fora aplicada. Todavia, após os julgados do Supremo
Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), os
tribunais pátrios entenderam a relevância da supremacia do direito à
vida, consubstanciado com o direito à saúde.
Para melhor compreensão no que tange o conceito da reserva
do possível, Barcellos (2002, p. 7) explica: “[...] a expressão da
teoria da reserva do possível é o fenômeno econômico da limitação
dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre
infinitas a serem por eles supridas”.
Em razão da fundamentalidade inerente aos direitos à vida
e à saúde, os quais exigem prestações positivas para a sua fruição,
percebe-se que a obrigatoriedade de garantia dos mesmos não cessa
diante do princípio da “reserva do possível”, haja vista que a mera
argumentação de ausência de disponibilidades orçamentárias por
parte de um órgão público responsável pela sua prestação não é
condão para afastar a apreciação judicial e a concessão das medidas
adequadas a garantir tais direitos. Com base nessas considerações,
foi indagado: em contrapartida, qual argumento é usado pela parte

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 133


requerida para justificar a negativa do fornecimento do remédio?
Explique.

JUIZ: In Casu, o Estado como parte requerida, alude em sede de


defesa que os fármacos excepcionais como não estão inseridos na
lista do Sus e sequer regulamentado pela Anvisa e o Estado não
pode fornecer.

DEFENSOR PÚBLICO: A negativa do Estado se justifica em razão


os fármacos de natureza excepcional não estão inseridos na Lista
de Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
pela a ótica o Estado não tem obrigatoriedade de fornecer.

AUXILIAR ADMINISTRATIVO DA FARMÁCIA DOS REMÉDIOS


EXCEPCIONAIS: Em muitos casos os medicamentos não estão na
lista do SUS ou ANVISA.

Podemos perceber que as respostas obtidas são similares,


entretanto o Defensor Público ressalva que o Estado não fornece
estes medicamentos por haver falha na atualização de listagens do
RENAME, mas o entendimento do juízo da 14ª Vara Cível de Maceió
traz à baila que o fato do fármaco não constar na referida lista não
descaracteriza a responsabilidade e o dever do Estado em fornecer
os medicamentos essenciais e urgentes, visto que com a morosidade
ao acesso em muitos casos poderá trazer ao cidadão danos de difícil
reparação ou até óbito.
A falta de regulamentação na lista do SUS e da ANVISA ocorre
por falta de comprovação efetiva de segurança e eficácia, levantando
dúvidas, sobretudo quanto ao uso inadequado. Apesar de parte
desses remédios ser fabricada no exterior, as agências reguladoras
de outros países aludem que a eficácia do remédio representa um
avanço na seara da medicina.
A Lei 6.360/76 dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam
sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e
correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e dá outras
providências. Inobstante, o artigo 24 da lei traz a hipótese que afasta
a exiguidade do registro pela ANVISA, leia-se o artigo: “[...] estão

134  Maria Gessi-Leila Medeiros • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


isentos de registro os medicamentos novos, destinados exclusivamente
a uso experimental, sob controle médico, podendo, inclusive, ser
importados mediante expressa autorização do Ministério da Saúde”
(BRASIL, 1976, p. 2).
Assim, o magistrado não pode ficar adstrito ao indeferimento
do pedido da ação com a inexistência do registro, também deve
analisar, no caso concreto, as peculiaridades trazidas em que o
médico especialista está prescrevendo o uso do fármaco pleiteado
para o tratamento adequado. De modo que o Poder Judiciário, no
teor das decisões, não ratifique prescrições negligentes e tratamentos
inóxio.

Considerações finais

Este estudo analisou o fenômeno da judicialização do


fornecimento dos remédios de natureza excepcional, apesar de não
ser o Poder Judiciário o primeiro legitimado para concretização de
Direitos Sociais, este, em razão do princípio da tutela jurisdicional,
não pode se furtar em apreciar questões relativas a direitos violados
ou ameaça de sua violação.
Para responder ao problema de pesquisa, foi definida,
inicialmente, a hipótese de que a procura pelo Poder Judiciário para
efetivação dos direitos sociais, precipuamente no fornecimento de
medicamentos, ocorre em razão da falta de regulamentação pelo
Sistema Único de Saúde dos medicamentos de natureza excepcionais,
o que implica a recorrente negativa por parte da administração
pública e a necessária busca por resposta do Poder Judiciário. Por
meio da análise de dados realizada neste estudo, constatou-se que
a hipótese foi ratificada, tendo como base, principalmente, os
entendimentos jurisprudências no âmbito do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça, com alicerce nas Leis
8080/90, 6.360/76 e Constituição Federal de 1988.
Verificou-se, ainda, a partir das análises de dados, que, em
Teresina-PI, a atuação do poder judiciário nas ações que envolvem
a judicialização do fornecimento de excepcional tem sido uma

A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 135


alternativa eficaz para combater as omissões do poder público, para
aqueles que estão desamparados pelo SUS, em razão da falta de
regulamentações nas listagens do RENAME e na ANVISA, de modo
que a ausência de previsão desses tipos de medicações não constitui
justificativa plausível para a negativa de acesso ao fármaco.
Nessa senda, ao analisar os julgados no âmbito do STF, nota-se
que, para a obtenção do fármaco excepcional, o requerente deverá
preencher requisitos necessários, haja vista que não pode ser colocado
em risco a vida do requerente, em razão desse tipo de medicação não
estar regulamentado pela ANVISA.
Todavia, outro ponto relevante que fora constatado é o fato
de, em casos de descumprimento das liminares, o julgador, como
forma de efetivar o cumprimento da obrigação imposta, conceder a
aplicação de multa diária, além de realizar o sequestro ou bloqueio
de valores em contas públicas, assim, impulsiona de forma rápida e
eficaz visando o atendimento integral do direito à saúde.
No tocante à competência e responsabilidade solidária,
percebeu-se que a Constituição Federal atribui a todos os entes
federativos o fornecimento gratuitamente das medicações para
assegurar a preservação da saúde.
Nesse sentido, esta pesquisa buscou demonstrar quais
implicações levam à judicialização do fármaco de natureza
excepcional, vez que a saúde, por ser uma garantia constitucional
indissociável do direito à vida, caracteriza-se como direito de todos e
dever do Estado em efetivá-la.

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do mínimo existencial. São Paulo, Editora Altas, 2008.

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A JUDICIALIZAÇÃO DO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS EXCEPCIONAIS 139


ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES
E INOVAÇÕES: A REFORMA LEGISLATIVA
DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS
NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
EXTRAJUDICIAIS

Sade Natan Amorim Linhares


Arianne Soares de Souza

Introdução

O
presente estudo tem como tema A Arbitragem no
Brasil, Aplicações e Inovações: A reforma legislativa
da Lei 13.129/2015 e suas melhorias na resolução de
conflitos extrajudiciais, onde foi tomada por base a atual condição
estrutural do judiciário brasileiro, que desagua, na popularmente
dita, morosidade dos processos. Em outros termos, sabe-se,
notoriamente, inclusive, que o poder judicante no país carece de
estrutura e de efetivo para estancar a demora demasiada que os
feitos têm, e a consequente longa espera, que as partes são obrigadas
a enfrentar para ter a solução de seus processos.
Atuação jurisdicional está comprometida, pelo que é crescente
o incentivo ao uso de meios extrajudiciais na solução de conflitos.

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 141


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
A aplicação do juízo arbitral, aos casos em que há o permissivo
legal, atua como meio de aplacar o acumulo de feitos, e permitir a
diminuição de acionamento judicial, e a utilização de meio legal, e
até mais eficaz, para garantia do acesso à solução da lide formada.
Nesse sentido, evidencia-se o estudo da Arbitragem, para
observar a aplicação desta, de maneira mais funcional, e a
caracterização mais aprofundada do instituto, e utilização alternativa,
deste método, como solução para o acumulo processual, que se
tornou grande entrave do judiciário brasileiro. Portanto, diante do
exposto, partiu-se o seguinte problema: é possível a aplicação do juízo
arbitral, para que interfira, como meio alternativo ao uso repetitivo
do judiciário, intervindo nos casos que a lei permita, e esvaziando o
acumulo de ações preteridas, dando espaço para soluções mais ágeis
e que gozam de segurança jurídica?
Dessa maneira, o estudo buscou identificar, através das
seguintes questões de pesquisa: os pontos em que é possível a
incidência do juízo arbitral, os casos em que o uso concreto deste
dispositivo legal pode trazer saldo positivo às partes envolvidas, a
segurança jurídica do juízo arbitral.
Dentro do assunto, a principal hipótese de resposta, para a
problemática desenvolvida, foi a da aplicação do procedimento
arbitral, dentro das hipóteses legais, usando a favor do cidadão as
melhorias que vieram com o aditivo da legislação, para minimizar
o inchaço de feitos adstritos aos judicantes, permitindo um meio
alternativo e mais rápido e prático para as soluções litigiosas e que
goza de suficiente segurança jurídica, pelo que deve ter seu uso
incentivado. Não restringindo em momento algum a atuação do
judiciário, mas ao contrário auxiliando na elevada carga processual
e sempre com a fiscalização judicial, intervindo a qualquer momento
que assim se fizer necessário.
Ainda importante destacar que, ao se submeter a uma pretensão
de juízo arbitral não se está abrindo mão do direito material que
eventualmente existe, mas em uma solução obtida diretamente pelas
partes sem ingressar em Juízo, uma vez que o título extrajudicial é
regra de validade do direito público, garantindo a execução do

142  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


direito atingido através da arbitragem, mostrando a eficácia do meio
alternativo de solução de conflitos.
Portanto, partindo deste entendimento, o objetivo geral,
desta pesquisa se funda em analisar as mudanças geradas pelas
reformas trazidas com os dispositivos advindos da Lei 13.129/2015
e como essas mudanças trarão vantagens à ritualística processual
da arbitragem, desaguando na imersão do uso do juízo arbitral em
uma alternativa que vai desinchar o sistema judicante. Enquanto
tratando de objetivos específicos, busca-se inicialmente interpretar
as principais mudanças trazidas à Lei 9.307/1996, verificando que os
dispositivos serão mais vantajosos e céleres, e então sua aplicação no
caso concreto à medida dos permissivos legais, enquadrando-se na
limitação material e procedimental da Lei Federal 13.105/15 (Novo
Código de Processo Civil). Quando então de posse destas analises
adentra-se ao ápice da pesquisa, que é a inserção no caso concreto,
para então demonstrar como se dará o uso da arbitragem na prática,
ou seja, analisar quais tipos de procedimentos e momentos litigiosos
em que o uso da arbitragem é, além de mais vantajoso, mais adequado
ao caso.
O tema eleito justifica sua relevância uma vez que é uma das
maiores queixas sociais quanto ao poder judiciário, a morosidade,
a falta de eficácia da atividade judicante, ao passo que uma solução
alternativa e plenamente eficaz é capaz de atender aos anseios sociais
e minimizar a constante crítica e os dados negativos que são realidade
quando se trata de efetividade de tutela jurisdicional.
Assim, considerando as vantagens trazidas pelo novo delineado
da legislação que trata a arbitragem, a ampliação do uso da arbitragem
e como este alastramento do uso deste procedimento pode reduzir
os litígios a serem tutelados pelo Estado, a inserção do uso deste em
novos setores e então, a preferência do uso da arbitragem nos litígios,
demonstrando a qualidade, especificidade da decisão e o benefício
que traz às partes, no inter partes, e à sociedade como um todo,
atingindo resultados mais eficazes na obtenção da solução de litígios.
No desenvolvimento do presente trabalho, foi utilizado,
tecnicamente falando, o procedimento de pesquisa bibliográfica,

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 143


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
debruçando-se não apenas sobre lei seca, mas também sobre os
seguintes juristas: Rocha (2017), que trata diretamente da reforma
da legislação especial arbitral, e comentários sobre o uso concreto
desta; Lenza (2017), como base constitucional, indicado por
inúmeros magistrados estaduais, em palestras e audiências, traz a
base constitucional que deve ser o norteador do estudo para aplicação
direcionada e legal; Scavone Junior (2016), que traz em seu manual as
regras procedimentais necessárias para aprofundamento e aplicação
prático-processual da referida legislação especial. Além de contar
com o auxílio subsidiário e complementar de autores do tema, artigos
e jurisprudências dos tribunais pátrios. Em aspecto metodológico,
foi utilizado método dialético e abordagem qualitativa, uma vez que
se trata de pesquisa exploradora.
Os seguintes tópicos desta pesquisa trabalharão para formar
a base de entendimento da legislação especial, arbitral, seguida das
melhorias vindas da mudança e como essa reforma pode vir a inovar e
solucionar uma grande celeuma dentro do poder judiciário brasileiro.
Em seguida, será adentrado, aprofundando, o entendimento arbitral
de fato, como atua bem como sua aplicação direta e correta, e assim
atingindo o principal enfoque deste estudo, a aplicação da arbitragem
como meio de solução dos litígios.

Conciliação, Mediação e Arbitragem

A audiência de conciliação, bastante salientada no novo diploma


processual civil, e cuja importância é fundamental, é ato processual
que busca, assim como todo o processo em si, busca atingir a paz
processual, mas distintamente da arbitragem, a conciliação é uma
tentativa de acordo entre as partes, da qual não vincula a proposta
de acordo à sentença.
O mais importante de distinguir é que o conciliador não tenta
convencer as partes de aceitar a proposta, muito embora traduza
de maneira mais clara e especifica a proposta, mas busca melhorar
a comunicação entre estas, não cabe ao profissional interferir na
vontade da parte e sim apenas facilitar o diálogo para se possível

144  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


atingir um meio de composição consensual, e que seja vantajoso
para ambos os lados. O conciliador é mais proativo na construção
do acordo, mas nunca interferindo no desejo das partes.
Tal procedimento objetiva a solução da lide e a consequente
efetividade do processo, cumulada com a tão buscada celeridade
processual, uma vez que o acordo firmado é em seguida homologado
pelo juiz togado e é título executivo judicial, ao que segue a segunda
fase processual, da execução da sentença, em todos os mesmos
moldes.
Ocorre que as partes inflamadas pela possibilidade de
seguimento do feito e posterior julgamento, talvez mais vantajoso
que o acordo proposto, simplesmente negam as propostas, dando
seguimento ao regular processamento do feito e com isso se tornando
mais um número da caixa de conclusão do assessor e do juiz.
A grande desvantagem disto é que as partes não podem opinar
sobre seus próprios direitos, ficando obrigadas e vinculadas à decisão
judicial, mas esta questão é fruto da ausência de conhecimento
de muitos dos promoventes de ações e até mesmo de má fé das
empresas que enviam baixas propostas de acordo, ou mesmo acordos
impossíveis de aceitação, e para que se perceba basta que se passe
uma manhã em um dos juizados especiais, assistindo audiências, e
ouvindo as referidas propostas.
Já a imagem da mediação, que se inseri em centros de
mediação, e não como um ato processual, não existe diretamente a
obrigatoriedade ou perecimento de direito da ausência do ato. Ao
passo que a conciliação é chamamento ao ato por meio de intimação
e/ou citação, da qual se pode haver preclusão de direito, a mediação,
é realizada por meio de carta convite, para qual a ausência da parte,
seja autor ou réu, não implica em prejuízo algum no processo.
Outro detalhe importante, é que a mediação vai além das
questões procedimentais e de imparcialidade que ainda revestem
o conciliador, pelo que deve ficar atado à normativa do código de
processo civil, o mediador não atuará de forma parcial, pelo contrário
deve agir de maneira imparcial, mas será facilitador de solução.

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 145


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
O procedimento de mediação pode ser feito no decorrer de um
processo já distribuído, como uma audiência especifica, a fim de
tentar contornar a lide que já se desenvolve, mas sem os prejuízos em
ausência, como dito, ou, como ocorre no Tribunal de Justiça deste
Estado, e em tantos outros, em centro específico antes mesmo de
haver processo. Mas ressalte-se aqui, que embora seja exigido do
conciliador e do mediador capacidades de contornar as principais
guerras dentro das relações que são trazidas à sua luz de apreciação,
respectivamente, cabe ao mediador ter grande habilidade de saber
ouvir. Existem conflitos que se originam na deficiência de diálogo
entre as partes, não somente a violação direta de um direito, mas no
cerne da disputa de forças entre os litigantes.
A mediação, por buscar o acordo e assim encerrar qualquer
discórdia naquele ato, preserva como regra as relações amistosas
das partes, e a retirada do binômio ganhador- perdedor, e sim se
trata de chegar a uma solução em que seja favorável a ambos. Como
salientou a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça,
a mediação propicia a “cultura de pacificação e inclusão social”.
A arbitragem, pelo que se difere em partes, tem também tópicos
semelhantes, como a escolha do arbitro, que é possível apenas na
mediação e não na conciliação, uma vez que nesta última, pelo
princípio do juiz natural, que se arrasta aos serventuários e auxiliares
da justiça, o conciliador já está investido na função atuando nas
demandas judiciais que a chegarem ao juízo em que está lotado,
seguindo as regras de competência da legislação especifica. Ao
passo que o mediador e arbitro, têm, em sua respectiva escolha,
essencialidade à relação positiva das partes, ou seja, a segurança das
partes quanto a escolha de ambos é necessária para o desenvolvimento
do procedimento.
No entanto, ainda que haja pontos de semelhanças, o arbitro,
diferentemente do mediador que apresenta o binômio ganhar/
ganhar, trará a solução do litígio do mesmo modo que o judicial, em
detrimento de um dos lados, assim sendo, com um litigante vencedor
e um litigante vencido.

146  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


Diante da escolha do arbitro, que se baseia por certo no seu
conhecimento técnico da questão proposta a que lhe é levado, tendo
a vantagem de entregar o conflito para persona de confiabilidade
de ambos os litigantes, mas o juízo arbitral não atuará apenas como
um psicólogo em meios judiciais, mas imporá a decisão que não
necessariamente será vantajosa.
Uma grande diferença é a natureza dos contratos que a
arbitragem tratará, apenas casos em que é dispensada a figura do
Promotor, para fiscalizar a adequada aplicação sem o perecimento
de direitos, bem como a atuação do árbitro na solução do litígio
dentro do que foi trazido pelas partes e da vontade destas.
Muito embora a todos os profissionais seja necessária a
urbanidade com as partes, este não é o foco principal, o arbitro,
atuará não para agradar a ambos em sua decisão, mas para dar uma
tutela aos litigantes, de maneira rápida, sem que seja imposto às
partes a necessidade da espera e do largo transcurso de tempo, que
o judiciário coloca.
Mas conta-se com a mínima vontade das partes de cumprir o
que fora determinado na sentença arbitral, que embora tenha peso
de executoriedade, a execução forçada somente se dará no judiciário,
vez que a função publicista está adstrita ao Estado.
Também é característica específica e distintiva da arbitragem a
possibilidade de escolha das partes, em terem seus conflitos dirimidos
por arbitragem de direito e arbitragem de equidade.
A arbitragem de direito, como se sugere, é aquela em que
o arbitro baseia-se do disposto na legislação pátria, aplicando
especificamente o direito que rege o judiciário. No entanto, o artigo
2º, da Lei n 9.307/96, indica a possibilidade de arbitragem equidade,
pelo que o árbitro não aplicará necessariamente o direito, mas sim o
que for mais justo e igualitário às partes, principalmente em causas
técnicas.

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 147


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
Arbitragem e as principais mudanças com a nova legislação

A arbitragem é por excelência ato a ser operacionalizado por


agentes capazes, utilizada para dirimir litígios que versem sobre
direitos patrimoniais disponíveis, nos casos em que não se tem
necessária a presença do fiscal da lei.
Deste modo, entende-se como direito patrimonial todos os
bens corpóreos ou incorpóreos, passíveis de avaliação econômica,
incorporados ao patrimônio de determinada pessoa, os quais esta,
assim desejando possa se desfazer. Deste modo, limita-se o objeto de
atuação do juízo arbitral.
Entretanto com a chegada da legislação, 13.129/2015, que
complementou a lei inicial, 9.307/96, ocorreram modificações, em
que há muito se falavam em possibilitar à Administração Pública
firmar acordos que tratem sobre direitos disponíveis, eis que então o
legislador foi adiante e especificamente possibilitou o ato, previu, de
forma genérica, a possibilidade de a Administração Pública valer-se
da arbitragem quando a lide versar sobre direitos disponíveis. Foram
acrescentados dois parágrafos ao art. 1º da Lei n.º 9.307/96, com a
seguinte redação:

1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da


arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais
disponíveis. § 2º A autoridade ou o órgão competente da
administração pública direta para a celebração de convenção de
arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.

Desse modo, quem terá competência para celebrar convenção


arbitral é a autoridade que teria este poder para, eventualmente,
assinar acordos e transações, de acordo com a legislação respectiva
a cada órgão.
A novel legislação também trouxe importante instrumento
à garantia de direitos, caso a arbitragem não seja frutífera, o
procedimento arbitral interrompe a prescrição, vejamos a inserção no
artigo 19, § 2º “A instituição da arbitragem interrompe a prescrição,
retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que

148  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


extinta a arbitragem por ausência de jurisdição”. A grande vantagem
é evitar o perecimento de direito, que de certo modo, fica abarcado
pelos instrumentos da prescrição e decadência.
As mudanças, entre a lei de 1996 e a legislação reformadora
de 2015, mostram que a própria arbitragem construiu posições
doutrinarias e jurisprudenciais. O novo Código de Processo Civil
concatenou com maestria, tanto em data de publicação, como
principalmente em conteúdo, o fomento a quebra da judicialização
de todos os conflitos. Ao passo que também incentivou a mediação,
e assim os meios alternativos de solução de conflitos.
O que se obtém, ao longo desta produção, é uma melhoria, em
termos amplos, à autonomia do procedimento, os árbitros ganharam
peso e autonomia nos momentos pré-convenção e pós-convenção,
a própria sentença arbitral se tornou autoexecutória, bem como
oportunizou o uso da lei em outros seguimentos, como fez na justiça
do trabalho e na administração pública.
A conclusão, quanto às melhoras, é que a lei se tornou muito
mais acessíveis aos diversos campos, trazendo novas possibilidades,
melhorando o fluxo judicial, e o mais importante, a satisfação da
tutela. Com o melhoramento, o procedimento arbitral se tornou
mais eficaz, respeitado e autônomo, colocando as partes em posição
de escolha do procedimento, seguro, capaz e funcional, traduzindo
assim, a intenção do legislador, a produção alternativa, de um meio
satisfatório, acessível e rápido ao cidadão, de ter os direitos líquido
e certo, com guarida constitucional, respeitados e garantidos, pois é
esta, então, a função da máquina estatal, a plenitude do bem estar
social e o respeito aos direitos constitucionais.
Ao difundir tal legislação e seu uso, é possível perceber a
intenção real do legislador, que a reeducação social, difundindo
certos comportamentos, trazendo mudança de mentalidade, para
assim devolver à sociedade o apoio judicial, no que é imprescindível
e necessário, auxiliando as iniciativas privadas e principalmente
o cidadão, que terá melhoria no serviço ofertado, e, por via de
consequência, satisfação das questões trazidas a debate.

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 149


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
Com a conscientização social e processual, finalmente será
possível à sociedade promover a paz social, não somente na melhor
maneira de solucionar seus conflitos, mas como um instrumento
transformador da vida pessoal e da abertura de novos instrumentos
profissionais, e por fim, de melhora ao cidadão e ao profissional
jurídico.

Análise de dados: entrevista com os juristas

Os dados colhidos nesta pesquisa foram coletados no mês


de maio de 2018, sendo fruto de entrevistas com uma conciliadora
judicial e três advogados, com atuação profissional ligada ao tema,
todos são de Teresina – PI.
Com o produto das respostas recolhidas, tornou possível,
ao pesquisador, ampliar o entendimento sobre a realidade do
tema na área que atua, e ampliar a concepção sobre a arbitragem,
delineando conceitos de maneira mais direcionada, e assim obter um
resultado mais ponderado e amplo no âmbito jurídico arbitral. Para
fins de análise das respostas obtidas, os entrevistados foram aqui
denominados como Conciliadora Judicial, Advogado 01, Advogado
02 e Advogado 03.
Os aspectos identificados com as respostas, embora com
pequenos pontos de divergência, apontam para um resultado
semelhante. A arbitragem é vista, analisando o fruto do
questionamento e cruzando as respostas, como um instituto bem
visto, e como uma saída eficaz para o esvaziamento do inchaço da
judicialização.
A arbitragem, embora não tão popular, carrega consigo
conceitos básicos que são inerentes a todas as respostas obtidas,
e assim traz também, uma informação externa que vem do prático
profissional, ou seja, a consciência da importância e da funcionalidade
do instituto.
Considerando que o tema proposto, é circundado da
problemática de falta de acesso e conhecimento de muitos, o que
inclusive é a barreira que impede a ampliação do uso deste instituto,

150  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


e forma base deste estudo, foram os entrevistados indagados sobre
o que entender por arbitragem, mais especificamente da seguinte
maneira: O que você entende por processo/procedimento de
arbitragem? Obtiveram-se as seguintes respostas:

CONCILIADORA JUDICIAL: é um procedimento presidido por


um profissional na área do litígio gerado entre as partes, sem
atuação estatal, ou judicial, na pronuncia da decisão meritória
que porá fim ao conflito instaurado.

ADVOGADO 1: Considerando o procedimento de arbitragem


como via legítima para solução de conflitos quando aos direitos
patrimoniais disponíveis. Não se trata de uma metodologia nova
uma vez que há muito tempo se percebe a técnica sendo utilizada
e antes mesmo de uma jurisdição pública institucionalizada.

ADVOGADO 2: A Arbitragem é um procedimento extrajudicial


para resolução de conflitos relacionados a direito patrimonial
e disponível. É um método bastante necessário, pois facilita a
conciliação entre as partes.

ADVOGADO 03: Forma de resolução de conflitos em que os


problemas jurídicos são deslindados sem a atuação do Poder
Judiciário

Dentro do obtido é possível se constatar que a arbitragem é um


instituto que possui funcionalidade, diante da menor burocratização,
e ainda um método necessário, para a realidade de procedimento
judicial.
Assim, com respostas semelhantes forma-se a ideia principal,
a vantagem do instituto, quanto meio extrajudicial, com formação
solidificada há largo transcurso de tempo, mesmo antes da
institucionalização jurídica deste, bem como a ideia de método
rápido e prático para a finalização de litígios, como meio alternativo,
posto que trata de direitos patrimoniais disponíveis. Alerta por fim,
da necessidade e importância do uso, para evitar o acionamento da
máquina judicial, atuando de maneira a evadir o elevado número de
feitos.

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 151


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
Verificado o entendimento comum, quanto ao instituto buscou-
se adentrar em um elevado ponto de pesquisa, que caracteriza as
razões da utilização da arbitragem como meio de esvaziamento
do volume processual nas varas e juizados, indagando-se aos
entrevistados, que por atuarem no ramo e conviverem no meio,
recebendo inclusive os reflexos do abarrotamento de feitos, quais
as vantagens do procedimento, como ele pode auxiliar, da seguinte
maneira: Dentro do seu conhecimento jurídico e tempo de serviço na
função que você vem exercendo, você considera esse procedimento
vantajoso? Por quê?

CONCILIADORA JUDICIAL: Sim, muito vantajoso, por inúmeras


razões, tanto pelo psicológico das partes, que se abalam menos,
como a possibilidade de haver o direito de escolher o árbitro,
a segurança jurídica que é forte e presente, a possibilidade das
partes chegarem a consenso que seja vantajoso para os dois, e
por fim a retirada do pleito das mãos do juiz, que muitas vezes
não tem conhecimento especifico, tendo que se valer de peritos e
demorando muito mais na resolução do problema que as partes
enfrentam, pois o judiciário brasileiro é muito falho, sendo bem
mais vantajoso em dados reais as partes a extrajudicialização dos
conflitos. Fora que se deixa para o judiciário, tudo aquilo que é
residual e de conhecimento do juiz, sem necessidade produção
exacerbada e trabalhosa de instrução processual.

ADVOGADO 01: Sim. É um procedimento vantajoso para


o universo jurídico em função do alcance da economia e da
celeridade processual com impacto na fluidez da função
jurisdição do Estado. É vantajoso também porque confere certa
autonomia na escolha da via a que se prefere optar para resolução
dos conflitos e estimula a relação de confiança entre as partes
envolvidas e no cumprimento dos pactos celebrados.

ADVOGADO 2: Sim, é muito vantajoso. As partes escolhem


quem será o árbitro para examinar a questão, e este deverá
analisa-la e emitir uma decisão conforme os paramentos a ele
impostos. Isso facilita muito para que o litígio seja resolvido,
uma vez que as partes já vão com o intuito de tentar resolve-lo
e o árbitro é alguém competente na matéria para analisa-la da
melhor forma, sendo, também, resolvida de maneira mais rápida.
O procedimento em si não é tão formal como no procedimento

152  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


judicial. A lei de arbitragem dá poder às partes para escolher como
o procedimento será encaminhado pelo árbitro. O procedimento,
também, é confidencial, uma vez que o mesmo é um meio privado
de solução de conflitos. Isso de certa forma é relevante para
as partes, pois as fazem ter um maior controle sobre quem vai
averiguar por fora o litígio em si.

ADVOGADO 03: Sim, pois admite uma atuação mais direta das
partes interessadas na solução do conflito, em razão do caráter
informal atinente ao procedimento de arbitragem.

Com relação ao confrontamento dos juristas, foi possível


perceber com facilidade a mesma opinião, que todos consideram o
procedimento como o meio válido e de mais eficiência, para dar o
escape e esvaziamento que o judiciário, abarrotado necessita. Outro
ponto positivo foi focado quanto ao psicológico das partes, posto
que o arrastamento dos processos judicializados traz não somente o
prejuízo de tempo, conforme coloca sabiamente Rocha (2017), mas
traz um verdadeiro dano moral, posto que desagua em frustrações,
expectativas de direito e de eficácia dentro de prazo curto, aliás diga-
se aqui, de um prazo aceitável, fora as dispendiosas e estressantes
idas e vindas a inúmeras audiências que muitas vezes, principalmente
em varas comuns, se fazem necessárias.
Isto quer dizer que o procedimento arbitral por ser rápido não
traz somente a prática positiva de diminuição do volume de feitos,
traz também, em via de consequência um melhor conforto mental às
partes, não somente pela escolha do árbitro, posto que é impossível
e vedado a escolha de juízo à justiça comum, como também, pela
menor quantidade de tempo gasto, que resulta em saúde mental
aos litigantes, uma vez que o procedimento arbitral de fato é célere
e reduz a carga de expectativas e frustração, que são inerentes ao
procedimento estatal.
Assim entendemos que a para a parcela populacional que
trabalha com o direito, e com os procedimentos judiciais, percebe
a arbitragem como o meio alternativo de eficácia não somente em
termos práticos de tempo e solução extrajudicial, mas também
como modo de libertar do litigante a tensão e a frustração, que

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 153


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
só danificam a saúde mental das partes, e que são sentimentos e
sensações negativas que cercam os promoventes, principalmente
quando a tutela jurisdicional é ineficiente, em tempo e resultado.
Outra questão levantada é quanto ao formalismo diminuto
do procedimento, vistas que o procedimento pode ser equitativo,
ou seja, pela decisão mais justa sem sequer se levar o direito em
conta, pois muitas vezes o formalismo legal exacerbado nem sempre
traz a solução mais justa. E a redução do formalismo é revertida
em vantagem, até para demonstrar que as partes são capazes de
estarem em situação de maior igualdade e paridade de armas. Bem
como estimula a confiança entre as partes, diante desta autonomia
conferida, o que estimula o cumprimento devido do acordo e até
mesmo acordos mais flexíveis.
Colocado como ponto de relevância, é a questão da capacidade
técnica do arbitro. Muitos feitos são mais demorados diante da
necessidade de instrução probatória, como a produção de perícias,
que atrasam o processo. Ao passo que o arbitro, conhecedor
específico do assunto trazido, muitas vezes não judiciais, tem maior
autonomia e competência suficiente para resolver a matéria posta
de uma maneira melhor, mais adequada e justa, ao passo que deixa
também ao judiciário, questões em que o conhecimento jurídico é
mais necessário que o técnico, específico direcionado.
Por fim, não se pode olvidar que as partes ao escolherem e
elegerem o procedimento arbitral e o próprio árbitro demonstra
boa vontade em solucionar a questão, já vão dispostas a resolver a
lide, garantindo um resulto que terá cumprimento e eficácia, o que
garante satisfação às partes.
Adentrando diretamente ao cerne, foram indagados os
juristas de como esse procedimento arbitral, por estar desatrelado
à burocracia e à ritualística necessárias ao devido processo legal, de
que maneira esse procedimento pode ajudar a melhorar a situação
do judiciário brasileiro, como pode tornar este Poder mais célere,
em que casos é possível sentir a melhora. Nesta esteira, assim se
manifestaram:

154  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


CONCILIADORA JUDICIAL: Durante os anos de atuação no
Tribunal de Justiça do Piauí, percebo que muitos processos se
resolveriam mais vantajosamente e rapidamente se as partes
acordassem entre si, deixar nas mãos dos poucos juízes questões
simples só torna a prestação da tutela jurisdicional praticamente
ineficaz, diante da demora então a diminuição de efeitos seria
a maior vantagem para o judiciário, sem mencionar o benefício
que traria as partes, e as decisões arbitrais se mais frequentes
poderiam ajudar até mesmo no ativismo judicial.

ADVOGADO 01: A melhoria da situação do judiciário em função


do procedimento arbitral ocorre diante da especial vantagem
quanto a economia e a celeridade processual, simplificando o
método de resolução de conflitos e disponibilizando a jurisdição
para resoluções onde a via arbitral ou mediada não possam
alcançar. Ademais, o procedimento reforça a cultura arbitral,
maior garantia jurídica aos negócios jurídicos envolvidos nesse
instituto e melhoria da pacificação social.

ADVOGADO 02: O ponto positivo é com relação ao


descongestionamento do Poder Judiciário. Muitos litígios
vão ao Judiciário de forma errônea por parte da sociedade
brasileira, uma vez que esta faz parte da cultura de litigância,
pensando que qualquer problema tem que ser solucionado
apenas por determinado Poder. Botando em pauta o processo
de arbitragem e abrindo seu conceito e estudo para a sociedade,
consequentemente faz a população entendê-la melhor,
resolvendo litígios que a Lei de Arbitragem (lei 9.307 de 1996)
ampara sem necessariamente acionar o Judiciário. Isto faz o
Judiciário ter menos processos, podendo analisar outros que são
obrigatoriamente resolvidos nesta esfera judicial. Desta forma, a
Justiça fica mais rápida e eficaz.

ADVOGADO 03: À proporção a arbitragem vai sendo empregada


pelos cidadãos, entende-se que ela desponta como uma opção
para resolver o problema da lentidão e abarrotamento de ações
do sistema judiciário brasileiro.

Importante ponto foi levando pelos entrevistados, inicialmente


quanto ao fato de levar tudo ao judiciário, questões patrimoniais
simples podem sim ser facilmente solucionadas em juízo arbitral e

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 155


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
com um resultado real, ou seja, com cumprimento das sentenças
arbitrais de maneira mais eficaz do que a execução forçada.
Vale lembrar que a maior vantagem, principalmente aos olhos
da Constituição da República Brasileira de 1988, que reforça o
devido processo legal, e o insere na legis brasileira, principio trazido
da doutrinação inglesa e americana, conhecido como due process of
law, é a efetividade da Tutela jurisdicional. A constituição prega, de
maneira louvável e para o benefício populacional, o acesso ilimitado
a justiça, e o deferimento do direito e a resguarda a fim de evitar
o perecimento de direito, através de processo, um procedimento de
julgamento devido, que siga padrões de igualdade às partes e um
tempo razoável de duração do feito.
Ocorre que tal processo dificilmente está sendo respeitado,
pelo abarrotamento e seguindo os princípios de igualdade entre as
partes e a boa-fé que envolve os litigantes que escolhem a arbitragem,
é possível perceber que o procedimento é mais eficaz no deferimento
desta tutela jurisdicional, que tem tamanha guarida constitucional.
E o resultado, que é positivo, traduz a real intenção do legislador,
em trabalhar com a realidade nacional, ofertando meios de garantir
o acesso à garantia dos direitos e livre gozo destes, de maneira
autônoma, e diante da flexibilidade garantir que as partes solucionem
a lide de modo eficaz de fato.
Levantado também, que o movimento arbitral pode gerar
frutos positivos que ajudariam no judiciário, em entendimentos
jurisprudenciais, na própria produção cientifica em si, utilizando
analogias, e demais semelhanças que tragam resultado positivo real
às partes.
Importante destaque merece, que a arbitragem, ainda que
heterocompositiva, traz à sociedade a ideia de resolver a questão com
mínimo de acordo entre as partes, dirimindo a cultura da litigância,
retirando as partes da posição de opostos, ou do processo como
uma luta a ser travada, e transformando o meio social, difundindo
uma cultura de menos conflitos e maior boa-fé.
Levando aos entrevistados a nova Lei Federal, n 13.125 de 2015,
que instituiu mudanças positivas na Lei de Arbitragem, n 9.307 de

156  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


1996, foram indagados, sobre como esta lei nova e suas mudanças
auxiliam ou prejudicam no procedimento, qual a opinião de cada
entrevistado sobre as mudanças trazidas com a lei reformadora. De
posse do documento em anexo, os juristas assim responderam:

CONCIALIADORA JUDICIAL: Acredito que foram positivas pois


deram mais autonomia e poder ao árbitro como a questão de
tutelas antecipadas e cautelares. O árbitro com mais autonomia
produz decisões mais eficazes e não somente isto, mas também
nos demais Campos de alcance da lei modificadora que trazem
mais facilidade ao uso do procedimento e maior segurança
jurídica.

ADVOGADO 01: As mudanças foram muito bem-vindas, pois fez


boa revisão do texto anterior e solucionou falhas preenchendo
lacunas que a lei havia deixado anteriormente. A carta arbitral e a
via arbitral possível para a administração pública direta e indireta
inauguraram uma nova ordem processual civil realmente mais
moderna. Há ainda o que se avançar, mas já comemoramos os
ganhos obtidos.

ADVOGADO 02: A lei trouxe pontos relevantes para


solucionar lacunas que existiam no processo de Arbitragem.
Resolvendo determinados problemas, a Arbitragem tornou-
se um procedimento mais sério, não deixando seus princípios
primordiais que facilitam as partes resolverem seus conflitos.

ADVOGADO 03: São de grande relevância, pois a nova lei tem


como alvo a aumento da área de emprego, da arbitragem, como
na possibilidade de inserção da convenção de arbitragem em
estatutos sociais de empresas. A nova legislação irá auxiliar o
Poder Judiciário, dando opções de conciliação, podendo ainda
proporcionar o consenso entre as partes litigantes com rapidez
e eficácia.

Analisando a manifestação apresentada, fora possível perceber


que, em modo geral, as respostas foram positivas e semelhantes.
Ao passo que foi considerado como meio de maior autonomia ao
arbitro, que possibilitou o uso de tutelas de urgência, conforme
destaca, muito bem, Rocha (2017), em sua obra, o arbitro, com

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 157


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
a possibilidade do deferimento de tutelas, teve meios de garantir
direitos que antes não seriam sequer apreciados em arbitragem.
Neste foco a ampliação da lei permitiu a chegada de novas
situações, antes restritas ao judiciário, e análise destas, atuando de
modo louvável a impedir o perecimento do direito do cidadão, unindo
a técnica arbitral ao conhecimento jurídico, e ainda ao meio de
rápida solução de conflito, o perecimento de direitos, é praticamente
inexistente, diante da possibilidade de atuação precisa e célere do
árbitro e por fim, garantindo resultado mais adequado e justo.
Também fora bem posicionado, em resposta, pelos juristas,
quanto a preenchimento de lacunas, que não ocorreram, em
momento oportuno, ao legislador à feitura da legislação inaugural
ao procedimento arbitral nacional, a Lei 9.307 de 1996. E que agora
solucionam tais questões, mantendo e reforçando a intenção inicial
do legislador, não deixando a legis originária perder seus princípios
primordiais, e ainda ofertando novas possibilidades.
A atividade judicante, por força da função estatal, por muitas
vezes limita os atos do advogado, retirando em parte sua maior
atuação no feito, como foi posto por jurista entrevistado, o uso mais
frequente do procedimento arbitral, expande e incentiva a maior
atuação ao advogado, melhora sua situação no mercado, auxiliando
a formação de mais soluções às lides de maneira extrajudicial e
equilibra as vias extrajudiciais, como promotoras de pacificação e
solução de lide, dando vazão aos conflitos e encerram grande parte
dos feitos judicializados, transformando a cultura, trazendo um modo
mais prático, rápido, eficaz e que beneficia a todos os envolvidos.

Considerações finais

Por meio deste estudo, visualizou-se os estigmas que assolam


o acesso ao Poder Judiciário, o elevado número de processos, a
morosidade, como efeito da quantidade de servidores públicos
ser inversamente proporcional ao número de feitos, a cultura da
litigância, ou seja, um sistema abarrotado que não corresponde mais

158  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


as necessidades populares, e assim, como a utilização da arbitragem
pode auxiliar na melhoria desta situação.
O escopo deste trabalho visava, em resposta ao questionamento,
de como as melhorias vindas da reforma na legislação arbitral, Lei
Federal 13.129/2015, e a aplicação deste instituto como meio de
resolução de conflitos pode auxiliar o judiciário e as partes a obterem
a tutela jurisdicional de modo mais eficaz.
Pelo estudo realizado, observa-se que a redação da lei que
trouxe as melhorias ao sistema arbitral, extrai-se o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, ou seja, o deferimento da tutela
jurisdicional. Cabe deixar explícito, que a tutela jurisdicional tem
como objetivo deferir o direito pleno à parte que o necessite ou tenha
tido esse direito violado, e assim, por um fim justo aos conflitos
gerados, sendo o processo judicial o instrumento de resolução destes.
Assim, se pode deduzir, a partir deste trabalho, que o instituto
da arbitragem é sim um meio pleno para se atingir a tutela, através
da aplicação da jurisdição, deferida ao arbitro, e é por certo, forma
plena de minimização do inchaço do Judiciário, e mais ainda, uma
forma mais flexível, e de empoderamento das partes, em atuarem de
uma maneira mais livre, e ainda garantidos pela eficácia da lei, de
solucionar o conflito instaurado e sim, permitir que as partes atinjam
com mais eficácia o direito que buscam.
Garantir às partes a liberdade de atuação, além de trazer enorme
benefício social, permite uma solução de conflitos de maneira plena
e com segurança jurídica. Porque é importante lembrar que todas
as formas livres de resolução de conflito, são, em necessitando,
submetidas à apreciação do judiciário, e ainda ao mesmo tempo
a sentença arbitral tem peso de execução. Ou seja, é um sistema a
prova de falhas, uma vez que permite o reexame pelo judiciário, se
necessários, bem como permite a autoexecutoriedade da sentença,
sem a exigência de homologação judicial.
Tudo isso implica em dizer que a hipótese trazida, como
melhoria do sistema, ao cidadão e aos próprios servidores, ou seja, à
população por completo, tem benefícios com a aplicação do instituto
arbitral.

ARBITRAGEM NO BRASIL, APLICAÇÕES E INOVAÇÕES: A REFORMA 159


LEGISLATIVA DA LEI 13.129/2015 E SUAS MELHORIAS NA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EXTRAJUDICIAIS
Assim, também se evidenciou pelos estudos às respostas
trazidas pelos juristas em prática diária, os benefícios de melhoria
do psicológico das partes, uma vez que têm atuação e voz direta,
não somente no direito material, mas no próprio procedimento. Um
dos objetivos específicos deste estudo, pela própria interpretação da
legem permite a percepção da celeridade que resulta na aplicação do
diploma arbitral, após as melhorias da Lei Federal 13.129 de 2015.
Conforme afirmado pelos profissionais da área, o uso da
arbitragem na pratica, além de refletir soluções melhores e mais
rápidas e eficazes, aumentam também a melhor atuação do operador
do direito.
Portanto, o tema objetivado, é um movimento visivelmente
crescente, que é, ao momento a melhor solução a inúmeras demandas
que abarrotam o judiciário, impedindo a solução em tempo razoável
e de modo eficaz.
O Judiciário brasileiro necessita de medidas urgentes que
incentivem os métodos alternativos de resolução de conflitos e,
principalmente ao juízo arbitral, por serem notoriamente um meio
rápido e eficiente de se conferir às partes a tutela necessária.
Deve-se buscar o incentivo à utilização da Arbitragem,
principalmente, trabalhando na mudança da cultura dos atuantes
no ramo jurídico, pois à cultura do litígio é também entrave a
minimização dos efeitos negativos do largo volume processual.
Assim, é importante o incentivo constante ao estudo e uso deste
procedimento, que por tamanha importância chamou a atenção do
legislador, pelo que se nota pela reforma e melhoramento do corpo
legal, e por ser o meio que possuem os cidadãos e profissionais do
direito, como maneira prática, célere, eficiente para a diminuição
do abarrotado Poder Judiciário. A mudança deve ser iniciada com
simples atitudes, com a utilização dos métodos alternativos de
solução de conflitos, para garantir ao judicante apenas o residual, que
o cidadão e o jurista não possam dispor. A utilização da arbitragem
é, portanto, meio pleno e capaz de minimizar o agravado volume
judicial, garantindo a sociedade, o que se espera, o deferimento da
tutela jurisdicional de modo que este decisum cumpra, portanto, os

160  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


efeitos para que foi constitucionalmente criado, auxiliando cada vez
mais na pacificação social.

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nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui
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setembro de 1996, e a Lei no 6.404, de 15 de dezembro de
1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e
dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem
a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da
arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos
casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga
dispositivos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. Disponível
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162  Sade Natan Amorim Linhares • Arianne Soares de Souza


O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL
PARA O APENADO PORTADOR DE
TRANSTORNO MENTAL

Danielle de Sousa Cunha


Carlos Márcio Gomes Avelino

Introdução

D
urante muitos anos, as pessoas portadoras de
transtorno metal viveram excluídas, afastadas e
estigmatizadas, eram tratadas como animais não
tendo direitos e oportunidades em virtude de não fazerem parte do
padrão imposto pela sociedade, a maioria da população, de certa
forma, negligencia a existência destas pessoas e prefere colocar uma
venda nos olhos acreditando que essa é a melhor forma de encarar o
problema.
Com o surgimento da Lei nº 10.216/2001, que trata da Reforma
Psiquiátrica pôde-se observar um redirecionamento da assistência em
saúde mental, oferecendo-se, assim, melhor tratamento nos serviços
de base comunitária e proteção aos direitos das pessoas portadoras
de transtorno mental.

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 163


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
O Código Penal prevê em seu artigo 38 que as pessoas, mesmo
encarceradas, continuam tendo seus direitos reservados, devendo ser
respeitadas em sua condição de cidadão, garantindo-se, portanto,
a manutenção dos direitos sociais. Porém, no âmbito prisional, só
vieram surgir as políticas sociais após a criação da Lei de Execuções
Penais (LEP). O foco da LEP é a reintegração social, regulando os
direitos e os deveres da população aprisionada para com a sociedade
e o Estado, buscando a prevenção do crime e o retorno ao convívio
social da pessoa presa.
Assim, o estudo tem o seguinte problema: Quais as medidas
adotadas para a recuperação e reinserção na sociedade do apenado
portador de transtorno mental no município de Teresina – Piauí?
Tem-se como hipóteses que, a recuperação e reinserção do apenado
com transtorno mental no sistema prisional no município de Teresina
– Piauí não são efetivadas tendo em vista a inobservância do sistema
jurídico em ter um olhar diferenciado para o portador de transtorno
mental.
O objetivo geral desta pesquisa é analisar, no sistema prisional
de Teresina – Piauí, as medidas adotadas para recuperação e
reinserção na sociedade do apenado portador de transtorno
mental. E os objetivos específicos: caracterizar os direitos da pessoa
portadora de transtorno mental a partir das disposições da lei da
reforma psiquiátrica e do Estatuto da Pessoa com Deficiência;
descrever direitos e garantias do portador de transtorno mental e as
medidas adotadas no sistema prisional de acordo com as disposições
legais; identificar as atividades desenvolvidas e medidas adotadas no
sistema prisional em Teresina – Piauí para promover a recuperação e
reinserção dos apenados.
O presente estudo justifica-se pela necessidade da pesquisadora
em aprofundar seus interesses e estudos acerca do assunto, que foi
motivado após assistir um documentário intitulado “A Casa dos
Mortos”, o referido documentário, mostra a realidade do sistema
prisional para portadores de transtorno mental, designados por
“loucos criminosos”. É importante que a sociedade possa ter um olhar
diferenciado para estas pessoas, aprendendo a melhor forma de lidar

164  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


com a loucura e o crime, tendo como meta a reinserção e reintegração
destas em suas famílias, destinando a elas um tratamento de saúde
adequado, para que assim possa haver a inclusão e aceitação, dessa
forma, considerando-as como integrantes especiais da família e da
sociedade.
Para desenvolvimento do conteúdo e construção deste trabalho,
optou-se pela abordagem qualitativa, sendo esta caracterizada
por uma tentativa de compreensão detalhada das características
e significados situacionais apresentados pelos entrevistados. Em
relação aos objetivos, tendo a necessidade de explorar fontes e
esclarecer a temática, optou-se pela pesquisa exploratória realizada
no município de Teresina - Piauí, proporcionando à pesquisadora
uma maior familiaridade com o problema. Tem-se como base legal a
Constituição Federal de 1988, a Lei de Execução Penal, Lei da Reforma
Psiquiátrica e Estatuto da Pessoa com Deficiência. A base teórica
da pesquisa tem como principais autores Amarante (1995), Barros
(2003), Costa (2017), Greco (2011). Para a obtenção de dados,
utilizou-se um questionário com questões abertas. Fizeram parte da
pesquisa, um psicólogo, uma assistente social, um psiquiatra e um
advogado.
Este trabalho aborda, nas seções seguintes, os direitos da
pessoa acometida de transtorno mental, mencionando a legislação
pertinente ao tema, como a Constituição Federal de 1988, Lei da
Reforma Psiquiátrica em conjunto com o Estatuto da Pessoa com
Deficiência. Foram trabalhadas de acordo com as disposições legais
seus direitos e garantias das pessoas no sistema jurídico e de repressão
penal, seguindo na sequência de análises das medidas adotadas para
recuperação e reintegração do apenado na sociedade.

Os direitos da pessoa portadora de transtorno mental no contexto da


Lei da Reforma Psiquiátrica e do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Todo e qualquer cidadão é provido de direitos, sobretudo,


os direitos fundamentais. O artigo 5º da Constituição Federal
trata que todo e qualquer cidadão tem direito à vida, à igualdade,

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 165


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
à liberdade, à segurança e à propriedade. Sendo estes direitos
inalienáveis, independe de cor, raça, sexo, idade ou religião. A tortura,
discriminação, preconceito e pena de morte configuram-se como
atentados a estes direitos que são pertencentes a todo e qualquer
cidadão desde a concepção até a morte.
Segundo Amarante (1995) a reforma psiquiátrica foi um
movimento social que ergueu-se nas primeiras décadas do século XX,
com objetivo de modificar o caráter supressivo e violento ofertado
aos pacientes internados em asilos psiquiátricos. Pode-se observar
que o atendimento feito em hospitais psiquiátricos, ao longo dos
tempos era segregador e ineficaz.
Para Goffman (2007, p. 52), “[...] a internação psiquiátrica
tornou-se sinônimo de custódia e um veículo de mortificação do eu”.
O hospício e o manicômio judiciário, com suas cruéis propriedades
iatrogênicas, ao invés de propiciar um tratamento terapêutico,
reforçam a doença mental, sem dar qualquer tipo de oportunidade
para que o paciente possa se responsabilizar por seus atos.
A Lei nº 10.216/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica) surgiu com
o intuito de aprimorar e garantir os direitos fundamentais dos
portadores de transtornos mentais, interrompendo a cultura do
desrespeito e maus tratos. Sendo que o artigo 2º da referida lei, trata
dos direitos da pessoa portadora de transtorno mental.
Representando um marco na abordagem jurídica e social, foi
somente após Lei da Reforma Psiquiátrica que o sistema público
de saúde passou a destinar recursos específicos para a área de
saúde mental, tornando o conceito de loucura multidisciplinar. O
diagnóstico da doença passou a ter parâmetros bem mais amplos,
possibilitando ao portador de transtorno mental, cidadania, dando-
lhes o direito de retornar à sociedade, mesmo que de forma incipiente,
razão pela qual, a lei é considerada um grande avanço na seara do
direito.
Após o marco da Lei da Reforma Psiquiátrica, eis que surge
a Lei nº 13.146/01 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) instituída
pela inclusão da pessoa com deficiência tanto física quanto mental.
Anteriormente, a lei da reforma psiquiátrica estabeleceu medidas

166  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


assistencialistas e protetivas, assegurando os direitos de cor, raça,
credo, orientação sexual, saúde, família, dentre outros, lançando
uma luz sobre a matéria. Entretanto, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência tem uma diferente abordagem, tendo como foco principal
a liberdade, visando autonomia individual e acessibilidade, vindo a
alterar importantes dispositivos do Código Civil.

Medidas adotadas para recuperação e reintegração do portador de


transtorno mental na sociedade

A Lei da Reforma Psiquiátrica reconduz o modelo assistencial


em saúde mental, das pessoas portadoras de transtornos mentais,
ordenando sobre a proteção e seus direitos. Suas principais alterações
são: salvaguardar os direitos referentes às pessoas portadoras de
transtorno mental colocando como responsabilidade do Estado
a criação; e o desenvolvimento de políticas públicas pertinentes à
área, e o esforço da reintegração social, com finalidade terapêutica.
A ideia principal da Reforma é a diminuição de leitos psiquiátricos,
efetivamente, tratando do fim do isolamento total, para um modelo
de tratamento em meio familiar.
A reforma psiquiátrica tem como objetivo possibilitar o
convívio social mais amplo dos portadores de transtorno mental,
preconizando a reinserção social destes indivíduos e a ruptura do
modelo de internação hospitalar, propondo um olhar diferenciado,
visando reintegrá-los no meio social.
Considera-se que a exclusão e o enclausuramento, por si só,
agravam ainda mais a condição psíquica do portador de transtorno
mental. Em contra partida os serviços substitutivos aos hospitais
psiquiátricos têm como objetivo sua reinserção.
A Política Nacional de Saúde Mental no Brasil, buscando
consolidar um modelo de atenção à saúde mental aberto e de
base comunitária, pautada na Lei da Reforma Psiquiátrica, oferece
cuidados com base nos recursos que a comunidade apresenta e
garante livre circulação das pessoas com transtorno mental pelos
serviços, cidade e território.

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 167


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) foram criados
com o objetivo de substituir os Hospitais Psiquiátricos, estimulando
a integração social e familiar, incentivando a busca da autonomia
e a geração de emprego e renda, fazendo com que os portadores
de transtorno mental, sejam reintegrados na sociedade, deixando,
assim, de ser estigmatizados e excluídos.
O principal objetivo da Reforma é fazer com que o portador
de transtorno mental saia da situação de isolamento, mudando
sua lógica de realidade. É importante salientar que a internação
hospitalar só é recomendada em casos extremos, caso as outras
formas de tratamento não tenham dado o resultado esperado.
Segundo a Lei da Reforma Psiquiátrica, a internação pode-se dar
de três maneiras: “a involuntária, a pedido de terceiros ou sem o
consentimento do usuário; ou a compulsória sendo encarregado da
Justiça e de responsabilidade do Ministério Público”.
Classificar e caracterizar uma pessoa portadora de transtorno
metal é um processo deveras abrangente, pois é necessário
compreender que os transtornos psíquicos e seus tratamentos devem
ter novas formas de inclusão e estratégias de modo a possibilitar ao
paciente uma expansão do seu exercício de cidadania.

O sistema de repressão penal para o apenado portador de transtorno


mental: análise e discussão

Os dados obtidos na presente pesquisa foram colhidos por


meio de um questionário contendo quatro perguntas abertas
aplicadas nos meses de agosto e setembro de 2018. Os sujeitos da
pesquisa eram um psiquiatra, um psicólogo, uma assistente social
e um advogado. As respostas obtidas permitiram à pesquisadora a
observação de forma mais próxima da realidade em que está inserido
o fenômeno estudado, percebeu-se, durante a pesquisa, que apesar
das significativas mudanças ainda é um tema pouco explorado, tanto
no âmbito jurídico como em meio à sociedade.
Diante das respostas, com relação à matéria estudada, foram
detectados aspectos divergentes e semelhantes com relação aos

168  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


direitos do apenado portador de transtorno mental dentro do
sistema de repressão penal, os quais estão previstos na Constitucional
Federal de 1988 que em seu artigo primeiro denominado “dignidade
da pessoa humana” e também no seu artigo quinto da CRFB/88,
abrangendo o “direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
[...]”, na Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001 que dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtorno mentais,
na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 que institui o Estatuto da
Pessoa com Deficiência destinada a promover e assegurar o exercício
dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa portadora de
deficiência, tendo como base a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência.
Nessa linha de pensamento, com vistas a esclarecer o fenômeno
estudado, os entrevistados foram questionados, de acordo com
os dispositivos legais, quais os direitos da pessoa portadora de
transtorno mental, obtendo-se as seguintes respostas:

PSIQUIATRA: De acordo com a Lei nº 10.216, as pessoas


portadoras de transtorno mental têm direito a tratamento em
serviços de base comunitária. A Lei nº 10.708 tem o Programa de
Volta para Casa na qual tem um suporte financeiro para egressos
de internações psiquiátricas de longa permanência em Hospitais
de Custódia e a Lei nº 13.146/2015 de Inclusão da pessoa
com deficiência que rompe com a condição de incapacidade
absoluta; direito a voto; casamento; educação; trabalho; adoção;
sexualidade e o BPC (Benefício de Prestação Continuada) da Lei
Orgânica da Assistência Social – LOAS – salário mínimo mensal a
idosos maiores de 65 anos ou à pessoa com deficiência.

PSICÓLOGO: A reforma psiquiátrica Lei nº 10.216/11 garante e


protege e protege os direitos de pessoas com transtornos mentais,
redirecionando modelo assistencial à saúde. Esta lei permite
usufruir dos direitos da cidadania, a promoção, reabilitação e
integração social.

ASSISTENTE SOCIAL: A Lei nº 10.708/2003, institui o auxilio-


reabilitação psicossocial para suporte financeiro à reintegração
social de usuários acometidos de transtornos mentais, egressos
de internações psiquiátricas de longa permanência, a mesma lei

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 169


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
teve papel fundamental nessa história de conquista de direitos
reservados aos portadores de transtorno mental.

ADVOGADO: Prima facie e como regra geral, a pessoa portadora


de transtorno mental detém todos os direitos e garantias
individuais preconizados na Constituição Federal. Além desse rol
não exaustivo, diplomas recentes têm incluído no ordenamento
jurídico pátrio, direitos que surgiram em decorrência da evolução
da medicina, das ciências sociais e do próprio conceito de pessoa
humana como sujeito de direitos, numa visão ampla de assegurar
a inclusão social e a cidadania. Podemos citar como exemplo as
Leis nº 10.216/2001 e nº 13.146/2015.

Nota-se a semelhança nas respostas dos sujeitos. De uma forma


geral todos citaram dispositivos legais que garantem os direitos da
pessoa portadora de transtorno mental. Destaca-se que em todas as
respostas foi, visivelmente, presente a Lei da Reforma Psiquiátrica.
Entretanto, apenas o psiquiatra e a assistente social citaram a Lei
nº 10.708/2003 de auxílio-reabilitação psicossocial, que estabelece
o valor de duzentos e quarenta reais, pelo período de um ano, para
pacientes acometidos de transtorno mentais, desde que o paciente
tenha ficado internado pelo período mínimo de dois anos ou mais
sendo este valor uma forma de integralizar o portador de transtorno
de volta à sociedade.
Ademais, é importante ressaltar que apenas o advogado
expressou de modo mais específico, os princípios fundamentais e os
direitos e garantias fundamentais da pessoa humana presentes no
artigo primeiro e no artigo quinto da Constituição Federal que engloba
respectivamente a “dignidade da pessoa humana” e o “direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança [...]”. A despeito disso, Sarlet
(2012), afirma que a dignidade da pessoa humana é uma qualidade
distintiva e intrínseca de cada ser humano que o faz merecedor
da mesma consideração e respeito por parte da comunidade e
do Estado, neste sentido, implica em um complexo de deveres e
direitos fundamentais, assegurando à pessoa garantias e condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, dando proteção contra
todo e qualquer ato de cunho desumano e degradante e promovendo

170  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


a participação na vida em comunhão com os demais seres humanos,
sendo corresponsável e ativo nos destinos da própria existência.
Verificados os dispositivos legais que assegurem a existência
dos direitos e garantias do apenado portador de transtorno mental,
buscou-se saber dos entrevistados quais os direitos e garantias do
portador de transtorno mental que devem estar presentes no sistema
de repressão penal, obtendo-se como resposta:

PSIQUIATRA: Os mesmos direitos de uma pessoa que não é


portadora de nenhum transtorno.

PSICÓLOGO: Direito de cidadania, medida de tratamento


especial de acordo com o transtorno mental e adequação a
política prisional com determinações na Lei de Execução Penal,
priorizando a reintegração social.

ASSISTENTE SOCIAL: A Lei 10.216/2001 foi uma conquista do


movimento social organizado e que deu respaldo e legitimidade
ao processo da Reforma Psiquiátrica, pois dispõe sobre a
proteção das pessoas com transtornos mentais e redireciona
todo o modelo assistencial na área reconhecendo alguns direitos
como ter garantia de sigilo nas informações prestadas; ter livre
acesso aos meios de comunicação disponíveis e ser protegida
contra qualquer forma de abuso e exploração.

ADVOGADO: O portador de transtornos mentais, apesar de,


em um viés político, não ser considerado cidadão, ele detém
cidadania ampla pertinente aos direitos e garantias fundamentais
estabelecidos na Constituição da República, incluindo os de índole
penal. Ao lado disso, a LEP, no seu art. 41, elenca um rol de direitos
dos presos que, levando em conta o grau de transtorno mental
do apenado, também são estendidos às pessoas portadoras de
transtorno mental. Direito importante ainda é a internação em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e, igualmente, o
próprio tratamento ambulatorial, quando indicado, com todos
os seus consectários.

Com as respostas obtidas, contatou-se que todos os


entrevistados compartilham do mesmo ideário em relação aos
direitos e garantias que devem estar presentes no sistema de

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 171


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
repressão penal. O psiquiatra abordou de uma forma geral que os
apenados portadores de transtorno mental têm os mesmos direitos
de qualquer cidadão, a assistente social, faz referência à Lei da
Reforma Psiquiátrica, a referida lei expõe em seu artigo primeiro e
artigo segundo, parágrafo único, que são assegurados sem qualquer
forma de discriminação os direitos e a proteção das pessoas com
transtorno mental.
Ressalta-se ainda que o psicólogo e o advogado citaram a Lei
de Execução Penal que contempla expressamente os direitos básicos
dos apenados, tendo eles ou não, transtorno mental. Na teoria, as
penas privativas de liberdade têm por finalidade a readaptação social
reduzindo a criminalidade, porém na prática, o sistema prisional
brasileiro vigente e a legislação penal são incompatíveis com seus
objetivos, tendo em vista as razões ambientais e subumanas a que
são submetidos seus apenados. Ao referir-se a tal assunto, Basaglia
(1985) atesta que o apenado com transtorno mental é um homem
sem direitos, à mercê, dos julgadores da sociedade que o excluiu e o
afasta do meio social.
Foucault (2013) destaca que o sistema carcerário forma-se
por um instrumento utópico de ressocialização, não recupera e não
contribui para diminuição das práticas delituosas, mas apenas exclui
o apenado do ângulo das mazelas sociais, sendo criado somente,
para atender aos interesses capitalistas.
No sistema carcerário brasileiro, vários fatores têm contribuído
para o desrespeito e a violação dos direitos fundamentais, com vistas
a compreender e a esclarecer o fenômeno estudado, os entrevistados
foram questionados a respeito da possível violação dos direitos do
portador de transtorno mental dentro do sistema de repressão penal.
Acerca disso, obtiveram-se as seguintes respostas:

PSIQUIATRA: Paciente submetido a condições insalubres e


superlotação no sistema carcerário.

PSICÓLOGO: Maus-tratos; desrespeito a situação de enfermidade


mental; ausência do devido acompanhamento e suporte da
equipe de saúde, insalubridade e precarização do ambiente.

172  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


ASSISTENTE SOCIAL: A maior violação na opinião desta
entrevistada é o prazo, ou seja, o limite para a aplicação da medida
de segurança, ademais o modelo atual em que as medidas de
segurança são aplicadas, fere princípios constitucionais daquele
submetidos a elas.

ADVOGADO: Talvez a maior violação dos direitos do portador de


transtorno mental dentro do sistema prisional seja as péssimas
condições do próprio sistema, que não lhe oferece tratamento
adequado e individualizado, repercutindo diretamente em sua
recuperação e reinserção social.

Com relação às respostas obtidas, observa-se que todos os


entrevistados identificaram violações, em que é possível atribuir
ao portador de transtorno mental dentro do sistema de repressão
penal. De certa forma, as respostas obtidas não foram idênticas,
entretanto demonstraram-se semelhantes no que tange ao conjunto
considerado.
A respeito dessa constatação, verifica-se os apontamentos
de Greco (2011) afirmando que a dignidade da pessoa humana é
um fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo um
princípio constitucional hierarquicamente superior. Neste viés, fica
proibida a cominação de penas de natureza aflitiva ou cruéis, pois
ao legislador infraconstitucional são considerados extrajurídicos a
criação de tipos penais incriminadores que vão contra a dignidade
da pessoa humana. Entretanto, é importante ressaltar, que mesmo
legitimado constitucionalmente, o maior violador destas leis, em
muitas situações, é o próprio Estado esquecendo-se de que o limite
e a atuação são vinculados aos direitos fundamentais e não como
forma de manutenção e controle da ordem.
Na mesma linha de considerações, Grego (2011) afirma que,
diariamente, são afetados em sua dignidade indivíduos submetidos
ao cumprimento de penas privativas de liberdade dentro do sistema
de repressão penal, pois enfrentam problemas como superlotação,
ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos,
dentre outros.

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 173


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
Por fim, Karam (2009) acrescenta que a aplicação das medidas
de segurança tem caráter perpétuo, pois quando se outorga tal medida
troca-se a democracia por autoritarismo e ao invés de conquistar
segurança tem-se apenas a perda da liberdade, agigantando ainda
mais o seletivo poder punitivo do Estado.
Sob essa linha de considerações e ao contrário do que a
maioria pensa, a criação do sistema de repressão ao portador de
transtorno mental não teve como objetivo submeter tais apenados
a tratamento, pelo contrário, objetivou colocar em funcionamento
mecanismos de controle social, com a finalidade de aniquilar
personalidades perigosas, sem que houvesse qualquer afligimento
de cada paciente em relação à subjetividade do tratamento. Diante
disso, foi questionado aos entrevistados quais as medidas adotadas e
atividades desenvolvidas para promover a recuperação e reintegração
dos apenados portadores de transtorno mental?

PSIQUIATRA: Desconheço qualquer atividade.

PSICÓLOGO: No Piauí temos a construção de projeto


terapêutico singular individual; tratamento na rede de
atenção a saúde; acompanhamento clínico, social e jurídico;
realização de entrevistas com o usuário visando à conclusão do
acompanhamento e verificando a efetivação e inserção em meio
social.

ASSISTENTE SOCIAL: Acompanhamento das medidas aplicadas


de reconstrução social a cada internado que retorna ao convívio
familiar através de ações desenvolvidas pelos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e Centros de Referencia de Assistência Social
(CRAS)

ADVOGADO: Em virtude de serem questões diretamente


relacionadas com a vivência prática, não tenho conhecimento.

De acordo com as respostas obtidas, pode-se observar que o


psiquiatra e o advogado não têm qualquer informação em relação ao
questionamento abordado. Porém o psicólogo e a assistente social
citaram medidas terapêuticas aplicáveis aos apenados dentro do

174  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


sistema de repressão penal no Estado do Piauí. Segundo Costa (2017)
o grande marco legal para acompanhamento e avaliação destas
medidas surgiu com a publicação da Portaria nº 94, de 14 de janeiro
de 2014, que resultou em discussões e debates realizados por várias
instituições que por meio de um grupo técnico tratou de questões
pertinentes aos portadores de transtorno metal dentro do sistema
prisional e em uma ação conjunta ao Ministério da Saúde, Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e Rede de Atendimento Psicossocial
(RAPS), criou as Equipes de avaliação e acompanhamento das
medidas terapêuticas aplicadas às pessoas portadoras de transtorno
metal em conflito com a lei (EAPs).
A despeito disso, Costa (2017) afirma que as Equipes de
avaliação e acompanhamento das medidas terapêuticas aplicadas
às pessoas portadoras de transtorno metal em conflito com a lei é
formada por psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, educadores
físicos, enfermeiros e advogados. Estes profissionais segundo a
Portaria nº 94, de 14 de janeiro de 2014, deverão realizar atribuições
como estudos integrais e multifaces a respeito das condições saúde
e sociais das pessoas portadoras de transtorno mental em conjunto
com as relações familiares e sociais.
Nos termos da Lei nº 10.216/2001 o sistema de justiça criminal,
juntamente, com o sistema de saúde devem garantir a individualização
das medidas avaliando-as e acompanhando-as; e, por fim, o
recebimento na Rede Socioassistencial e na Rede de Atenção à Saúde
do recebimento e sensibilização dos desinstitucionalizados, atuando
como referência técnica e como polos de apoio e capacitação dos
que atuam no conjunto de instituições que propiciam tais medidas.
De acordo com Costa (2017), o trabalho das Equipes de
avaliação e acompanhamento das medidas terapêuticas aplicadas às
pessoas portadoras de transtorno metal em conflito com a lei (EAPs)
visa através de instrumentos apartar o método vigente de asilamento
e exclusão propiciando a reinserção social, resgatando a cidadania a
partir de um método comunitário.

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 175


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
Considerações finais

Este estudo analisa o fenômeno do apenado portador de


transtorno mental dentro do sistema de repressão penal a partir
de considerações delineadas entre concepções e ideias expostas
que partiu do seguinte problema: Quais as medidas adotadas para
a recuperação e reinserção na sociedade do apenado portador de
transtorno mental no município de Teresina – Piauí? Constatou-
se, portanto, com base na Constituição Federal de 1988, na Lei de
Execução Penal, na Lei da Reforma Psiquiátrica e Estatuto da Pessoa
com Deficiência, que no Brasil há um processo evolutivo de reforma
psiquiátrica que vem fundamentada nos conceitos de inserção
social e dignidade da pessoa, aplicando significativas mudanças às
pessoas portadoras de transtorno mental buscando a evolução de
novas práticas de atenção a saúde mental, que projeta a efetivação
da desinstitucionalização, buscando a consolidação de serviços
alternativos inseridos no contexto descentralizado do Sistema Único
de Saúde (SUS).
Inicialmente, partiu-se da hipótese de que a recuperação e
reinserção do apenado com transtorno mental no sistema prisional
no município de Teresina – Piauí, não são efetivadas tendo em vista a
inobservância do sistema jurídico em ter um olhar diferenciado para
o portador de transtorno mental. Todavia, pode-se observar que, em
boa parte do país, os apenados portadores de transtorno mental que
se encontram sob tutela do Estado, estão reclusos em Hospitais de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico, sem receber o devido tratamento
e em condições insalubres, inóspitas e sub-humanas tendo seus
direitos fundamentais e de cidadania violados.
Isto ocorre, tendo em vista que, historicamente, o sistema de
repressão penal e o sistema de justiça criminal titulam o apenado
portador de transtorno mental como muito perigoso, mesmo
compreendendo que o indicador de reincidência destes pacientes
judiciários é ínfimo comparado ao infrator comum, desconsiderando,
assim, informações prestadas pelos profissionais de saúde mental que
afirmam que o perigo não está no “louco infrator” e sim na falta de

176  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


assistência, já que a grande maioria dos delitos ocorre nos momentos
em que o infrator está desassistido de qualquer tratamento.
Segundo dados do Sistema de Informações Penitenciárias
(Infopen, 2014), o sistema prisional brasileiro dispõe de 2.497
(duas mil quatrocentos e noventa e sete) pessoas em cumprimento
de medida de segurança na modalidade de internação psiquiátrica,
sendo 33 mulheres e 813 homens. Assim, 85% destas pessoas estão
em hospitais de custódia, alas psiquiátricas e tratamento psiquiátrico
e os outros 15% restantes em unidades comuns do sistema prisional.
Com base nos objetivos propostos nesta pesquisa, pode-se
assegurar que, com fundamento nos dados analisados, as hipóteses,
em parte, foram alcançadas, pois é importante destacar que mesmo
após conquistas constitucionais em relação aos direitos de cidadania,
leis específicas em relação aos cuidados à saúde mental e inclusão
do direito social ao apenado portador de transtorno mental, eles
continuam tendo seus direitos violados, sujeitos a internações em
estabelecimentos com características asilares e excluídos do convívio
social.
Ainda com base nos dados analisados, constatou-se que
em Teresina-PI o Sistema de Repressão Penal vem apresentando
ações inovadoras em relação à atenção, à saúde e tratamento das
pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. A criação das
Equipes de Avaliação e Acompanhamento da Medida Terapêutica da
Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAPs) vem
proporcionando a estas pessoas, atenção humanizada, garantindo
acesso aos sistemas de rede de atenção assistencial e psicossocial,
possibilitando tratamento adequado e a garantia de seus direitos.
Ressalta-se ainda que as ações das EAPs são aparadas pela Lei da
Reforma Psiquiátrica, possibilitando um novo tratamento aos
apenados portadores de transtorno mental, sendo este de caráter
aberto viabilizando a progressiva desinstitucionalização dos que se
encontram internados.
É importante destacar que no ano de 2014 um acordo memorado
entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário do estado do Piauí teve
ações inovadoras em relação a solucionar e revolucionar a vida de

O SISTEMA DE REPRESSÃO PENAL PARA O 177


APENADO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
pacientes com transtorno mental recolhidos dentro do sistema de
repressão penal piauiense. O primeiro passo foi decretar a extinção
progressiva do Hospital de Custódia, ou seja, o Hospital Penitenciário
Valter Alencar que após uma inspeção judicial realizada no ano
de 2012, foi detectado que o mesmo não gozava de infraestrutura
adequada para salvaguardar pacientes com transtornos mentais.
Diante disto, o acordo determinou a remoção dos pacientes
sendo eles transferidos para o Hospital Psiquiátrico Areolino de
Abreu, Residências Terapêuticas e os casos menos graves o retorno
ao convívio familiar. O Hospital Penitenciário Valter Alencar passou a
ter uma nova configuração se tornando a Unidade de Apoio Prisional
(UAP) tendo por finalidade exclusiva a passagem de detentos por
motivos de saúde e para instrumentalizar essas novas reorientações,
surge a atuação das Equipes de Avaliação e Acompanhamento da
Medida Terapêutica da Pessoa com Transtorno Mental em Conflito
com a Lei (EAPs) constituídas por psicólogos, psiquiatras, advogados,
assistentes sociais, educadores físicos e enfermeiros que ter por
objetivo romper a antiga cultura de execução penal. Proporcionando
ao apenado portador de transtorno mental tratamento adequado e
humanizado reintegrando e reinserindo ele ao meio social.
Esta pesquisa serviu para demonstrar que é possível a
recuperação e reintegração do apenado portador de transtorno
mental em meio à sociedade que com o acompanhamento adequado
e o devido tratamento o índice de reincidência de acordo com Costa
(20017) é de 0% (zero por cento). Assim, esta investigação serviu
como instrumento essencial para futuras pesquisas e estudos,
possibilitando gerar discussões que gerem proteção ao apenado
portador de transtorno metal.

Referências

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torno da reforma
psiquiátrica. Cad. Saúde Pública, 1995.

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180  Danielle de Sousa Cunha • Carlos Márcio Gomes Avelino


AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS
CRIMINOSOS PSICOPATAS NO ÂMBITO
DO CRIME PASSIONAL

Nubia Queiroz e Silva


Rosíria Mary Gonçalves Coelho

Introdução

O
crime passional, tão discutido na sociedade como
um crime levado pela emoção, ganhou notoriedade
ao longo dos anos através da literatura, dos filmes
e dos casos reais. Este tipo de crime é um delito ocasionado pelo
sentimento ou pela emoção levados a um alto grau de intensidade,
sobrepondo-se à lucidez e à razão, permeia o consciente popular.
Sendo assim, é um homicídio que envolve sentimentos, bem como
suas peculiaridades diante de causas e circunstâncias.
Com base nessas considerações, este estudo partiu da
necessidade de compreender a mente do ser humano impulsionado
a cometer crimes passionais e avaliar, no âmbito do Direito Penal
Brasileiro, o seguinte problema: quais as implicações jurídicas aos
criminosos psicopatas no âmbito do crime passional?

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 181


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
Parte-se da hipótese de que o problema apresentado pode
estar associado ao fato de que os criminosos psicopatas no âmbito
do crime passional, mesmo sendo semi-imputável, devem cumprir
pena, no entanto, essa pena pode ser reduzida de um a dois terços,
cabendo ao juiz decidir o período a ser cumprido e também o local do
cumprimento da pena que poderá ser em uma clínica de internação
e que deva passar por tratamento ambulatorial.
O objetivo geral consiste em analisar as implicações jurídicas aos
criminosos psicopatas no âmbito do crime passional. Os objetivos
específicos são: identificar os aspectos históricos e conceituais do
crime passional; abordar as características do criminoso passional
com ênfase na psicopatia; evidenciar os elementos subjetivos e
aspectos psicológicos do crime passional e verificar a caracterização
do crime passional diante de casos ocorridos no Piauí.
O presente estudo justifica-se pela questão da relevância da
análise da psicopatia, que envolve um apanhado detalhado das
características que atravessa o comportamento e a personalidade
desses psicopatas, sobretudo, através dos crimes passionais. O enfoque
é desvendar as nuances da identidade pessoal do portador desse
transtorno de personalidade, para a posteriori indagar se a legislação
penal brasileira, no que tange a esse aspecto, está proporcionando
tratamento punitivo adequado.
Quanto aos procedimentos metodológicos, envolvem as
pesquisas exploratórias, descritiva, documental, bibliográfica e de
campo. Para o levantamento bibliográfico, utilizou-se a técnica de
análise de publicações que serviu como subsídios para a realização
desta pesquisa, como também, os seguintes autores: Capez (2016),
que aborda a responsabilidade penal dos psicopatas; Caixeta (2014),
que discorre acerca do transtorno da personalidade; Eluf (2015),
que aborda a psicopatia; Silva (2014), que referencia a mente do
psicopata.
Além disso, convém salientar a utilização, no desenvolvimento
das argumentações, do método dedutivo, através de uma pesquisa
bibliográfica em livros, artigos e revistas científicas, e a análise
documental, dando ênfase às implicações jurídicas aos criminosos

182  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


psicopatas no âmbito do crime passional, como também na pesquisa
de campo que foi realizada com uma psicóloga e dois advogados que
atuam em Teresina-PI. O tratamento dos dados ocorreu mediante a
técnica de análise de conteúdo.
Esta pesquisa foi estruturada em quatro partes: a primeira
enfatiza a introdução, a segunda evidencia o Perfil Psicológico do
Psicopata, a terceira os criminosos Psicopatas e a quarta aborda
um estudo do crime passional cometido pelo psicopata diante dos
resultados e discussão.

Os Criminosos Psicopatas

A existência de criminosos psicopatas é um fato preocupante no


Brasil, seja pela ausência de prevenção criminal ou carência de respostas
compatíveis, tendo em vista a deficiência do ordenamento penal que
não possui meios concretos capazes de aferir a responsabilidade
dos atos ilícitos, em razão distúrbio comportamental. Sendo assim,
ter ciência da incompatibilidade da legislação brasileira no que se
referem às questões das punições cabíveis para portadores de tais
distúrbios, é de suma importância para este trabalho acadêmico.
Além de toda crueldade e frieza desses sujeitos, e até mesmo
causada por ele na sociedade, o maior motivo que causa estranheza é
a impossibilidade de correção, uma vez que tais perturbações, além de
possuir uma enorme periculosidade, não são consideradas doenças
ou lesões para fins médico. Especialistas ainda afirmam que não há
cura para a psicopatia, dando como possibilidade tão somente o
isolamento do ambiente social, pois as chances de reincidência desse
psicopata cometer novamente crime podem ser até três vezes maiores
que a do sujeito comum, normal ou mediano. Portanto, isto é um
fato preocupante na esfera penal (SANTOS, 2013).
Nesse sentido, Regly (2015) deixa claro que é inútil qualquer
tentativa de reeducação ou regeneração, pois não existe na
sua personalidade o móvel ético sobre o que se possa influir. Os
psicopatas iniciam a vida criminosa em idade precoce, eles são os
mais indisciplinados no sistema prisional, apresentam resposta

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 183


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
insuficiente nos programas de reabilitação e possuem os mais
elevados índices de reincidência criminal. Nas lições de Maranhão
(2012), a experiência não é significativamente incorporada pelo
psicopata (antissocial). O castigo e o aprisionamento não modificam
seu comportamento. Cada experiência é vivida e sentida como
um fato isolado, pois o presente é vivenciado sem vínculos com o
passado ou o futuro. Ademais, a capacidade crítica e o senso ético
se comprometem gravemente, tendo em vista que os atos e os erros
são sempre atribuídos a outrem e jamais a si mesmo, sendo esta
a causa da falta de aprendizado na experiência.
Com bases nos estudos de Cleckley (2012), Robert Hare
construiu o método mais confiável na identificação de psicopatas.
Com esse instrumento, o diagnóstico da psicopatia se tornou mais
apto, podendo ser aplicado por qualquer profissional ou instituições
qualificadas na área de saúde mental. Denominado de PCL
(psychopathy checklist), essa complexa ferramenta examina de
forma detalhada vários aspectos da personalidade psicopática,
desde os ligados aos sentimentos e relacionamentos pessoais até o
estilo de vida dos psicopatas e seus comportamentos evidentemente
antissociais (transgressores).
Vale ressaltar que o instrumento psicométrico, Medida
Interpessoal de Psicopatia (IM-P), composto por uma escala de 21 itens
que tem o propósito de avaliar especificamente os comportamentos
interpessoais e aspectos não verbais das interações sugeridas como
típicas nas entrevistas com sujeitos que apresentem características
psicopáticas, tem o claro intuito de proteger a sociedade contra a
reinserção inadequada dos psicopatas no meio social, bem como
prover o tratamento correto àqueles que possuem algum transtorno
antissocial (MARANHÃO, 2012).
Morana (2013) ressalta que o tratamento pode ser realizado
a qualquer momento, porque quanto mais cedo, melhor será o
desenvolvimento. Além disso, é um problema cerebral, é um defeito
cerebral, pois não tem cura. No entanto, para a autora é preciso
atenuar a manifestação desse comportamento, melhorar o

184  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


funcionamento desse cérebro, pois há uma medicação que é melhor
do que as outras pra atenuar esse comportamento.
Sendo assim, com o auxílio desses métodos atrelado a
outras medidas, é imprescindível a devida análise do transtorno de
personalidade para aferir em que grau se encontra o discernimento
do indivíduo do ato cometido, para que se tenha a possibilidade de
determinar a medida penal cabível ao caso concreto.

A Imputabilidade aos Criminosos Psicopatas

Em termos linguísticos, a imputabilidade pode ser definida


como a qualidade de quem é imputável. Entende-se por imputável
todo aquele a quem se possa atribuir responsabilidade por algo.
Nosso ordenamento jurídico não se preocupou em conceituar
a imputabilidade penal. Porém, ao examinarmos o artigo 26 do
Código Penal, é possível chegar de modo indireto ao conceito de
imputabilidade, visto que são mostradas situações em que esta não
ocorre. Neste artigo, o legislador define inimputabilidade como
sendo a impossibilidade do indivíduo que pratica um ato delituoso
compreender o caráter ilícito do fato ou de agir conforme este
entendimento.
Imputabilidade indica, portanto, o conjunto de condições
necessárias para que uma ação possa ser atribuída ao homem como
sua causa. É Importante frisar que a consciência da ilicitude se dá de
acordo com o conhecimento geral ou profano que todo homem tem
do Direito.
A consciência da ilicitude de um ato abarca o entendimento
da lei de forma leiga e restringe-se à capacidade de entender que
o fato seja provavelmente criminoso. Não significa, portanto, o
conhecimento positivo da natureza criminosa do fato ou ainda
a possibilidade de efetivo conhecimento de que o fato seja crime.
Existem três critérios ou sistemas adotados pelas legislações para
selecionar quais indivíduos deverão ser considerados imputáveis,
sendo possível, dessa forma, responsabilizá-los por atos por eles
praticados (ELUF, 2015).

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 185


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
Esta avaliação antecipada é impertinente, porque não leva
em consideração os intervalos lúcidos com que as moléstias, por
vezes, proporcionam a suas vítimas. Nestes intervalos, é possível ao
portador de distúrbios mentais alcançar o completo discernimento
do fato e agir conforme este discernimento. Desse modo, seria justo
que fosse chamado a responder criminalmente pelo ato ilícito por
ele praticado, pois naquele momento estava totalmente são. Ainda
tem neste sistema o defeito de atribuir importância excessiva às
causas físicas e conferir poderes ilimitados aos peritos psiquiatras,
comprometendo a liberdade do juiz na análise do fato.
Segundo prelecionam Mirabete (2014, p. 207), é o sistema de
aferição de acordo com o qual:

[...] aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre


inimputável, não se indagando se esta anomalia causou qualquer
perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade
do momento do fato. É evidentemente, um critério falho, que
deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade
de determinação, apesar de ser portador de doença mental,
desenvolvimento mental incompleto, etc.

No critério psicológico, de acordo com este sistema, são


verificadas as condições psíquicas do agente no momento da prática
do ato delitivo. Sendo assim, é considerado imputável o agente que
no momento do delito não se encontrava privado de compreender
a natureza ilícita do fato por ele praticado ou ainda agir em
conformidade com este entendimento. Não existe a necessidade de
que a capacidade de compreender ou entender decorra de uma causa
mental anterior. É possível provar esta capacidade de entendimento
através da realização de um exame psiquiátrico, pois, por ser um
critério mais científico, permite ao juiz maior liberdade de analisar o
fato e decidir.
Como desvantagem desse critério, pode-se apontar o fato
de que sempre que houvesse a prática de um delito, o infrator,
independentemente de qualquer outra condição pessoal, seria
submetido ao exame para checar a imputabilidade penal. Para melhor

186  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


esclarecer, considere a seguinte hipótese: uma criança de cinco anos
de idade, que de alguma forma consiga pegar uma arma de fogo
pertencente a seu pai e fira alguém efetuando um disparo, deverá ser
também submetida a um exame para verificação da imputabilidade
penal (ELUF, 2015).
Seria talvez, no exemplo acima citado, desnecessária a realização
de exame psicológico nessa criança, considerando-se que um ser
humano nessa idade muito provavelmente não teria entendimento a
respeito do ato por ele praticado. No Critério biopsicológico, deve-
se verificar primeiramente se o agente tem desenvolvimento mental
incompleto ou retardado ou se o agente é doente mental. Se ocorrer
uma dessas possibilidades, será o indivíduo considerado inimputável.
Não ocorrendo nenhuma delas, será averiguado se o indivíduo era
capaz de entender o caráter ilícito do ato por ele praticado. Caso
tenha esse entendimento, será então averiguado se ele tinha condições
de ser considerado inimputável de acordo com esse entendimento.
Tendo essa capacidade será considerado imputável (PINTO, 2016).
Devemos ainda observar que imputabilidade penal não se
confunde com responsabilidade penal. Aquela visa à atribuição de um
determinado fato a alguém. Esta objetiva obrigar alguém a reparar
um dano e ser submetido a uma determinada sanção decorrente de
um fato por ele praticado.
Observa-se a prevalência nos Tribunais Superiores, a
inconstitucionalidade na indeterminação do prazo máximo da
medida de segurança, levantando a questão da divergência entre o
STF e o STJ diante do limite temporal que deve durar a medida de
segurança detentiva. Sendo assim, vale ressaltar que os psicopatas
possuem um nível de periculosidade e precisam ser compreendidos
na esfera penal para que se possa ter uma sanção penal condizente
com sua condição.

Caminhos metodológicos da pesquisa: análise dos dados

Este trabalho foi desenvolvido através da abordagem descritiva


e explicativa que se justifica pelo fato do tratamento qualitativo

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 187


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
de um problema, que pode até ser uma opção do pesquisador,
apresentar-se de uma forma adequada para poder entender a
relação de causa e efeito do fenômeno e, consequentemente,
chegar à sua verdade e razão, buscando a facilidade de poder
descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou
problema.

Como técnica de coleta, foi utilizado o questionário, o qual


é um instrumento, um roteiro semiestruturado que visa uma maior
flexibilidade na obtenção das informações, considerado instrumento
precioso de conhecimento interpessoal. Quanto aos procedimentos,
foi realizada uma pesquisa de campo através da aplicação de um
questionário a uma psicóloga e dois advogados criminalista.
Desse modo, a primeira indagação consistia em qual o
entendimento sobre como se caracteriza o crime passional no Brasil.
Sobre isso, obtivemos a seguinte resposta:

O crime passional relaciona-se às condutas infracionárias


movidas pelo sentimento afetivo e doentio de incapacidade.
Levando o autor a acreditar que a vítima pertence a seu empório
patrimonial. (ADVOGADO A).

Crime cujo motivo é a paixão, o sentimento de apropriação do


outro. (ADVOGADO B).

A resposta dos entrevistados apresenta que o crime passional


está vinculado a paixão, o individuo é movido por um sentimento
doentio, ao ponto de cometer um homicídio. Em alguns casos,
o crime passional é cometido por pessoas com transtorno de
personalidade. Nesse contexto, Mazer, Macedo e Juruena (2017)
citam a personalidade que pode ser definida através de um padrão
de características individuais nas quais persistem as emoções,
pensamentos e comportamentos. Neste sentido, os traços da
personalidade têm consequências no cotidiano da pessoa, tanto
em sua individualidade, quanto no meio social em que convive, tais
como: a saúde física e mental, a própria identidade do indivíduo,

188  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


sua qualidade de vida e de suas relações interpessoais (amorosas ou
não), assim como satisfação e desempenho pessoal, entre outros.

O conceito de transtorno de personalidade abrange muito


mais aspectos quantitativos do que qualitativos em relação
ao que é considerado como variação da normalidade. São
traços da personalidade que se situam além de uma faixa
considerada mediana. No entanto, para que esses traços
constituam um transtorno da personalidade, é necessário que
haja uma inflexibilidade de seu padrão e um comprometimento
do funcionamento do indivíduo na sociedade ou, então, um
sofrimento subjetivo. Ou seja, para que tais traços sejam
considerados um transtorno, é preciso que o funcionamento
psíquico se mostre mal ajustado. (TABORDA; CHALUB;
ABDALLA-FILHO, 2004, p. 282).

Nesse sentido, entende-se que é necessário que o funcionamento


psíquico do indivíduo se mostre comprometido e mal ajustado para
que se possa associá-lo a um tipo de personalidade disfuncional.
Na pergunta seguinte, foi pedida a opinião dos entrevistados
sobre quais as implicações jurídicas aos criminosos psicopatas no
âmbito do crime passional e qual a punição adequada aos criminosos
psicopatas no âmbito do crime passional, os sujeitos aduziram que:

Em regra, o psicopata responde pela conduta criminosa, porém


obtendo uma absolvição imprópria e é aplicando sobre ele uma
medida de segurança. Porém, em muitos crimes passionais o
autor não recebe esse benefício, mas pode subsidiar em situações
qualificadoras. Se psicopata, o torna inimputável, excluindo-o as
penas, mas não do crime. A pena como já apresentada, medida de
segurança (Internação em hospital de custódias). (ADVOGADO
A).

O mesmo tratamento dos criminosos normais, vez que o art. 28,


I, C.P. não exclui a imputabilidade na paixão. Os psicopatas não
têm problemas psicológicos, eles têm problemas de socialização.
(ADVOGADO B).

Com relação à personalidade psicopática, Croce e Croce


Junior (2012) atribuem aos indivíduos que, sem perturbação da

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 189


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
inteligência, inobstante não tenham sofrido sinais de deterioração,
nem de degeneração dos elementos integrantes da psique, exibem,
através de sua vida, intensos transtornos dos instintos, de afetividade,
do temperamento e do caráter, mercê de uma anormalidade mental
definitivamente pré-constituída, sem assumir a forma de verdadeira
enfermidade mental. Com base nisto, ressalta-se que os psicopatas
não possuem problemas mentais e nenhum tipo de perturbação,
mas mesmo assim, possuem intensos conflitos de personalidade,
comportando-se de maneira diferente dos não diagnosticados com
psicopatia, muitas vezes colocado estes em circunstâncias nada
agradáveis.
Segundo Silva (2014), o estudo da mente do psicopata é bem
complexo, observa-se que são variadas as características que devem ser
identificas e analisadas por profissionais da área para poder fazer um
diagnóstico conclusivo. Os psicopatas podem se envolver normalmente
como qualquer outra pessoa, podem ter amigos, família, emprego
e não transmitir em nenhum momento tais sinais perceptivos. Eles
buscam sempre os seus próprios benefícios e não possuem nenhum
sentimento real de amor, frustração e remorso.
Verifica-se que apesar dos níveis diferenciados dos graus de
psicopatia, todos eles serão perigosos para a convivência com a
sociedade, pois estes estarão sempre em buscas de satisfazer os seus
desejos mais maléficos, sendo estes desejos incontroláveis apesar de
eles terem o conhecimento e o entendimento dos crimes praticados,
não conseguem se determinar da mesma forma que uma pessoa
comum.
Dando continuidade à pesquisa, foi perguntado aos
entrevistados quais as dificuldades encontradas pelos profissionais
da área jurídica em lidar com a psicopatia. Foram obtidas as seguintes
respostas:

A psicopatia necessita de outras áreas afins para o diagnóstico


da sanidade mental. Para isso, são necessários psicólogos e
psiquiatras em uma análise mais apropriada e uma equipe
multidisciplinar (ADVOGADO A).

190  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


Ausência de regras na condução do processo e execução penal
(ADVOGADO B).

Observa-se que os advogados mencionam algumas dificuldades


na análise do caso. Nesse contexto, Vinhas (2015) ressalta a dificuldade
dos profissionais da área jurídica em lidar com esse personagem tão
real e comum entre nós, pois ainda que seja é o diagnóstico mais
difícil de ser revelado no portador de psicopatia.
Ademais, quando perguntados sobre se a punição aplicada aos
criminosos psicopatas de serem mantidos encarcerados com outros
presidiários como que isto poderia influenciar no comportamento
dos outros presos. Os advogados argumentaram:

É preciso separar aqueles que praticam crimes em face de suas


doenças, daqueles que praticam crimes devido a sua total
imputabilidade, aos diagnosticados insanos, não se pode deixar
em um mesmo ambiente que tem sua sanidade afetada daqueles
que possuem desvio de conduta social. A influência e dialética
de ambos sofrem nesse processo. O estado não pode tratar as
desigualdades para as mesmas penas. (ADVOGADO A).

Sim. O presídio é um ambiente de socialização de pessoas.


(ADVOGADO B).

O sistema de ressocialização prisional no Brasil já não funciona


de forma satisfatória aos encarcerados comuns (que não possuem
uma personalidade psicopática) devido a péssima qualidade de vida
dos indivíduos encarcerados, que vivem sob condições humilhantes de
saúde básica, onde as celas prisionais esgotam-se de superlotações,
num país em que cada dia mais a criminalidade aumenta e perdem-
se as chances de se criar novas estratégias e reformas que tendem a
melhorar o sistema. Sendo assim, fica mais difícil ainda imaginar que
poderia dar certo ressocializar um indivíduo que não se adequa as
regras sociais e que não aprende com as normas de ressocialização,
que é o caso dos psicopatas.
A medida de segurança aplicada ao semi-imputável pode ser
atribuída ao psicopata na medida em que este, após laudo pericial,

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 191


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
houver sido comprovado que sofre de uma doença mental. Essa
também é uma das grandes falhas do sistema carcerário brasileiro,
porque, como se sabe, o psicopata não é acometido de perturbação
mental que o leve a ter surtos psicóticos que os isentem da realidade
de seus atos. Nesse sentido, o psicopata ao cometer um determinado
crime, bárbaro ou não, será beneficiado com a diminuição da sua
pena após a comprovação de uma doença mental que na verdade
não o acomete.

Ao contrário do que acontece com o inimputável, que


obrigatoriamente deverá ser absorvido, o semi-imputável
que pratica uma conduta típica, ilícita e culpável deverá ser
condenado. Entretanto, como o juízo de reprovação que recai
sobre sua conduta é menor do que aquele que pratica o fato sem
que esteja acometido de qualquer perturbação mental, a sua
pena [...] poderá ser reduzida de um a dois terços. Na verdade, se
comprovada a perturbação de saúde mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, que fizeram com que o agente
não fosse completamente capaz de entender a ilicitude do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, embora
a lei insinue uma faculdade, [...] entendemos que não se trata de
faculdade do julgador, mas sim, e direito subjetivo do condenado.
(GRECO, 2014, p. 690- 691).

Para Silva (2014), os criminosos com histórico de crimes


violentos no passado representavam uma ameaça muito maior, além
de também representarem uma alta taxa de reincidência criminal,
duas vezes maior que os demais criminosos, e, quando se trata de
crimes associados a violência a reincidência triplica no caso dos
psicopatas. Diante dessa realidade, a última pergunta direcionada
aos advogados diz respeito se a pena de prisão aos psicopatas seria
o suficiente para evitar a sua reincidência criminal. Sobre isso, os
informantes responderam que:

Vários estudos, inclusive da Universidade Harvard, tem


demonstrado que a reincidência ocorre por vários fatores
sociais, educacionais e morais. Contudo, aos inimputáveis, que
possuem seu discernimento reduzido para algumas condutas
sociais, não possuem total capacidade para entender o instinto

192  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


da reincidência. Levando-o muitas vezes a praticar reiteradas
práticas abusivas contra a vida e contra a dignidade de outros.
(ADVOGADO A).

Não. Seria preciso o acompanhamento de profissionais habilitados


à ressocialização afetiva do condenado. (ADVOGADO B).

Diante das constatações dos advogados, observa-se que a


pena de prisão aos psicopatas não é suficiente para evitar a sua
reincidência criminal. O artigo 97, 1º do Código Penal determina:
“Art.1º - a internação ou tratamento ambulatorial será por tempo
indeterminado, perdurado enquanto não for averiguada, mediante
perícia médica, a cessação da periculosidade.” (BRASIL, 1940).
Sendo assim, vale ressaltar a Lei 10.216 de 2001, para a proteção e os
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental. De acordo com Machado
(2015, p.1):

A lei de reforma psiquiátrica (lei 10.216/2001), expressamente


aplicável às medidas de segurança, que as chama de internação
compulsória (art. 6º, III e art. 9º), trouxe importantes
modificações ao exigir uma releitura do Código Penal e da Lei
de Execuções Penais, havendo quem defenda a derrogação do
referido Código e da Lei, nas suas incompatibilidades com a Lei
de reforma psiquiátrica.

Segundo Greco (2014), a medida de segurança, como


providência judicial curativa, não tem prazo certo de duração,
persistindo enquanto houver necessidade do tratamento destinado
à cura ou à manutenção da saúde mental do inimputável. Em virtude
disto, observa-se que os advogados demonstraram conhecimento
sobre o crime passional e deixaram claro a grande dificuldade que
é encontrada pelos profissionais da área jurídica em lidar com a
psicopatia.

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 193


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
Questionamento a psicóloga

A pesquisa direcionada à psicóloga, apoiada em elementos


subjetivos e aspectos psicológicos do crime passional, visou obter
respostas aos seguintes questionamentos. Você já lidou com um
o criminoso psicopata? Como é o procedimento ao lidar com o
criminoso psicopata? E foram obtidas as seguintes respostas:

Não. Mas diante da minha experiência profissional posso falar


a respeito de comportamentos e sintomas que os caracterizam
como psicopatas. O procedimento mais adequado para o
criminoso psicopata é visto pela pena de privação de liberdade,
ou seja, acredito que depois de um tratamento adequado em um
sistema carcerário de reabilitação, ele pode ser inserido novamente
na sociedade, não voltando a delinquir. (PSICÓLOGA).

A psicóloga, apesar de nunca ter lidado com o criminoso


psicopata, tem pleno conhecimento para lidar com o criminoso
psicopata. Nesse caso, as características psicológicas do agente
criminoso psicopata, serão questionadas, uma vez que esses indivíduos
têm total consciência de seus atos e de suas responsabilidades, mas
utiliza-se da prática do crime por ser considerar acima das leis,
como será visto mais adiante, e também o aspecto principal da sua
construção de caráter, que é a falta de empatia, remorso ou culpa.

No caso do sujeito, observa-se que apensar de não ter a consciência


do caráter ilícito do fato, ele não possui capacidade de fazer
com que deixe de praticá-lo. Nesse caso a vontade viciada (pela
doença mental, p. ex.) é considerada impotente para impedi-lo
de praticar o fato. (DAMÁSIO, 2011, p. 549).

Em consonância com Damásio (2011), coloca-se esse


entendimento diante de uma situação hipotética em que houve
um crime, por exemplo, um assassinato frio cujo autor não mostra
remorso ou culpa diante de sua prática ao confessá-lo, deve-se
entender que houve perante o autor um momento intelectivo de sua
ação, pois ele estava consciente da prática do crime ao confessar sua

194  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


autoria, porém sua vontade não se encontrava viciada, pois ele não se
mostrou impotente para impedir a prática do crime, pelo contrário,
ele mostrou que não estava arrependido do que fez e que a culpa não
o comove, tornando-o ainda mais perigoso e com mais chances de
voltar a assassinar novamente. De acordo Noronha (2011), a doença
mental, juntamente com o desenvolvimento mental incompleto ou
retardado são causas que excluem a culpabilidade.
Verificando a psicopatia, foi questionado qual seria o
tratamento adequado para a pessoa diagnosticada com psicopatia.
Segue a resposta:

Sabemos que o psicopata não te uma cura 100%, mas existe


tratamento que ajuda o doente a conviver bem na sociedade,
tratamento esse feito através de medicações e psicoterapias.
(PSICÓLOGA).

O estudo da psicologia aponta que não existe a cura, mas


a medicação e psicoterapias que auxiliam no tratamento. Esses
são métodos relevantes diante do diagnóstico de psicopatia para
promover um melhor convívio com a doença e proporcionar o
convívio social de forma mais segura e saudável.
Hare (2013) explica que os critérios de diagnósticos do
transtorno da personalidade antissocial consistem principalmente
em uma longa lista de comportamentos antissociais e criminosos,
por sua vez, a psicopatia é definida como um conjunto de traços
de personalidade e também de comportamentos sociais desviantes.
Portanto, existe uma diferença entre psicopatia e transtorno da
personalidade antissocial, uma vez que esta não se define por um
transtorno emocional e afetivo que se caracteriza pela ausência
de culpa e remorso, mas por apenas uma conduta antissocial. As
respostas obtidas foram iguais e realçam ainda mais o não crime de
psicopatia.
Sob essa perspectiva, a psicóloga apontou as características
comportamentais do criminoso psicopata. Sendo a profissional:

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 195


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
Apresenta características comportamentais como falta de
empatia, é manipulador, tem dificuldade em se relacionar,
não corresponde as regras, age muito por impulso, tem baixa
tolerância e frustação, muitas vezes é perfeccionista entre outros.
(PSICÓLOGA).

Diante da constatação dos serviços psicológicos, observa-se


que apesar dos níveis diferenciados dos graus de psicopatia, todos
eles serão perigosos para a convivência com a sociedade, pois estes
estarão sempre em buscas de satisfazer os seus desejos mais maléficos,
sendo estes desejos incontroláveis apesar de eles terem conhecimento
e entendimento dos crimes praticados, não conseguem se determinar
da mesma forma que uma pessoa comum.
Uma vez que os transtornos de personalidade são considerados
uma perturbação da saúde mental que envolve a desarmonia da
afetividade, da excitabilidade com integração deficitária dos impulsos,
das atitudes e das condutas, este problema se manifesta também no
relacionamento interpessoal. Em vista disso, Silva (2014, p.18) nos
diz que “[...] os psicopatas em muitas situações têm a eficiência de
esconder o seu comportamento antissocial, transparecendo serem
homens civilizados e charmosos, educados”.
O fato do transtorno de personalidade foi atribuído à
psicopatia, pois de acordo com Silva (2014), existem variados graus
de psicopatia, dentre o mais leve, moderado e severo. Sobre o
primeiro, o psicopata tende a trapacear, aplicar pequenos golpes e
roubar, entretanto, talvez não ele jamais suje as mãos de sangue. O
moderado, conforme já dito, tende a ser mais antissocial; já o terceiro
tende a realmente “meter a mão da massa” se valendo de métodos
cruéis e sofisticados para pratica de crimes. Nesse sentido, Regly
(2015) deixa claro que é inútil qualquer tentativa de reeducação
ou regeneração, pois não existe na sua personalidade o móvel ético
sobre o que se possa influir.
O último questionamento direcionado à psicóloga foi sobre o
seu ponto de vista com relação às penas aplicadas aos criminosos
psicopatas. A informante argumentou que:

196  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


Concordo com a pena aplicada ao sujeito por conta do ato
criminoso, porém ele necessita de um tratamento psiquiátrico e
psicossocial com o objetivo de ajudar no comprimento de sua
pena (PSICÓLOGA).

Nota-se que a psicóloga concorda com a pena aplicada ao


criminoso psicopata, dando ênfase na importância do tratamento
psiquiátrico, ou seja, embora possa haver a necessidade de remédios,
o hospital oferece terapias alternativas. Sendo assim, é necessária,
como medida de segurança, uma forma de punir os considerados
inimputáveis ou semi-imputáveis, os quais têm apenas caráter
preventivo, para se evitar novas ações criminais ou antissociais que
venham prejudicar a sociedade (NUCCI, 2014).
O artigo 96 do CP determina: “As medidas de segurança são: I
– internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, a
falta, em outro estabelecimento adequado; II – sujeição a tratamento
ambulatorial” (BRASIL, 1940).
Sendo assim, ao aplicar essas medidas, observa-se que mais
uma vez o Estado aplica a punição de pena de privação de liberdade
a um psicopata homicida que vai vir a ter contato com outros
presidiários prejudicando os demais. É notório reconhecer que esta
é uma questão digna de maior preocupação por parte do Estado,
ficando evidente a necessidade de uma política especial para controle
e tratamento desses indivíduos. Além disso, levando-se em conta as
características inerentes e a incapacidade dos psicopatas de serem
apenados, tais indivíduos não serão ressocializados, pois a punição
é apenas uma forma de neutralizar suas condutas, as quais são
impossíveis de possuir o sentimento de culpa ou remorso.

Considerações finais

O crime define-se a partir da análise dos aspectos materiais,


formais ou analíticos. O aspecto material trata do conceito, ou seja,
somente da essência do fato ser considerado criminoso. O aspecto
formal trata apenas da descrição do fato pelo legislador, do aspecto
externo.

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 197


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
O criminoso psicopata é considerado uma pessoa que tem
deficiência de atividade na região cerebral do sistema límbico, nesse
caso, é atribuída à parte do cérebro que é responsável pela produção
das emoções, ou seja, da consciência emotiva. No caso da região
do lobo pré-frontal, que é responsável pela racionalização das ideias
e da tomada de decisões, existe uma intensa atividade no cérebro
deste indivíduo. Diante desse contexto, observa-se que existe uma
consequência natural dessa anatomia cerebral que é diferenciada,
pois os psicopatas são seres que agem pela razão, pois eles não têm
sentimentos.
Então o psicopata não possui a consciência emocional, mas é
uma pessoa que demonstra racionalidade e não mede esforços no
alcance dos seus objetivos, mesmo tendo que cometer atos ilícitos
penais. Portanto, nesta pesquisa, constata-se que, em relação
aos aspectos subjetivos e psicólogos, a psicopatia traz à tona seus
aspectos históricos, características comportamentais, classificações
e peculiaridades, demonstrando ainda a possibilidade e a sua
ampla tendência para reincidir na prática de condutas criminosas.
Além disso, primou-se também, por mostrar de que forma eles são
tratados perante o Estado quando do cometimento de seus crimes e
as medidas a serem tomadas.
Dessa forma, verificou-se em relação às implicações judiciais
para os casos de psicopatia e a medida de segurança que se torna
relevante para aplicação da medida protetiva, a qual é necessária
juntamente com a internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico. No âmbito do crime passional no Piauí, vale ressaltar
o caso da garota Ana Paula, a qual tinha dezoitos anos quando foi
morta dentro de um motel da zona sudeste de Teresina.
Destarte, o estudo contribuiu para um melhor conhecimento
sobre as razões que levam os indivíduos psicopatas a cometer delitos
e algumas situações da ilicitude penal dos crimes realizados, uma vez
que os dados demonstram ser o psicopata uma figura frequente na
sociedade. Compreender os motivos morais e os estímulos que levam
um indivíduo a cometer um crime faz parte do papel do Direito Penal,
pois cabe a esse instituto defender os bens primordiais da sociedade

198  Nubia Queiroz e Silva • Rosíria Mary Gonçalves Coelho


e, consequentemente, responsabilizar e calcular as medidas de
segurança inseridas aos responsáveis pelo comportamento indevido
e criminoso.

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AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 199


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AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AOS CRIMINOSOS 201


PSICOPATAS NO ÂMBITO DO CRIME PASSIONAL
UNIÃO HOMOAFETIVA: O
RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE
FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO

Carla Rosânia da Cruz Lima


Suênya Marley Mourão Batista

Introdução

A
união homoafetiva é um marco na sociedade, uma
conquista que ampliou o conceito de família e
outras definições dadas à união de duas pessoas.
O julgamento do Superior Tribunal Federal com a Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132 deixa
explícita essa conquista, demonstrando a importância da união
homoafetiva como entidade familiar no convívio social.
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal por meio da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, muitos
avanços já ocorreram no que tange a direitos e possibilidades de
formação da entidade familiar por casais homoafetivos.

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 203


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Assim, diante das mudanças ocorridas a partir da decisão do
Supremo Tribunal Federal, delimitou-se o seguinte problema: quais
os efeitos advindos do reconhecimento da união homoafetiva como
entidade familiar no ordenamento jurídico brasileiro?
Para o desenvolvimento do tema, apresentou-se como objetivo
geral analisar os efeitos advindos do reconhecimento da união
homoafetiva como entidade familiar no ordenamento jurídico
brasileiro; e, como objetivos específicos: identificar a importância do
reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar para o
convívio social e descrever os direitos advindos da união homoafetiva.
O estudo foi realizado através da pesquisa descritiva,
bibliográfica e de campo. Na pesquisa bibliográfica, destacaram-se
as contribuições teóricas de Dias (2014, 2015), Ferraz et al (2013),
Gonçalves (2014), dentre outros. O procedimento utilizado para
a pesquisa de campo se deu através da realização de entrevistas
aplicadas a três pares homoafetivos e três advogados, a fim de verificar
como a temática em estudo vem sendo representada socialmente.
Para a discussão do tema proposto, o estudo foi dividido
em cinco partes. Na primeira parte são apresentados aspectos
introdutórios da investigação realizada; a segunda parte aborda
aspectos gerais na formação da família, tratando da evolução
histórica, dos primórdios até os dias atuais; a terceira parte discute
a união de pessoas do mesmo sexo no meio social; a quarta parte
apresenta a análise dos dados da pesquisa de campo Por fim, a quinta
e última parte do trabalho foi destinada às considerações finais.

Família: evolução histórica e concepções atuais

Desde os primórdios da humanidade, têm-se formações


familiares, no entanto, muitas mudanças ocorreram durante o
crescimento social. Na contextualização histórica da formação da
família, vale ressaltar o estudo de Figueiredo e Figueiredo (2015, p.
30), atestando “que a família na antiguidade era atrelada a uma
noção de convivência. Os bandos se agrupavam visando manutenção

204  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


de vida, vencer as intempéries. Pautava-se a união em uma mera
necessidade, inexistindo laços socioafetivos”.
Nader (2016, p. 45) demonstra acerca da formação da família
Greco-Romana:

Cogita-se, embora sem rigor científico, do matriarcado


como sistema social primitivo, que existira após uma fase de
promiscuidade social e antes do patriarcado. Em tal regime,
o governo familiar teria sido exercido pela mulher. Por ela se
registrava a descendência e a sucessão. A ideia prevalente entre os
antropólogos e sociólogos, ao final do segundo milênio, era que
o matriarcado como fenômeno social generalizado não chegou a
se constitucionalizar. Dentro do matriarcado teria havido tanto a
poliandria (vários homens para uma mulher) como a monogamia,
fase em que a mulher se unia apenas a um homem. O fato de o
homem ser guerreiro, caçador, deslocando-se no espaço como
nômade, enquanto a mulher cuidava da sobrevivência dos filhos,
cultivando a terra, muito contribuiu para a caracterização do
pretendido tipo familiar.

Tanto os conceitos como a formação da família, foram


evoluindo ao longo da história, passando a existir novas formas de
grupo familiar. Figueiredo e Figueiredo (2015, p. 30) apontam:

Com o Cristianismo, e o legado do imperador Constantino, é


alterada a noção de família, sendo perceptível a influência do
sacramento do matrimônio. Família é apenas aquela decorrente
do casamento. Inexiste família fora do matrimônio. Cresce o
poder da Igreja Católica sobre o Estado, confundindo-se religião
e direito.

Constata-se, então, que, durante um longo período da história


da formação da família, o casamento se dava apenas para formação
de aliança entre os envolvidos; porém, ao adentrar o século XX, as
reais e relevantes mudanças passaram a ocorrer para a formação do
seio familiar atual.
Durante todo o período da história da entidade familiar no
Brasil, muitas mudanças ocorreram ao longo do tempo. Por exemplo,
na Constituição de 1824, não havia referência à formação familiar;

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 205


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
já, na de 1891, começaram a surgir registros em relação à formação
da entidade familiar, momento em que foi reconhecido o casamento
civil, com celebração gratuita, desassociando o matrimônio do ato
religioso. (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2015).
Uma modificação relevante se deu na Constituição de 1934,
em que, pela primeira vez, constatou-se que a família merecia especial
proteção do Estado. Na Constituição de 1937, foi mantido o respeito
à proteção familiar e acrescentado, ao texto constitucional, o dever
dos pais em educar seus filhos. Além de todos os direitos e garantias
já adquiridos pelas Constituições anteriores, reconheceu-se, na Carta
Magna de 1988, a família é considerada um grupo eudemonista, a
qual busca a felicidade como finalidade.
Para Figueiredo e Figueiredo (2015, p 38):

O advento de um texto constitucional focado no ser humano,


tornou obsoleto o então Código Civil de 1916 vigente, o qual era
fincado no ter. A vigente Constituição ultrapassou a ideia segundo
ao qual apenas haveria família no casamento. Ademais, retirou,
em sede constitucional, o caráter indissolúvel do matrimônio.
Findou a distinção filial, não mais falando-se em filhos ilegítimos,
destituídos de direitos civis.

Pode-se observar no Código Civil de 1916 a apreciação de


apenas uma espécie de família, aquela advinda do casamento.
Com a chegada da Constituição de 1988, o Código Civil tornou-
se provinciano, uma vez que a nova Constituição possibilitou à
sociedade grandes avanços para a formação da entidade familiar.
O Código Civil de 2002 possibilitou uma evolução para a
formação familiar, no entanto, ainda existe muito a ser modificado,
pois a legislação civil não observou um dos temas de grande
significância para a sociedade, a união homoafetiva, que, na atual
conjuntura, merece atenção especial dos legisladores.
A família é vista como a base da sociedade humana. Segundo
Gonçalves (2014, p.17):

Família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado,


o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social.

206  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


Em qualquer aspecto em que é considerada aparece a família
como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a
mais ampla proteção do Estado.

A família, além do vínculo afetivo, é uma instituição jurídica


que transmite à prole e aos descendentes o patrimônio adquirido
ao longo da vida. Por família, o ordenamento jurídico brasileiro,
entende o grupo social, cujos membros estão ligados pelo vínculo
sanguíneo. Com base nas leis estudadas, o vínculo do parentesco, em
que os membros consolidam a proximidade entre a família, regula os
direitos e deveres de cada membro do seio familiar.
A Constituição Federal (CF) prevê em seu artigo 226:

Art. 226º A família, base da sociedade, tem especial proteção do


Estado:
[...]
Parágrafo 3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade família,
devendo a Lei facilitar a uma conversão em casamento.
Parágrafo 4º Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus antecedentes.
[...]
Parágrafo 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa
de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir
a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL,1988).

Segundo Dias (2015), a formação da entidade familiar não


se dá apenas através do matrimônio, entende-se que a busca pelos
sentimentos como amor, afetividade, respeito, dentre outros, que
estão contidas em muitos grupos, são marcas existentes na formação
do grupo familiar, e não apenas naqueles que têm uma constituição
a partir de um casamento, consequentemente passa-se a entender a
existência dos novos tipos de famílias no âmbito social.

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 207


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A união homoafetiva como entidade familiar no ordenamento
jurídico brasileiro

Como previsto constitucionalmente a família é a base da


sociedade e a família homoafetiva não se difere de uma família de
pessoas de sexos diferentes, pois, a Constituição Federal assegura,
em seu artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza. De acordo com Louzada (2014, p. 285):

O modelo familiar hoje é o da família eudemonista, no qual cada


individuo é importante em sua singularidade, tendo o direito de
ser feliz em seu contexto, independentemente de sua orientação
sexual. Pautar direitos tendo como parâmetro o sexo a quem é
destinado nosso afeto é perverso e injusto. A equiparação das
uniões homossexuais à união estável, pela analogia, implica a
consideração da presença de vínculos formais e a presença de
uma comunidade de vida duradoura entre os companheiros do
mesmo sexo, assim como ocorre com os companheiros de sexo
diferentes, valorizando sempre, e principalmente, os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da
não discriminação em virtude de sexo ou orientação sexual.

Destarte a discussão sobre homossexualidade e os direitos de


todos perante a Lei Maior, compreende-se que todo ser humano deve
ser respeitado na sua essência e em suas decisões pessoais; em vista
disso, entende-se o direito que os homossexuais têm de formar sua
entidade familiar vivendo em condições dignas na sociedade.
A Constituição Federal, em seu artigo 1º, parágrafo III, quando
cita como direito fundamental a dignidade da pessoa humana e, no
seu artigo 5º, quando relata que todos são iguais perante a lei, sendo
inviolável o direito à liberdade, à igualdade dentre outros direitos, faz
entender que, embora não exista um artigo específico que discorra
diretamente a respeito da união ou casamento homoafetivo, tem-se
esse direito adquirido por partir da premissa que todos são iguais no
âmbito social, possuindo os mesmos direitos e deveres na sociedade.
Nesse contexto, entende-se que a entidade familiar formada por
pares homoafetivos é digna de aceitação, uma vez que, os aspectos

208  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


existentes para formação da família estão presentes na relação
familiar.
Assim, compreende-se que todos merecem tratamento
igualitário, porém, observa-se que, aqueles que buscam a formação
familiar com pessoas do mesmo sexo, na maioria das vezes, não são
respeitados como deveriam, passando a existir a discriminação social.
Na atualidade, um dos maiores problemas sociais é a discriminação
relacionada à orientação sexual, consequentemente à formação
familiar homoafetiva. Alguns indivíduos agem de forma adversa, por
considerar que as relações homoafetivas não estão no padrão da
sociedade, o que gera exclusão àqueles que convivem com pessoas
do mesmo sexo.
A intolerância à orientação sexual afeta diretamente a estrutura
física e psíquica dos indivíduos, uma vez que àqueles que formam
família homoafetiva sofrem por não sentirem que estão incluídos
na sociedade, passando a se isolarem do meio em que vivem. Para
Fachin e Fachin (2014, p. 47):

Sendo assim, é por meio das lentes constitucionais da dignidade


humana, e da cláusula de abertura material contida no art. 5º
§ 2º, da CF, que se pode sustentar a existência do direito à livre
orientação sexual e à consequente não discriminação por motivo
desta ordem.

Deve-se entender que a discriminação é um ato de


descumprimento das normas constitucionais, uma vez que fere os
princípios da dignidade humana, da isonomia e dos demais princípios
elencados no ordenamento jurídico.
Com o julgamento conjunto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277 e da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132 passou-
se a entender que os relacionamentos homoafetivos constituem
entidade familiar, devendo gozar de todos os direitos referentes à
união.
A República Federativa do Brasil busca o contentamento de
cada indivíduo no rol social, por isso, pronuncia, na letra da Lei, que

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 209


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
o tratamento a todos da sociedade deve ser igualitário, respeitoso e,
acima de tudo, deve vivenciar o respeito à dignidade e à diversidade
de cada indivíduo.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) são julgados do
Superior Tribunal Federal (STF) que preceituam a inclusão de pares
homoafetivos dentro do rol de direitos adquiridos, podendo citar
além do direito ao casamento ou união estável, direitos como adoção,
divisão de bens em caso de divórcio, direito à inclusão de renda para
efeito de imposto de renda, direitos sucessórios e todo e qualquer
direito adquirido em função da união e constituição familiar.
Na ADI nº 4277 (2009, p. 03-04) diz:

A união entre pessoas do mesmo sexo é hoje uma realidade fática


inegável, no mundo e no Brasil. Embora as parceiras amorosas
entre homossexuais tenham sempre existido na história da
humanidade, é certo que, com liberalização dos costumes, os
fortalecimentos do movimento de luta pela identidade sexual
dos gays e lésbicas e a redução do preconceito, um número
cada vez maior de pessoas tem passado assumir publicamente
a sua condição homossexual e a engajar-se em relacionamentos
afetivos e duradouros. Em sintonia com esta realidade, inúmeros
países do mundo todo vêm estabelecendo formas diversas para
reconhecimento e proteção destas relações afetivas. A premissa
destas iniciativas é a ideia de que os homossexuais devem ser
tratados com o mesmo respeito e consideração que os demais
cidadãos, e que a recusa estatal ao reconhecimento das suas
uniões implica não só em privá-los de uma série de direitos
importantíssimos de conteúdo patrimonial, como também
importa em menosprezo à sua própria identidade e dignidade.

Atualmente, com a decisão do Supremo Tribunal Federal,


passou-se a reconhecer direitos que sempre estiveram presentes no
ordenamento jurídico, no entanto, não eram respeitados quando se
fazia referência aos homossexuais. Com o julgamento da ADPF nº
132 e da ADI 4277, os pares homoafetivos passaram a vivenciar o
reconhecimento de seus direitos perante o meio social.

210  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


Metodologia e dados coletados

O presente estudo foi realizado por meio de entrevistas com


perguntas abertas, a fim de melhor compreensão do tema proposto.
A escolha dos sujeitos para participar da pesquisa foi feita de forma
aleatória, porém levando em consideração o tema do trabalho,
escolheram-se casais homoafetivos com convivência superior a três
anos.
As perguntas foram aplicadas ao par homoafetivo, sendo pares
de lésbicas, pares homossexuais masculinos e um par formado por
um homossexual e uma transexual, situações que não diferenciam
os casais por se tratar de união de pessoas do mesmo sexo. Os
questionamentos identicamente foram aplicados a três advogados,
buscando entender a visão de operadores do direito sobre o tema,
possibilitando o confronto de informações entre os pares, advogados
e a doutrina estudada.
Diante disso, na busca dos objetivos a serem alcançados,
foram realizadas entrevistas com três grupos familiares de casais
homoafetivos, e três advogados, totalizando 06 participantes. No
transcorrer dos relatos da pesquisa, não serão utilizados os nomes
dos entrevistados, os membros das famílias homoafetivas serão
chamados de entrevistados: A, B, C e os advogados de: A, B e C.

Representações dos pares homoafetivos

Inicialmente, foi indagado aos entrevistados, se na opinião


deles, existia discriminação ao relacionamento homoafetivo, e, em
seguida, sendo positiva a resposta, o que o entrevistado acharia que
devia ser feito para mudar a realidade desse fato. Os entrevistados,
assim, se posicionaram:

Entrevistado A: A primeira discriminação foi na hora de convidar


os familiares para o casamento, que as pessoas acabaram
dizendo: ‘Não, é palhaçada! Acho que ela tá é com palhaçada,
me convidando para ir ao casamento dela sendo duas mulheres?’.

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 211


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
[...] a gente já vive com ‘restos’ e com pouco sentimento das
pessoas que a gente queria ter, [...].

Entrevistado B: As pessoas quando olham para um homossexual,


tem pessoas que olham com repúdio, com desprazer, com
discordância por não aceitar e sabendo essas pessoas e que um
dia pode haver um dentro da família deles, e aí? Eles vão fazer
com que essas pessoas se suicidem por tanta pressão? Eu fui
vítima, quando me conheci como lésbica [...]. Portanto o que
deveria mudar era mais comunicação, mais debates, um olhar
especial [...].

Entrevistado C: Sim, porque o que tem sido feito até agora é


paliativo e a solução está na conscientização da sociedade.

Diante da fala do Entrevistado A, observa-se a discriminação


que acontece no meio social, inclusive dos próprios familiares. Para
ele os homossexuais passam a viver sem esperar que a família ou a
sociedade os respeitem sendo a discriminação um dos principais
pontos a ser discutido no que tange ao relacionamento homoafetivo.
O Entrevistado A considera que a forma de mudança da realidade
discriminatória é através de campanhas sociais.
Para o Entrevistado B, a discriminação à classe é o maior
problema existente no meio. Segundo ele, com a luta dos grupos,
algumas conquistas e sucessos foram alcançados, porém muitas
mudanças ainda são necessárias para que a sociedade compreenda
que os homossexuais são merecedores de respeito e da dignidade
da pessoa humana. O Entrevistado destaca que para mudar a
realidade da discriminação deveriam ser feitos mais debates, mais
comunicação no que se refere ao tema. O Entrevistado C demonstra
que a discriminação existe e que todos os atos feitos até o momento
foram apenas atenuantes para amenizar a discriminação social e o
que deveria acontecer para a mudança seria a conscientização da
sociedade.
Em um segundo momento da entrevista, questionou-se os
Entrevistados em relação aos maiores obstáculos vencidos para

212  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


a formação da família homoafetiva. Os entrevistados, assim, se
posicionaram:

Entrevistado A: Os direitos que nós queremos o plano de saúde,


por exemplo, que nós podemos colocar como companheiro
como dependente. Também tive a oportunidade de compartilhar
a minha casa, minha vida, fui sorteada e pude colocar o nome
da minha companheira como dependente. Hoje nós duas somos
amparadas pela lei, se eu falecer a casa é dela e vice-versa. E outras
coisas que ainda não pude conquistar, porque ainda estamos
galgando que é o caso de adoção [...].

Entrevistado B: Com o tempo à gente tá mostrando, eu me


casei e vi que a gente não abriu só uma janela para os direitos da
gente, a gente abriu uma porta e estão abrindo mais e mais [...]
a gente só está querendo mostrar para a sociedade que a gente
é ser humano, a gente tem direitos [...] um dia todo mundo vai
reconhecer [...].

Entrevistado C: Os obstáculos foram vencidos pelo fato de


o judiciário ter possibilitado a construção da família por
homossexuais, uma conquista significativa para os homoafetivos.

De acordo com o Entrevistado A, muitos de seus direitos já foram


adquiridos, entre eles plano de saúde, o que é ponto de fundamental
importância para as famílias homoafetivas. O Entrevistado A
enfatiza que, com o decorrer dos avanços sociais, muitas mudanças
e obstáculos serão quebrados, tornando a convivência da família
homoafetiva mais digna.
Constata-se, na resposta do Entrevistado B, que o seu maior
obstáculo vencido até o momento foi a realização do casamento, visto
que a própria família o discriminava. Segundo ele, os homossexuais
só querem mostrar para a sociedade que são seres humanos como
qualquer outro, que tem direitos como todos do corpo social. O
Entrevistado C destaca que os obstáculos foram vencidos diante da
possibilidade de construção da família homoafetiva ser reconhecida
pelos tribunais superiores.
A questão seguinte trata do julgado do Superior Tribunal
Federal, que, no ano de 2011, reconheceu a união estável para pares

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 213


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
homoafetivos, os quais, após esse julgado, passaram a ter direitos
adquiridos. Assim, foi indagado aos casais homoafetivos se houve
melhora para os casais com a decisão do Superior Tribunal Federal.
Os entrevistados relatam:

Entrevistado A: Melhorou, porque antes nós tínhamos só uma


união às escuras que todos os vizinhos sabiam que moravam duas
mulheres em uma casa, todos os parentes sabiam que éramos
companheiras, mas quando morriam a família não queria
aceitar, achavam que era só uma amiga e os vizinhos que podiam
comparecer e testemunhar que nós tínhamos uma vida conjunta
de 3,4,5 anos, eles não queriam aparecer. [...].

Entrevistado B: Melhorou. Essa decisão foi o marco para


a abertura de muitas portas para a felicidade dos pares
homoafetivos. E isso que o STF fez muito nos orgulha, porque
temos nosso reconhecimento, nosso direito, mas, ainda somos
perseguidos.

Entrevistada C: Melhorou sim, principalmente em relação aos


programas sociais e políticas públicas voltadas para o segmento.

Para o Entrevistado A, um dos mais valiosos pontos reconhecidos


pelo julgado do Superior Tribunal Federal foi o reconhecimento
dos direitos sucessórios. Observa-se na fala do Entrevistado o
quanto não existia respeito para com o companheiro (a) no caso
de falecimento do outro, pois a família não considerava o par vivo
como companheiro. Antes da decisão do Superior Tribunal Federal,
segundo o Entrevistado A, eram necessários confirmação de amigos
e vizinhos para se tentar ter os direitos a sucessão.
Sobre a decisão do Superior Tribunal Federal, o Entrevistado
B relata que a considera importante para a mudança da sociedade
em relação à união homoafetiva, enfatizando os direitos adquiridos
a pares iguais. O Entrevistado C considera que o que melhorou com
a decisão foram os programas voltados para a classe homoafetiva.
Segundo Nader (2014, p.14), “Família é uma realidade
sociológica e constitui base do Estado, o núcleo fundamental em que
repousa toda a organização social”. Desse modo, compreende-se

214  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


que a formação do seio familiar é direito de todos os indivíduos da
sociedade, pois, sendo uma realidade sociológica, é uma relação de
todos do meio social, isto é, pertence à coletividade.
O artigo 1º da CF, em seu inciso III, narra a dignidade da pessoa
humana como princípio fundamental, o qual deveria ser considerado
pela sociedade o ponto de partida para a harmonização do tecido
social. Ainda se pode destacar aqui o princípio da solidariedade e
o do não preconceito à origem, raça, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação, elencados no artigo 3º, incisos I e IV da
Carta Magna.

Representações dos advogados

Quando indagados se existiria discriminação em relação ao


relacionamento homoafetivo e o que poderia ser feito para mudar
esta realidade, os jurisconsultos responderam:

Advogada A: Os relacionamentos homoafetivos ainda despertam


preconceitos. Para essa realidade mudar eu entendo que a
educação seria uma porta necessária para a queda do preconceito.

Advogada B: Não tenho dúvida que exista! Basta observar


os olhares de muitos ao perceberem um casal homoafetivo.
A mudança depende de questões profundas que envolvem
religião, costumes sociais e políticas públicas educacionais e
sensibilizadoras. [...] precisamos primeiro discutir saudavelmente
sobre o assunto, sem bandeiras ideológicas, o que por sinal,
prejudica bastante a aceitação.

Advogado C: Sem dúvida! Apesar das conquistas e avanços


sociais o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo ainda
é algo visto com muitas reservas e preconceitos por grande
parte da sociedade. Sobretudo em países de cultura latina onde
há uma grande influência religiosa e um processo arcaico de
reconhecimento e respeito a direitos humanos, sejam eles quais
forem.

Constatou-se, de acordo com as respostas dos juristas a


respeito da pergunta, que todos concordam que a discriminação

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 215


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
ao relacionamento entre iguais é um fenômeno social que deve ser
mudado. Trabalhos sociais, políticas públicas e, principalmente, a
educação no meio familiar e social são premissas que podem ajudar
na mudança da realidade a respeito da união homoafetiva.
Seguindo com a entrevista aos juristas, indagou-se a respeito
dos maiores obstáculos vencidos para a formação da família
homoafetiva. Os advogados responderam:

Advogada A: O reconhecimento jurídico. Se não da letra da lei,


dos tribunais.

Advogada B: Primeiro deles, o reconhecimento dessas próprias


famílias, muitas se intimidam e não avançam em lutar por
políticas de conscientização e aceitação, eles mesmos, em muitos
casos, se acham diferentes e terminam por contribuir com as
práticas discriminatórias. Segundo é preciso trabalhar o conceito
de família homoafetiva em sociedade, fugindo de uma conotação
sexualizada e partindo para uma política de afeto e interesse
familiar.

Advogado C: O maior obstáculo é o preconceito substanciado


na incapacidade de enxergar o outro; o “diferente” como pessoa
e de reconhecer seus direitos. Não há fatores internos ao direito
que impeçam tal reconhecimento da união homoafetiva como
família, pois a única esfera atingida com tal situação é daqueles
envolvidos na referida entidade familiar. Assim, todo e qualquer
obstáculo gerado será não jurídico, ou seja, será de ordem
filosófica ou mesmo religiosa.

Observa-se que as opiniões dos juristas, embora diversas,


seguem um mesmo foco. De acordo com o advogado A, o
reconhecimento jurídico foi o maior obstáculo vencido para aqueles
que buscam formar suas famílias. Entende-se que o ordenamento
jurídico brasileiro protelou muito a decisão de reconhecer socialmente
aqueles que buscam uma convivência com o companheiro do mesmo
sexo.
De acordo com a opinião do advogado B, alguns dos obstáculos
estão na mentalidade do próprio casal homoafetivo, visto que muitos
destes pares consideram-se diferentes dos demais da sociedade,

216  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


contribuindo ainda mais para a discriminação da classe. O jurista
entende que é necessário um pensar diferente a respeito da formação
familiar, esquecendo a conotação sexual e levando em consideração
o afeto da formação familiar e o interesse por ela.
De acordo com as concepções do jurista C, o maior obstáculo se
dá por conta do preconceito com a formação da família, considerando
que os fatores externos são os que impedem o reconhecimento da
família homoafetiva.
A respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal, que, no
ano de 2011, que reconhece a união e os direitos aos pares iguais,
solicitou-se aos juristas que relatassem se consideram que houve
melhora para a formação da entidade familiar homoafetiva, ao que
responderam:

Advogada A: O reconhecimento da família homoafetiva foi o


início de outros reconhecimentos, anteriormente dado apenas
para as famílias heteros. O casamento homoafetivo já é realizado
pelo judiciário, pensão da previdência social também é concedida
ao cônjuge dessa união, a divisão de bens em caso de separação,
e mais outros direitos antes restritos apenas as famílias formadas
por homem e mulher.

Advogada B: Sim, saíram da situação marginalizada e passaram


a poder ter reconhecidos seus direitos como casal, hoje já temos
inclusive, o casamento civil entre casais homoafetivos.

Advogado C: A polêmica e vanguardista decisão do Supremo


declarou direitos há muito desejado por pessoas que afetivamente
já possuíam todos os requesitos para ser reconhecidas como
entidade familiar. É de grande importância tal decisão, pois as
relações homoafetivas são fatos sociais que existem independente
do direito [...]. A interpretação sistêmica usada para reconhecer o
casamento entre pessoas do mesmo sexo e conferir a elas direitos
iguais ao dos casais heterossexuais é a realização do princípio da
isonomia, da liberdade, da dignidade humana, entre outros.

O posicionamento dos juristas foi unânime no que tange ao


entendimento sobre os benefícios advindos da decisão do Supremo
para a união entre pessoas do mesmo sexo, viabilizando melhores

UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 217


FAMILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
condições de reconhecimento de direitos da família homoafetiva
como qualquer outro casal da sociedade.
Com a Ação Indireta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4.277
e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF
nº 132, julgadas no ano de 2011 pelo Superior Tribunal Federal,
observam-se grandes avanços para os indivíduos que convivem
com outros do mesmo sexo. O reconhecimento da união estável, o
casamento civil e a possibilidade de serem dependentes em plano de
saúde e previdência social são algumas das conquistas consagradas
pelo Supremo para as famílias homoafetivas. Essas e muitas outras
mudanças vêm acontecendo gradativamente na sociedade, visto que
se passou a entender que a dignidade da pessoa humana é o reduto
da coletividade; porque, afinal de contas, todo indivíduo que busca
a aceitação de seus semelhantes deseja viver de forma prazerosa no
meio social.

Considerações finais

Com a realização da pesquisa, pode-se obervar as mudanças


ocorridas no âmbito familiar desde o início dos tempos até os
dias atuais, e que os conceitos e os modelos de família evoluíram,
propiciando a todos que fazem parte da sociedade ter o direito de
constituir família, independente de serem pessoas de sexo oposto ou
do mesmo sexo.
Verificaram-se ao longo do estudo as mudanças ocorridas
na legislação brasileira, a qual passou a possibilitar aos casais
homoafetivos o reconhecimento junto à sociedade dos direitos
advindos da união familiar diante das normas sociais. A Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e a Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, julgadas em 2011 pelo
Superior Tribunal Federal, possibilitaram aos pares iguais muitos
direitos que, embora estivessem previstos na Constituição Federal,
quando trata do direito ao respeito da dignidade humana, não eram
aceitos no âmbito social e muito menos na concepção das normas
jurídicas.

218  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


Durante o estudo, pôde-se observar quando se fala de união
homoafetiva, uma grande dificuldade a ser superada é o fato de
sujeitos sociais considerarem a união de duas pessoas do mesmo sexo
como algo imoral, mesmo todos sendo iguais perante a Lei, portanto
todos os indivíduos podem, de forma livre, tomar as decisões que
mais favorecem sua felicidade, pensando viver de forma digna no
âmbito social.
Espera-se que as considerações tecidas neste trabalho possam
contribuir com reflexões acadêmicas e sociais acerca dos direitos das
famílias formadas por casais homoafetivos, as quais são merecedoras
de respeito à dignidade, como qualquer outro ser no meio social.
Vale salientar também que a sociedade necessita compreender
que todos merecerem tratamento igualitário, para, assim, formar
consciência de que a discriminação para com as famílias homoafetivas
é algo que precisa ser modificado no grupo social, para que essas
famílias se integrem à sociedade de forma digna, igual, humana.

Referências

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
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FACHIN, Luiz Edson; FACHIN Melina Girardi. In: DIAS, Maria


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UNIÃO HOMOAFETIVA: O RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE 219


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FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, George Salomão; LEITE, Glauber
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de


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LOUZADA, Ana Maria Gonçalves. In: DIAS, Maria Berenice.


Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo, 2. ed. São Paulo:Editora
Revista dos Tribunais, 2014.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, direito de família. 7. ed. Rio


de Janeiro: Editora Forense. 2016.

ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. In: DIAS, Maria


Berenice. Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo, 2.ed. São
Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 56 -78.

220  Carla Rosânia da Cruz Lima • Suênya Marley Mourão Batista


DIREITO SUCESSÓRIO NAS
UNIÕES HOMOAFETIVAS

Amanda de Fátima Silva Abreu


Igor Rodrigues Leal de Carvalho

Introdução

O
presente trabalho tem por fito estudar os direitos
sucessórios as entidades familiares formadas por
pessoas do mesmo sexo, à luz do Código Civil de 2002
e da Constituição Federal de 1988. Conquanto o relacionamento
homoafetivo, de fato, tenha permeado toda a história civilizatória,
ainda hoje, em pleno século XXI, observam-se visões preconceituosas
e casos de discriminação quanto ao tema. O reconhecimento do
casamento homoafetivo é constitucional sendo possível, não havendo
o que ser questionado nesse sentido. Sua negativa, no entanto, deu-
se devido ao preconceito e à pressão de entidades da sociedade civil
que nunca deveriam determinar quais indivíduos podem ou não ter
suas necessidades amparadas pelo Estado Democrático de Direito.
O estudo do tema parte do seguinte problema: como a
formação familiar de pessoas do mesmo sexo, no que refere ao

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 221


Direito Sucessório, tem acesso as mesmas garantias das uniões
heteroafetivas?
Como hipótese do presente estudo, acredita-se que muitos
casais homoafetivos são discriminalizados vivendo a margem da
sociedade principalmente pela ausência de legislação específica em
torno do tema. A omissão do legislador é preconceituosa e carregada
de grande apelo religioso que ante sua omissão, causando um entrave
à evolução do tema para uma sociedade contemporânea (DIAS,
2014).
O objetivo geral é analisar os direitos e garantias assegurados
às entidades familiares homoafetivas, ao ingresso do cônjuge
sobrevivente ao direito de sucessão com base na legislação vigente,
como objetivos específicos: destacar os aspectos legais do direito
sucessório; abordar sobre o reconhecimento das uniões homoafetivas
como entidade familiar; analisar as transformações ocorridas
no direito sucessório homoafetivo após o julgamento da Ação
Declaratória Inconstitucionalidade ADI 4277 pelo Supremo Tribunal
Federal.
O presente estudo justifica-se por apresentar um debate sobre
a formação familiar de pessoas do mesmo sexo, notadamente
aos seus direitos de sucessão. Nesse sentido, este estudo mostra-
se relevante, visto que o preconceito ainda impera na atualidade,
apesar das grandes evoluções da humanidade, contribuindo para o
conhecimento do tema trazendo a discussão um assunto que vem
sendo ignorado pelo legislador brasileiro que desconsidera a situação
tendo em vista o forte posicionamento religioso que ainda impera no
legislativo.
Sendo assim, quanto aos objetivos, optou-se pela pesquisa
exploratória, visando à necessidade de explorar fontes e esclarecer
a temática, e proporcionando maior familiaridade com o problema,
com vistas a torná-lo mais especifico, na perspectiva de que a legislação
brasileira deve acompanhar a evolução das pessoas, e que assim,
possam ter o direito de igualdade garantido constitucionalmente.
Quanto aos procedimentos adotou-se pesquisa bibliográfica e
pesquisa de campo. A pesquisa bibliográfica realizou-se a partir da

222  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


busca por fontes cientificas, tendo como base legal a Constituição
Federal de 1988, o Código Civil de 2002. A base teórica da pesquisa
tem como principais autores Dias (2015), que expõe os aspectos
conceituais do Direito de Família; Venosa (2016), que identifica as
transformações no direito sucessório homoafetivo; Vargas (2017),
que ressalta as questões Jurídicas Perante a União Homoafetiva;
Gonçalves (2014), que trata do direito das sucessões, direcionando
as normas legais.
Nesse diapasão, o trabalho está divido em quatro partes, sendo
a primeira composta pela introdução, que apresenta elementos da
pesquisa; a segunda evidencia os aspectos históricos e conceituais
da família, enfatizando o reconhecimento das uniões homoafetivas
como organização familiar; a terceira aborda o direito sucessório a
partir da ADI 4277 no reconhecimento das pessoas do mesmo sexo
e, na quarta, faz-se um estudo, por meio de uma pesquisa de campo
com a coordenadora geral do Matizes e dois advogados, em Teresina-
PI, através da opinião dos sujeitos da pesquisa.

Conceito de família frente à Constituição Federal e o Código Civil de


2002

A família é a base da inserção do indivíduo na sociedade com


o dever de preparar seus membros para cumprirem o seu papel
social, percebendo-se a importância desse instituto. É na família
que se assentam as colunas para edificar a organização social de um
determinado Estado (DIAS, et al., 2013). Assim, Melo (2014, p. 4)
conceitua família:

Conceito amplo (família estendida): família é o conjunto formado


pelas pessoas que descendem de um mesmo tronco ancestral
comum, isto é, aquelas unidas por vínculo de sangue (pais, filhos,
irmãos, avós, tios, primos, etc.), bem como as que se incorporam
ao núcleo familiar por vínculo de afinidade (parentes do cônjuge
ou companheiro) e por vínculo jurídico (casamento, união estável
e adoção), além daqueles que se ligam ao núcleo central por
afetividade (adoção á brasileira).

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 223


De acordo com o entendimento de Melo (2014), a família
atualmente deve ser vista por três vínculos: de sangue, afinidade e
jurídico. Por isso, as formações são distintas ao longo do tempo e
com a evolução do instituto da família, confirma-se a diversidade
que albergou diferentes composições familiares, compatibilizando o
direito e realidade. Começaram a surgir novas estruturas de convívio
desafiando a possibilidade de se encontrar um conceito único para
a família.
A partir da promulgação da Constituição de 1988, o conceito
de família foi desvinculado de um ideal histórico burguês, ou seja,
da família patriarcal. Com isso, passou-se a ponderar não apenas
os elementos jurídicos constituintes da família, mas também os
aspectos sociais que abrange, sendo o afeto existente entre os entes,
um pressuposto mais importante, além de conhecer formalmente
a existência de arranjos familiares distintos, como a família
monoparental e o reconhecimento da união estável (BRASIL, 1988).
Quanto ao Código Civil de 2002, segundo Gonçalves (2014,
p. 21), as alterações adentradas no direito civil, especificamente
em relação ao direito de família “visam preservar a coesão familiar
e os valores culturais”. Compreende-se neste contexto que há uma
preocupação específica do legislador em ampliar a proteção desse
instituto jurídico.
Destacando as inúmeras transformações elencadas na
Constituição Federal de 1988, dentre elas Gonçalves (2014) elencou
o princípio da dignidade da pessoa humana, que está no topo do
ordenamento jurídico brasileiro, sendo o princípio fundante do
Estado Democrático de Direito, firmado já no primeiro artigo da
Constituição Federal. E ainda faz menção aos dois eixos básicos de
mudanças, sendo o primeiro: quando o Estado passa a reconhecer
outros tipos de família, quando prevê à proteção do Estado às
famílias constituídas de união estável entre o homem e a mulher
(art. 226, §3°, CF/88),deixando em aberto a possibilidade de
reconhecimento de outras formas de família. No segundo eixo,
consagrou a igualdade entre os filhos, havidos do casamento ou

224  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


mesmo das relações fora dele, ou por adoção, garantindo-lhe os
mesmos direitos e qualificações.
Para Tartuce e Simão (2011), a família deve ser considerada
o núcleo da sociedade, deixando de lado o entendimento de que
ela está se desintegrando pelo o fato de surgirem novas formas de
entidades familiares, a exemplo da família monoparental, formada
apenas por um dos seus genitores e filho, a família formada apenas
por irmãos, e também a família formada por homossexuais, sem
filhos, com filhos fruto de um relacionamento heterossexual, ou de
um filho adotado por um deles, o que é devidamente permitido em
nosso ordenamento jurídico. Vez que nessas famílias encontram-se
os mesmos laços afetivos de uma família considerada “normal”, não
tendo que se falar numa formação familiar preestabelecida.
O fundamento acerca da possibilidade jurídica da formação da
família homoafetiva, está embasado na doutrina e jurisprudência,
e é vinculado também nos princípios da liberdade, igualdade e
respeito às diferenças, que reconhecem e legitimam a existência desta
formação familiar, devendo apenas seguir como requisitos, a união
de duas pessoas do mesmo sexo, ligadas pelo amor, de figura pública,
ininterrupta, duradoura e com o objetivo de constituição familiar.

O direito sucessório e a evolução histórica no Brasil

No direito sucessório, entende-se a sucessão de forma exclusiva,


a sucessão causa mortis ou hereditária, em que a transmissão dos bens
se dá ante o falecimento de seu titular. Pode-se definir sucessão como
a transferência de um direito de uma pessoa, seja física ou jurídica,
para outra pessoa. Há a transferência de bens e há a transferência de
direitos de titulares.
Diante disso, entende-se que o direito sucessório está
intimamente ligado ao direito de propriedade, pois, em regra, apenas
se transmitem as relações patrimoniais, enquanto a transmissão de
direitos autorais, único direito de personalidade que se transmite, é
tratada em sistema próprio, como aponta a “Lei nº 9.610 de 19 de
fevereiro de 1998” (BRASIL, 1988, p.1)

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 225


Ao fazer referência a sucessão do cônjuge, constata-se que
seus cônjuges terem direitos plenos assegurados, igualmente
a casais heterossexuais; pois, de acordo com o Código Civil, a
união homoafetiva, bem como, os que vivem em união estável,
assumidamente em regime de comunhão parcial de bens, como
também nos casos previstos para união estável no Código Civil, os
companheiros ganham direito a pedir pensão em caso de separação
judicial.
A atual Constituição Federal de 1988 foi de extrema importância,
dando capacidade à mulher para ter direitos e obrigações tanto na
família quanto na sociedade. É dever de ambos, quer seja cônjuges
ou companheiros a construção familiar sólida e amparada na mútua
cooperação. A Constituição Federal denegou o status de entidade
familiar amparada pelo Estado à união estável, afirmando de forma
expressa que ela se concretiza apenas entre o homem e a mulher.
O Código Civil de 2002 aponta os requisitos para sua
constituição, ou seja, a convivência duradoura, pública e contínua,
estabelecida com o objetivo de constituição da família. Diferente da
lei nº 8971/94, o Código Civil determina sua existência independente
da existência de filhos e de prazo fixo. Verificando o caso concreto
pode existir união estável até mesmo entre pessoas que não moram
na mesma casa (BARRETO, 2010).
Conforme já sabemos e mencionamos antes, andou muito
bem o legislador ao erigir o cônjuge ao status de herdeiro necessário.
Isso está explícito no artigo. 1.845 do Código Civil, lei que o coloca
exclusivo na terceira classe de vocação hereditária – artigo. 1829 III.
(BRASIL, 2002)
O cônjuge está incluso obrigatoriamente como um herdeiro
necessário, tendo todos os seus direitos resguardados, nessa
sistemática, maiores são os direitos do cônjuge em uma visão justa,
por partilhar todos os momentos bons e as horas mais difíceis, o
companheiro é herdeiro na sucessão independente das formas
variadas de família.
No entanto, segundo o artigo 1830, o cônjuge é herdeiro
necessário, desde que no tempo da morte do outro, não estivessem

226  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


separados judicialmente ou de fato há mais de dois anos. “Esse
interregno é desprezado se provado que a impossibilidade de
convivência se deu inobstante ausência de culpa do sobrevivente”
(BRASIL, 2002, p.4).
O cônjuge sobrevivente segundo o artigo acima citado só é
reconhecido se, na época do falecimento estiverem tendo convivência
de casados e não forem separados há mais de dois anos, caso haja
separação por muito mais tempo do casal, neste caso, salvo se
for comprovada que era impossível a convivência sem a culpa do
companheiro sobrevivente, Para ser reconhecida a sucessão.
Tal passagem é muito criticada pelos doutrinadores porque
examina culpa para efeitos sucessórios depois mesmo da morte do
consorte. Pois bem, o cônjuge supérstite, como regra, concorre com
os descendentes herdeiros, exceto quando casado com o de cujus
sob o regime de comunhão universal de bens, separação obrigatória
de bens e comunhão parcial de bens, quando o falecido não deixar
bens particulares – artigo 1829. Da lição de Nevares, (2006, p. 139-
69) extrai-se que “[...] o objetivo principal dessa disparidade entre
os regimes é a proteção ao sobrevivente, que quando meeiro não
deveria ser também herdeiro”.
Na falta de descendentes e ascendentes, a consagração do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Afetividade faz-se
presente, quando a totalidade da herança passa para o cônjuge –
artigo 1838. De acordo com Nevares (2006, p. 149), “no Código
Civil de 1916, aquela figura podia ser absolutamente afastada pelo
testamento, ato em que o de cujus podia dispor da totalidade dos
seus bens”.
Erigido a herdeiro necessário, salvo casos de indignidade e
deserdação, a parte indisponível da herança, cinquenta por cento,
pertence-lhe de pleno direito. O Código de 2002 avançou também
no que diz respeito ao direito real de habitação. Havendo apenas
um imóvel residencial no monte mor e independente do regime de
bens e participação da herança, o consorte faz jus de pleno direito
à habitação vitalícia, não mais condicionada à sua eterna viuvez –
artigo 1831 (BRASIL, 2002, p.1)

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 227


Depois daquele avanço, seguiu-se a introdução gradativa
de diversas leis que beneficiavam os companheiros, exceto no
campo sucessório. Isso passou a mudar a partir do advento da
Constituição de 1988, artigo 226, norma programática, dependente
de regulamentação infraconstitucional. Pois bem, a Lei 8.971, que
entrou em vigor em 29 de dezembro de 1994, passou a disciplinar os
direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão.
Essa lei vigorou até “10 de maio de 1996, quando a lei 9.278
trouxe inúmeras alterações no regime sucessório na união estável,
com o fito de regular o parágrafo 3º do artigo 226 da Carta Magna”.
Através dela foi estendido ao companheiro o direito real de habitação
sobre o imóvel em que residia cuja extinção se dava com a morte do
consorte, com a constituição de nova união estável ou casamento,
ou, com a ocorrência de alguma das hipóteses que ensejam a extinção
do usufruto. (BRASIL, 2002, p.1)
Por fim, sendo que ao companheiro caberão apenas os bens
percebidos dispendiosamente durante a convivência, quanto aos
demais há a injusta vacância da herança nos casos de ausência de
ascendentes, “descendentes e colaterais – inciso IV. A partir das
situações apresentadas, pode-se perceber o terreno frágil que é a
legislação, marcada pela inconstitucionalidade das regras sucessórias
na união estável”. (BRASIL, 2002, p.1) A legislação abre brechas a
lacunas dentro do direito.
Mesmo se assim não fosse as incertezas advém das injustiças
com relação ao companheiro e ao próprio cônjuge, ora um, ora outro,
dependendo da situação posta. Diante disso, cabe a jurisprudência
a tentativa de adequação fática e legislativa com a realidade social.
Enquanto isso, pela crescente divergência de posicionamento entre
estudiosos e julgadores, há a elaboração constante de projetos de lei,
o que será analisado logo adiante. (BRASIL, 2002, p.1) O direito deve
se adaptar a realidade social para o não cometimento de injustiças,
elaborando projetos de lei para melhor atender as necessidades da
população.

228  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


Do direito sucessório homoafetivo e a ADI 4277

A ADIN 4277 foi como um grande marco histórico para a


positivação de direitos às minorias que sofrem discriminações por
suas opções, dentre eles, abrange-se, especialmente, os homossexuais
que estão entre os que durante muitos anos sofrem com preconceitos
em razão de suas escolhas sexuais, conforme se vê na integra:

Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO.
RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO
HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO
JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE
NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. (STF - ADI:
4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento:
05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198
DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03
PP-00341) (BRASIL, 2011)

As uniões entre pessoas do mesmo sexo sempre receberam


uma roupagem pejorativa e discriminatória ao longo da História. A
igreja foi umas das instituições que repudiou as uniões homoafetivas
em face de infertilidade gerada pelos vínculos homossexuais (DIAS,
2011). Apesar da evolução de direitos harmonizada pela Constituição
Federal de 1988, como o reconhecimento da união estável como
entidade familiar, o legislador originário não ampliou tais benefícios
aos casais de mesmo sexo, pois demarcou a convivência conhecida
àquela entre homem e mulher. (BRASIL, 1988) No que tange aos
direitos sucessórios as uniões estáveis homoafetivas sobrevieram a
ter sua sucessão determinada no artigo 1.790 Código Civil. Segundo
preconiza o artigo supracitado, o companheiro supérstite participará
da sucessão do falecido quanto aos bens adquiridos de forma
onerosa durante a convivência do casal, no entanto, se houverem
descendentes, ascendentes ou parentes sucessíveis do de cujus com
estes poderá concorrer. (BRASIL, 2002).

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 229


De qualquer forma, uma vez que não existe previsão legal
pertinente ao direito sucessório para relações homoafetivas, ainda
resta a possibilidade de dissolução de sociedade de fato com a
divisão do patrimônio amealhado, nos termos da Súmula nº 380
do STJ, que trata da dissolução por meio judicial da sociedade de
fato com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum
(BRASIL, 2011). Havendo separação, o casal faz a partilha de seus
bens que foram adquiridos na constância da união, sem prejuízos
as partes interessadas. Os tribunais pátrios, de forma majoritária,
vêm definindo as questões pertinentes à dissolução de união estável
por morte nos mesmos moldes da dissolução de sociedade de fato,
conforme já salientado. Frise-se que ainda não se vislumbram decisões
cuja equiparação de uma união homoafetiva com uma união estável
declare ser desnecessária a comprovação de participação na formação
do patrimônio, cuja meação seja objeto de disputa (BRASIL, 2011).
O casal conseguiu seus bens deve haver divisão caso haja dissolução.
A doutrina apontava duas teorias para que se pudesse fazer a
comparação entre sociedade de fato e união entre pessoas do mesmo
sexo. As teorias receberam a denominação de Teoria da Contribuição
Direta e a Teoria da Contribuição Indireta. De acordo com Vargas
(2012, p. 201):

A Teoria da Contribuição Direta é aquela dispõe que o parceiro


sobrevive tem o ônus de comprovar a participação efetiva na
construção do patrimônio pelo casal. A Teoria da Contribuição
Indireta afirma que basta comprovação de apoio para a
construção do patrimônio, como por exemplo, os serviços
domésticos e afeição.

Quando a jurisprudência não adotava essas teorias, os casais de
mesmo sexo tinham seus direitos sucessórios negados, uma vez que a
legislação vigente não trazia dispositivos sobre a união homossexual.
Realmente era um absurdo um parente que pouco convivia com o
falecido herdar todo o patrimônio do casal homossexual por falta de
disposição legal quanto à herança. (BRASIL, 2011).

230  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


Com a ADIN 4277 houve mudanças positivas para os casais
homoafetivos não sendo mais vistos como sociedade comercial
passando a ser entidades familiares preservando a dignidade dos
mesmos. Sendo assim, as uniões entre pessoas do mesmo sexo
sempre receberam uma roupagem pejorativa e discriminatória ao
longo da História. A igreja foi umas das instituições que repudiou as
uniões homoafetivas em face da infertilidade gerada pelos vínculos
homossexuais (DIAS, 2011).
Historicamente o preconceito está enraizado dentro da
sociedade, as pessoas discriminam casais do mesmo sexo por
serem diferentes, a igreja repudiou pela infertilidade, existem casais
héteros que também são inférteis iguais aos casais homoafetivos,
mais no processo de adoção para compor a formação das famílias
o que prevalece é a afetividade e o respeito. Apesar da evolução de
direitos proporcionada pela Constituição Federal de 1988 quanto ao
reconhecimento da união estável como entidade familiar, o legislador
originário não estendeu tais benefícios aos casais de mesmo sexo,
pois delimitou a convivência reconhecida àquela entre homem e
mulher. No entanto, é garantido pela Carta Magna que lesões ou
ameaças a direitos não podem ser excluídos de apreciação do Poder
Judiciário. (BRASIL, 1988).
No reconhecimento entre pessoas do mesmo sexo, se deve
extrair diretamente da constituição federal de 1988, os princípios da
dignidade da pessoa humana, proteção a segurança jurídica, vedação
de discriminação odiosa, considerando a união homoafetiva em
igualdade com a união estável entre homem e mulher.
O julgamento efetuado pelo Supremo Tribunal Federal foi
recebido como Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o número
4277 e ocorreu em 5 de maio de 2011, tendo votação favorável ao
pleito de forma unânime (BRASIL, 2011). A decisão reconheceu a
união homoafetiva como entidade familiar, dando interpretação
extensiva ao artigo 1.723 do Código Civil, ou seja, a união homoafetiva
é considerada uma união estável com todos os direitos inerentes a
esse instituto. Dessa forma, os direitos sucessórios homoafetivos são

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 231


equiparados aos casais heterossexuais que vivem em união estável.
(BRASIL, 2002).
Nesse sentido, o Código Civil de 2002 continua afirmando
em seu artigo 1.723 que a união estável entre homem e mulher é
reconhecida como entidade familiar, porém cabe ao juiz, quando da
análise em concreto aplicar o novo entendimento, conforme se vê:

Art. 1.723. CC. É reconhecida como entidade familiar a união


estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.§ 1o A união estável não se constituirá
se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando
a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar
separada de fato ou judicialmente.§ 2o As causas suspensivas
do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável
(BRASIL, 2002).

Após a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal


em reconhecer como entidade familiar as uniões estáveis entre
homossexuais, passou-se a garantir os mesmos direitos dos casais
heterossexuais. (BRASIL, 2011). Na busca pela evolução, o judiciário
deve sempre se adaptar as necessidades de todas as classes sociais,
a decisão de reconhecer como entidade familiar casais formados
por pessoas do mesmo sexo garantindo todos os direitos dos casais
formados por pessoas de sexo oposto trouxe uma noção de igualdade
para a formação das famílias.
Conforme determina o artigo 1.790 do Código Civil/2002, o
companheiro supérstite participará da sucessão do falecido quanto
aos bens adquiridos de forma onerosa durante a convivência do casal,
no entanto, se houverem descendentes, ascendentes ou parentes
sucessíveis do de cujus com estes poderá concorrer (BRASIL, 2002).
O companheiro na sucessão do falecido ganhará sua quota parte,
concorrendo com os ascendentes e descendentes se houver.

232  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


Direito sucessório nas uniões homoafetivas: análise e discussão de
dados

Para o desenvolvimento deste estudo utilizou-se uma análise


qualitativa, que permite a interpretação de dados coletados, no
entanto, o evoluir da sociedade apresentou ao julgador novas formas
de famílias, e o legislador permaneceu inerte a isso. Sendo assim,
quanto aos objetivos, optou-se pela pesquisa exploratória visando
à necessidade de explorar fontes e esclarecer a temática, visando
proporcionar maior familiaridade com o problema, como vistas a
torná-lo mais especifico, na perspectiva de que a legislação brasileira
deve acompanhar a evolução das pessoas, e que assim, possam ter o
direito de igualdade garantido constitucionalmente.
Quanto aos procedimentos, adotou-se pesquisa bibliográfica
e pesquisa de campo. A pesquisa bibliográfica realizou-se a partir
da busca por fontes cientificas como livros, artigos, monografias,
visando identificar as concepções de diversos autores sobre o tema
investigado, procurando referencias teóricas publicadas com o
objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre
o problema a respeito do qual se procura a resposta (FONSECA,
2002).
A pesquisa de campo foi escolhida por proporcionar aos
pesquisadores a oportunidade de viver as situações na íntegra e
pelo fato da coleta de dados ser feita em condições reais, tendo os
objetivos preestabelecidos. Contribuindo para uma maior exatidão
no momento do levantamento de dados por facilitar a compreensão
e interpretação dos fatos investigados. A partir desta reflexão
será utilizado como instrumento para a obtenção de dados um
questionário, que permitirá coletar a opinião escrita dos sujeitos
investigados: advogados, casais homoafetivos, pessoas ligadas ao
assunto em questão, contendo perguntas abertas. O campo de
pesquisa será o Município de Teresina-PI.
Desse modo, a evolução social da família necessitou ser
acompanhada pelo Direito, acarretando em diversas alterações
jurídicas e legislativas no tratamento das relações familiares

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 233


e do Direito das Famílias. Pode-se perceber a importância da
constitucionalização do Direito Civil e do Direito das Famílias,
fomentando em diversas transformações, dentre as quais, tornando
reconhecida a união formada por casais homoafetivos, atribuindo a
estes os mesmos direitos e tratamento jurídico que possuem as uniões
heteroafetivas (BRASIL, 2002). A formação familiar independe da
sexualidade, o direito vem evoluindo juntamente com os novos tipos
de família, a grande batalha atualmente é pelo reconhecimento social
liberto de preconceitos com relação às famílias homoafetivas. Diante
desse contexto foi questionado: Quais os critérios determinantes ao
considerar a união homoafetiva como entidade familiar? E foram
obtidas as seguintes respostas:

A ideia de entidade familiar, vem de um processo milenar


criado por quem tinha o controle da sociedade, e o reinventar
da sociedade, direitos adquiridos , reestrutura a sociedade e
abre espaço para novas configurações. E essas configurações
são diversas e representativas. Ou seja a ideia de família na pós
modernidade é totalmente distinta da idade média ou do século
passado, podendo ser de uma mãe, uma mãe e uma avó, um pai,
dois pais, duas mães, ela atende uma necessidade e um desejo e
não mais somente uma norma social. (Advogado A).
Considero que o critério determinante para o reconhecimento
da união homoafetiva como entidade familiar é o rompimento
de paradigmas conceituais arcaicos trazidos pela Constituição
Brasileira de 1988, uma vez que nesta a família saiu da
consanguinidade para a afetividade. Isso, por consequência,
apresentou ao Brasil a interpretação correta de entidade e
vínculo familiar,baseada no reconhecimento efetivo de cidadania,
dignidade humana e isonomia plena às várias uniões estáveis,
incluindo a homoafetiva, as quais eram mantidas na desatenção
do Estado. (Advogado B).
A base para essa consideração é a própria constituição federal de
1988 e os princípios que a regem, principalmente o da igualdade,
da não discriminação, e o da dignidade da pessoa humana.
(Coordenadora Geral do Grupo Matizes).

Os relatos acima demonstram que os entrevistados consideram


que a entidade familiar é determinante para ser reconhecida a

234  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


união homoafetiva, no entanto de acordo com as falas, é possível
observar que em meio a tantos princípios aplicados e consagrados
pela Constituição Federal, depara-se com um princípio em questão,
o da igualdade. Este princípio vem estabelecido logo no começo da
Constituição Federal, no título que se refere aos direitos fundamentais,
que garante igualdade de direitos e obrigações entre o homem e a
mulher, e vem igualmente descrito no capítulo que trata da Família
(BARRETO, 2010).
A Constituição de 1988, de acordo com Barreto (2010),
modifica o elemento tutelado juridicamente no âmbito familiar, tendo
como finalidade o desenvolvimento pessoal da família, surgindo daí
uma nova definição de família fundamentando-se na multiplicidade
familiar, deixando de lado somente a igualdade formal e passando a
ter uma igualdade substancial. Dias (2015, p. 272) esclarece que “o
compromisso do Estado para com o cidadão sustenta-se no primado
do respeito à dignidade humana e aos princípios da igualdade e da
liberdade”. Dando continuidade a pesquisa foi questionado: Na
sua opinião, a ADI 4277 trouxe mudanças significativas no direito
sucessório homoafetivo? Justifique. Os entrevistados responderam:

Sim, dar direito aos herdeiros ou os que construíram o patrimônio


independente de sua configuração social (Advogado A).
Sim, sem dúvida alguma o julgamento conjunto da ADI 4277e da
ADPF 132 é verdadeiramente uma genuína quebra de paradigmas
e um avanço para o nosso Direito das Famílias. Aliás, foi com
base, mais uma vez, na CF/88, que se encontram respostas para
o tratamento jurídico conferido, hoje, às uniões homoafetivas: a
caracterização destas em entidade familiar por se apresentarem
duráveis, de conhecimento do público, contínuas e o propósito ou
anseio de constituição de uma família. Assim, tal reconhecimento
estrutural de entidade familiar à união homoafetiva repercute
diretamente nos efeitos sucessórios, posto que obrigatoriamente
esta união pela legislação vigente passe a ter, quando reconhecidas,
os efeitos do casamento civil (Advogado B).
Sim com certeza, essa decisão do supremo que reconheceu as
uniões homoafetivas como entidades familiares houve uma
repercussão geral em vários ramos do direito, principalmente
para assegurar os direitos civis que outrora eram negados, além
do direito sucessório depois da ADI 4277 o CNJ regulamentou

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 235


o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os tribunais cada
vez mais deferem pedidos de adoção por casais homoafetivos e
nas varias esferas no direito previdenciário e administrativo, eu
considero como um dos maiores avanços no direito LGBTs a ADI
4277 que corrigiu uma assimetria histórica que existia no que
diz respeito a pessoas homoafetivas que vivem em união estável
(Coordenadora Geral do Grupo Matizes).

Os relatos acima deixam claro que os sujeitos da pesquisa


consideram a importância da ADI 4277. Fato é que as manifestações
do Poder Judiciário quanto às uniões homoafetivas trouxeram a
base fundamental par os direitos dos homossexuais os quais foram
empregados, na prática, de maneira análoga, isto é, estendendo a
interpretação da lei a esses casos.
Sendo assim, destacamos aqui como o grande avanço
concernente aos direitos dos casais homoafetivos, considerado por
este trabalho como um marco divisor de águas de tais direitos o
feito em 05 de maio de 2011, pelo o Supremo Tribunal Federal, em
julgamento das ADI de n° 4277 e da ADPF de n° 132, onde se deu o
reconhecimento da união homoafetiva.
Diante de tal decisão não gerar efeito vinculante, ela servirá
como uma bússola que nos guiará outras em outras decisões em
nosso território nacional. Sobre este julgamento importante destacar
as palavras do então Presidente do Supremo Tribunal Federal sobre
o tema em questão.
Então, no entendimento das uniões homoafetiva, foi feito a
seguinte pergunta: Com base na legislação atual, quais os princípios
que regem nas uniões de pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos
dos casais que vivem em união estável heterossexual? Descreva.
Acerca disso, os entrevistados responderam:

Sim , segundo a decisão do STF de 2017, os direitos tornam-se


iguais, valendo a constituição nacional, que rege a igualdade de
todos perante a lei. (Advogado A).
Para que fossem reconhecidos direitos e obrigações aos casais em
união estável foi necessário desconstruir o conceito engessado e
arcaico de família, a qual se baseava nos vínculos consanguíneos,

236  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


na hierarquia familiar e cujo poder familiar era exercido pelo
pai e/ou pela mãe, não havendo igualdade entre os pares.
Somente ao se estender o conceito de família para entidade
formada com base no afeto foi possível reconhecer a todas as
uniões, héteros ou homoafetivas, os efeitos do casamento civil.
A desconstrução do conceito de família só foi possível, também,
por ter sido realizada tal releitura de acordo com os princípios
constitucionais fundamentais da igualdade, manifestado em
inúmeras disposições constitucionais, bem como os princípios
da liberdade, da legalidade e da dignidade da pessoa humana,
sendo este último o norte dos direitos fundamentais e no qual
se espelham, no seio privado, os direitos da personalidade. Há,
ainda, o princípio da segurança jurídica, que preserva e torna
estável o Direito, representando uma maior proteção à legítima
dos indivíduos. (Advogado B).
Infelizmente não há legislação expressa nas uniões de pessoas
do mesmo sexo, nos baseamos nos princípios constitucionais,
o próprio Matizes por exemplo foi pioneiro no Brasil por pedir
junto ao ministério publico que a receita federal reconhecesse
na declaração do imposto de renda as uniões homoafetivas na
época a juíza deferiu o pedido posteriormente estendido para
todo o Brasil no ano de 2010 ocorrido antes da ADI 4277, a
legislação atual é a própria CF/88 e os princípios já foram citados
o da igualdade, da não discriminação e da dignidade da pessoa
humana, esses já nos bastam. (Coordenadora Geral do Grupo
Matizes).

Com relação às respostas obtidas, observa-se que todos os


entrevistados a igualdade perante a lei. Opinião que vai de encontro
com manifestações legislativas atentas às formações familiares da
atualidade que surgem um verdadeiro reconhecimento para aqueles
que se encontram no desejo de ter sua família pelo direito brasileiro,
deixando claro o poder do principio da igualdade.
Notório é que cada vez mais o ordenamento jurídico brasileiro
está presenciando essas formações familiares figurando em ações que
envolvem Direito de Família, conforme vão surgindo jurisprudências
a respeitos dessas relações, o que ajuda a melhorar a forma como
são tratados os casais homossexuais, perante a justiça brasileira.
Entender que vivemos uma época que existem novas possibilidades

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 237


de famílias, que devem ser analisadas e reconhecidas pelo Direito
(VENOSA, 2016).
Importante se faz ressalta, o importante avanço trazido pela a
resolução 175 do CNJ, que inovou com a possibilidade de casamento
civil entre pares homoafetivos dando-lhes uma maior segurança
jurídica, como também admitir-se a possibilidade de conversão de
união estável.
Mesmo com todas essas decisões que servem de fundamentação
e amparo jurídico para outras decisões, e principalmente a decisão
do STF que tem efeito vinculante. Pois o nosso judiciário ainda é
povoado de magistrados que possuem pensamentos retrógados com
uma interpretação extremamente positivista, atendo-se somente a
letra da lei.
Apesar dos Direito das Sucessões ser um aglomerado de regras
que regulam a transferência do patrimônio de um indivíduo, no seu
pós-morte, em razão de uma lei ou um testamento. Está pautado nos
artigos 1.784 a 2.027 do Código Civil. Segundo o artigo 1.786, CC,
a sucessão pode dar-se por disposição de última vontade ou por lei.
No primeiro caso, tem-se a sucessão testamentária e, no segundo, a
sucessão legítima (BRASIL, 2002). A respeito destas constatações,
questionou-se: o que você tem a dizer acerca do posicionamento
jurisprudencial nos processos advindos da sucessão na união
homoafetiva? Dessa maneira, os advogados e a Coordenadora Geral
do Grupo Matizes responderam:

A jurisprudência, como um conjunto de leis/normas analisadas


para da um parecer, traz a tona da necessidade de um olhar
complexo sobre qualquer assunto que refere-se a sociedade.
(Advogado A).
A finalidade da jurisprudência no ordenamento jurídico de qualquer
país é sempre de procurar o real sentido da lei, acomodando-o
às necessidades atuais da sociedade. Assim a reconstrução ou
releitura do sistema de normas é inevitável, ensejando repostas
jurídicas inusitadas e até mesmo revolucionárias. Nesse sentido,
a construção jurisprudencial brasileira, no que se refere aos
direitos das famílias trouxe inovações sentidas no âmbito dos
direitos sucessórios, principalmente quanto aos pares em
uniões homoafetivas. Aliás, tais inovações sempre consideram

238  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


princípios constitucionais, e no presente caso das uniões
homoafetivas a jurisprudência firmou suas raízes juridicamente
inovadoras e maduras nos princípios da igualdade, da não
discriminação, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo
e do livre planejamento familiar, ratificando o entendimento
constitucional que família forma-se entre homens e mulheres
por laços afetivos e duradouros cuja consequência diante da
morte é o reconhecimento ao companheiro (a) sobrevivente a
possibilidade de ser não só herdeiro, mas os mesmos direitos do
cônjuge na sucessão legítima, aproximando a família matrimonial
das outras modalidades familiares existentes.  Aliás, em maio de
2017, o companheiro (a) sobrevivente foi incluso definitivamente
no rol de herdeiros. (Advogado B).
os posicionamentos são vários e são favoráveis,ainda temos
algumas resistências por parte dos representantes do judiciário
e do ministério publico mais é uma realidade que não tem mais
volta o supremo decidiu por unanimidade reconhecer as uniões
homoafetivas como entidades familiares como já citado tendo
repercussão em todos os ramos do direito, se os homoafetivos
podem se casar, se podem adotar então obviamente que podemos
em caso de morte do(a) companheiro(a) também devem ser
garantidos todos os direitos que a legislação prevê havendo a
sucessão. (Coordenadora Geral do Grupo Matizes).

Diante das respostas dos advogados e da coordenadora do


Grupo Matizes, verifica-se um olhar complexo, que muitas vezes pode
ser a favor ou contra nas decisões. Para Dias (2013) quem ainda resiste
em reconhecer tais uniões como entidade familiar que ao menos
invoque a analogia, para aplicar as regras de direito das famílias,
pois são as que mais se aproximam das uniões homoafetiva, uma vez
que têm a mesma origem: um vínculo afetivo. Percorrem o mesmo
caminho que leva à comunhão de vida e geram responsabilidades
recíprocas. Necessário é encarar a realidade sem preconceitos e
aplicar o regramento legal que regulamenta o casamento e a união
estável.
Sendo assim, a interpretação do artigo 1.723, caput, do Código
Civil de 2002, diz que: “É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradora e estabelecida com o objetivo de constituição
de família”. Com a consequente decisão da nossa Suprema Corte
esta se estenderia aos casais homoafetivos e em decorrência disso

DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 239


asseguraria um leque de direitos como os decorrentes da sucessão,
pensão alimentícia, benefícios previdenciários e etc. Contando que as
características de união estável sejam elas: relacionamento público,
duradouro e que vivam sob um mesmo teto.

Considerações finais

Este estudo analisou o direito sucessório nas uniões homoafetiva,


tendo em vista que a relação homoafetiva (entre pessoas do mesmo
sexo) é uma realidade cada vez mais evidente e, como tal, vem
ganhando maior atenção do ordenamento jurídico pátrio, apesar de
ainda não positivada na Constituição Federal e nem na legislação
infraconstitucional.
Nesse sentido, verificou-se a formação familiar de pessoas
do mesmo sexo, no que refere ao Direito Sucessório, ou seja, de
acordo com as decisões apresentadas, constatou-se as mesmas
garantias das uniões heteroafetivas. Os direitos devem ser igualmente
repartidos, bem como, os deveres também. Uma vez assegurados
constitucionalmente, não haverá nada que possa ser negado a essa
classe da população. Em relação a constituir família, ingressar com
uma carreira para garantir o sustento da casa, enfim. Serão pessoas
com vidas totalmente iguais a heterossexuais.
A Lei Maior garante como princípios básicos o direito à
identidade e à liberdade individual. Nesse sentido, a hipótese foi
confirmada ao deixar claro que a regulamentação da união civil
entre homossexuais é fundamental para a reafirmação desses
princípios, já que os indivíduos devem ser livres em sua opção sexual
e o Estado não pode impor a eles a sua vontade. O Estado também,
determinado na própria Constituição como laico, não pode ser
influenciado pela Igreja católica, que traz o homossexualismo como
pecado, algo contrário à moral. Deixando os preconceitos de lado,
a lei deve garantir os direitos que decorrem de um vínculo afetivo,
independentemente do sexo do par.
Diante do reconhecimento das uniões homoafetivas como
entidade familiar, a Justiça, através de suas decisões concretas, assegura
o reconhecimento desse novo modelo de família (convivência entre

240  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


pessoas do mesmo sexo), mostrando assim respeito aos princípios
supracitados, assim como também aos da dignidade humana e o da
igualdade através do direito sucessório.
Dessa forma, verificou-se as transformações ocorridas no direito
sucessório homoafetivo após o julgamento da Ação Declaratória
de Inconstitucionalidade ADI 4277 pelo Supremo Tribunal Federal,
como um fato inquestionável, a União Homoafetiva deve ser
reconhecida através dos direitos adquiridos pelo companheiro se
estendem à sucessão, sendo estes os mesmos direitos que possui
o companheiro heterossexual da união estável. O Brasil, como um
Estado Democrático de Direito, deve garantir que os princípios
constitucionais sejam colocados em prática, deixando a cargo
do cidadão a sua orientação sexual, sendo assim inconcebível a
supressão de direitos àqueles que são a minoria.

Referências

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DIREITO SUCESSÓRIO NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 241


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MACHADO, Ana Lucia Pereira. O afeto que une os iguais também


pode uni-los aos seus filhos? – União estável homoafetiva –
Cidadania plena ou em migalhas?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,
XVI, n. 112, maio 2013. Disponível em: http://www.ambito-juridico.
com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_
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Atualidades%20IVINA%20Final.pdf?sequence=1. Acesso em: 15 set.
2018.

242  Amanda de Fátima Silva Abreu • Igor Rodrigues Leal de Carvalho


SOBRE OS AUTORES

Amanda de Fátima Silva Abreu


Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Maurício de Nassau.
Estagiou na Central de Inquéritos Fórum Cível e Criminal de Teresina-
PI (2015). Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil. E-mail:
amandaa.abreu28@gmail.com

Arianne Soares de Souza


Graduada em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do
Piauí- UESPI (2010). Especialista em Direito Público pela Faculdade
Maurício de Nassau - FAP - PI (2012). Mestra profissional com linha
de pesquisa em Ética e Gestão pelas Faculdades Est – RS (2014).
Professora Universitária e Advogada.

Bruna Rezende dos Santos


Bacharelada em Direito pelo Centro Universitário Maurício de
Nassau (2018.2). Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil
pela Escola do Legislativo Professor Wilson Brandão (2019/2020).
Estagiou na Defensoria Pública do Estado do Piauí (2016/2018)
com atuação no núcleo da saúde, núcleo de defesa da mulher em
situação de violência doméstica e familiar e na área de família. Email:
brunasantosc15@gmail.com

SOBRE AUTORES 243


Carla Rosania da Cruz Lima
Graduada em Ciências Contábeis pelo ensino Superior do Vale do
Parnaíba (CESVALE) (2008). Estagiou no Tribunal de Contas do
Estado do Piauí (2007/2008). Especialista em Controle Externo
pela Faculdade Integral Diferencial- FACID (2011). Graduada em
Direito pelo Centro Universitário Maurício de Nassau Teresina-PI
(2018). Estagiou na Defensoria Pública do Estado do Piauí (2016). É
empresaria Contábil há 10 anos no escritório Contar Contabilidade,
atuando em diversos ramos da contabilidade, com ênfase na área
trabalhista. Email: carlacontabil2008@hotmail.com

Carlos Márcio Gomes Avelino


Graduado em direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina
(2001). Especialista em direito processual pela Universidade Federal
do Piauí (2004). Atualmente, é professor das Faculdades Maurício de
Nassau - FAP Teresina (2007) e Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais
Professor Camillo Filho (2011). É sócio do escritório de advocacia
Mário Roberto Pereira de Araújo - Sociedade de Advogados (2002).
Tem experiência na área de direito, com ênfase em direito processual.
E-mail: marcioavelino_1@hotmail.com

Danielle de Sousa Cunha


Graduada em Direito do Centro Universitário Maurício de Nassau.
Graduada em Turismo e Hotelaria pela Faculdade Piauiense (2005).
Especialista em Planejamento e Gestão em Turismo, Hotelaria e
Eventos pela Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina
- FAETE (2008). Instrutora do Plano Estadual de Capacitação
Profissional para o Setor de Turismo do Piauí pelo Governo do Estado,
juntamente com o Ministério do Turismo (2006). Atualmente, é
estagiária da Secretaria de Segurança Pública, atuando na Delegacia
de Proteção a Criança e ao Adolescente. E-mail: danniellecunha@
gmail.com

Eduardo Faustino Lima Sá


Especialista em Ciências Criminais pelo Centro de Ensino Unificado
de Teresina (2007). Graduado em Direito pelo Centro de Ensino

244 
Unificado de Teresina (2006). Graduado em Ciências Sociais pela
Universidade Federal do Piauí (2006). Atualmente, é professor do
Centro de Ensino Superior do Vale do Parnaíba e da Faculdade
Maurício de Nassau (FAP - Teresina), onde ministra as disciplinas de
Direito Penal, Processo Penal e Criminologia. Conselheiro Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Piauí (Gestão 2016 -
2019) e Advogado Criminalista, com atuação concentrada no âmbito
dos Crimes Dolosos Contra a Vida. E-mail: eduardofaustinolimasa@
hotmail.com

Francisca Marta Magalhães de Brito


Professora de Língua Portuguesa e Literatura. Graduada em Letras
- Universidade Federal do Piauí (1980). Bacharela em Ciências
Econômicas - Universidade Federal do Piauí (1989). Bacharela em
Direito - Universidade Estadual do Piauí (2006). Mestra em Ciências
da Educação - Instituto Latino Americano e Caribenho- IPLAC/Cuba/
UESPI/Teresina-PI (2000) - revalidação do diploma-Universidade
Federal do Piauí - UFPI (2007). Professora efetiva, atualmente
aposentada, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Piauí-IFPI, no período de fevereiro de 1982 a setembro de 2016. Exerceu
o cargo de diretora-geral do Campus Piripiri-IFPI, de setembro de 2008
a junho de 2011, tendo trabalhado na implantação e estruturação
do referido Campus. Exerceu o cargo de vice-diretora da Fundação
Bradesco, em Teresina, e coordenou, no Educandário Santa Maria
Goretti, Língua Portuguesa e Literaturas-Educação Básica. Iniciou
sua carreira docente no Instituto Educacional da Criança-INEC e na
Unidade Escolar Helvídio Nunes. Lecionou Literatura e Redação no
Colégio São Francisco de Sales - Diocesano - terceiro ano do Ensino
Médio. Participou de um curso de aperfeiçoamento para dirigentes
da Rede Federal de Educação Tecnológica, ENAP/MEC, em Brasília-
DF, no ano de 2009, complementado para curso de especialização
em Gestão Pública, no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Paraná-IFPR, Curitiba-SC. Exerceu o cargo de Chefe
do Departamento de Formação de Professores, Letras e Ciências, no
Instituto Federal do Piauí-IFPI, Campus Teresina Central, em 2012-13

SOBRE AUTORES 245


(portaria n. 915, de 7 de agosto de 2013, DOU). Exerceu o cargo de
Diretora de Extensão no IFPI - Campus Teresina Central (portaria n.
23, de 4 de janeiro de 2013-DOU). Exerceu, de agosto de 2012 a março
de 2017, a função de Coordenadora Geral do PARFOR/IFPI (Portaria
n. 980, de 14 de agosto de 2012/Portaria n. 667, de 31 de março de
2017). Concluiu o curso de doutorado em Letras na Universidade
Federal do Pernambuco-UFPE-PPGL, área de concentração Teoria
da Literatura, realizando pesquisa que teve como objeto de estudo
Tutameia: terceiras estórias, de Guimarães Rosa, cuja culminância
gerou a tese &quot;A metaficção em Tutameia: contos e prefácios em
diálogo com uma teoria ficcional&quot. Docente na UNINASSAU-
Teresina, unidade Jóquei, no curso de Direito. E-mail: martamagh@
gmail.com

Igor Rodrigues Leal de Carvalho


Bacharel em Direito - Faculdade São Gabriel - NOVAUNESC - 2010.
Advogado-membro do Escritório Nogueira e Nogueira-2013 até
Janeiro de 2018 - Assessorando Municípios como: Campo Maior,
Parnaíba, Joaquim Pires, Juazeiro do Piauí, Jatobá do Piauí, São
Raimundo Nonato, Várzea Branca, Caracol, Pedro II, Domingos
Mourão. Advogado da Empresa MUTUAL Serviços - de 2013 a
2017. Especialista em Direito Eleitoral. Especializando em Direito
Processual Civil (NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL) - LFG
Docente na Faculdade Maurício de Nassau - FAP Teresina. Docente
no Programa de Pós-Graduação em Civil e Processo Civil da FAR -
Faculdade Ademar Rosado em Convênio com a Escola da Assembleia
Legislativa do Estado do Piauí (ALEPI). E-mail: igorleal@msn.com

Ilda Maria Nunes Lustosa


Graduada em Direito pelo Centro Universitário Mauricio de
Nassau Teresina-PI. Estagiou no Escritório Douglas Haley e Patrícia
Vasconcelos Advocacia e Consultoria jurídica (2017). Pós-graduanda
em Direito do Trabalho e Previdenciário. E-mail: ildalustosa@hotmail.
com

246 
José de Ribamar Veras Júnior
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Maurício de Nassau.
Graduando do curso de Administração pela Universidade Federal
do Estado do Piauí. Estagiou em escritório de advocacia privada
Hartonio Bandeira (2016). Aprovado no XVI Teste Seletivo para
Estágio da Defensoria Pública do Estado do Piauí (2016). Estagiou
no Ministério Público do Estado do Piauí (2017-2019). Aprovado no
XXV Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil. E-mail:
rbjunior02@gmail.com

José Edson Dias das Neves


Pós-graduado em Ciências Criminais pelo Centro de Ensino Unificado
de Teresina (CEUT), e em Ciência Política pela FAR/ALEPI, Teresina-
PI. Graduação em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau (FAP),
Teresina-Pi. E-mail: edsondias.adv@hotmail.com

Marcelo Leandro Pereira Lopes


Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de
Fortaleza (UNIFOR). Possui graduação em Bacharelado em Direito
pela Universidade Federal do Piauí (2002) e mestrado em Direito
pela Universidade Católica de Brasília (2011). Atualmente, é diretor
presidentes da Fundação de Incentivo à Pesquisa, professor efetivo
da Faculdade Nassau Unidade Teresina, professor da Faculdade
Integral Diferencial FACID DeVry, membro do núcleo de estudos
em ética e bioética da Faculdade Nassau Aliança e professor do
Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho. Tem
experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional
e Internacional, atuando principalmente nos seguintes temas: direito,
cidadania, teoria crítica, educação jurídica e história do direito.
E-mail: marcelolpl1@hotmail.com

Maria Gessi-Leila Medeiros


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí (2014/2017).
Mestra em Educação pela UFPI (2011/2013). Especialista em Direito
Civil e Processo Civil pelo CEUT (2010). Especialista em Mediação

SOBRE AUTORES 247


de Conflitos pela Estácio Teresina (2018). Especialista em Docência
do Ensino Superior pela FAESPI (2016). Bacharelada em DIREITO
e Licenciada em LETRAS PORTUGUÊS, ambas pela Universidade
Estadual do Piauí (2004 e 2007, respectivamente). Graduada em
Licenciatura Plena em Pedagogia pelo Instituto de Educação e
Tecnologias (INET), em 2014. Membro do Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Educação, Gênero e Cidadania (NEPEGECI/UFPI).
Integrante do Observatório das Juventudes (OBJUVE/UFPI). Membro
do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação na Psicologia Sócio-
Histórica (NEPSH/UFPI). É pesquisadora na área de Cultura de Paz e
Mediação de Conflitos. Atualmente, é Docente da Faculdade Estácio
de Teresina – Piauí (Curso de Direito); e da Faculdade Maurício de
Nassau, Teresina – PI (Curso de Direito, Pedagogia e Contábeis).
E Docente de pós-graduação em instituições de ensino superior
no Piauí. Com atuação nas seguintes áreas: Direito Civil; Direito
Ambiental; Direito Administrativo; Hermenêutica e Argumentação
Jurídica; Direitos Humanos; Linguagem e Português Jurídico. Na área
da Educação: Organização, Legislação e Políticas do Ensino Superior;
Sociologia da Educação; Planejamento e Projetos Educacionais;
Responsabilidade Social; Financiamento da educação; Planejamento,
Execução e Avaliação no Ensino Superior; Fundamentos Teóricos
e Práticos da Coordenação Pedagógica; Metodologia da Pesquisa;
Didática. Autora de livros e artigos científicos na área da Educação,
Educação Jurídica e Direito. E-mail: leilagmedeiros@hotmail.com

Núbia Queiroz e Silva


Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Mauricio de Nassau
Teresina-PI. E-mail: nubiaqueiroz1@hotmail.com

Pamella Christine Rodrigues Araújo


Graduada em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau. Estagiou
no escritório Lidiane Valente (2017) e na Prefeitura de Teresina-PI
(2017/2018). Atualmente, é estagiária no escritório de advocacia
Oliveira e Barros.
E-mail: pamelaanahy@hotmail.com

248 
Rosíria Mary Gonçalves Coelho
Bacharelado em Ciências Contábeis pelo Centro de Ensino Superior
do Vale do Parnaíba - CESVALE (2001). Bacharelado em Direito
pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI (2006). Pós-graduada,
com título de especialista, em Direito do Trabalho e Processo de
Trabalho, realizado na forma telepresencial pela Universidade
Anhanguera-Uniderp, com carga horária de 390h. Pós-graduada,
com título de especialista, em Auditoria contábil e Financeira, com
o título de Especialista, promovido pelo Centro de Ensino Superior
do Vale do Parnaíba (CESVALE), com carga horária de 405h.
Pós-graduada, com título de especialista, em Educação Global
Inteligências Humanas e Construção da Cidadania, promovido pela
Faculdade de Ensino Superior do Nordeste, com carga horária de
360h. Advogada regularmente inscrita na Ordem dos Advogados
do Brasil, Seção do Piauí, sob o nº 6.181. Professora do Curso de
Direito da Faculdade Maurício de Nassau, campus Teresina (PI).
Mestranda do Mestrado em Educação pela Universidade do Futuro,
Ciências Educativas e da Construção da Cidadania - UNIFUTURO,
João Pessoa/PB. Atualmente, faz parte da diretoria da Comissão da
Mulher Advogada, na OAB, como secretária adjunta. Atualmente,
faz parte da Comissão do ENADE da Faculdade Mauricio de Nassau,
de acordo com a Portaria n. 31-050118-01, de 05 de janeiro de 2018.
E-mail: rosiriamary@hotmail.com

Sade Natan Amorim Linhares


Graduado em Direito pelo Centro Universitário Maurício de Nassau.
Estagiou na seção jurídica do Exército Brasileiro e em escritório de
advocacia. E-mail: sade.natan1@gmail.com

Stéfane Maria Távora Barbosa


Graduanda em direito pelo Centro Universitário Maurício de
Nassau. Formada em Mediação e Arbitragem, pela Escola Superior
de Advocacia do estado do Piauí (ESA). Estagiária no Escritório de
Advocacia Carlos Magalhães Jr. & Esdras Belleza do Nascimento.
E-mail: stertavora01@hotmail.com

SOBRE AUTORES 249


Suênya Marley Mourão Batista
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFPI.
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFPI
(2014). Graduada em Direito pela Faculdade Santo Agostinho
(2009). Graduada em Pedagogia pelo ISEPRO (2017). Professora da
Universidade Estadual do Piauí - UESPI. Professora dos Cursos de
Bacharelado em Direito e Licenciatura em Pedagogia da Faculdade
Maurício de Nassau - FAP Teresina. Possui experiência na área de
Educação Superior com ênfase em Formação de Professores, Prática
Docente, Docência no Ensino Superior e Ensino Jurídico. Integrante
do Núcleo de Formação de Professores - FORMAÇÃO da UFPI.
E-mail: suenya19@hotmail.com

250 

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