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21/05/2022 18:06 EDIPE

SEÇÃO 1

AUTORAS
Marlene Ribeiro da Silva Graciano • Cristina Helou Gomide

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Políticas Educacionais: o Ensino Médio no Brasil – Avanços e


Retrocessos

Este estudo texto tem como objetivo analisar as atuais políticas educacionais,
especialmente a Lei n. 13.415/2017 e suas relações com políticas anteriores, que
normatizam e orientam a Educação Básica em seus diferentes níveis, buscando
levantar avanços ou retrocessos no direito de todos à educação ministrado em
igualdade de condições, garantido desde a Constituição de 1988 e referendado
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), Lei n. 9.394/1996.

O Art. 3º da carta magna, estabelece que o ensino será direito de todos à


educação e oferecido em condições de igualdade: isso é um fato real em todos os
níveis da Educação Básica? Quais os avanços e retrocessos advindos das
políticas educacionais posteriores à Constituição de 1988 e à LDB, na garantia
deste direito nos diferentes níveis da Educação Básica?

Outras questões elencadas por Sacristán (1988) na reflexão sobre o currículo


também são relevantes a este estudo: que objetivo o ensino em determinado
nível visa? Quem está autorizado a participar das decisões do conteúdo da
escolaridade e a quem e a quê estes conteúdos interessam? Como articulá-los de
forma coerente para o aluno? Que processos incidem e transformam as decisões
tomadas na prática real? Como o poder público federal buscou o convencimento
da população com relação à recente Reforma do Ensino Médio por meio das
propagandas televisivas?

Nesse sentido, intentando problematizar tais questionamentos, nos ocupamos em


analisar o Ensino Médio no Brasil.

Ensino Médio – avanço ou retrocesso no direito à educação básica.

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Para analisar se houve avanço ou retrocesso no direito à educação básica no


Ensino Médio com a MP746/2016, convertida na Lei 13.415/17 que torna a
formação profissional compulsória na rede pública, necessário se faz retomar as
principais leis destinadas a esta modalidade neste nível de ensino. Martins;
Czernisz (2016) e Dore e Lüscher (2011) fazem um resgate histórico da educação
profissional no Brasil.

Segundo Martins e Czernisz (2016) a profissionalização pode ser encontrada com


o estudo profissional agrícola promovido pela Companhia de Jesus desde os
anos de 1556. No período colonial, criou-se um tipo de ensino para formar mão
de obra para o trabalho, os artífices para as oficinas, fábricas e arsenais,
separado do secundário e do superior, dando início à dualidade no ensino ao
oferecer a educação intelectual para a elite e as escolas de primeiras letras para
as massas populares (MANFREDI, 2002 apud MARTINS; CZERNISZ (2016).

Dore e Lüscher (2011) também reconhecem a dualidade de objetivos e de


organização na escola média brasileira desde 1930 aos dias atuais. De um lado a
formação geral para dar continuidade aos estudos no nível superior, por outro, a
formação profissional para atuação imediata no mercado de trabalho. As autoras
afirmam que se verifica um revezamento de perspectivas que ora unificam,
articulando a formação geral com a técnica, ora dissociam, sem, no entanto,
conseguirem resolver esta dualidade que esteve presente em todas as reformas.

A dualidade entre formação geral e técnica persistiu nas Leis de Diretrizes e


Bases para a Educação Brasileira para o Ensino Médio. A Lei 4014/61 promoveu
a equivalências entre cursos técnicos e o curso secundário como forma de
acesso aos cursos superiores, no entanto, a dualidade curricular persistiu. Esta
equivalência foi substituída pela obrigatoriedade da habilitação profissional para
todos os alunos do 2º grau, atendendo às demandas do mercado de trabalho
(KUENZER, 2001), ditada pela Lei 5.692/71.

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Esta medida gerou grande insatisfação no segmento social da classe dominante,


que pressionou e conseguiu que a educação propedêutica voltasse a ser
oferecida separada da formação técnica com a promulgação da Lei n° 7.044/82 e
pelo Decreto nº 2.208/07, que desobrigam a formação profissionalizante no 2º

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grau re-estabelecendo a dualidade entre a formação propedêutica e a


profissional.

A dualidade entre formação propedêutica e profissionalizante é reafirmada na


atual LDB 9.394/96 nos artigos 39 e 42 ao desobrigar o Estado de custear a
educação profissional. Esta medida é reforçada pelo Decreto Federal 2.208/07, à
Medida Provisória 1.549/97 e à Portaria 646/97, que estabelecem as bases para
a reforma do ensino profissional, re-estabelecem a dualidade entre educação
geral e profissional em sistemas e redes distintos ao prever a organização
curricular da educação profissional de nível técnico poderia ser oferecida de
forma concomitante ou seqüencial ao Ensino Médio, portanto independente deste
nível de ensino.

Segundo Martin e Czernisz (2016), com o Decreto 2.208/97 os cursos técnicos


profissionais rápidos e direcionados às necessidades do mercado de trabalho
passaram a ser oferecidos por instituições particulares desvinculados da
educação básica, fazendo com que, por necessidade, os jovens de baixa renda
optassem por estes cursos e desistissem da formação geral, acentuando com
isso, a divisão de classes. A partir deste decreto, as políticas públicas têm
estreitado parcerias com a sociedade civil reforçando ainda mais a privatização
da educação profissional e a precarização da formação educativa ao desvalorizar
o conhecimento científico. Este fato atende, obviamente, aos interesses do setor
produtivo por formar os trabalhadores de forma mais rápida para o mercado de
trabalho e também aos interesses governamentais, ao diminuir a demanda pelo
Ensino Superior.

O Decreto 2.208/97 também foi um decreto que gerou grandes embates teóricos
e críticos e muitas lutas sociais nos anos 80, pela redemocratização do país. Os
docentes e servidores técnico administrativos dos então CEFET’s, atuais IF’s,
realizaram grandes movimentos, incluindo greves de longa duração, visando
combater esse decreto. A insatisfação com a formação técnica no modelo fordista
e taylorista centrados na especialização e segmentação do processo produtivo
não atendia as exigências do mercado no final do século passado, que exigiam
formação geral com base científica e tecnológica.

Neste contexto e como forma de reduzir a dualidade curricular e articular o Ensino


Médio ao técnico surge o Decreto 5.154/04, que cria a modalidade integrada para
o Ensino Médio e procura expandi-la na rede federal de ensino, visto que 55%
das matrículas ainda se encontravam na rede particular de ensino.

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A modalidade integrada oferece a formação básica integrada à profissional


concomitantemente. Espera-se que esta formação integrada seja desenvolvida na
concepção de formação omnilateral como ressalta Ramos (2005) pois, sob outra
concepção não atende aos propósitos almejados e sim à formalidade das leis.

O Decreto 5.154/04 parece ter trazido avanços à educação profissional ao


possibilitar novamente uma base nacional comum com a integração entre ensino
médio e educação profissional. Mas, como ressalta Frigotto, Ciavatta e Ramos
(2005, apud MARTIN E CZERNISZ (2016) várias análises apontam que as
mudanças estruturais necessárias ao pleno desenvolvimento desta modalidade
não foram feitas, comprometendo assim os seus propósitos e eficácia.

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Na visão de Kuenzer (2007) o Decreto 5.154/04 poderia dizimar a dualidade


estrutural entre formação geral e profissional de qualidade se o governo tomasse
para si a oferta pública da educação profissional, no entanto, este decreto não
revogou os interesses mercadológicos beneficiados por políticas anteriores como
Lei 5.692/71, Decreto 2.208/07, MP 1.549/97, Portaria 646/97 e, diante da falta de
oferta de cursos na rede pública, as instituições privadas que oferecem uma
variedade de cursos se fortalecem ao receber financiamento do governo para
atender as necessidades do mercado.

Portanto, esta medida não traz grandes mudanças ao cenário do ensino médio,
visto que as condições de acesso, permanência, desempenho escolar e evasão
dificultam o acesso dos alunos à formação técnica, seja na forma concomitante
ou sub seqüente ao ensino médio (MARTIN; CZERNISZ, 2016).

Na visão de Martin e Czernisz (2016, p. 15) esta revisão do Ensino Médio para
acabar com a dualidade estrutural é necessária e urgente, visto que, “da forma
como está estruturado (...), não está preparando os alunos para a inserção na
universidade, nem “qualificando-os” para o mercado de trabalho”.

É o que vem acontecendo com a Reforma do Ensino Médio proposta pela Lei
13.415/2017, que conta com uma grande campanha publicitária em todas as
mídias para que a população veja com bons olhos a reforma e não questione as
ideologias da classe dominante que subjazem esta lei.

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As atuais políticas direcionadas ao Ensino Médio são representadas pela Medida


Provisória 746/2016, convertida na Lei 13.415/2017 que traz as seguintes
alterações à organização deste nível de ensino, até então normatizado pela LDB
9.394/96, Medida Provisória 1.549/97, Portaria 646/97 e Decreto 2.208/07.

Art. 24 § 1º: Ampliação da carga horária no ensino médio de 800 para 1.400
horas, de forma progressiva sendo que a partir de 2017 já deverá oferecer
no mínimo 1000 h e concluir a progressão para 1.400horas no período de 5
anos.
Art. 24 § 2º: A BNC do ensino médio deverá incluir obrigatoriamente
“estudos e práticas” de educação física, arte, sociologia e filosofia.
Art. 35 em seus vários parágrafos: Flexibilização curricular, tornando a
Língua Portuguesa, Matemática e Inglês obrigatórias. A Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) será composta pelas seguintes áreas do
conhecimento: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas
tecnologias; ciências e suas tecnologias; ciências da natureza e suas
tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas, formação técnica e
profissional. A parte diversificada deverá se harmonizar com a BNCC e com
o contexto sócio-histórico-cultural.

Pergunta-se: por que não disciplinas? Como será estruturado e garantido o tempo
e espaço para o seu desenvolvimento no currículo escolar? Passarão a ser
desenvolvidos como os temas transversais, em momentos estanques ou
simplesmente não irão acontecer? Com a atual configuração, o trabalhador está
contemplado, ou em que medida está contemplado?

Art. 3o, § 5º: A carga horária destinada a BNCC não poderá exceder 1800
horas das 2.400 destinadas ao Ensino Médio, “de acordo com a definição
dos sistemas de ensino”.
Art. 3o, § 7o: Os currículos do Ensino Médio deverão considerar a formação
integral do aluno.

Se o sistema de ensino definir por uma carga bem menor, priorizando a formação
técnica para atender ao mercado de trabalho, prejudicando a formação básica,
isso não contraria a orientação para a formação integral prevista do Art. 3º § 7º da
referida lei?

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Art. 4o altera o artigo 36 da LDB que passa a vigorar como: O currículo do


ensino médio será formado pela BNCC e por “itinerários formativos” por
meio de “diferentes arranjos curriculares”.
De acordo com o § 3º do Art. 4o da Lei 13.415/2017 também caberá aos
critérios dos sistemas de ensino compor o “itinerário formativo integrado”
com componentes da BNCC e dos itinerários formativos.

O que representará na prática, em contexto real, esta indefinição nas orientações


curriculares? Cada sistema de ensino faz a seu modo e de acordo com seus
interesses e sua estrutura ou a falta dela?

Art. 4o, § 5o A possibilidade do aluno cursar mais de um itinerário formativo


“mediante disponibilidade de vagas na rede”.

No contexto geral de contenção de custos, será garantido o direito do aluno se


formar em outra área ou a disponibilidade de vagas justificará a redução do direito
à formação básica em igualdade de condições?

Art. 4o, § 6o Também a critério do sistema de ensino, a formação com


ênfase técnica e profissional considerará vivências práticas de trabalho no
setor produtivo, poderá ser desenvolvida na própria instituição ou por meio
de parcerias com outras instituições.

Esta parceria não seria para reduzir investimentos nas escolas em sua estrutura
física como laboratórios e aprofundar a política neoliberal de financiamento das
instituições privadas e do segmento industrial e\ou comercial por meio de
parcerias como no Decreto 2.208/97?

As parcerias com outras instituições atendem a interesses mercadológicos das


instituições privadas como no Decreto 5.154/04, que segundo Kuenzer (2007)
não revogou os interesses das políticas anteriores como Lei 5.692/71, Decreto
2.208/07, MP 1.549/97, Portaria 646/97.

O ensino médio poderá ser organizado em módulos. Este fato poderá


motivar os alunos que concluirão em menos tempo cada etapa de sua

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formação, mas poderá também fragmentar ainda mais os componentes


curriculares reforçando a dualidade curricular impedindo a integração tão
almejada.
Art. 4o § 12. Caberão às escolas orientar os alunos na escolha das áreas de
conhecimento a serem cursadas ou de atuação profissional.

Novamente, o questionamento: as escolas públicas brasileiras estão preparadas


para esta orientação? Têm estrutura? Quais serão os parâmetros? Atendendo a
interesses de quem?

Reconhecimento do notório saber para o processo de ensino na formação


técnica e profissional.
Art. 13. Instituição da Política de Fomento e apoio financeiro à implantação
de escolas de ensino médio integral no prazo de 10 anos.

Como já apontado por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) em referência ao


Decreto 5.154/04 que instituía a modalidade integrada, a falta de mudanças
estruturais necessárias ao pleno desenvolvimento desta nova política poderá
comprometer seus propósitos.

O Art. 13 da nova Lei 13.415/17 reafirma os artigos 39 e 42 da LDB 9.394/96 que


desobrigam o Estado de custear a educação profissional, o que é muito
conveniente ao Estado e atende aos preceitos da política neoliberal ao tornar a
educação uma mercadoria que favorece as instituições privadas. Se a população
quer um tipo de educação, que não a oferecida pelas redes públicas, terá que
comprar das instituições privadas.

Constata-se, pois, nas recentes mudanças propostas pela Lei 13.415/17 que,
dentre várias reformulações propostas, algumas como flexibilização curricular,
itinerários formativos, módulos, parcerias com outras instituições reforçam ainda
mais a dualidade curricular tecnicista ao fragmentar e hierarquizar o
conhecimento científico, além de atender a um modelo de educação pensado
pelas e para o mercado de trabalho, em uma perspectiva do empresariado.

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Nesse sentido, como ressaltou Kuenzer (2007) as políticas públicas propõem às


escolas o desenvolvimento de competências necessárias à realização de tarefas

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práticas, não valorizam o desenvolvimento científico.

Também nesta perspectiva, Gimento Sacristán (1998) afirma que além dos
conhecimentos próprios de cada disciplina é preciso considerar também como
conteúdo habilidades específicas a serem desenvolvidas e necessárias para que
o aluno continue aprendendo ao longo da vida, ou seja, o método, os processos
de pensamento no ato de aprender, os valores relacionados ao conhecimento em
estudo, a inter-relação com a vida real, enfim, atitudes favoráveis à aprendizagem
significativa.

De acordo com Dore e Lüscher (2011) as perspectivas se revezam, a Lei


7.044/82 desobriga a formação profissionalizante no 2º grau ditada pela 5.692/71
e pelo decreto 2.208/07 agora novamente tornada compulsória pela Lei
13.415/17, reforçando a dualidade curricular, reduzindo as oportunidades
educacionais e ampliando as desigualdades sociais.

Parece-nos que o direito de todos à Educação em condições de igualdade não é


um fato real no Ensino Médio, a dualidade curricular continua a reforçar a
desigualdade social. O Ensino Médio objetiva a formação profissional. A
população não está autorizada a participar das decisões dos conteúdos da
escola, visto que não houve abertura, consulta nem aos educadores, quem
realmente desenvolve a educação básica no país. Os conteúdos, a BNCC, diante
da indefinição atual de orientações e métodos parecem atender à classe
dominante, pois está cada vez mais difícil de inter-relacioná-los de forma coerente
para o aluno e, portanto, mais distante da perspectiva integrada na visão
omnilateral.

É importante aqui retomar as palavras de Ciavatta (CIAVATTA; RAMOS, 2005) ao


afirmar que toda a sociedade: escola, gestores, professores, alunos e familiares
precisam recusar as formas duais de educação a nível médio e profissional.
Porém, essa é uma tarefa complexa, se analisadas as estratégias de marketing
utilizadas pelo Estado para a implementação de projetos políticos que caminham
em outra direção.

Pontuadas as considerações sobre a Educação Básico, seus avanços e


retrocessos, trouxemos algumas reflexões sobre a proposta de reforma do Ensino
Médio de 2017 e as propagandas vinculadas às redes televisivas. Interessa-nos
tratá-las como fonte, e portanto, interpretá-las de modo crítico, afim de
contribuirmos com os questionamentos dos leitores.

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Analisamos seis propagandas que foram postas nas redes de televisão abertas.
Na primeira, o destaque está para a concepção de liberdade apresentada no
texto e na condução da encenação. O professor, um dos personagens, coloca-se
amigavelmente, como um companheiro de turma, e a cena acontece com um
clima de harmonia que nos lembra “propagandas de margarina”, onde as famílias
se encontram na mesa para o café, e, sorridentes, ingerem o produto a ser
vendido. Vejamos o texto:

Professor:“E ae, galera?”

Jovem 1: “Eu quero ser professora”

Jovem 2: “Eu quero um curso técnico, pra já poder trabalhar”

Jovem 3: “É a liberdade que você queria para decidir o seu futuro.”

Jovem 4 finaliza: “Quem conhece a reforma do ensino médio, aprova!”

Nas segunda e terceira propagandas, também vê-se um professor companheiro,


sorridente. Nela, a ênfase está na possibilidade do aluno escolher entre quatro
áreas do conhecimento, fora o ensino técnico, como também vimos na
propaganda anterior.

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O professor: dá um toque de mão no aluno.

Um aluno pergunta: “Eu vou continuar estudando Geografia, História e


filosofia?”

O professor responde: “Claro, a Base Comum Curricular contemplará


tudo isso!”

Aluno 2: “Eu vou poder escolher uma área do conhecimento?”

O professor: “Vai sim, uma parte do currículo será obrigatória, as


outras, você escolhe.”

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É possível perceber que uma concepção de “liberdade” está implícita nas


narrativas Essa concepção, apresenta a possibilidade de “você” escolher o que
deseja para sua vida, como se conhecimento se fizesse em fragmentos, e como
se a formação técnica se constituísse em saída para as mazelas da desigualdade
e incertezas de uma sociedade capitalista de terceira via - como discutem Celso
João Ferreti e Mônica Ribeiro da Silva (2017). Nessa direção, os autores apontam
como o empresariado vem aumentando seu interesse no campo da educação
básica, sobretudo no que se refere ao ensino médio, desde a década de 1970.
Vê-se que desde os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, o
empresariado tem agido de forma a consolidar sua concepção de “educação de
qualidade”, embora isso tenha sido alvo de crítica de muitos profissionais da
educação, dentre eles, os da Sociologia do Trabalho. A negação do conflito de
classes e, portanto, da contradição é parte de uma política neoliberal - como já foi
anunciamos anteriormente – onde também ocorre a conciliação de posições
políticas diversas. Ações como trabalho voluntário e trabalhos sociais ligados à
economia privada, compõem o cenário do chamado mundo neoliberal de terceira
via (FERRETI e SILVA, 2017). Nesse sentido, o que nos parece aqui, é que as
ações propagandísticas do governo, caminham nessa direção. Embora tenhamos
críticas ao atual trabalho do Governo, não se pode negar que vivemos o ápice
desse processo. Lembremo-nos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que
supostamente agregaram áreas importantes das ciências humanas, mas o
fizeram “pelas beiradas”, colocando as ciências sociais como temas transversais,
e não como fundamentais e obrigatórios à formação humana. Podemos, a partir
daí, pensar sobre a exclusão da obrigatoriedade de campos do conhecimento que
são significativos para a constituição de cidadãos não fragmentados, que se
vejam no processo e transformem o mundo em que vivem.

A estratégia propagandística, como ela é colocada, constrói a idéia de que, como


algo que é almejado por toda sociedade há muito tempo. Dá-se a entender que a
sociedade deseja o que está sendo proposto, tornando necessidades políticas
hegemônicas em “interesse público”, e desse modo, “a esfera pública acabaria
transformando a política em espetáculo dirigido, em que líderes e partidos
pretendem, de tempos em tempos, obter a aclamação plebiscitária de uma
população despolitizada (KALLÁS, 2017, p. 135). Portanto, nossa inquietação, no
que se refere às propagandas, é que em função desse movimento, elas se
constituem em mecanismos para encaminhar o cidadão a se sentir livre, quando
na verdade, está sendo orientado por uma tendência, uma concepção política
ligada, muitas vezes, a interesses privados, e não públicos, despolitizando a

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“esfera pública”. Quando a propaganda serve para influenciar politicamente os


sujeitos, mais aparentemente “apolítica” ela se apresenta (KALLÁS, 2017). Nesse
sentido, em tese, as pessoas que lutam por uma educação de qualidade – aos
moldes do que o empresariado considera boa educação – sentem que estão
garantindo a participação de toda a família no processo formativo do discente.
Nas propagandas que trazemos a seguir, pode-se perceber que somos
conduzidos a pensar na possibilidade de definição de nossa própria trajetória:

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Jovem 1: “mas eu não sei que profissão seguir.”

Professor: “Não precisa escolher a profissão agora, só a área do


conhecimento.”

Jovem 2, em uma das últimas falas: “Agora é você quem decide o seu
futuro.”

Interessante notar que há liberdade para a dúvida, retirando deles a pressão de


construção de uma vida profissional. Essa propaganda começa com alunos e
alunas olhando o site do MEC sobre a reforma do ensino médio. Mostra o
semblante de aprovação, de como estão felizes por poderem escolher entre
quatro áreas do conhecimento. E vejam, o nome da propaganda é “O Novo
Ensino Médio vai Melhorar a Educação dos Jovens”. O conceito de qualidade não
é, definitivamente, de uma concepção de ciência que contempla a formação
humana, pois divide as ciências, e reforça um perfil de trabalhador e de divisão
social do trabalho na perspectiva das empresas privadas, que incentivam o
padrão de produção industrial. Na propaganda seguinte nós podemos perceber
isso. Não aparece nenhum professor. É um diálogo entre alunos e alunas, e uma
delas diz: “E tem uma novidade também para quem quer terminar os estudos e já
começar a trabalhar. Antes, quem queria uma formação técnica precisava cursar
o Ensino Médio e ainda fazer o curso técnico.”

Ferreti e Silva (2017) apontam questões importantes, como por exemplo, que os
profissionais da educação foram ouvidos. Os próprios educadores trouxeram a
questão do excesso de disciplinas que acabavam se concentrando no ensino
médio, sobrecarregando o aluno. Também temos o ensino técnico, facilitado aí na
possibilidade de fazê-lo logo nessa etapa. Entretanto, levando em consideração
essa tendência neoliberal, posta aqui repetidas vezes, as inquietações desses

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profissionais foram deturpadas, servindo a um projeto que vem caminhando na


direção dos interesses das empresas privadas. O ensino integral, por exemplo,
tende a excluir o aluno trabalhador, cujo tempo deve se dividir entre duas tarefas,
estudar e trabalhar. O estímulo à formação técnica como uma saída para os “que
tem que trabalhar cedo”, como veremos na propaganda seguinte, se tornou uma
saída para o aluno que precisa trabalhar. A política do ingresso à Universidade
restringiu as expectativas dos alunos, que perderam a oportunidade da formação
humana completa que os estimulasse a escolhas não por competências, mas
como projeto de vida, e caminha concomitantemente ao sucateamento dos
espaços das Universidades Públicas, comumente bombardeadas
economicamente e midiaticamente, sendo empurradas a “parcerias” com as
empresas privadas.

A última propaganda analisada mostra o cenário de uma reunião em família, com


pai, mãe e filho. O filho fala de liberdade, dizendo que “vai ser bom porque tem
muito jovem fora da escola”. A mãe completa: “E pra quem precisa trabalhar
cedo, tem a formação técnica e profissional. Ele termina o ensino médio e vai
direto para o mercado de trabalho.”

Enfim, nossas últimas considerações nos remetem às palavras de Ciavatta (In


CIAVATTA; RAMOS, 2005) quando afirma que toda a sociedade: escola,
gestores, professores, alunos e familiares precisam recusar as formas duais de
educação a nível médio e profissional.

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Sobre as autoras

MARLENE RIBEIRO DA SILVA GRACIANO • Doutora em Linguística Aplicada


pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP (2015). Mestre em
Educação – Formação de Professores pela Universidade de Uberaba - UNIUBE
(2004). Licenciada em Pedagogia (1984) e Letras (1987) pelo Instituto Superior
de Ensino e Pesquisa de Ituiutaba. Professora da Licenciatura em Química do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG. Vice
coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Processos Educacionais
(NuPEPE) do IFG – Campus Itumbiara. Link do Currículo Lattes: http://lattes.cnp
q.br/2325476987077623. (http://lattes.cnpq.br/2325476987077623) E-mail:
marlenersgraciano@gmail.com.

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CRISTINA HELOU GOMIDE • Doutora em História pela PUC-SP (2007). Mestre


em História pela UFG (1999). Graduada em História pela UFG (1997). Professora
do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFG. Professora da
disciplina de Fundamentos e Metodologia de Ciências Humanas e História de
Goiás. Link do Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2676997228526690. (htt
p://lattes.cnpq.br/2676997228526690) E-mail: cristinahelou@gmail.com.

Referências

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal de 1988. 1988. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm (http://w
ww.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm) . Acesso em: 23
maio 2015.

______. Congresso Nacional. Lei N° 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e


bases da educação nacional.1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci
vil_03/leis/l9394.htm (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm) .
Acesso em: 23 maio. 2015.

______. Congresso Nacional. Lei N° 11.892/2008. 2008. Disponível em: http://w


ww.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm (http://www.p
lanalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm) . Acesso em: 26
maio 2015.

______. Congresso Nacional. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997. Brasília:


MEC. 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec220
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