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J. Outeiral
Apresentação da questão
O conceito de desidentificação é, a meu ver, pouco referido nos textos teóricos, em que
pese a grande importância que possui no desenvolvimento normal e na atividade clínica.
Acredito que o leitor, assim como eu, tem um conhecimento muito maior de material sobre
“identificação” do que sobre “desidentificação”.O objetivo deste pequeno texto é trazer
elementos para a discussão sobre o tema.
Nada melhor para começar que retomar a definição de identificação, processo psíquico
que, evidentemente, precede a desidentificação. O trabalho teórico e clínico de S. Freud, é
desnecessário lembrar, é perpassado, do seu início ao fim, por esse conceito.
O termo desidentificação parece ter sido usado primeiro por Octave Mannoni, que
escreveu que “... a identificação é inconsciente... e a conscientização desidentifica...”
( Diefenthaler, 1996 ).
As idéias centrais sobre desidentificação, expostas neste breve texto, nos remetem,
principalmente, a duas abordagens.
3) As desidentificações
Nos três casos o paciente deve analisar as experiências traumáticas que causaram tais
identificações através da reconstrução de tais vivências na situação analítica. ( Desamparo
e trauma, Outeiral& Godoy, Revinter, 2003 ) .
4) Alguns comentários
É interessante retornar ao início do texto. Por quê não trabalhamos mais com o conceito de
“desidentificação”? Na verdade, escudado em Blanchot ( ... a pergunta é mais importante
que a resposta... ou a resposta pode ser a desgraça de uma boa pergunta... ), farei apenas
alguns breves comentários para convidar à discussão. Desidentificação significa lidar com
a perda de um objeto/identificação/total ou parcial que, bem ou mal, nos ajuda a constituir
nossa “identidade”. Nos leva, da mesma forma, a lidar com a desestruturação, próxima, em
determinados momentos e em certa intensidade, daquilo que habitualmente referimos como
“momentos psicóticos”, estados mentais primitivos de indiscriminação e confusão. A
adolescência, momento evolutivo privilegiado para esse movimento psíquico pode ter,
como um dos elementos que ocasionam suas flutuações progressivas e regressivas, as
desidentificações ligados ao processo de desenvolvimento e maturação ( é útil lembrar
Bion quando fala da turbulência emocional nesta etapa, em seu texto sobre “Borderline” ).
O conceito de “desconstrução” de J. Derrida me parece interessante nesse momento.
Ao pensar sobre esse tema me ocorre, também, a importância da situação ou provisão
ambiental ( ambiente facilitador ) como um continente adequado, um holding
“suficientemente bom”, para esses movimentos identificatórios e desidentificatórios na
infância, na adolescência e nos processos patológicos, e que mobilizam- transitóriamente -
estados de mente primitivos. Assim, o setting ( incluindo aí a presença e as intervenções do
analista, junto a diversos outros elementos ) deve oferecer não só um espaço confiável
como também um “analista para novas identificações”, analista conhecedor –
evidentemente – dos riscos envolvidos nesta configuração. Não falo do “analista real”, mas
chamo a atenção para discutirmos o “analista fóbico” ou o “analista esquizóide”, que mal
utilizando a expressão “neutralidade” ( já lhe ocorreu pensar se S. Freud, nunca escreveu a
palavra “neutralidade”? ), na verdade impede a intimidade e o interjogo transferência-
contratransferência, ou como escreveu Winnicott “a superposição da área de brincar do
paciente e do analista”; melhor dito, o analista que evita e foge do brincar. A presença do
analista, seja como “objeto subjetivamente concebido” ou como “objeto objetivamente
percebido” necessita ser compreendido na contratransferência. O analista para entrar nesse
“brinquedo” deve ter um insight suficiente para não incorrer em atuações
contratransferenciais que o localizem como perturbador ou intrusivo do “brincar”, dentro
daquela categoria de contratransferência, a primeira delas, quando Winnicott refere ser
necessário mais análise para o analista. Sei, antes que alguém lembre, que “a análise é
interminável”, mas acredito que estamos nos comunicando de maneira compreensível e que
todos sabemos como S. Freud recomendava a “reanálise” aos analistas... Não esqueçamos
que o analisando deverá também se desidentificar de muitos aspectos de seu analista, por
mais que isso perturbe a nós analistas, em nossos aspectos narcísicos. Ao escrever sobre a
adolescência Winnicott falou da necessidade do jovem “assassinar” os pais para reconstruí-
los; “desconstruir”, realizar desidentificações ou “destruir” o analista. Tal movimento
permitirá uma nova organização no self do analisando, sempre que ocorrer a sobrevivência
do objeto ( Winnicott, 1969 ). Esse “objeto sobrevivente” não é mais o “analista real”, mas
sim um constructo do próprio analisando. A desidentificação, acredito, é parte desse
processo.
Bibliografia