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SEMINÁRIO BÍBLICO DE TEOLOGIA CRISTÃ DO RIO DE JANEIRO

Seminário Interdenominacional – Entidade Mantenedora: COMUNIDADE CRISTÃ VIDA NOVA


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Noções Gerais de Idéias Delirantes

A idéia delirante é um transtorno da ideação onde as idéias surgem com


convicção absoluta em si mesmas, sem qualquer derivação da cultura, das
crenças e das convicções do indivíduo. Elas brotam como um mundo novo,
incrustado como um cisto no mundo interno e completamente autônomo
dele.

A idéia delirante surge como uma revelação completa, como uma verdade
absoluta por si mesma. Por este motivo, não há qualquer tipo de
argumentação que possa submetê-la, pois ela é totalmente acrítica. Nem
mesmo as evidências de realidade a demovem. Nisto ela tem uma certa
semelhança com os fanatismos, mas difere deles porque as idéias fanáticas
surgem perfeitamente inseridos num contexto de crenças e valores,
enquanto ela não.

Os conteúdos costumam ter relação com a cultura, a convicção ou o


contexto atual em que vive o indivíduo. Assim, se ele for espírita, o
conteúdo pode estar relacionado com o espiritismo. Ele também pode, por
exemplo, achar-se perseguido pela polícia, que suspeitaria de que ele
tivesse cometido algum crime. No entanto, tudo isso se dá com uma
convicção própria e, apesar de assemelhar-se com o seu contexto

NOTAS DE PSICOPATOLOGIA
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existencial ou atual, nada tem a ver com ele. Mesmo com essas
semelhanças, ao nos aprofundar-nos na entrevista a respeito dessas idéias,
acaba ficando claro tratarem-se de rupturas de sentido, de idéias não
derivadas de nenhum dos seus contextos.

Os delírios podem ser primários, se não derivam de nenhuma outra


alteração mental mas aparecem como distúrbios primariamente do
pensamento, como é o caso de todos os quadros paranóides - esquizofrenia,
desenvolvimento paranóide, reações paranóides, parafrenia, paranóia -, ou
secundários, quando derivam de estados mentais prévios facilitadores,
como no caso dos delírios maníacos, depressivos e confusionais.

As idéias delirantes primárias são as idéias delirantes verdadeiras, pois


elas brotam completamente fora de todo o contexto do indivíduo, surgidas
do nada, como idéias novas e que possuem uma dinâmica própria,
desvinculada de todo o restante do mundo interno. A existência de idéias
delirantes primárias sempre é indicativa de uma patologia de natureza
paranóide.

As idéias delirantes primárias apresentam os mais variáveis tipos de


conteúdos. As possibilidades são infindas. Alguns deles, como o delírio
fantástico, tendem a ser mais freqüentes em determinadas patologias, no
caso nas parafrenias, mas podem aparecer em todos os tipos de doenças
paranóides.

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As idéias delirantes expansivas são as idéias na qual o indivíduo se acredita
dono do mundo, com poder de influência sobre tudo, tudo o que acontece
ocorre só porque ele quer, tudo depende da sua vontade. Isto ocorre
porque, na dissolução da oposição eu-mundo, o indivíduo se torna o centro
de referência do universo, o qual deriva diretamente dele.

As idéias delirantes autorreferentes se referem ao fato de tudo o que


acontece à volta do indivíduo se referir a ele, as pessoas na rua o estão
olhando, pessoas que conversam estão falando dele, o guarda o está
observando, etc. É um dos tipos mais freqüentes de idéias delirantes. Um
exemplo comum de autorreferência é aquele onde a pessoa acredita que as
pessoas no rádio ou na televisão estão falando dela ou com ela. Neste caso,
a dissolução da oposição eu-mundo coloca o mundo como referência, sendo
que o indivíduo deriva do mundo, ao contrário das idéias delirantes
expansivas.

Nas idéias delirantes de grandeza o indivíduo se sente o mais poderoso dos


homens, um rei, um imperador ou o comandante das forças armadas. É
muito comum o indivíduo se identificar com um personagem importante da
história ou de um artista famoso. A caricatura do louco que se acredita ser
Napoleão é uma idéia delirante desse tipo.

As idéias delirantes de perseguição também são muito comuns e se


caracterizam pelo indivíduo acreditar estar sendo perseguido pela polícia,
pelo serviço secreto, pelos vizinhos, pelos chefes no serviço, etc.

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As idéias delirantes místicas são aquelas de conteúdo religioso: o indivíduo
se acredita Deus ou um profeta (também de grandeza), com poderes de
cura ou condenação ao inferno, capaz de realizar milagres, etc.

As idéias delirantes sobrenaturais são aquelas em que o indivíduo acredita


ter o poder da telepatia, de mover objetos à distância, de ferir pessoas
com o pensamento, etc.

Um dos tipos de idéias delirantes mais bizarro é o das transformações


corporais. Nela, o indivíduo acredita por exemplo que o seu braço é de
madeira ou plástico, que a sua cabeça tem o triplo do tamanho, que o seu
corpo é todo deformado, que existem objetos ou seres vivos em seu
interior, como uma serpente no estômago ou um verme dentro da cabeça
que devora o seu cérebro lentamente. Elas são próprias da esquizofrenia.

As idéias delirantes de negação de órgãos consistem em crer que não


possui mais coração ou que ele parou de bater, que não pode engolir porque
não tem mais estômago (apesar de comer normalmente), que os seus órgãos
genitais foram arrancados (apesar de os possuir normalmente), que foi
submetido a uma operação para mudar de sexo, etc. Também só acontecem
na esquizofrenia. Um tipo semelhante ocorre nas depressões psicóticas
graves, onde o indivíduo acredita, por exemplo, que o seu coração parou ou
que parou de respirar, etc.

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Alexandre Biasi Cavalcanti e Letícia Maria Furlanetto têm um artigo
interessantíssimo onde fazem distinção entre Delírio e Delirium. Veja um
trechinho:

"... Por definição o conceito de delírio consiste em alteração do juízo de


realidade (capacidade de distinguir o falso do verdadeiro) e implica em
lucidez da consciência. Ou seja, para que se use o termo "delírio" Jaspers
propõe que esta alteração do juízo não seja decorrente de uma
perturbação da inteligência nem que seja secundário a um estado de
consciência momentaneamente alterado. Quando a alteração de juízo é
decorrente de um distúrbio da consciência, chamamos, então, de "delirium".

Para Nobre de Mello, é compreensível esta confusão, já que, além da


semelhança entre os dois termos, também há um denominador comum que é
a "atividade delirante do pensamento". Este autor explica:

"Pois bem: essa atividade anormal envolve modificações específicas da


execução psíquica, que atingem e comprometem à intencionalidade do ato
noético e dão origem tanto num como noutro caso, a desordens da
apreensão das relações significativas puras, que constituem, em última
instância, a base supra-individual do entendimento inter-humano".

Em outras palavras, indivíduos acometidos tanto de delirium como de


delírio têm alterações do pensamento (ato noético) no que se refere à
compreensão do significado dos fatos. Estas alterações terminam por
comprometer a interação com outras pessoas.

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Do ponto de vista fenomenológico os pacientes com delirium (transtorno
mental orgânico) têm alteração da atenção, da memória e
conseqüentemente da orientação. Não apresentam pensamento
sistematizado, somente fragmentos. Parecem não estar compreendendo o
que se passa a sua volta. Existe piora noturna e em qualquer situação que
diminua o "input" sensorial, já que sua atenção está reduzida. Podem
apresentar alterações da psicomotricidade principalmente agitação
noturna, retirando eqüinos de soro, sondas vesicais ou tentando pegar
pequenos animais onde não há nada (alucinose visual). Por outro lado, se
beneficiam de dados ou pessoas familiares, de ambientes calmos e
iluminados. E suma, em vigência de uma desorganização das funções
psíquicas (insuficiência cerebral aguda), os indivíduos ficam confusos. Por
isso, freqüentemente utilizamos outro termo para designar a síndrome que
estes pacientes apresentam que é o "estado confusional". Em geral existe
inversão do ciclo sono/vigília (os pacientes agitam à noite e ficam
sonolentos durante o dia) e pode-se observar seu aparecimento de maneira
abrupta relacionado a doenças físicas e/ou uso de medicamentos.

... Continuando com a fenomenologia, nos pacientes com delírio


(principalmente visto na esquizofrenia), ocorre alteração do conteúdo do
pensamento, mas não da memória e da atenção. Quando há a alteração da
orientação está se dá em decorrência do delírio, sendo mais freqüente a
"dupla orientação". ...

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... Ocorre um distúrbio do juízo crítico não influenciado na sua lógica e
coerência por qualquer outra experiência psicológica, não se deixando
refutar pelo pensamento lógico. Ao contrário dos pacientes com delirium,
os esquizofrênicos relatam uma transformação do mundo, no qual ocorrem
novas significações. Em geral, ocorre uma fase inicial que chamamos de
humor delirante, quando o paciente começa a perceber esta alteração do
mundo. ...

... Para Jaspers, nos esquizofrênicos "não se destrói a crítica. Coloca-se


apenas a serviço do delírio. O doente pensa, examina razões e contra-
razões assim como o faria se fosse sadio"

"O fanatismo religioso entre outros" é um breve ensaio de Raymundo de


Lima que trata do fanatismo. Como estamos falando de idéias
supervalorizadas, que é mesma coisa que o fanatismo, esse artigo é
bastante sugestivo. Veja um trecho:

"Em nossa época, supostamente dominada pela ciência e pela tecnologia, o


fanatismo parece ser uma reação made in recalcado do inconsciente da
humanidade. Fanatismo, vem do latim fanaticus, quer dizer "o que
pertence a um templo", fanum. O indivíduo fanático ocupa o lugar de
escravo diante do senhor absoluto, que, pode ser uma divindade, um líder
mundano, uma causa suprema ou uma fé cega. O fanatismo é alimentado por
um sistema de crenças absolutas e irracionais que visa servir1 à um ser
poderoso empenhado na luta contra o Mal. Ou seja, o fanático acha que
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pode exorcizar pessoas e coisas supostamente possuídas pelo demônio",
"combater as forças do Mal" ou "salvar a humanidade" do caos.

Tendo origem no dogma religioso, o fanatismo não se restringe a esse


campo único; existe fanatismo por uma raça, um time de futebol, por um
partido político, sobretudo por ideologias revolucionárias quando
extrapolam a dimensão racional, sentindo-se guiada pela "fantasia da
escolha divina". Foi fanatismo religioso que fez muitos seguirem Jin Jones
(Templo do Povo), Asahara (Verdade suprema), David Koresh (Ramo
davidiano), Jo Dimambro (Templo Solar) e tantos outros místicos ou
charlatães que terminaram causando tragédias coletivas, noticiadas no
mundo todo. A história conheceu também os histerismos coletivos da "caça
as bruxas", a perseguição aos negros, índios, comunistas, homossexuais,
prostitutas. O movimento da Jihad islâmica contra os "infiéis do ocidente"
e a "guerra aos terroristas" do ocidente cristão, demonstram que o
fanatismo está vivo e atuante em nossa época supostamente "científica" e
"tecnológica". Precisamos admitir que, a história da humanidade é também a
história dos vários fanatismos dominando grupos humanos, sempre com
conseqüências trágicas. Esse pedaço da história renegado nos causa
vergonha, medo e sinalizam alertas para possíveis efeitos negativos no
rumo da civilização.

Como dissemos, o fanatismo atua para além do efeito religioso, mas não
extrapola ao campo ideológico como um todo. Há fanatismo entre crentes
de todo o tipo, do menos ao mais irracional. Mas, não existe fanatismo

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racional, em que pese o fato de um certo tipo de razão (instrumental,
cínica, etc) também ter cometidos os seus desatinos e crimes. Assim, para
o fanático religioso, não basta adorar um Deus visto como Senhor absoluto,
é necessário ser soldado dele na terra, lutar pela causa superior, pregar,
exorcizar, forçar os "infiéis" ou "divergentes" à conversão absoluta, à
qualquer preço. O fanático está sempre disposto a dar provas do quanto
sua causa suprema vale mais do que as próprias vidas: dele, de sua família
ou mesmo de toda a humanidade. Ele mata por uma idéia e igualmente morre
por ela.

O texto abaixo, sobre influências do humor sobre os delírios, é do


professor Eunofre Marques, retirado de suas páginas na internet. Nesse
caso fala-se em Delírios Secundários (ao humor, nesse caso). Veja um
trecho:

"As idéias delirantes secundárias ou idéias deliróides são idéias que


aparecem com o mesmo grau de convicção das idéias delirantes primárias,
mas surgem num contexto em que são perfeitamente compreensíveis. Elas
são um produto direto das patologias onde acontecem.

Nas manias graves podem surgir idéias delirantes secundárias


perfeitamente dentro do contexto expansivo que vive o indivíduo, sendo
sempre de grandeza: eles se acreditam os mais inteligentes, mais bonitos,
mais fortes do mundo, possuem superpoderes, são deuses ou profetas, etc.
A diferença das idéias delirantes primárias é que elas são diretamente
derivadas do estado expansivo do humor.

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Nas depressões apáticas intensas, psicóticas, não é raro aparecerem
delírios de ruína, onde o indivíduo acredita que perdeu tudo, que todos o
abandonaram, de nada adiantando todos os tipos de demonstrações de que
isso é um erro. Nos casos mais graves, o indivíduo pode inclusive acreditar
que já está morto e não entender porque ainda não foi enterrado.

As idéias delirantes secundárias dos estados confusionais são geralmente


persecutórias, frouxas, sem grande convicção. Podem surgir também a
partir das eventuais alucinoses, como sentir-se perseguido pelos bichos que
vê andando pelas paredes, pela casa ou por seu corpo.

Souza, G.F.J., Psiquiatra do Hospital das Clínicas da UFMG relata um caso


de Psicose Atípica onde fica claro a idéia de Percepção Delirante. Veja o
exemplo:

" ... Tudo lhe parecia distante e nebuloso, carregado de uma atmosfera
opressiva e vagamente mágica. Por vezes surgia-lhe na mente, tal qual um
relâmpago, a convicção súbita que sua vida corria perigo, que o marido
poderia matá-la. Então, era tomada por um pavor intenso e saía de casa
desabaladamente sem um destino certo. ...

... Carecia, no entanto, da convicção íntima irrefutável e duradoura, própria


dos verdadeiros juízos delirantes, assemelhando-se mais a raios cognitivos
ocasionais que, vez por outra, fulguravam no tormentoso céu subjetivo da
paciente. Em uma outra ocasião, encontrando-se no interior de uma agência
bancária, teve a forte impressão momentânea de que alguns avisos aos

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correntistas que se encontravam afixados nas paredes referiam-se a ela
mesma, que haviam sido ali colocados à guisa de "sinais" para ela, "avisando-
a" de algo inefável e incompreensível. Saiu precipitadamente do local e,
chegando à rua, reconsiderou, ainda atordoada, que poderia estar
enganada, que tal impressão poderia ser fruto do nervosismo e da tensão
constante de que era presa nos últimos dias. Contudo, não parou mais de
pensar no ocorrido, considerando e reconsiderando ininterruptamente a
verossimilhança ou não de sua experiência. Vê-se, neste exemplo, que falta
à vivência anômala descrita um significado delirante específico que sempre
é vinculado à percepção íntegra e que possui um caráter de "revelação"
quando se trata de autênticas percepções delirantes. "

Obs: A medicina geral tem, quando observa e descreve manifestações


fisiológicas, incluindo aqui as ocorrências psicopatológicas, uma irrefreável
tendência para a redução e fragmentação dos eventos. Descrevemos
funções psíquicas, tais como a sensação, a percepção, a atenção, a memória,
o pensamento, o juízo, a vontade, etc., ou aspectos parciais da atitude
humana, como o estado de ânimo, a excitabilidade, a impulsividade, o
domínio dos impulsos, etc., como se tratassem de ocorrências emancipada
da pessoa que as experimentam. Descrevemos um transtorno autoimune
como se ele existisse fora da pessoa que o apresenta.

Quando encontramos desvios daquilo que consideramos normal, falamos


logo de sintomas doentios, muitas vezes sem considerar a circunstância
global onde aparece esse elemento não-normal. Devido à essa tendência à

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fragmentação dos eventos humanos foi formada a maioria dos conceitos e
dos preconceitos populares e usuais na medicina. Se isso fosse verdadeiro,
teríamos a impressão de que a vida pudesse ser compreendida como um
mosaico formado a partir da somatória de manifestações isoladas. Esta
impressão, não obstante atraente, não corresponde jamais à realidade.

É assim, por exemplo, que costumamos estudar separadamente a memória


do pensamento, a orientação da atenção, o impulso do afeto... Mas essa
separação tem uma finalidade meramente didática porque, de qualquer
forma, o pensamento pressupõe a existência de lembranças contínuas. E
vice-versa, ou seja, cada recordação pressupõe uma realização intelectual
significativa. De fato, só nos lembramos daquilo que percebemos, então a
sensopercepção também não pode ser, de forma alguma, emancipada da
memória. As recordações implicam, o que é importante para nós, a
consciência. Então a consciência está envolvida na memória, no pensamento,
na sensopercepção... e assim por diante. Quando nos lembramos de um
amigo, raramente lembramos que gravata estava usando, mas podemos
muito bem lembrar se ele estava alegre ou triste. Dessa forma envolve-se
também a sensibilidade ou afetividade.

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