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[Neo]colonização:
Extremo Sul da Bahia em perspectiva.
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DEDICATÓRIA
Aos trabalhadores e trabalhadoras do campo do Extremo Sul da Bahia que participaram direta
e indiretamente desta pesquisa. Resistam.
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AGRADECIMENTOS
A minha querida esposa Eliana Marques Santos e aos meus filhos, João Pedro Marques
Santos e Marcus Vinícius Marques Santos, pela paciência, compreensão e acolhimento nos
meus muitos momentos de desconforto.
Aos meus pais, Noilda Maria de Souza Santos e Alberto Ciro dos Santos, pela decisão de se
doarem para os oito filhos.
Aos meus irmãos, pela cumplicidade e impulsos que recebi. Sintam-se representados!
Ao meu orientador, prof. Dr. Claudio Alves Furtado, pelas imprescindíveis contribuições.
Você é incrível e inspirador. Sua amizade é mui preciosa. Gratidão.
A Paula Odilon dos Santos, minha amiga forjada na empatia das dores desta jornada.
A Brenda dos Santos Silva, obrigado pela assessoria técnica. Fez toda diferença!
A profa. Me. Guilhermina Bessa, pelo carinho fraterno e pela torcida dispensada à minha
pessoa. Grato.
A Jakson Lacerda Santos (in memoriam) pelas inúmeras aulas e sugestões. Você é inspiração!
Ao prof. Dr. Giuseppe Federico Benedini, pela amizade e contribuições na minha formação
acadêmica.
A todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para a elaboração desse texto.
Muito Obrigado!
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LISTA DE FIGURAS
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados até 1938 ........... 78
Quadro 2- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados pós 1938 .......... 78
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LISTA DE TABELAS
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LISTA DE GRÁFICOS
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BM Banco Mundial
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LI Licença de Instalação
LO Licença de Operação
LP Licença Prévia
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MP Ministério Público
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SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15
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I. INTRODUÇÃO
Assim, diante desse quadro complexo, tornou-se necessário nesta pesquisa a análise
visando abarcar o sentido das intenções do capital financeiro – que protagonizou altruísmo
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Autoriza apenas financiamento público (fundo eleitoral e fundo partidário) e doações de pessoas físicas, estas
com um teto (Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017).
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com grupos políticos locais2 – sob a perspectiva de uma metodologia analítica compreensiva
(MINAYO, 2006). Em outras palavras, espera-se que as interpretações descrevam a
conjuntura política e permitam que o leitor avalie os episódios que delineiam relações que não
poderiam ser descritas sem evidenciar aspectos licenciosos e epicenos que lançam as bases
dos acordos e desdobramentos ilegítimos, como aqueles relacionados a decisões políticas a
favor da expansão de investimentos do agronegócio, com parcos incentivos fiscais do poder
público.
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Reiteramos que, embora essas doações tenham sido um procedimento legal, não significa, necessariamente, que
foi um procedimento legítimo, sobretudo quando consideramos os desdobramentos dessas relações. Os
candidatos favorecidos com as doações quase sempre ocuparam os cargos políticos que tem o dever de mediar os
interesses da sociedade como um todo, e do seu reduto eleitoral em particular. O que é passível de
questionamento é o fato de existir políticos na região do Extremo Sul da Bahia que representam os interesses do
agronegócio; e que esses mesmos políticos legislam e executam leis e baixam decretos que atendem aos
interesses das empresas do setor agroflorestal em nome do desenvolvimento regional, inclusive àqueles
interesses relacionados a licenciamentos ambientais, quando reivindicados junto aos órgãos competentes
presentes nos municípios da região.
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experiência de leve e gradual mudança do processo produtivo presente no final do século XIX
e início do século XX; como também as primeiras tentativas de modernização da produção
agrícola no início da segunda república, chegando até os desdobramentos da década de 1950 e
1960, com a disponibilidade de capitais e a presença do Estado interessado ou a serviço da
modernização da produção agrária agroexportadora.
Abordagem qualitativa com dados que compõe um recorte da realidade imediata que
fez emergir elementos que, a partir da mediação do sentido atribuído pelas vivências do
sujeito pesquisador, permitiu a análise descritiva do que constitui a cosmovisão dos sujeitos
interlocutores e suas subjetividades.
Nesta fase da pesquisa os entrevistados não serão identificados. Tal decisão é uma
medida preventiva, acordada com os participantes interlocutores do presente estudo, com o
intuito de evitar possíveis conflitos potencializados ou eclodidos pela dinâmica desta pesquisa
e/ou decorrentes de outra natureza.
empresas; esses atores sociais também respondem processos administrados pelo MPF e pelo
poder judiciário federal que, de acordo com a perspectiva do pesquisador, adotam uma linha
conservadora e parcial em desfavor daqueles que “ameaçam” investimentos realizados no
setor agroflorestal (que nas últimas eleições para governo do estado, não por acaso, estiveram
como os maiores financiadores de campanhas eleitorais3).
Outra estratégia metodológica aplicada nesta pesquisa foi a omissão de trechos dos
depoimentos que possam possibilitar o reconhecimento das identidades dos entrevistados,
mesmo quando anonimizados; refiro-me aos dez interlocutores selecionados de quatro
comunidades negras rurais da região.
A seleção dos entrevistados se deu a partir das redes de relações do pesquisador com
portadores de informações e memórias, institucionalizadas ou não; participantes que
demonstraram confiança nos compromissos assumidos quanto à não identificação dos
entrevistados (isso para os casos que ocorrerão as omissões, como já disse); seja por interesse
pessoal ou institucional de apresentar versões dos fatos, ou por simples satisfação de
participação enquanto protagonista no e do seu lugar de fala. Os entrevistados deixam
explicitas suas compreensões quanto à importância e possibilidades de potencializar a
resiliência a partir do uso estratégico da divulgação dos resultados da pesquisa enquanto
ferramenta de luta por justiça no campo.
Outros dois critérios adotados foram: primeiro, a delimitação espacial do Extremo Sul
da Bahia sem descrever os micro-espaços para além da descrição dos dados gerais, como
nomes de municípios, quantidade de sindicatos e associações rurais, quantidade de associados
disponibilizados pelos órgãos oficiais, de entre outras informações; segundo, trata-se da
realização de entrevistas semiestruturadas com recorte específico às pessoas que
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Têm sido comum, desde 2016, algumas ações das empresas – ligadas ao setor agroflorestal – nas cidades da
Região do Extremo Sul da Bahia que contribuem com os gestores públicos municipais, com maior ênfase, na
reforma e manutenção de prédios públicos. O que se nota é um total descontrole dos valores investidos nessas
reformas (já que é de total responsabilidade das “empresas parceiras” a execução das obras, bem como a
prestação interna das contas), possibilitando, inclusive, a criação de caixa dois através de superfaturamento das
obras.
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exercem/exerceram ou tem relação laboral direta com as atividades do campo. Isso permite
uma melhor compreensão da percepção dos sujeitos que estão dentro e perto do contexto
selecionado pela dinâmica da pesquisa. Esses critérios, acreditamos, serão suficientes para
manter a preservação da confidencialidade das identidades dos sujeitos que
participaram/contribuíram com a pesquisa.
Há, por parte desta pesquisa, a intenção de ser uma possibilidade para evidenciar as
vozes de atores sociais que representam tanto as comunidades negras rurais que
serviram/servem de mão de obra (camponeses proletarizados) no processo de
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As questões em torno dos conflitos agrários ofereceram subsídios para a análise que
abordou o processo da intensa disputa pela terra ocasionada pelos interesses divergentes do
setor do agronegócio e dos trabalhadores rurais; tal disputa resultou em cooptações de parte
das terras dos pequenos agricultores para atender a expansão do agronegócio. Ainda, para
aprofundar a análise sobre a questão fundiária, recorremos às contribuições das múltiplas
experiências no interior da produção agrícola familiar na região em questão.
Para que a análise pudesse dar conta da compreensão do que tem sido a
ressemantização do conceito de quilombo na região do Extremo Sul da Bahia, buscou-se
qualificar o “lugar social” das comunidades negras rurais enquanto grupo inserido na cadeia
produtiva que se consolidou na região entre as décadas de 1990 e 2010. Tal recorte temporal
permite a contextualização das análises a partir das experiências de produção agrícola no
Extremo Sul da Bahia, considerando que “os conceitos possuem atributos de caráter
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Aceitam-se, claro, os limites sustentados por Spivak quando questiona se podem os subalternos falar. Busca-se,
na construção de uma relação de horizontalidade, fazer emergir as falas, as visões de mundo e os
posicionamentos dos autores, evitando, tanto quanto possível, os limites de tradução das falas por parte do
pesquisador. Trata-se de “incessante movimento de intermediação entre o sujeito, a obra e o leitor tornar-se,
pois, um processo de escrita marcado pela contradição e pela ambivalência e, por isso mesmo, a autora qualifica
tal exercício como um árduo trabalho científico. A tarefa do intelectual pós-colonial deve ser criar espaços por
meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele ou ela o faça, possa ser ouvido (a). Para ela
não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar “contra” a subalternidade, criando espaços nos quais o
subalterno possa articulas e, como consequência, possa também ser ouvido” (SPIVK, G. Pode o subalterno falar?
Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2010, p.8).
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dinâmico, mutáveis na dimensão temporal e contextual, sendo sua evolução influenciada pelo
uso e aplicação” (MACÊDO-COSTA, 2011, p. 151).
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“„Giro decolonial” é um termo cunhado originalmente por Nelson Maldonado-Torres em 2005 que pode ser
interpretado como movimento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, a lógica da
modernidade/colonialidade. A decolonialidade aparece, portanto, como o terceiro elemento da
modernidade/colonialidade” (BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Brasília, Revista
Brasileira de Ciência Política, nº11, maio - agosto de 2013, p. 105).
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„“O „ponto zero‟ é o ponto de vista que se esconde e, escondendo-se, se coloca para lá de qualquer ponto de
vista, ou seja, é o ponto de vista que se representa como não tendo um ponto de vista. É esta visão através do
olhar de deus que esconde sempre a sua perspectiva local e concreta sob um universalismo abstracto (sic). A
filosofia ocidental privilegia a „egopolítica do conhecimento‟ em desfavor da “geopolítica do conhecimento” e
da „corpo-política do conhecimento‟. Em termos históricos, isto permitiu ao homem ocidental (esta referência ao
sexo masculino é usada intencionalmente) representar o seu conhecimento como o único capaz de alcançar uma
consciência universal, bem como dispensar o conhecimento não-ocidental por ser particularístico (sic) e,
portanto, incapaz de alcançar a universalidade. Esta estratégia epistémica tem sido crucial para os desenhos – ou
desígnios – globais do Ocidente. Ao esconder o lugar do sujeito da enunciação, a dominação e a expansão
coloniais europeias/euro-americanas conseguiram construir por todo o globo uma hierarquia de conhecimento
superior e inferior e, consequentemente, de povos superiores e inferiores” (GROSFOGUEL, Ramón. Para
descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de
fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, Março 2008, p.120).
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“As perspectivas epistémicas subalternas são uma forma de conhecimento que, vindo de baixo, origina uma
perspectiva crítica do conhecimento hegemónico nas relações de poder envolvidas. Não estou a reivindicar um
populismo epistémico em que o conhecimento produzido a partir de baixo seja automaticamente um conheci-
mento epistémico subalterno. O que defendo é o seguinte: todo o conhecimento se situa, epistemicamente, ou no
lado dominante, ou no lado subalterno das relações de poder, e isto tem a ver com a geopolítica e a corpo-
política do conhecimento. A neutralidade e a objectividade (sic) desinserida e não-situada da geopolítica do
conhecimento é um mito ocidental”. (GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia
política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista
Crítica de Ciências Sociais, 80, Março 2008, p.46).
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Temos então, de um lado, “velhos” atores sociais que buscam superar a invisibilidade
– como as comunidades negras rurais – com o fortalecimento político, se apresentando com
“novas” identidades étnicas – como as comunidades remanescentes de quilombo – que se
apropriam de direitos na medida em que alcançam espaços de visibilidade; do outro lado, os
interesses do capital e suas articulações com o poder público e suas instituições. Em outras
palavras, espaços se organizam/reorganizam onde ocorrem emergências étnicas – enquanto
(re)construção de um passado mítico ou ressignificação e (re)apropriação política e identitária
de determinados atores sociais – de grupos que buscam meios alternativos de resistência à
expansão do agronegócio representando, em maior parte, pelo setor agroflorestal 8.
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Retornaremos a essa discussão com recorte específico das comunidades negras rurais para abordar e aprofundar
o tema da emergência étnica.
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referências para a problematização das relações sociais no campo, que também são as
questões mais específicas do recorte desta pesquisa.
3. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou Movimento Sem Terra (MST)
teve, neste espaço e território, como demarcador espacial para avanço do movimento a
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Tal concepção nos permitirá compreender a distinção dos tempos históricos que se
cruzam nas representações do camponês voltado para a agricultura de subsistência,
notadamente as comunidades negras rurais; do pequeno agricultor que se insere em um
contexto de produção capitalizada que atende, principalmente, o mercado interno; do grande
proprietário que atua como mediador da ordem política e econômica. Todos “estão juntos na
complexidade de um tempo histórico composto pela mediação do capital, que junta sem
destruir inteiramente essa diversidade de situações”, como aponta Martins (1997, p.159).
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O Extremo Sul da Bahia apresenta uma intensa rede de agentes que atuam na cadeia
produtiva do espaço rural que, embora por vezes pareçam se contrapor, garantem os interesses
da macroeconomia. Trata-se de uma produção sistematizada a partir de polos produtivos que
atuam na implementação de logísticas, na manutenção e expansão da infraestrutura que atende
a produção rural; além de catalisar novos agentes para o setor agrícola. Desse modo, esses
centros urbanos oferecem importantes contribuições para o processo de expansão da produção
no campo.
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entre as décadas de 1950 e 1970 na região que, embora representem formas modernas de
produção, não se configuraram como uma ação econômica que tenha causado desequilíbrios
socioambientais9. Nesse sentido, esta tese pretende apresentar o contexto da experiência do
agronegócio e seus desdobramentos sem a mediação de atores sociais com suas instituições
que suavizam as análises dos impactos desse modelo de produção no campo.
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Outros impactos, sobretudo econômico e político, serão analisados ao longo da tese.
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Ainda assim, e talvez por isso, os desafios impostos pela pesquisa e a espera (às vezes
desestimulante) pela maturação de determinados dados, o trato com as fontes, a intuição nos
questionamentos, a tentativa de objetividade (fazer-se entender) e o exercício constante em
busca de coerência na análise dos dados tem sido, contudo, uma experiência prazerosa.
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Antes disso, ouvir por vezes do senhor Alberto Ciro dos Santos10 a respeito da
derrubada de madeira nativa para abertura de pastos para criação de gado nas décadas de 1960
e 1970: “quando eu era moço a madeira chegava boiando pelo rio, que vinha lá de cima.
Depois que fizeram a ponte começou a tirar de caminhão”.
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Entrevista cedida em 03 de março de 2016.
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Enfim, apresento a estruturação do presente texto com uma introdução que visa
delinear a problemática da tese com seus objetivos, a questão fundamental da pesquisa, as
hipóteses, o recorte espacial e temporal, os métodos e as fontes. Optamos por realizar na
introdução a justificativa da pertinência teórica e empírica, de modo a delinear a panorâmica
do que me proponho a desenvolver ao longo da tese.
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abrangeu os anos de 1970 a 2010 quando será contemplada a apreciação do êxodo rural no
contexto nacional; e com referência ao recorte espacial da região Nordeste foram analisados
os dados demográficos do estado da Bahia e do território que compõe o extremo sul do
estado, com ênfase no município de Teixeira de Freitas e o modo que se operou a absorção de
mão de obra concentrada no espaço urbano.
Assim, a análise pretendeu compreender o lugar desses atores sociais frente à demanda
por terras para expansão das plantações de eucalipto; se criam alternativas de resistências ao
modelo de produção capitalista no campo; se, do ponto de vista analítico, são passiveis de ser
enquadrados conceitualmente em um grupo controlado e redirecionado para a acumulação do
capital ou se representam um modo de produção autônomo e de enfrentamento às regras e
imposições do capital no campo.
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O Extremo Sul da Bahia é um território administrativo que faz divisa com dois estados
da região sudeste – Espírito Santo e Minas Gerais –, mantendo uma proximidade maior com
as capitais capixaba e mineira (550 Km e 700 Km, respectivamente) do que com a capital do
Estado da Bahia (com distância de, aproximadamente, 1.000 Km da divisa à capital Salvador).
Tem uma área total de aproximadamente 30.647 Km², o que corresponde a 5,6% do território
do Estado (SEI, 2004), sendo formado por 21 municípios.
Trata-se de uma região marcada pela devastação contínua da Mata Atlântica que
historicamente chamou atenção dos viajantes pelo que já representou enquanto “uma das mais
ricas reservas de diversidade biológica de todo globo terrestre”. Contudo, no âmbito da
agricultura extensiva e intensiva, particularmente, nesta última, com a exploração madeireira
com base na plantação do eucalipto, a Mata Atlântica vem sendo destruída, com impactos
socioambientais relevantes e, quiçá, irreversíveis (OLIVEIRA, 2008, p.21).
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3. A terceira fase, por volta da década de 1970, iniciou intensa ampliação da pecuária
como atividade econômica na região do Extremo Sul da Bahia; a qual, também foi
resultado da extensão da pecuária do Espírito Santo e Minas Gerais, tornando-se, nas
décadas seguintes a atividade de maior concentração de capital na região. Contudo, a
pecuária não deixou de ser acompanhada pela atividade madeireira, produção de cacau
e outros produtos agrícolas de menor expressão. Esse período foi marcado pela
derrubada de extensas áreas da Mata Atlântica para transformá-las em vastas
pastagens de fazendas instaladas na região (KOOPMANS, 2005).
4. Por fim, a partir da década de 1990, a região do Extremo Sul da Bahia concentrou a
maior produção mundial de eucalipto, a qual tem exigido cada vez mais espaços para
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expansão do plantio, que tem sido confirmado nas duas últimas décadas
(CERQUEIRA NETO, 2001; KOOPMANS, 2005).
“No período que vai da segunda metade dos anos 1960 a meados dos anos
1980 e, particularmente, de 1970 a 1985, assiste-se a um processo de
desconcentração. Nesta fase, denominada de integração produtiva, as
grandes frações de capital localizadas, predominantemente, no Sudeste
passam a marcar presença nas regiões periféricas, motivadas pelas
oportunidades econômicas que surgiram nas regiões menos industrializadas
e pelos fortes incentivos fiscais e financeiros, por sua vez, associados à
implementação de políticas de desenvolvimento regional e setorial. A
difusão nas diversas regiões de bases produtivas, ao tempo em que atenuava
as diferenças regionais, proporcionava a integração das regiões periféricas à
dinâmica nacional. Como resultado, observou-se um movimento de inversão
de polarização das atividades econômicas no Sudeste, com avanço
consequente do peso das outras regiões na formação do Produto Interno
Bruto – PIB brasileiro, crescendo, sobretudo, a fatia do Norte, do Centro-
oeste, e também do Sul e do Nordeste.
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Isso se deu porque a lógica do desenvolvimento capitalista não sujeita-se aos limites
administrativos de Estados Nacionais, muito menos unidades federativas. O deslocamento da
expansão dos investimentos do capital no campo da região sudeste para o nordeste foi
determinado pela possibilidade de negociar os entraves impostos pelos limites e divisas dos
territórios político-administrativos. A maneira de o Estado incentivar o desenvolvimento
econômico, garantindo privilégio do “grande capital”, perpassa, nomeadamente, pela política
de incentivos fiscais. Tais incentivos possibilitam a concentração e exploração dos recursos
naturais e humanos pelo capital industrial e financeiro, com garantia de constante ampliação e
deslocamento por territórios a ser explorados (MULS, 1997).
em andamento desde a década de 1960, mas que foi intensificada na década de 1970. Muls
(1997, p.12) lança luz sobre o tema ao afirmar que:
O contexto do Extremo Sul da Bahia, dentro do recorte que pretendemos fazer emergir
visando o aprofundamento de análise, “revela a incorporação seletiva de novos espaços
econômicos aos fluxos da produção e do comércio global, traz à luz um conjunto de questões
atinentes ao padrão e à dinâmica do desenvolvimento regional” com seus impactos políticos,
econômicos, sociais e ambientais resultantes de um tardio processo de modernização da
produção no campo da região (PEDREIRA, 2008, p. 18).
Tal contexto também aponta para as bases que determinam as políticas públicas no
campo, explicam e explicitam a lógica da participação do Estado ao serviço dos interesses do
capital que encontra-se representado no aspecto institucional. Na conjuntura do processo de
expansão da agricultura intensiva referenciada pelo setor agroflorestal, tanto nas regiões que
marcam a divisa dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, quanto, possivelmente,
alhures, trata-se de um intenso processo de neocolonização sob a tutela do capital
internacional e seus desdobramentos históricos (WOLF, 1990; LENIN, 1985).
É importante salientar, para uma melhor compreensão, que extremo sul, por localizar-
se na divisa dos estados da Bahia e Minas Gerais, foi importante parceiro da economia
mineira como fornecedor de madeira nativa a partir da década de 1930. A região se
configurou como espaço que serviria de entrada e trilha da expansão dos investimentos de
capitais no campo do Nordeste Brasileiro. Entre as décadas de 1950 e 1970 a região era
reconhecida como um território promissor, com terras férteis e baratas – e, nesse período, com
a construção da BR 101, aumentou de maneira significativa a capacidade de escoamento da
produção a partir desse ponto do estado da Bahia (PEDREIRA, 2008).
Outro fator importante para a projeção da região foi, como também já apontado, a
construção da BR 101 que provocou deslocamentos da logística regional. No litoral, com
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ênfase no município de Caravelas, até o início da década de 1950, era realizada a maior parte
da distribuição de mercadorias da região. A partir do início da década de 1950 deu-se início à
formação de novos espaços urbanos no interior. A criação de novos municípios fez parte de
um processo mais amplo no qual também se inscreve uma política de expansão de atividades
do setor agrícola com ocupação de terras que eram consideradas “devolutas”, mesmo quando,
historicamente, estiveram ocupadas por indígenas (representados por vários povos, entre eles
os pataxós e Maxacalis, na sua maioria) e camponeses (representados, principalmente, pelas
comunidades negras rurais) nesses espaços político-administrativos com seus limites e
divisas.
A partir da década de 1980, nesta zona formada por regiões de três estados, surgiram
munícipios no Extremo Sul da Bahia que assumiram protagonismos econômicos e políticos
devido ao deslocamento e/ou ampliação de investimentos de capitais na direção
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Teixeira de Freitas não se distancia dessa conjuntura. De acordo com Rocha (2013)
desde 1974, quando foi realizada a primeira exposição agropecuária de Teixeira de Freitas, a
cidade passou a ser projetada no cenário regional e estadual como um grande expoente para o
agronegócio em expansão no Brasil desse período. Mesmo tratando-se, na época, de um
povoado com população estimada em aproximadamente 3000 mil habitantes, Teixeira de
Freitas recebeu o ministro da agricultura Alisson Paolinelli, do Governo Geisel (1974-1979).
Numa época em que o país estava sob interdito do governo militar, nota-se como as forças
políticas locais estavam bem articuladas com a administração federal (ROCHA, 2013).
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que tal desenvolvimento, com maior ênfase entre 1970 e 2010, trouxe para o Extremo Sul da
Bahia conflitos entre grupos com interesses divergentes quanto ao uso da terra, suscitando
assim elementos dos direitos sociais e da dignidade humana no epicentro da questão fundiária
regional; trazendo à luz a existência de atores sociais históricos, os quais representam a
negação do sistema hegemônico (D‟INCAO E MELLO, 1975).
Embora outros grupos estarão presentes nas abordagens dessa pesquisa, traremos para
o núcleo da análise dois grupos que estão presentes nos micro-espaços da região com suas
múltiplas facetas (incluindo a representação do Estado e agentes do capital para o
agronegócio) de interesses, aparentemente, assimétricos:
Para sustentar tal argumento partimos da revisão de literatura que nos permitiu
compreender o processo histórico de expansão do capitalismo no campo, distanciado da
concepção de temporalidade única. Tratam-se de análise presente na arena das temporalidades
diferenciadas representadas por diversos atores sociais, ainda que possam ocupar o mesmo
tempo cronológico. Nesse sentido, as reflexões de Martins (1997) nos apresentam quadros
explicativos sistematizados dessas relações sociais no campo – a partir das concepções de
geógrafos e antropólogos – ao utilizar categorias como “frente pioneira” (fronteira
econômica) e “frente de expansão” (fronteira demográfica). Tais referências nos permitem
compreender os múltiplos aspectos de forças sociais que atuam no processo produtivo no
campo, bem como nas disputas fundiárias existentes na Região do Extremo Sul da Bahia.
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Martins apresenta sua percepção dos sujeitos a partir de um olhar que reproduz
relações hierárquicas entre os agentes: pensar em “agentes da civilização” e “agentes da
modernização”, que são os “representantes da economia de mercado da mentalidade
inovadora, urbana e empreendedora”, cria precedente para a reprodução de dois polos que,
por um lado, identifica os indígenas e os camponeses de modo geral como sinônimo do
atraso, do não civilizado, do não moderno e arcaico. No entanto as fronteiras econômicas e
demográficas apontadas por Martins (1997) nos possibilitam também compreender melhor a
presença histórica de agentes com suas especificidades na relação com os territórios. Para o
autor (MARTINS, 1997, 159):
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Nesse sentido, apontamos para uma inflexão conceitual quanto ao uso da categoria de
antagonismo de classes e temos como referência a evolução das relações capitalistas que
controlam e redirecionam tais antagonismos em favor do acúmulo de capital. Não significa
afirmar que não ocorrem antagonismos ou que a clássica luta de classes fora ou está superada.
Ao contrário, partimos da concepção de uma evolução nas relações de produção que culmina
em “grave” e sofisticada “alienação” da classe subalterna (MÉSZARIOS, 2008).
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Para Nascimento (2012) foi somente com a Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, que as indústrias de
celulose – e também os movimentos sociais no Brasil – adotaram um discurso pró-
sustentabilidade12. De modo curioso – e talvez estranho –, a expectativa da retórica da
sustentabilidade é convencer a opinião pública de uma “possibilidade” de produzir cada vez
mais (leia consumir cada vez mais) com recursos naturais cada vez menores, como fosse
possível equacionar vontades ilimitadas e bens limitados sem ocorrer conflitos. De acordo
com a perspectiva de Hortêncio e Guimarães (2015, p. 74).
Desse modo, esse contexto não poderá ser negado em nome de uma perspectiva
neoliberal que se sustenta, enquanto sistema-mundo, na reinvenção do velho modelo colonial.
A partir dessa linha reflexiva, Carlos Water Porto-Gonçalves (2006) nos diz que a inovação
do moderno-colonial (neocolonização) traz no seu bojo ideológico a naturalização da
economia global e hegemônica – que esconde a insustentabilidade político-ambiental do
modo de produção que, ao fim e ao cabo, oferece retórica de sustentabilidade ao permanente
avanço do agronegócio no Brasil de modo geral, e na região do Extremo Sul da Bahia em
particular.
exploradores (colonizadores) do meio ambiente na região. Cabe ainda ressaltar o óbvio: que
os interesses das grandes corporações são contrários àqueles que buscam a manutenção da
diversidade cultural, protegendo as comunidades tradicionais, como os grupos indígenas,
quilombolas, campesinos, entre outros.
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Ao discutir a teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky, Lowy (1995) analisa a experiência
da conjuntura da Rússia do início de século XX frente aos investimentos no setor industrial com capital e
tecnologia dos países europeus que tinham setor industrial e financeiro consolidados. Na análise de Löwy a
realidade russa representava “a indústria mais avançada da Europa sobre a base da agricultura mais primitiva”
(LÖWY, 1995, p. 75).
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Chama-nos a atenção a concentração da narrativa que faz referência a uma zona que
vai do Rio Doce (Espírito Santo e Minas Gerais) até o Rio dos Ilhéus (sul da Bahia),
considerando que mais da metade da obra concentra o registro da passagem do príncipe nesse
recorte territorial que veio demarcar o norte do Espírito Santo, norte/nordeste de Minas Gerais
e o sul da Bahia (WIED-NEUWIED, 1989).
Esta zona registra, já na segunda metade do século XIX, forte potencial produtivo, que
garantiu a existência de pequenos redutos e vilarejos, com maior presença de formações de
vilas ao longo do litoral do Espírito Santo e Bahia. A produção de farinha para abastecer
outras províncias, a pesca da baleia e até centros produtivos considerados evoluídos pra época
já eram encontrados nesse período, marcadamente no território onde hoje é o Extremo Sul da
Bahia (ALENCASTRO, 2000)14.
14
Segundo Alencastro (2000), Verger (2002) e Silva (2002) uma espécie de concha chamada zimbo (também
conhecido como jimbo, cimbe ou cauri) era utilizada como moeda de troca (chamada de cofos) na costa do
Reino do Congo, e eram encontradas nas praias de Luanda. Essas conchas também eram encontradas nas praias
de Caravelas e em outras praias do Sul e Extremo Sul da Bahia (como em Porto Seguro e Ilhéus) e passaram a
entrar no Reino do Congo ilegalmente. Esse fato, segundo os mesmos autores, teria sido a causa de intensa
desvalorização do “cofos” e contribuído para agravamento da crise que levou o Reino do congo ao declínio no
século XVIII.
15
A Colônia Leopoldina, fundada em 1818 no município de Villa Viçosa, “a primeira experiência de
colonização agrícola fundada na Bahia. Essa experiência com colonos alemães e suíços alcançou relativa
prosperidade, principalmente em comparação com os empreendimentos agrícolas mencionados, devido à
exportação do café ali produzido, de onde advinha sua importância e reconhecimento pelas autoridades
provinciais, e a decorrente maior referência nas fontes administrativas. A Colônia Leopoldina ficava situada no
município de Vila Viçosa, atual Nova Viçosa, pertencente à comarca de Caravelas, no extremo sul da Bahia. A
freguesia de Nova Viçosa foi criada em 1720, na foz do rio Peruípe, com o nome de Arraial de Campinho do
Peruípe, para abrigar portugueses e índios catequizados. Foi elevada à categoria de Vila em 1768, com o nome
52
53
Maximiliano de Wied-Neuwied como Araras) podem ser citadas como exemplos desses
“empreendimentos”. “Em 1818 foram doadas as primeiras sesmarias para a formação de
colônias agrícolas pelo decreto de 1808”. Na análise de Carmo (2010, p.14), a proposta era
facilitar a formação de colônias agrícolas por estrangeiros com uma política de subsídios para
imigrantes instalarem-se e para que “se radicassem no país”:
de Vila Viçosa, e mais tarde, em 1775, ao nível de município, em território desmembrado de Caravelas. A
Leopoldina foi durante algum tempo uma experiência de colonização espontânea, como previa o decreto de
1808, em que estrangeiros adquiriam terras e atraíam colonos para cultivá-la. Quem adquirisse as sesmarias e
trouxesse outros compatriotas tinha direito a metade das terras, o restante seria cultivado pelos demais colonos.
Em troca, os colonos deveriam fornecer parte dos produtos não alimentícios produzidos na colônia, como o café,
por exemplo”. CARMO, Alane Fraga. Colonização e escravidão na Bahia: a Colônia Leopoldina, 1850-1888.
Salvador, Dissertação (mestrado) – UFBA / Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/ Programa de Pós-
graduação em História Social, 2010, p. 13-15.
53
54
16
Entrevista cedida em 03 de março de 2016.
54
55
55
56
FIGURA 4 - Foto digitalizada da locomotiva da EFMB FIGURA 5 - Estação da EFBM em Ponta da Areia
56
57
Nas primeiras décadas do século XX, o Extremo Sul da Bahia continuou recebendo
destaque pela significativa produção de cacau seguida pela ação dos madeireiros (extração de
madeiras nobres). A extração de madeira tornou-se atividade fundamental na economia
regional, abastecendo a maior parte dos centros produtivos da região sudeste, com maior
proeminência para Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. Aliás, percebe-se que há, do
ponto de vista histórico, uma relação muito mais marcante entre o Extremo Sul da Bahia com
a região sudeste, muito mais significativa do que em relação a Salvador, capital do Estado
(ALENCSTRO, 2000).
17
A nova dinâmica do capitalismo incluía de um lado a realidade europeia que buscava garantir Indústria,
Comércio e Tecnologia (ICT) que influenciou profundamente as teorias de clássica do desenvolvimento
econômico liberal desde o século XVIII, tais como Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill dentre outros;
do outro lado tinham os fornecedores de matérias-primas, mão de obra barata (quase sempre escrava) e mercado
consumidor. Dessa forma, os Estados imperialistas cooptaram novos mercados para além de suas fronteiras
continentais, em busca de matérias-primas necessárias para as indústrias, assim como novos mercados, com
intensos investimentos em novas tecnologias (CHANG, 2004).
18
Alberto Ciro dos Santos, entrevistado em 03/03/2016.
19
Ibdem, 03/03/2016.
57
58
Em 1935, através do decreto presidencial nº 80, foi concedido a José Nunes da Silva 21
a autorização para “aparelhamento” do porto de Caravelas. Mesmo antes do decreto, o porto
já se constituía como importante local de entrada e saída de mercadorias em Caravelas. De
fato, o porto nunca fora concluído, mas, com a drenagem e abertura de canal no Rio
Caravelas, deu-se início à entrada de navios de grande porte, tanto para transporte de
mercadorias, quanto de pessoas22.
20
Decreto nº 17.055, de 1º de Outubro de 1925. Coleção de Leis do Brasil. 31/12/1925. p. 391.
21
Diário Oficial da União. Seção 1. 21/03/1935. p. 5608. Decreto nº 80, de 11 de Março de 1935. Disponível em
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=11533. Acesso em: 04.01.2017.
22
Segundo a Fundação Professor Ralile, em 1965, inaugura-se o Teatro de Caravelas que recebeu várias
companhias de teatro que vieram em navios que atracaram no porto da cidade.
58
59
A relação com o estado de Minas Gerais era cômoda também para o extremo sul da
Bahia pela distância com sua capital, uma vez que a administração do estado da Bahia não
tinha ações ou medidas governamentais efetivas relacionadas às políticas públicas para
atender, na altura em referência, as demandas de desenvolvimento econômico local.
Mesmo as políticas públicas como a atenção básica na área de saúde e educação, que
podem ser entendidas como política que agregam condições para o desenvolvimento
econômico, na sua maioria não existiam ou quando existiam era com muita precariedade. Até
a década de 1960 não existiam hospitais na região e o único serviço público de saúde era
através de postos que ofereciam serviços básicos executados por leigos. Nessa época, de
acordo com dados de estudo do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais
publicados em 1966, existiam cerca de 300 “prédios” escolares em toda região do extremo sul
da Bahia: entenda esses “prédios como espaços precários ou salas e varandas de residências
onde algumas crianças eram “alfabetizadas” (DEELEN, DONIDA, 1966).
Não que os estados vizinhos fizessem alguma intervenção direta, mas criaram-se laços
comerciais que representaram dividendos para a região, com maior ênfase a partir do século
XIX. Com a construção da EFBM ficou evidente que esses laços tinham tendência de se
fortalecerem e, possivelmente, criar uma faixa entre o Espirito Santo e Bahia que permitisse
acesso do estado de Minas Gerais ao litoral.
Por volta de 1947, o então deputado estadual da Bahia, Ramiro Herbert de Castro,
realiza viagem pelo interior estado, incluindo o extremo sul da Bahia. Como resultado dessa
“expedição”, enviou carta, datada em 25 de dezembro de 1947, com tom preocupante para o
então governador Otávio Mangabeira, como assinala Koopmans (2005, p. 35,36):
Ainda nesta carta houve denúncia de que havia nesta relação da zona do extremo sul
com o Espirito Santo e Minas Gerais desfalque para o erário baiano na medida em que
produtos, especialmente gado bovino, saíam pelo Extremo Sul da Bahia e retornavam para o
mesmo estado pelo norte de Minas Gerais, na altura de Vitória da Conquista e Jequié, como
se fossem gado oriundo dos estados de Minas Gerais ou do Espírito Santo, gerando impostos
para o estado recebedor de uma produção gerada em seu próprio território.
A partir dessa carta é possível ponderar que havia uma movimentação econômica na
região baiana com maior participação do estados de Minas Gerais e Espírito Santo em
detrimento do estado da Bahia. Dito de outro modo, os fluxos comerciais do Extremo Sul da
Bahia faziam-se mais com o norte do Espírito Santo e Nordeste de Minas Gerais do que com
outras regiões do Estado da Bahia. Tal preocupação do deputado denota também a capacidade
produtiva da região, que poderia romper de maneira definitiva com a Bahia, haja vista que
Minas Gerais já havia manifestado interesse de apropriar-se de uma faixa que permitisse
ligação com o mar.
60
61
pela pressão dos fazendeiros da região que desejavam melhores condições para escoamento
de suas mercadorias23.
A década de 1950 não alterou os rumos das relações econômicas entre o Extremo Sul
da Bahia e os estados vizinhos. A produção foi marcada principalmente pelo desmatamento
das matas pelas madeireiras e a transformação de florestas em pastos para criação de gado. As
fazendas do norte do Espírito Santo, norte e nordeste de Minas Gerais e do Extremo Sul da
Bahia tinham como principal centro comercial, como já apontado, o município de Nanuque
(MG) que aumentou sua influência na região, destacando-se como centro distribuidor de
produtos agrícolas (milho, feijão, banana, farinha e café), da pecuária (principalmente gado
suíno e bovino) e, com expressivo destaque, a produção de madeira que abastecia os estados
da Região Sudeste (GIFFONI, 2006).
23
Algumas dessas cartas estão no Arquivo da Fazenda Cascata, inclusive uma resposta do governador
“justificando” a inviabilidade de investimentos na região por parte do governo e a recomendação de que seja
realizado investimentos “por conta própria” (Arquivo da Fazenda Cascata).
61
62
quanto a saída do homem do campo para as zonas periurbanas. O contexto da década de 1960
marcou um período de expansão da produção industrial nas economias capitalistas forçando o
alargamento dos investimentos para além dos tradicionais centros produtivos. A região
Sudeste, com maior ênfase para o estado de São Paulo, experimentou maior expansão
industrial na década de 1940 e deu início à expansão urbano-industrial partindo dos centros
produtivos em direção ao interior na região na década de 1960 (MULS, 1997).
A expansão produtiva ocorrida na Região Sudeste que, a partir dos grandes centros,
avançava para o interior e transformava as relações econômicas e sociais no campo, não
tratava-se de um fenômeno conjuntural, mas, ao contrário, era parte de uma realidade que
dialogava com uma lógica produtiva capitalista tanto na sua dimensão mundial quanto nas
múltiplas dimensões regionais.
Embora o fenômeno não tenha sido observado na época, sabemos hoje que a
década de 1970 marcou o início de um processo histórico de
desconcentração econômico a partir da região Sudeste e especialmente de
São Paulo. Essas tendências somente foram percebidas e contabilizadas anos
mais tarde, através da análise das contas nacionais regionalizadas. Estas
mostraram ter havido um princípio de desconcentração industrial a partir do
estado de São Paulo desde os inícios da década de 1970. Embora a
participação no produto industrial do Nordeste como um todo se mantivesse
24
Paralelo à conjuntura interna consideramos também o fato que na década de 1960 foram registrados grandes
volumes de capitais sem aplicação e que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM)
buscavam “zonas periféricas” formadas por “países pobres” ou de “terceiro mundo” para investir capitais
ociosos e ávidos por novos mercados com garantias de lucros.
62
63
Como temos afirmado, a zona na qual o Extremo Sul da Bahia está inserido representa
um espaço que faz parte de um itinerário que recebeu novos atores sociais, principalmente na
década de 1970, vindos em maior número dos estados da Região Sudeste. Nesse sentido trata-
se de uma exceção à regra que marcou a direção do fluxo de pessoas no país naquele período.
Para compreender tal realidade é necessário apontar, dentre outras considerações, a
movimentação da população rural e suas expectativas em relação aos espaços urbanos que
estava em andamento no Brasil.
O censo do IBGE de 1940 inaugura uma modalidade de pesquisa para saber onde vivia
a população brasileira. Ainda na década 1960 foi constatado que mais da metade da população
brasileira vivia no campo (atualmente não ultrapassa a margem de 16% da população). A
década de 1970, no entanto, foi marcada por grandes fluxos da população rural,
marcadamente das regiões Norte e Nordeste, que fugiam da pobreza em direção aos grandes
centros urbanos do país, com maior destaque para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro
(CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999).
Os critérios do IBGE para determinar espaços urbanos e rurais acabam por “diminuir”
a presença do homem no campo. No caso dos municípios do Extremo Sul da Bahia, é comum
encontrar pequenos povoados com alguma estrutura que lembra espaços urbanos e, de acordo
com a metodologia do IBGE, ser suficiente para não serem classificados como espaços rurais.
Tais situações implicam em levantamento de dados que compromete, inclusive, o
planejamento de políticas públicas para o campo.
63
64
64
65
agricultura intensiva que, por sua vez, contribuiu para o aumento do fluxo de pessoas para as
cidades da região (esses dados demográficos serão analisados no capítulo III).
Em 1947 foi aberta a primeira estrada vicinal (figura 5) da região, construída por
milhares de trabalhadores que a abriram com enxadas e machados, configurando-se como
uma das primeiras estradas de rodagem desta parte da Bahia. A abertura da estrada
maximizou o contato com cidades mineiras que mantinham comunicação com o Extremo Sul
da Bahia através da Estrada de Ferro Bahia Minas, como já foi discutido. Até 1930, a Estrada
de Ferro Bahia e Minas foi um importante meio para o escoamento da produção regional
realizada por pequenos e médios produtores. Depois da crise de 1929 a estrada de ferro
voltou-se principalmente para o transporte de madeira para abastecer, principalmente, as
cidades do nordeste de Minas Gerais (RALILE, 2005).
Eu era menino e via muita „balsa” pelo rio. Era aquele monte de madeira
pesada amarrada em madeira leve e ia descendo rio abaixo. Quando a maré
parava pra encher, ai amarrava a madeira e dormia por ali mesmo. Eram
muitos dias pra chegar na cidade em cima da madeira e empurrando com a
vara rio abaixo. Quando chegava no porto ia pra serraria e depois pros
caminhão. Foi muita madeira tirada daqui.
25
Entrevista cedida em 03 de março de 2016.
65
66
Nessa direção podemos apresentar o Extremo Sul da Bahia como uma microrregião
dentro de uma conjuntura macroeconômica que direciona[va] as relações econômicas e
sociais em escala global. Tais representações macros, respeitando as especificidades, podem
ser melhor compreendidas a partir dos estudos de caso das microrregiões, permitindo assim
melhor delimitação, análise e compreensão de uma dada realidade.
Até a década de 1950 o território que formava o Extremo Sul da Bahia era composto
por sete (7) municípios, sendo que esse número triplicou até a década de 1990. A
emancipação de novos municípios foi resultado de uma série de fatores, passíveis de serem
analisados também a partir da própria região, sem negar a sua inserção em um quadro
explicativo mais amplo. Dentre esses fatores destacam-se os interesses e disputas políticas e
econômicas dos estados da Bahia e Minas Gerais na região; a penetração do modo de
produção capitalista no campo com suas novas estratégias e especificidades regionais e locais;
o processo migratório nas suas dimensões externa e interna à região.
Vimos que historicamente existiu uma relação próxima entre a região do Extremo Sul
da Bahia e o norte/nordeste de Minas Gerais, o que provocou certas insatisfações de
observadores e correligionários dos “interesses” do estado da Bahia, como ficou evidente na
carta-relatório do deputado estadual Ramiro Herbert de Castro endereçada ao governador do
estado durante visita à região em 1947.
66
67
O encontro entre Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia era, de certo modo, a “porta de
entrada” do capital agroindustrial para a região nordeste do país. Nesse sentido, esta zona,
com tripla representação federativa, vivenciou os desdobramentos do desenvolvimento que
gera riqueza para determinados grupos e pobreza para tantos outros; no caso do território em
questão, pobreza com impactos socioambientais sem precedentes na história regional.
A região era tomada por grandes matas de onde foram retiradas madeiras de variadas
espécies para atender a demanda dos estados da Região Sudeste (MULS, 1997). A partir do
desmatamento surgiram as grandes fazendas onde, via-de-regra, após as derrubadas, eram
desenvolvidas atividades voltadas para a agricultura expansiva que culminou no alargamento
da pecuária na região, com destaque para as grandes fazendas de criação de gado bovino
(DEELEN; DONIDA, 1966).
Espirito Santo, de Minas Gerais e, em menor escala, de outros estados da região sudeste) por
indígenas que eram mais conhecidos por caboclos e por uma população de afrodescendentes
que formavam as muitas comunidades negras rurais na região (KOOPMANS, 2005).
São muitas as histórias ainda presentes nas memórias de moradores locais, sejam
aqueles que se mudaram com suas famílias do campo para as cidades da região, seja dos
poucos que permaneceram na zona rural. Para o senhor Alberto – assim como outros que
vivem no/do campo – manter-se ligado a terra é uma questão de necessidade existencial. O
entrevistado sustenta sua percepção e interação com o ambiente em que vive quando
demonstra sua integração enquanto sujeito desse lugar com reconhecidos traços que compõe o
sentido de territorialidade: tal concepção de apropriação simbólico-cultural é notada pelas
vivências e consciências de pertencimento e de fortalecimento da identidade dos sujeitos
participantes desse organismo ou ecossistema. Para esses trabalhadores rurais é crucial deixar
“as coisas” para que outras gerações possam conhecer a história da vida no campo, “da lida”
com a terra. A intensidade e emancipação dessas narrativas exigem seu lugar enquanto
caminho para acessar os dados empíricos que fazem emergir os elementos necessários e
suficientes para descrever uma realidade específica e particular, o que poderia ser classificado
apenas como imensuráveis sensações ou subjetividade inacessíveis desses indivíduos
(SOUZA; SOUZA; SILVA, 2013).
Depois desse ciclo de expansão da produção no campo em larga escala, ocorrida nas
décadas de 1950 e 1960, a maioria dos que permaneceram nas suas posses eram notadamente
membros de comunidades negras rurais ou indígenas que permaneceram produzindo, ainda,
no modelo de produção de subsistência, mas com uma variedade de produtos que garantia o
sustento, complementado, quase sempre, com trocas resultantes dos escassos excedentes
(DEELEN; DONIDA, 1966).
68
69
serviços nas fazendas. Nos espaços onde localizavam os latifúndios usados para criação de
gado também se encontravam áreas reservadas para instalação de camponeses que,
geralmente, por sua condição periférica, ficaram mais conhecidas com “fundos de pastos”.
Essas comunidades produtivas formadas por camponeses com fortes laços de parentesco,
também podem ser identificadas como comunidades negras rurais (BAHIA, 2012).
Todos esses grupos citados e outros que também viviam em condição subalterna, na
maioria das vezes gozavam de certa autonomia na produção familiar ou comunal, mas tal
autonomia estava atrelada à prestação de serviços de extração de madeira nos latifúndios de
produção agrícola ou nas fazendas criadoras de gado que sustentaram tal dinâmica até a
década de 1980.
terra para soltar gado; assim uma certa região da Diocese, especialmente a
zona Oeste, continua, junto com a cultura do cacau e a grande extração de
madeira, no tipo colonial de agricultura com produto único, seja gado, cacau
ou madeira, pronto para exportação, sem mercado local e regional. Cada vez
sobra menos terra e menos interêsse (sic) pelas culturas variadas, aquelas
que são mesmas necessárias para a manutenção da população local e
regional. Os produtos agrícolas de consumo, tão vitais para a área, vêm
especialmente dêsse (sic) tipo de estabelecimento. (...) A área da diocese é
mais caracterizada pelo latifúndio e pela agricultura colonial do que todo
Estado da Bahia.
70
71
A década de 1960, nesse sentido, representou o período em que a região iniciou seu
ciclo mais intenso da exploração predatória da Mata Atlântica e na década de 1970 atraiu
significativos fluxos de capitais para a exploração da madeira, principalmente com
implantação de serralherias para o beneficiamento da madeira. Os dados de Cerqueira Neto
(2013, 253) nos situa quanto a configuração do espaço regional quando afirma que:
73
74
74
75
75
76
.
Fonte: CEPLAC, 2008.
76
77
Desse modo, apresentamos até aqui um contexto histórico que aponta para a
consolidação da expansão da agricultura intensiva na região do Extremo Sul da Bahia com a
introdução da agricultura extensiva no final do século XIX e início do século XX.
Enfatizamos também um recorte geográfico onde o Extremo Sul da Bahia tornou-se um
centro regional de produção e distribuição de madeira nativa para o Espírito Santo e, com
maior ênfase, para Minas Gerais.
77
78
evidenciada a década de 1950 como demarcadora temporal mais expressiva e que nos permite
compreender a atual composição geopolítica do Extremo Sul da Bahia:
QUADRO 1- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados até 1938
QUADRO 2- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados pós 1938
78
79
Percebe-se que antes da década de 1950 a região era composta por apenas sete
municípios. Entre as décadas de 1950 e 1980 este número triplicou, subindo para vinte e um
municípios. Isso se explica pela confluência de forças políticas e econômicas visando a
execução de um projeto maior que passa, primeiro, pela consolidação da região enquanto
espaço geográfico sob a administração política do Estado da Bahia; segundo, buscou-se
oferecer condições que garantissem a expansão do capital em um novo contexto de
exploração de matérias primas (neocolonização ou colonização tardia?), neste caso, de
desflorestamento de madeiras nativas; terceiro, e não menos importante, garantir domínios
para o uso da terra em escala compatível com os modelos latifundiários através de múltiplas
formas de violência contra a população que vivia no/ do campo (DEELEN; DONIDA, 1966).
79
80
um dos momentos históricos para região foi marcado pela visita do governador, Antônio
Carlos Magalhães (ACM). Esta visita estava inteiramente ligada "a um suposto movimento de
desvinculação da região compreendida pelo norte do Espírito Santo, Extremo Sul da Bahia e
Leste de Minas Gerais" (GUERRA e SANTOS, 2009). ACM foi o primeiro governador a
visitar o Extremo Sul do estado de forma ostensiva.
O trecho da BR 101 que liga Teixeira de Freitas a Salvador e o Espírito Santo foi
inaugurado em 1973 e representou um marco na consolidação de pertencimento político desta
região ao Estado da Bahia. É a partir desse caminho que a cidade projetou-se para
representação central da região. Como afirma Gomes (2015):
26
Estabelecimento industrial onde se cortam madeiras, geralmente por processos mecânicos.
27
“O discurso do então governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, quando da inauguração da estrada em
22/04/73, é bastante revelador da nova fase que se implanta na região. (...) o governador destacou que o Extremo
Sul estava sendo redescoberto. Um novo tempo ia chegar e o esquecimento seria substituído pelos benefícios
advindos do progresso e do desenvolvimento” (PEDREIRA, 2008, p.80).
80
81
Estudar a estrutura em que o capital está inserido é salutar para escaparmos de uma
abordagem radicalmente localista da história que tende a não levar em conta determinadas
relações com o desenvolvimento do capitalismo no campo, em nível regional, nacional e
global, com suas peculiaridades nos variados tempos e espaços. Ao analisar o período,
Pedreira (2008, p. 27), salienta que:
No período que vai da segunda metade dos anos 1960 a meados dos anos
1980 e, particularmente, de 1970 a 1985, assiste-se a um processo de
desconcentração. Nesta fase, denominada de integração produtiva, as
grandes frações de capital localizadas, predominantemente, no Sudeste
passam a marcar presença nas regiões periféricas, motivadas pelas
oportunidades econômicas que surgem nas regiões menos industrializadas e
pelos fortes incentivos fiscais e financeiros, por sua vez, associados à
implementação de políticas de desenvolvimento regional e setorial. A
difusão nas diversas regiões de bases produtivas, ao tempo em que atenuava
as diferenças regionais, proporcionava a integração das regiões periféricas à
dinâmica nacional. Como resultado, observou-se um movimento de inversão
de polarização das atividades econômicas no Sudeste, com avanço
consequente do peso das outras regiões na formação do Produto Interno
Bruto – PIB brasileiro, crescendo, sobretudo, a fatia do Norte, do Centro-
oeste, e também do Sul e do Nordeste.
A mesma autora apresenta dados específicos para a Bahia quando demonstra que os
incentivos fiscais e financeiros para o Nordeste deparou-se com a “incapacidade” de
apresentar demandas “endógenas” e que isso teve impactos na política de desconcentração.
Assim, no caso da Bahia, além dos condicionantes vinculados à trajetória da economia
nacional e às estratégias de expansão setoriais, o processo recente de crescimento e de
transformação econômica, contou com a implementação de política de atração de
investimento materializada, sobretudo, na utilização de incentivos fiscais e financeiros e na
alocação de recursos específicos em infra-estrutura.
81
82
O período que nos serve como demarcação para análise (1970-2010) é também um
marco temporal para a materialização de decisões políticas e econômicas que permitem a
atual configuração geopolítica contextualizada com a agricultura intensiva referenciada pelos
investimentos das atividades do setor agroflorestal iniciado na década de 1980 no Extremo
Sul da Bahia. Na análise de Pedreira (2008, p. 48):
Nas três ultimas décadas tem-se verificado uma grande expansão da monocultura do
eucalipto para produção de celulose no Extremo Sul da Bahia. A monocultura do eucalipto
surge e ocupa o espaço anteriormente ocupado pela Mata Atlântica em uma dinâmica de
reflorestamento sem precedentes na história regional e que coloca em lados opostos setores
com seus interesses específicos. Via de regra, a expansão da produção no campo, quando sob
égide do capital, não ocorre sem a existência de conflitos e disputas. A presença de atores
sociais históricos no Extremo Sul da Bahia com a prática da agricultura de subsistência, ora
representados por indígenas, ora por comunidades negras rurais, permite uma composição
83
84
social mediada, ainda que contraditoriamente, pela atuação do capital (retornaremos a essa
abordagem à frente).
Como podemos notar nas figuras 12 e 13, a maior expansão do setor agroflorestal na
região ocorreu entre os anos de 1970 e 2010. Essas três décadas marcaram a substituição, sem
precedente na história regional (quiça do Brasil), da Mata Atlântica pela monocultura do
eucalipto. Aqui era terra do Jacarandá e de tantas outras madeiras nativas. Parecia que não
acabava nunca, mas tudo se acabou; nos informa o senhor Jacinto Gomes 28, um trabalhador
rural aposentado de 88 anos que vive atualmente (2019) em Teixeira de Freitas.
Nos
Figura 13 - Evolução dos plantios de Figura 14- Evolução dos plantios de eucaliptos no
eucaliptos no Brasil (1980-1990). Brasil (1990-2010).
Como podemos perceber, esse período foi marcado como o último ciclo da extração
predatória de madeira que, nas décadas de 1980 e 1990, devastou a Mata Atlântica na região,
sendo esta suplantada pela monocultura do eucalipto. O desflorestamento ocorreu com total
ausência de fiscalização por parte dos órgãos estatais federais, estaduais e municipais. O que
se presenciou naquele período, história ainda muito viva na memória dos moradores mais
antigos, foi uma política de abertura para implantação das serralherias na região através de
incentivos fiscais. Para Andrade e Oliveira (2016, p. 315):
28
Entrevista concedida em 16 de março de 2018.
84
85
Na década de 1980 foi iniciada por iniciativa própria (espontânea) na região (entre
Caravelas, Nova Viçosa e Teixeira de Freitas) uma colônia de imigrantes japoneses que
iniciou a produção de mamão e melancia que projetou a região como maior produtor dessas
culturas no estado da Bahia. A maior parte da produção era escoada para os estados do
Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
85
86
De acordo com a pesquisa de Santos (2011), entre 2008 e 2011 não foi realizada
nenhuma fiscalização nem pelo IMA, nem pelas secretarias municipais de meio ambiente na
área de monocultura de eucalipto, com o objetivo de encontrar os responsáveis por mais de
37.000 ha de plantio irregular registrado em todo extremo sul da Bahia.
A falta de fiscalização até 2008 foi constatada pelo estudo do próprio Instituto do
Meio Ambiente (IMA 2008), bem como pelos resultados da pesquisa de Santos (2011)
apresentando dados com situações inusitadas, como a liberação de “Licença de Operação”
para empresa de eucalipto que não tem a totalidade da área licenciada com efetivo plantio.
Segundo o engenheiro florestal e autor da pesquisa, o esquema das licenças ilegais
(identificadas pelo Instituto de Meio Ambiente - IMA) funcionava desse modo para garantir a
inclusão de áreas menores que eram terceirizadas para a produção e que não tinham
licenciamento ambiental.
29
Em 2011 o Instituto do Meio Ambiente (IMA) foi alterado pela Lei 12.212/2011 que criou o Instituto do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA).
86
87
87
88
A partir da segunda década do século XXI a FIBRIA 30, maior produtora de celulose do
mundo, tem no Extremo Sul da Bahia – como também no Norte do Espírito Santo e na região
do Vale do Mucuri-MG – seu maior investimento na monocultura do eucalipto que, ao longo
dos anos, tem acelerado mudanças socioambientais sem precedentes em toda região. É visível
o impacto regional devido a presença das empresas de celulose, bem como suas terceirizadas,
tanto nas cidades quanto no campo.
30
“Fibria Celulose S.A. é uma empresa criada em 2009 a partir de uma fusão, financiada com dinheiro público
brasileiro do BNDES, entre a Votorantim Celulose e Papel e a Aracruz Celulose S.A. Hoje, a Fibria é a maior
exportadora de celulose de eucalipto do mundo, com mais de 1 milhão de hectares de terras no seu poder, dos
quais 600 mil hectares com monocultivos de eucalipto”. (Rede Alerta Contra o Deserto Verde Brasil. Carta
pública de denúncia da certificação FSC da Fibria Aracruz Celulose S.A. Brasil/Setembro 2012.
89
90
90
91
global e local. Tal conjuntura econômica tem influenciado, inclusive, a decadência e ascensão
de centros urbanos, com destaque para o caso de Teixeira de Freitas que, pós década de 1980,
tendo como pano de fundo a disputa de incentivo fiscal entre os estados de Minas Gerais e
Bahia, assumiu posto de maior influência econômica e política na região.
A década de 1960, período que foi marcado pela influência dos investimentos de
volumes expressivos de capitais no setor do agronegócio, representa um recorte temporal
tanto de ruptura quanto de continuidades das relações entre o campo e as cidades brasileiras.
A ruptura está representada pelas altas e desiguais taxas do movimento populacional nas
zonas rurais e nas urbanas; movimento este representado pela progressiva diminuição da
população rural e aumento a um ritmo permanente e crescente da população urbana,
considerando um quadro geral de crescimento ininterrupto da população brasileira nas cinco
décadas seguintes (IBGE, 2010).
92
93
Ao longo de meio século pós 1950 as regiões brasileiras sofreram impactos específicos
à cada contexto geográfico, político e econômico: esses impactos tiveram desdobramentos
direto e contextualizado no crescimento populacional e a na mobilidade demográfica de cada
região. A partir da região Sudeste que, historicamente, concentrou as contradições e impasses
93
94
Esses dados permitem avaliar que, em medida proporcional, as regiões que tiveram
maior aumento populacional entre 1950 e 2000 foram o Norte e Centro-Oeste, com
crescimento demográfico superior a 700% e 672%, respectivamente. Embora, na totalidade,
representem menor número de habitantes em relação às demais regiões, as regiões Norte e
Centro-Oeste representam espaços que sofreram reorganização produtiva a partir da
descentralização e expansão dos investimentos de capitais, além disso obtiveram as maiores
taxas de crescimento proporcionais (SANTOS; SILVEIRA, 2004). Para Camarano e Beltrão
(2000, p.10):
31
As relações históricas da Europa e depois dos Estados Unidos com a América Latina, que desde a colonização
do século XVI sob influência do mercantilismo até a consolidação do capitalismo no século XX, expressam e
representam a compreensão teórica da “dependência” que argumenta a favor de um “desenvolvimento do
subdesenvolvimento” das economias latino-americanas. Em outras palavras, trata-se da impossibilidade de
suplantar o julgo do capitalismo centralizado nos países desenvolvidos e os consequentes impactos nas
populações mais vulneráveis (LOWY, 1995).
94
95
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1970/2010. Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1970/2010.
32
A partir da concepção de que o subdesenvolvimento foi uma questão histórico-estrutural, Celso Furtado
compreendeu que as disparidades regionais do Brasil tinham relação direta com sua formação em estruturas
subdesenvolvidas: “Segundo Furtado, sua análise do processo histórico de formação da economia brasileira parte
de uma visão ampla, procurando captar a cadeia de causalidades nesse processo de desenvolvimento (DINIZ,
Clélio Campolina, Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Nova Economia, Belo Horizonte, 19 (2), 227-
249, maio-agosto de 2009, p. 236, 239).
95
96
Tais dados também permite concluir que na década de 1960 foram registrados
massivos fluxos populacionais da Região Nordeste em direção ao Sudeste do país. Nas
décadas de 1970/1980 podem ser observados crescimentos populacionais nas regiões Norte e
Centro-Oeste devido ao fenômeno de “expansão e ocupação das fronteiras agrícolas” nessas
regiões. Para Priori (2012, p.119):
96
97
97
98
Nesse sentido, as cidades brasileiras, a partir da década de 1960, foram as “que mais
ganharam com o crescimento da população brasileira” e com a mobilidade populacional. O
gráfico 5 mostra o intenso deslocamento de “milhares de indivíduos para as cidades” que, em
sua maioria, tem como principal preocupação a “melhoria das condições de vida” (SANTOS;
SILVEIRA, 2004, p.40).
98
99
33
Gráfico disponível no link http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/a-
economia.html, acessado em 11/05/2017.
99
100
Esses mesmos dados demonstram que, entre as décadas de 1960 e 2010, houve, em termos
absolutos, crescimento da população brasileira; mas esses mesmos dados também explicitam
que, apesar do crescimento da população, de forma concomitante também ocorreu
significativa redução da população no espaço rural. Na interpretação de Camarano e Beltrão
(2000, p. 14):
O campo estava na pauta das discussões políticas nacionais; a década de 1960 foi
marcada por divergentes interpretações para promover o desenvolvimento do Brasil. O
desdobramento político culminou com a agricultura ocupando lugar central no processo de
incremento de políticas públicas ao longo da segunda metade da década de 1960 e da década
de 1970, marcadas por investimentos em programas de financiamentos e pesquisas no setor
(GRAZIANO DA SILVA, 1996). De acordo com Priori (2012, p. 120):
100
101
101
102
A Bahia, como podemos observar no gráfico 6, seguiu a mesma dinâmica dos demais
estados da região Nordeste. Embora também tenha obtido aumento demográfico na totalidade,
o estado sofreu perda populacional com intenso deslocamento para a região sudeste. Observa-
se que, no final da década de 1980 e início da década de 1990, registrou-se significativa
desaceleração da taxa de crescimento na Bahia.
102
103
Essa desaceleração ocorreu no Nordeste como todo, bem como em todas as regiões do
país, com exceção da região norte – uma fronteira agrícola com altos níveis de fluxos
migratórios que, durante a década de 1980 até meados de 1990, “crescia ano a ano,
alimentados por uma conjunção de fatores” (MARTINE, 1994, p.15).
No caso da micro-região desse estudo, e considerando o recorte espacial feito para esta
pesquisa, chama a atenção o processo histórico de desflorestamento e reflorestamento iniciado
no século XIX, desenvolvido ao longo do século XX e consolidado no XXI, o que implicou
em impactos socioambientais trágicos (ver capítulo II).
Uma das questões relevantes é a constante diminuição da população das zonas rurais e
a reorganização socioeconômica ocorrida no Extremo Sul da Bahia como resultado da
introdução e expansão da cultura do eucalipto como maior expressão do setor do agronegócio
e que, por sua vez, representa um projeto de penetração e consolidação da agricultura
intensiva na região (ALMEIDA, 2008).
104
105
105
106
TABELA 3 - Taxas de Distribuição Espacial da População de Municípios do Extremo Sul da Bahia (Amostra 1)
TABELA 4 - Taxas de Distribuição Espacial da População de Municípios do Extremo Sul da Bahia (Amostra 2)
Fonte: IBGE – Censos demográficos 1980, 1991, 2000 e 2010./ Dados do Universo.
106
107
Esse desiquilíbrio populacional entre as áreas urbanas e rurais ocorreram, entre outros
fatores, devido ao sistemático avanço da industrialização do campo, proletarizando e
expulsando populações camponesas, atrelado à ideia de pensar desenvolvimento a partir do
esvaziamento populacional do espaço rural.
Havia uma desconcentração demográfica em curso nas cidades com população entre
100 e 500 mil habitantes, que continuam a crescer mais intensamente que as cidades com
mais de 500 mil habitantes. Em Teixeira de Freitas (na Região do Extremo Sul da Bahia)
verifica-se o crescimento populacional impulsionado pela produção da agropecuária
107
108
Havia uma desconcentração demográfica em curso nas cidades com população entre
100 e 500 mil habitantes, que continuam a crescer mais intensamente que as cidades com
mais de 500 mil habitantes. Em Teixeira de Freitas (na Região do Extremo Sul da Bahia)
verifica-se o crescimento populacional impulsionado pela produção da agropecuária voltadas,
em grande parte, para o mercado externo.
34
Análises de dados econômicos ainda serão apresentados/analisados nesse capítulo.
108
109
Localizado entre duas rodovias, uma federal (BR.101) e outra estadual (BA. 290), a
884 km da capital do Estado (Salvador), este município tem uma demografia representada e
constituída por pessoas oriundas da zona rural, vindas do Espírito Santo e Minas Gerais. A
localização, contextualizada com a dinâmica de expansão de investimentos descentralizados
(regionais), contribuiu para que Teixeira de Freitas se tornasse o maior polo comercial da
região. Como destacam Maia e Santos (2010, p.13):
109
110
35
Entrevista ocorrida em 23 de março de 2016.
110
111
Teixeira de Freitas tem sua expansão urbana vinculada a três grandes ciclos
econômicos (serrarias, celulose e comércio), que determinou o ritmo de
crescimento e de vida da população, elevando-a também a posição de
“metrópole” regional e ascensão como pólo industrial do extremo sul, na
transição do século XX para XXI, marcada por transformações sociais, uma
vez que cada ciclo estimulado a migração na cidade ao longo da sua história,
provocando alto índice de explosão demográfica (...).
111
112
comércio. Assim, é notório que o ciclo das madeireiras e da monocultura do eucalipto deixou
profundas marcas na história da região.
Esse quadro projeta e opera a dinâmica do êxodo rural que se estabelece na região,
com proeminência para Teixeira de Freitas que se tornou um dos lugares de destino de
milhares de pessoas provenientes das zonas rurais, tanto da região como de outras
(KOOPMAN, 2005). Parte da população que irá compor o município de Teixeira de Freitas
corresponde a pessoas que viviam na zona rural circunvizinha como Araras, Helvécia,
Itanhém, Medeiros Neto, Posto da Mata, (dentre outras), e também de povos indígenas que
perderam as suas terras para a exploração madeireira e para os grandes latifundiários.
Lembramos aqui a importância da análise das tensões que ocorreram neste território
pela disputa de terras devido à presença de indígenas, comunidades negras rurais, camponeses
organizados (MST, sindicalizados e associados) e, em menor quantidade, aqueles camponeses
que não se encontravam organizados, mas acabaram por resistir aos interesses expansivos do
capital e, por isso, protagonizaram pontos de divergência com os interesses das elites agrárias
da região Sul e Extremo Sul da Bahia.
112
113
nas décadas seguintes como programa de Estado que visava, de entre outras medidas, a
industrialização das cidades (SANTOS, 2006).
Nesse caso, no município de Teixeira de Freitas, ocorre aquilo que Santos (2006)
denominou como a justaposição de forças centrífuga e centrípeta no mesmo espaço. Em 1980,
o município de Teixeira de Freitas tinha uma população de um pouco mais de 49.000 mil
habitantes e em 2010 alcançou um número próximo à 140.000 mil habitantes, multiplicando-
se por três. Por outro lado ocorreu intenso esvaziamento do campo e forte crescimento urbano
do município. Uma força [centrífuga] retirou a população do campo e outra força [centrípeta]
impulsionou o crescimento da população no espaço urbano; a justaposição dessas duas forças
ocorreu no mesmo espaço territorial, o que conforma o município de Teixeira de Freitas.
Na análise de Santos (2006) fica evidenciada também que se trata “de entender essas
novas formas de solidariedade entre os lugares” fazendo referência à “relação cidade/campo,
113
114
em que a atração entre subespaços com funcionalidades diferentes atende à própria produção,
já que a cidade, sobretudo nas áreas mais fortemente tocadas pela modernidade, é o lugar da
regulação do trabalho agrícola” (p.192). Nessa direção o mesmo autor explica que (SANTOS,
2006, p.193):
Em cidades com mais de 100 mil habitante, como Eunápolis e Teixeira de Freitas, é
comum o registro de experiências de trabalhadores que retornam para o campo como
trabalhadores rurais que residem nas cidades. Voltam para o campo, com seus cantis e suas
marmitas; nas madrugas lá estão agrupados e identificados com seus uniformes; nos pontos
ficam a espera de transporte que os conduzem para os campos onde concentram esforços no
combate de cumpins nos eucaliptais.
Tais cidades são lugares de passagem e de retenção demográfica; com forte tendência
à formação social de identidades fluídas. Está-se em presença de espaços que apresentam alta
capacidade de agregar serviços de referência regional. O fator econômico – que agrega e
promove convergências de setores urbanos e rurais – apresenta-se como a principal estrutura
para a formação de um quadro que oferece possibilidades analíticas variadas; desde
abordagens teóricas descritivo-compreensivas à outras com tendências interpretativas
histórico-críticas.
Esses espaços assentam-se numa conjuntura econômica e social que nos permite sua
utilização como recorte espacial com elementos que sustentam reflexões teóricas quando
justas adequadas e interpostas aos dados empíricos. É um município que, dentre outras
facetas, apresenta possibilidades de análises dos caminhos e efeitos diversos da
industrialização da produção no campo.
114
115
A região do Extremo Sul da Bahia foi percebida como um território a ser explorado e
nesse período experimentou intensos impactos do fluxo migratório para a região (como
ocorrera nas regiões Centro-Oeste e Norte do país). “A importância do êxodo rural é
confirmada quando se examinam os dados dos últimos 50 anos: desde 1950, a cada 10 anos,
um em cada três brasileiros vivendo no meio rural opta pela emigração (CAMARANO;
ABRAMOVAY, 1999, p. 01)”.
115
116
FIGURA 17 - Área Central de Teixeira de Freitas. FIGURA 18 - Área Central de Teixeira de Freitas.
Como podemos observar a partir das reflexões de Menezes (2009, p. 270), o processo
migratório do campo para a cidade é motivado por diversos fatores e “(...) por meio de
múltiplas estratégias de reprodução social, tais como emprego local, pequeno comércio,
artesanato, assim como migrações em busca de trabalho assalariado. (...)”. Esta análise nos
permite compreender também que a região do extremo sul, sobretudo o município de Teixeira
116
117
Tambem nos meados da década de 1970 foi registrado a chegada da primeira colônia
japonesa em Teixeira de Freitas, com o objetivo de explorar a agricultura. Sob a influência da
produção na colônia japonesa, Teixeira de Freitas, uma década mais tarde, já se destacava
nacionalmente pelo cultivo de mamão da espécie Havaí (REIS; ARAÚJO 2010).
O crescimento demográfico de Teixeira de Freitas por certo deve ser explicado por
múltiplos fatores. Nesse conjunto de fatores é necessário levar em conta a implantação das
indústrias de celulose na região. A área urbana do município é formada, até o ano de 2019,
por 59 bairros e mais de 40.000 domicílios residenciais e “(...) é hoje a 6ª maior cidade do
interior da Bahia” tornando-se referência econômica e política do Extremo Sul da Bahia como
“(...) também do nordeste de Minas Gerais e Extremo Norte do Espírito Santo”. Ainda com a
implantação da indústria de celulose no início da década de 1990 como a Suzano Papel e
Celulose, Bahia Sul Celulose, Veracel e Aracruz Celulose, também vieram as consequências
como “Migração de várias localidades do país, especialmente do sul e sudeste do país;
alterações geográficas no campo em razão da cultura do eucalipto; êxodo rural; crescimento
36
“No ano de 1991, seis anos após a sua emancipação, a recém-criada cidade de Teixeira de Freitas reunia
85.547 habitantes”. (BAHIA, Prefeitura Municipal de Teixeira de Freitas. Plano Municipal de Saneamento
Básico. Secretaria Municipal de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Gestão. Prefeitura Municipal de
Teixeira de Freitas, 2014, p. 28).
117
118
Na análise da ocupação do espaço urbano das cidades situadas no extremo sul baiano é
possível notar que existe uma discrepância nos dados demográficos dos municípios que
compõem a região, ocasionada, sobretudo, pelo permanente processo de redefinição
socioespacial pela qual a região vem passando desde a década de 1970 quando houve
investimentos públicos e privados direcionados para o dinamismo da economia regional,
especialmente para a produção de celulose e o turismo (BAHIA, 2014).
FIGURA 19 - Teixeira de Freitas – Rodoviária - Av. FIGURA 20 - Teixeira de Freitas - Bairro São Lourenço.
Paulo Souto.
Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de T. De Freitas, Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de Teixeira de Freitas,
2013. 2013.
introdução da extração de eucaliptos para celulose nas décadas de 1980 e 1990 provocou a
transferência de grande contingente populacional da zona rural para a cidade.
119
120
TABELA 6 - População total 1991, 2000 e 2010, Área Territorial e Taxa de Urbanização – Municípios do
Extremo Sul Baiano.
120
121
Tal conjuntura faz vislumbrar a necessidade, cada vez maior, de ações do poder
público local e, eventualmente, estadual, que visem à implementação e constante
planejamento de medidas administrativas que minimizem os impactos das transformações que
vêm ocorrendo tanto no espaço urbano quanto no espaço rural. Cidades, como Teixeira de
Freitas, tendem a manter o crescimento populacional com constantes fluxos e refluxos de
pessoas (rural para o urbano e vice-versa), e isso afeta diretamente sua composição enquanto
espaço urbano/rural37.
37
Veja o caso dos “boias-frias” (D‟INCAO E MELLO, Maria Conceição. O Bóia-fria: acumulação e miséria.
Petrópolis, Editora Vozes, 1975.
121
122
300.000
226.800 241.000
250.000 203.200
181.001
200.000 159.900
138.341 153.385
150.000 107.486 118.702
85.547 96.136
100.000
50.000
0
1991 1996 2000 2007 2010 2013 2015 2020 2025 2030 2033
População
Fonte: IBGE, SEI e Secretaria de Planejamento de Teixeira de Freitas.
122
123
Espírito Santo que estão na divisa com a Bahia, nas imediações da região do extremo sul
baiano.
123
124
Também deve se levar em conta que é no campo que é registrado o maior número de
ocorrências de descumprimento da legislação trabalhista; isso impacta diretamente as relações
e contratos informais entre empregadores e empregados que não são contabilizados pelos
órgãos oficiais.
124
125
125
126
sobretudo identificados com o perfil produtivo da agricultura familiar, tanto nas lavouras
permanentes quanto nas lavouras temporárias, tem sido marcante no município de Teixeira de
Freitas (BAHIA, 2014).
A extração vegetal e silvicultura (carvão vegetal, madeira tora e madeira em tora para
papel e celulose), em valores brutos, lideram a produção no campo totalizando cerca de
55.147.000,00. As lavouras permanentes e temporárias alcançam uma cifra de um pouco
menos de 17.000.000,00. Esses números chamam mais a atenção quando se refere à
distribuição de renda, onde há mais empregos e distribuição de renda nas pequenas lavouras
do que nas grandes empresas que atuam no agronegócio.
Nesse sentido, a agricultura familiar traz consigo contradições históricas das relações
sociais no campo. Mesmo que “no agronegócio as principais referências sejam a monocultura,
trabalho assalariado e produção em grande escala” e “na produção familiar recai a
biodiversidade, predominância do trabalho familiar e produção em menor escala” não há
consenso quanto ao sistema agrícola do produtor familiar não ser parte do agronegócio,
mesmo porque “o capital controla a tecnologia, o conhecimento, o mercado, as políticas
agrícolas, os produtores passam a ser subalternizados, porque são profundamente afetados
pelo processo de integração econômico social” (ENGELBRECHT, 2014, p.9).
GRÁFICO 14 - Evolução do Valor Bruto por Setores da Economia (2000-2010) – (em mil reais)
126
127
2000 2010
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Agropecuária Indústria Serviços Impostos
2010 74.066 216.108 853.722 128.270
2000 22.085 39.128 187.458 33.653
127
128
GRÁFICO 15 - Participação relativa das Atividades Econômicas na composição dos PIB‟s do Município de
Teixeira de Freitas e Limítrofes (em mil reais).
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Alcobaça Caravelas Medeiros Neto Prado Teixeira de Vereda
Freitas
Impostos 10.937 12.526 9.095 9.830 128.270 1.861
Serviços 91.130 109.957 89.778 118.313 853.722 24.867
Indústria 12.550,00 12.827 33.935 19.101 216.108 4.352
Agropecuária 109.845 157.140 30.045 170.988 74.066 37.779
De acordo com o que fica demonstrado no gráfico 15, a participação das atividades
econômicas do município de Teixeira de Freitas nos setores de impostos, serviços e indústria
quando comparada com outros municípios, fica notado o indicativo da hegemonia econômica
na região na qual está inserido.
Esse mesmo gráfico também confirma, por outro lado, a baixa participação de Teixeira
de Freitas no setor da agropecuária quando comparada com a participação dos municípios de
Alcobaça, Prado e Caravelas que, somada a população destes três municípios, não alcançam
nem a metade da população de Teixeira de Freitas (IBGE, 2010). Isso se explica pela
composição territorial de Teixeira de Freitas que, majoritariamente, tem seus limites
territoriais urbanizados ou periurbanizados.
Além de Teixeira de Freitas possuir o maior PIB municipal da região, observa-se ainda
que no período de 2000 a 2010, foi o município que apresentou o maior crescimento
percentual do PIB, 350,59%, em comparação com seu entorno (Gráfico 16).
Gráfico 16 - Comparação entre o PIB produzido pelos municípios de Teixeira de Freitas e limítrofes, em 2010
(em mil reais).
1.600.000
1.400.000
1.200.000
1.000.000
800.000
600.000
400.000
200.000
0
Alcobaça Caravelas Medeiros Neto Prado Teixeira de Vereda
Freitas
PIB 2010 224.462 292.450 162.854 318.232 1.272.166 68.859
PIB 2000 65.528 85.864 58.559 91.742 282.335 21.323
Todos os municípios obtiveram crescimento do PIB entre 2000 e 2010, mas nenhum
alcançou um crescimento acima de 400% como ocorreu no município de Teixeira de Freitas,
sejam nos dados brutos ou proporcional (IBGE, 2010). Toda a região obteve crescimento do
PIB proporcional aos investimentos ocorridos, com maior destaque, no agronegócio, que tem
se consolidado como principal vetor das atividades econômicas do Extremo Sul da Bahia
(gráfico 15).
129
130
GRÁFICO 17 - PIB per capita dos Municípios de Teixeira de Freitas e Circunvizinhos – 2010 (em mil reais)
Vereda 10.123,30
9.185,91
Teixeira de Freitas
Prado 11.525,12
Caravelas 13.642,31
Alcobaça 10.528,74
O PIB per capita de Teixeira de Freitas ainda tende a enfrentar outros efeitos
negativos como a desigual distribuição de renda que é gerador de outros problemas sociais,
principalmente a violência (segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que
levou em consideração o período entre 2005 e 2015, O município de Teixeira de Freitas está
entre os dez municípios mais violentos do Brasil, com índice de 88,1 mortes violentas para
cada 100 mil habitantes.
130
131
131
132
O setor agroflorestal na região, que podemos agora apresentar como uma referência
econômica com suas redes de relações concretas, representa tanto avanços como retrocessos,
132
133
Costa Lima (2003) faz a análise das duas correntes41 e as apresenta como blocos que
se contrapõem nas margens opostas de um mesmo rio: de um lado uma economia de mercado
– como sendo capaz de promover as condições favoráveis para o desenvolvimento produtivo
industrial com o controle ecológico –, e de outro, a participação da sociedade civil organizada
38
“A idéia (sic) de sustentabilidade nasceu da crescente percepção acerca dos impactos ambientais do padrão
civilizatório acelerado após a Segunda Guerra, cujas evidências empíricas multiplicaram-se a partir da década de
70. Neste sentido, o componente „sustentável‟ da expressão refere-se exclusivamente ao plano ambiental,
indicando a necessidade de as estratégias de desenvolvimento rural (como antes definido) incorporarem uma
apropriada compreensão das chamadas „dimensões ambientais‟. (...) A tendência, desta forma, é que a expressão
desenvolvimento rural seja acrescida, cada vez mais, do componente ambiental derivado da palavra sustentável.
Embora certamente seja possível adicionar outros significados à noção de sustentabilidade (por exemplo,
sustentabilidade política, social ou institucional, entre outras possibilidades), tais agregações já fazem parte do
repertório analítico das tradições teóricas sobre o desenvolvimento rural. Por tal razão, mantendo-se o rigor
necessário, o „sustentável‟ aqui refere-se tão somente aos padrões ambientais requeridos em ações movidas sob a
ótica do desenvolvimento rural”. (NAVARRO, Zander. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e
os caminhos do futuro. ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001, p. 89).
39
Ou menor agressão possível que pode ser compreendido também como “política de sustentabilidade.
40
“Também são incompatíveis os esforços para conciliar o crescimento econômico e a participação social num
projeto de sustentabilidade direcionado pelo mercado. Desenvolver uma democracia participativa requer a
possibilidade de estabelecer relações políticas mais horizontais, onde a maioria dos cidadãos tenha acesso aos
direitos sociais básicos que os habilitem a participar, voluntária e conscientemente, da escolha dos rumos sociais
(COSTA LIMA, Gustavo. O discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação. Ambiente &
Sociedade – Vol. VI nº. 2 jul./dez. 2003, p.108).
41
“Este discurso defende a possibilidade de articular crescimento econômico e preservação ambiental, e entende
que o dinamismo do sistema capitalista é não só capaz de se adaptar às novas demandas ambientais como
também de transformá-las em novos estímulos à competitividade produtiva. Segundo essa visão, economia e
ecologia são não só conciliáveis, como também é possível elevar a produção reduzindo o consumo de recursos
naturais e a quantidade de resíduos industriais. De um modo geral, este é o discurso da Modernização Ecológica,
mencionado acima, e representa um esforço de elaboração do discurso do desenvolvimento sustentável. A
argumentação econômica e técnico-científica ocupa uma posição privilegiada nessa matriz interpretativa e tende
a deixar em segundo plano considerações éticas e políticas associadas a valores biocêntricos, de participação
política e de justiça social” (COSTA LIMA, 2003, p. 108).
133
134
em defesa do equilíbrio socioambiental, e, para o autor, sem deixar de lado uma certa
ambivalência em relação ao Estado (p.108):
Aqui nos apoiamos no fato de não haver, mesmo com toda a discussão em torno do
tema “sustentabilidade”, como negar a incompatibilidade entre as demandas da produção
industrial e a capacidade do planeta produzir recursos naturais não renováveis. Também não é
possível negar – considerando o princípio da racionalidade presente na epistemologia adotada
neste trabalho – os impactos socioambientais causados pela exploração de matérias-primas
para atender as demandas do mercado, mesmo se tratando de recursos naturais renováveis sob
as exigências das medidas mitigadoras.
Ainda assim, o setor detentor do capital, neste caso o agronegócio – bem como seus
apoiadores devidamente financiados –, tem disseminado e financiado os enunciados que
argumentam a favor de um potencial produtivo voltado para a agricultura extensiva no país,
sem mencionar ou discutir, em nenhum momento, os riscos socioambientais; ponto de
conflitos interesses entre empresas do setor agroflorestal (madeira, papel e celulose) e
pequenos produtores rurais autônomos, com ênfase nos agricultores associados às
134
135
comunidades negras rurais no Extremo Sul da Bahia (retornaremos a esse tema ainda nesse
capítulo).
impõem relações econômicas neocoloniais ou, quem sabe, uma colonização tardia, como
sinaliza Cerqueira Neto (2013, 260):
A partir da década de 1980 parece que o Extremo Sul começa a viver o seu
segundo ciclo de colonização. Uma colonização que acontece não só sob a
influência do Espírito Santo e Minas Gerais, mas agora recebendo
investimentos de outras partes do Brasil e do exterior nos diversos
segmentos da economia e em diferentes níveis da educação escolar com a
participação da iniciativa privada e pública. Esta neo-colonização (sic) na
região tem uma diferença básica da primeira, pois é pautada por uma
expectativa de maior oferta de trabalho, possibilidades de investimentos, de
empreender, introdução de instituições de ensino médio, técnico e superior.
Contudo, em alguns lugares da região ainda há resquícios de uma política do
passado, onde a mudança talvez seja percebida somente no visual dos novos
coronéis que hoje se vestem de grifes urbanas (carros importados, roupas de
marca, mais preocupados com a estética corporal). A continuidade das
formas de pressionar a sociedade mais carente não é feita mais através do
chicote, mas, da negação da infraestrutura básica para se viver. Mas, ao
mesmo tempo a esperança de mudança estar justamente nessa profusão de
pessoas que estão vindo morar na região que força naturalmente uma nova
postura daqueles que comandam os destinos dos municípios. Há também que
se pensar que a política tradicional da região está sendo substituída de forma
implícita pela influência das grandes empresas que estão se instalando nela.
Embora seja uma questão que cumpre a sua finalidade apenas por provocar reação
reflexiva, torna-se imprescindível elencar questões que fomentem ponderações a respeito da
formação/composição do Extremo Sul da Bahia não somente por sua relevância como
produtor agrícola regional que se configura como território marcado pela formação de
latifúndios, pela monocultura e pela modernização do processo produtivo, e que, também e,
por isso, tornou-se um importante complexo produtivo do setor de papel e celulose articulado
com e no cenário nacional e internacional, com destaque para a divisão do trabalho no seu
formato típico da produção capitalista arcaica – proletarização/pauperização dos trabalhadores
do campo –, paradoxalmente, muito presente no século XXI (neocolonização).
136
137
42
“A primeira metade da década de 2000 representou, no plano do imaginário social, o momento de
concretização de uma antiga “promessa” de desenvolvimento para o Nordeste brasileiro e, particularmente, para
o Extremo Sul da Bahia: a implantação da pujante e moderna fábrica de celulose da transnacional Veracel
137
138
que o empreendimento desse setor foi financiado com capital majoritário do BNDES e
representa “o maior volume de investimento privado no país”, seguida por significativa
participação “dos organismos financeiros internacionais European Investment Bank (EIB) e
Nordik Investment Bank (NIB)”.
A produção em larga escala do eucalipto, como foi explicitada, de entre outros efeitos
colaterais, forçou uma mobilidade populacional sem precedentes na história da região.
Populações de alguns municípios foram reduzidas; outros municípios foram criados e ou
aumentaram suas populações de forma desordenada e exponencialmente, ou ainda ocorreu
mobilidade populacional no próprio município, como ficou explicito na análise do êxodo rural
na região (ver capítulo IV). No caso específico de Teixeira de Freitas ocorreram fenômenos
sobrepostos: o município foi criado em meio ao processo de reflorestamento intensificado na
década de 1990 na região e registrou grande mobilidade populacional; considerando que no
interstício de três décadas a população da zona rural do município diminuiu drasticamente,
chegando a uma cifra superior à 90% da população migrada da área rural para a urbana
(IBGE, 2010).
Celulose S/A. (joint venture entre a brasileira Fibria Celulose e a sueco-finlandesa Stora Enso), abastecida pelos
maciços monoculturas de eucalipto virulentamente disseminados desde a década anterior” (PERPETUA,
Guilherme Marini. Os novos territórios da celulose: notas sobre o modus operandi da Veracel Celulose no
Extremo Sul da Bahia. VII Congresso Brasileiro de Geógrafos, 2014, p. 67).
138
139
139
140
Romão43: “É meu filho, tudo começa no domingo quando coloca a mandioca pra pubar, e ai
vai até sexta a tarde pro bolo puba ficar pronto. Depois é só vender sábado na feira”.
O uso da mandioca, por exemplo, está presente no cotidiano dos moradores: como
alimentação, no envolvimento da comunidade nos trabalhos do eito44, produção de farinha,
beijus (em suas diversas versões como o beiju seco de massa, beiju seco de goma, mala-
pança, moqueca, puba, etc.) como também na venda dos produtos tanto nas feiras livres da
região. O Extremo Sul é a região com maior produção de farinha no Programa da Agricultura
familiar da Bahia. A mandioca é originária da América, que segundo Alberto Costa e Silva
tanto as “técnicas de seu plantio quanto seu emprego tinham sido aprendidas dos tupis, pois
era à maneira dos ameríndios que da mandioca1 se faziam, do que hoje é em Angola a farinha,
o beiju e o pirão” (COSTA E SILVA, 2002, p.378). Stuart Schwartz vai dizer que “para os
tupinambás era a mandioca seu principal alimento” e que “entre 1500 e 1535 o escambo foi o
principal meio usado pelos portugueses para obter dos índios” tanto “pau-brasil” quanto a
“mandioca” (SCHWARTZ, p. 41 e 44).
Com isso não significa afirmar inexistência de interesses econômicos que orientam a
trajetória das relações de produção que se apresentam como experiências alternativas ao
agronegócio. No entanto, essas experiências representam setor social que sofrem impactos
socioculturais, além de político. Representam, também, enquanto atores sociais, os sujeitos
imersos nas relações de produção capitalista no campo que usam ao longo do tempo suas
estratégias e aperfeiçoamento de resistências diante de forças divergentes (ARRUTI, 1997).
43
Entrevista concedida no 22 de março de 2016.
44
Espaço reservado para o cultivo das plantações que garantem a produção de subsistência.
140
141
capitalista no campo. Esses grupos têm seus modos próprios de vida, com suas ações e
negociações que garantem seus protagonizamos e evidenciam complexas e variadas relações
sociais nos espaços rurais da região.
45
Pseudônimo.
46
Entrevista concedida em 16 de março de 2016.
47
Alteração realizada pelo pesquisador para garantir o anonimato.
141
142
À esses agricultores também eram feitas promessas de que os juros dos valores
investidos nos bancos os deixariam “afortunados”. Para o senhor Luiz Terra 49, morador do
município de Alcobaça:
Infelizmente minha família, meu pai com treze filhos, caiu nessa conversa e
perdemos toda terra. Ninguém conseguiu nada porque o dinheiro logo se
acabou. Tudo, tudo se perdeu. Minha família sofreu muito em Alcobaça.
Perdeu tudo. Os mais velhos teve que voltar pra roça pra trabalhar na diária.
Isso que é triste. Antes a gente trabalhava no que era da gente e agora a gente
trabalha no que é dos outros.
Havia, no entanto, aqueles pequenos agricultores que não tinham nenhum documento
que comprovasse a posse ou propriedade da terra. Esses sofriam todo tipo de pressão para
abandonarem o campo: eram-lhes oferecidos valores irrisórios; por vezes suas terras eram
48
Entrevista concedida em 07 de dezembro de 2018.
49
Entrevista concedida em 24 de novembro de 2018.
142
143
anexadas às terras das empresas através de processos fraudulentos, sendo o principal deles a
grilagem50 das terras; os pequenos agricultores também eram ilhados a ponto de perderem o
direito de transitarem nas terras que os cercavam; eram expulsos da terra sob ameaça de
morte; ou simplesmente eram assassinados51.
50
A prática (técnica) de “envelhecer” documentos fraudulentos em caixas com grilos (que tinham a função de
furar os papéis e deixá-los amarelos com suas fezes – daí o termo grilagem) ainda foi muito praticada no
Extremo Sul da Bahia.
51
“Os Relatórios da CPT, do MST, os documentos-denúncia das entidades que lutam em defesa dos direitos
humanos, os boletins de ocorrência, bem como as matérias veiculadas pela imprensa, atestam que os crimes
praticados pelo poder do latifúndio estão longe de ser combatidos, solucionados e seus responsáveis devidamente
condenados. Ademais, a questão agrária no Brasil traduz não apenas a cruel desigualdade da nossa estrutura
social, mas a certeza de que a paz no campo não pode ser atingida se os mínimos princípios de justiça
continuarem a ser desrespeitados, isto é, se a igualdade perante a lei (isonomia) for sempre minada pelo poder
político-econômico dos proprietários rurais, enfim se a justiça continuar a se fazer ausente na vida e na luta do
campesinato. Para tanto, o Governo tem grande importância neste processo, e cabe à ele a formulação e
implementação de políticas sociais re-distributivas e políticas públicas eficientes, que resultem na diminuição da
pobreza e preservação ambiental; uma vez que a omissão do Governo acaba fortalecendo a impunidade, gerando
mais violência e constantes violações dos direitos” (SILVA, Cristiane Freitas da. "CONFLITOS AGRÁRIOS,
VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE: a luta do campesinato paraense por justiça social". Curitiba-PR, 7º Encontro
Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade da Universidade Federal do Paraná, GT 11:
Estado, Conflitos e Acesso à Terra, 23 a 25 de maio de 2012, p. 17).
143
144
52
Ver: PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter et al. Bye bye Brasil, aqui estamos: a reinvenção da questão
agrária no Brasil. In: CPT. Conflitos no Campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, 2016.
144
145
53
O atual governo brasileiro tem sido uma personificação dos interesses dos empresários do agronegócio e, por
consequência, um adversário dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do Brasil, em especial,
parafraseando as falas do atual presidente (2019), que declarou guerra aos “porcos gordos” quilombolas e aos
“vagabundos” indígenas.
146
147
54
O estudo comparado de Carneiro (2008) demonstra que entre as famílias assentadas do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra e de boias-frias no município de Unaí (MG), esta última categoria sofre maiores
impactos das péssimas condições de distribuição de renda no campo como consequência da frágil política de
reforma agrária do país, configurando um estado de fome de parte dessas famílias (CARNEIRO, Fernando
Ferreira. Saúde de famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e de boias-frias. Revista Saúde Pública,
nº42, 757-63, 2008).
55
Usaremos aqui a terminologia “cidade” para delimitar o espaço urbano do município.
56
Atualmente as empresas utilizam aviões de pequeno porte para aplicação desses defensivos; esses métodos
têm gerado denúncias contra as empresas responsáveis pelas aplicações (Suzano e Fibria) que afirmam que tais
aplicações são inofensivas aos humanos. No entanto, estudos comprovam a “existência de contaminação (...) nos
sistemas hídricos superficiais e subterrâneos utilizados para consumo humano direto, nas regiões agrícolas dos
municípios de Teixeira de Freitas e Medeiros Neto” (PORTUGAL, Érica de Jesus et al. Análise da
contaminação por agrotóxicos em fontes de água de comunidades agrícolas no Extremo Sul da Bahia. Revinter,
v. 10, n. 02, p. 85-102, jun. 2017, p. 99).
147
148
Guimarães, dentre outros bairros periféricos, onde se concentra a maior parte desses
trabalhadores rurais que em algum momento se deslocaram para Teixeira de Freitas.
A agricultura familiar no Brasil, como é pensada atualmente, tem suas bases na década
de 1990 quando políticas públicas foram articuladas como resultado das lutas históricas dos
camponeses e como meio de negociação/contenção dos movimentos sociais no campo que
reivindicam políticas públicas que atendam as demandas dos trabalhadores rurais, sendo a
necessidade de reforma agrária a principal dessas políticas reivindicadas e palidamente
implementadas58.
57
“O que se coloca em questão é que nas relações de produção do agronegócio as referências são a monocultura,
trabalho assalariado, produção em grande escala, produtividade, concentrador e funcional à ordem do capital,
enquanto na produção familiar vincula-se a biodiversidade, predominância do trabalho familiar, produção em
menor escala e maior zelo com o meio-ambiente”. (ENGELBRECHT, Marize Rauber. A Produção Agrícola
Familiar no contexto do Agronegócio: Submissão e Resistência. VII Seminário Estadual de Estudos Territoriais.
II Jornada de Pesquisadores sobre a Questão Agrária no Paraná, 2014).
58
Ver Decreto de Lei nº 1.946 de 28 de junho de 1996.
148
149
59
“O PRONAF, nas décadas de 1990 e 2000, tornou-se um “marco a institucionalização da agricultura familiar
através da Lei 11.326 (24 de Julho de 2006). Neste interstício a agricultura familiar consolida-se no campo
político institucional tornando-se a categoria social que atrai a maior parte dos programas e políticas de
desenvolvimento rural. O PRONAF é a mais importante das políticas para a agricultura familiar no Brasil e
empresta grande visibilidade ao conjunto da agricultura familiar do Brasil. O PRONAF foi criado em 1996
(Decreto nº 1.946) com quatro modalidades que são o financiamento da produção, financiamento de
infraestrutura 11 serviços municipais, capacitação e qualificação dos agricultores familiares e financiamento da
pesquisa e extensão rural. (...)A partir do PRONAF e mesmo na interface com este, outros programas e políticas
para a agricultura familiar foram sendo criados ou redesenhados. Para citar apenas dois, vale referir o Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2004 para responder aos problemas de comercialização e acesso
aos mercados da agricultura familiar, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que já existia mas
que foi reorganizado de tal forma que o fornecimento da produção pelos agricultores familiares passa a ter
condições especiais, como a obrigação dos municípios que precisam comprar no mínimo 30% de produtos para
alimentação escolar dos agricultores familiares” (SCHNEIDER, S. y Cassol, A. A agricultura familiar no Brasil.
Serie Documentos de Trabajo N° 145. Grupo de Trabajo: Desarrollo con Cohesión Territorial. Programa
Cohesión Territorial para el Desarrollo. Rimisp, Santiago, Chile, 2013, p.11, 12).
149
150
Reconhece-se que a agricultura familiar está integrada na cadeia produtiva que inclui o
agronegócio – e que segue uma lógica considerada moderna, sobretudo com os investimentos
maciços na área de tecnologia. Por outro lado, há plena compreensão de que os objetivos
específicos do PRONAF estão voltados para a “segurança e soberania alimentar”, inclusive
com estímulo para uso de insumos não agressivos à saúde humana (IBGE, 2009).
Cabe ressaltar que no Extremo Sul da Bahia a Agricultura Familiar (enquanto política
pública) é fortalecida pelos investimentos resultantes de parcerias com a iniciativa privada do
setor de produção de madeira e celulose. Isso ocorre não apenas enquanto exigência da
legislação ambiental que viabiliza e fiscaliza a aplicação de medidas mitigadoras; trata-se de
estratégia das empresas ligadas ao setor agroflorestal visando agregar valor de
sustentabilidade aos seus produtos a partir de financiamento de insumos aos pequenos
agricultores com produção diversificada. Destarte, as empresas utilizam esses investimentos
obrigatórios como “jogada de marketing” aos interesses da produção de larga escala que
atende o mercado internacional, além de tratar-se de contramedidas para evitar a ameaça de
colapso devido concentração de terras para a monocultura.
150
151
Poderia colaborar com essa pesquisa tantos outros protaganistas na luta sindical
regional, mas consideramos algumas variáveis (como a importância de não usar pseudônimo
e, como consequência, os riscos de exposições diante de um quadro de aumento da violência
no campo, como veremos adiante) e ponderamos pela disposição de Rubens Mendes
Rodrigues Lene Farias, mais conhecido como Rubão, para situar o lugar e importância dos
60
“De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o financiamento rural do Pronaf tem
gerado impactos tanto sociais quanto econômicos, criando condições para que os agricultores familiares ganhem
em escala dentro da sua unidade de produção, mantendo pessoas ocupadas, gerando empregos e favorecido a
permanência das famílias no meio rural. Além disso, contribui com a diminuição da tensão no campo e pressões
por emprego na cidade. A obtenção do crédito rural dá aos agricultores familiares condições de expandir e
melhorar de seus produtos, implementar outras atividades agrícolas e não agrícolas geradoras de renda, adquirir
máquinas, equipamentos, sementes e insumos” (OLIVEIRA, Karina L, OLIVEIRA, Gilca G. et al.
Reconfiguração da estrutura fundiária no Extremo Sul da Bahia após intensificação da atividade Silvícola. In:
Congresso Nacional da SOBER, Londrina, 2007, p.4).
61
Além desses desdobramentos existem outros que implicarão diretamente nos índices de desenvolvimento da
região. O crescimento desordenado das cidades é um dos fenômenos que oferece dados pertinentes para se
compreender, por exemplo, os índices de moradia e violência na região.
151
152
sindicatos e associações a partir da experiência micro do vivido pelo coletivo que o mesmo
representa.
64
Entrevista cedida em 07 de março de 2019.
153
154
portanto) e por isso serve para garantir volume do exército de desempregados que garante, por
sua vez, os baixos salários. Esses fatores condicionantes contribuem para a diminuição da
produção agrícola local/regional de alimentos e a pauperização dos trabalhadores e
trabalhadoras do campo.
Mas atenção: não significa dizer que a produção não seja suficiente. Para compreender
esse quadro temos que recorrer ao argumento presente neste trabalho que apresenta a região
do Extremo Sul da Bahia com seus centros urbanos que viabilizam os abastecimentos e
escoamentos de mercadorias. Como vimos, Teixeira de Freitas atua como um município com
maior capacidade logística de escoamento de parte desses produtos agrícolas para outros
estados, majoritariamente, para o Rio de Janeiro e São Paulo. Outra parte desses produtos
permanece para o consumo local/regional. A venda dos produtos agrícolas no atacado para
outros estados da federação – através de associações ou atravessadores – ocorre porque atende
melhor as necessidades materiais desses produtores, sobretudo como a produção é
desenvolvida, sem planejamento adequado.
154
155
para executar uma proposta de produção agrícola marcada pela diversidade com capacidade
de atender o consumo local, é um fator que precisa ser superado.
155
156
crescimento desordenado das cidades, crescimento dos índices da violência nos centros
urbanos e no campo.
Trata-se de uma população instalada na zona urbana ou rural que, além de atender a
demanda de mão de obra barata para a produção agrícola de larga escala ligada ao setor
agroflorestal, também participa da produção de alimentos diversificados. A produção agrícola
ligada ao “agricultor familiar” se insere, portanto, no contexto de um sistema econômico
macro que prioriza os interesses da produção de larga escala. O modus operandi dos
investimentos que visam a expansão do agronegócio na região se reinventa pra evitar o
espectro da autodestruição – afinal, presságios sobre desdobramentos das contradições
históricas representam, caso saiam do controle, ameaças até para o agronegócio como
extensão de um sistema econômico hegemônico (MESZÁROS, 2006).
65
“O índice de Gini é utilizado para medir o grau de concentração de um atributo (renda, terra, etc.) numa
distribuição de frequência. "Razão de concentração (R)", como foi batizado, ele foi inicialmente adotado como
indicador em estudos sobre a desigualdade na distribuição de rendas. Analogamente, empregou-se a mesma
metodologia sobre o atributo "terra", estabelecendo-se, assim, o mais difundido indicador dos níveis de
desigualdade na distribuição de terras. Introduzido no Brasil, o Índice de Gini foi calculado pela primeira vez,
com base no Censo Agrícola de 1940 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, para medir a
concentração da posse dos estabelecimentos agrícolas no Brasil em cada uma das unidades federativas. Aliados
ao índice de Gini existem outros indicadores do grau de concentração ou desigualdade, como o índice de Theil,
além de diversas medidas estatísticas – média, mediana, valor central entre os extremos, amplitude, desvios
médios, diferença média, variância e desvio padrão – que devem ser consideradas para amparar as análises sobre
a distribuição da terra” (BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Agrário Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA. O Brasil: desconcentrando terras. Índice de Gini. Maio, 2001, p. 9).
156
157
(tabela 13), é possível mensurar o grau da concentração de terras nas mãos de proprietários
em detrimento dos arrendatários, parceiros e ocupantes.
TABELA 11 - Distribuição percentual dos estabelecimentos e áreas de acordo com a categoria dos agricultores
na Região do Extremo Sul da Bahia, 1970-1995/1996.
157
158
66
O território rural da comunidade Araras foi desmembrado da Fazenda Cascata e está localizada entre os
municípios de Alcobaça e Teixeira de Freitas. A área da comunidade que pertence ao município de Teixeira de
Freitas, com cerca de 60 famílias, é conhecida como Araras I; já a área que pertence ao município de Alcobaça,
com cerca de 40 famílias, é conhecida como Araras II.
158
159
159
160
Nesse caso, constata-se, que o local é uma representação micro do quadro da realidade
nacional. A região do recorte espacial desta pesquisa, a partir da década de 1940, é
identificada como espaço territorial agrário a ser explorado, com excepcional capacidade
produtiva. Entre o último quartel do século XX e a primeira década do século XXI a expansão
do agronegócio, como constatado, cresceu em escala exponencial. Os impactos
socioambientais foram sem precedentes na história da região. Comprovado está que o modelo
de desenvolvimento aplicado na região em questão trata-se de uma experiência de
neocolonização.
67
“Não são, propriamente, políticas de exclusão. São políticas de inclusão das pessoas nos processos
econômicos, na produção e na circulação de bens e serviços, estritamente em termos daquilo que é racionalmente
conveniente e necessário à mais eficiente (e barata) reprodução do capital. E, também, ao funcionamento da
ordem política, em favor dos que dominam” (MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade.
São Paulo, Paulus Editora, 1997, p. 20).
160
161
agricultura é responsável pela produção que atende parte da demanda de consumo local e
regional, sendo formada, em sua maioria, por pequenas propriedades.
As comunidades negras rurais têm lugar relevante na história do Extremo Sul da Bahia
por suas importantes contribuições na formação da região nos aspectos demográficos,
econômicos e culturais. Atualmente representam uma das experiências dos movimentos
sociais no campo, que tem como mote a permanência e resistência em seus territórios que se
encontram na maioria dos municípios da região.
161
162
Ainda não existem estudos de geolocalização das comunidades negras rurais da região
além daquelas comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (2005;
2007; 2009):
68
Helvécia é a comunidade negra rural, certificada como comunidade quilombola pela Fundação Cultural
Palmares, onde se concentram a maioria das pesquisas acadêmicas na região que discutem o tema (CARMO,
2010; GOMES, 2009; ABREU, 2014). De acordo com o Decreto Federal nº 4.887/2003, “(...) o
autorreconhecimento das comunidades remanescente de quilombo é de competência da Fundação Cultural
Palmares, de acordo com o procedimento estabelecido pela portaria nº 89 de 26 de novembro de 2007, que
institui o cadastro Geral dos Remanescentes de Quilombo”.
162
163
163
164
Tal cenário serviu de fundo para que as comunidades negras rurais recorressem à
estratégia discursiva de autoidentificação quilombola. O fenômeno de emergências étnicas ou
etnogêneses passou a ser objeto de estudos para compreender o contexto da
contemporaneidade como resultantes de um processo de lutas, dominações e resistências. A
etnogênese também passou a ser usada nos estudos de grupos sociais tradicionais no contexto
da contemporaneidade e como resultantes de complexo processo de luta, dominação,
resistência. Nesse sentido, para Bartolomé (2006, p.40), trata-se de
164
165
69
Os sindicatos patronais dos vários setores da agropecuária, através dos seus congressistas do Partido
Federativo Liberal (PFL) – que foi substituído pelo Partido Democratas (DEM) – apresentou uma Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Superior Tribunal Federal (STF), questionando a legitimidade dos
procedimentos metodológicos para a emissão de laudos antropológicos como parte dos procedimentos para
titulação de terras quilombolas. Em 2018 o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
3239, que questionava o Decreto Federal nº 4887/2003 de regulamentação do procedimento de titulação de terras
remanescentes de quilombo. Esse é um exemplo daquilo que Bartolomé (2006) sinaliza para a participação do
Estado através de aparatos jurídicos que tem possibilitado garantias de direitos fundamentais de cunho reparativo
para grupos étnicos, que historicamente tiveram suas identidades estigmatizadas como inferiores: “Como em
outros casos, a esses processos de emergência identitária não são alheias as legislações que garantem direitos
especiais às comunidades nativas, mas o fato de que estas não tenham se manifestado antes como tal não deriva
de sua não-existência, mas de sua estigmatização”. (BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. As etnogêneses: Velhos
Atores e Novos Papeis no Cenário Cultural e Politico. Revista Mana, nº 12, 2006, p.50).
165
166
Nesse complexo jogo também existem comunidades negras rurais que reivindicam a
condição de remanescentes de quilombos, organizam suas associações quilombolas, mas não
recorrem ao processo de certificação da Fundação Cultural Palmares. Uma vez que se
apropriam da estratégia discursiva visando a ressemantização da condição quilombola,
também acabam por provocar a visibilidade de suas comunidades, atraindo assim
representantes das empresas produtoras de eucaliptos para a mesa de negociação. Para
registrar alguns exemplos, cito a Associação Quilombola do Porto do Campo (Alcobaça); a
Associação Quilombola de Trabalhadores Rurais do Portela (Alcobaça); a Associação
Quilombola dos Trabalhadores Rurais de São Benedito (Caravelas); a Associação Quilombola
de Trabalhadores Rurais de Juerana (Caravelas); a Associação Quilombola dos trabalhadores
rurais do Itanhentinga (Teixeira de Freitas) e a Associação dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar da Comunidade Arara que, apesar de não usar a terminologia “quilombola” ou
“remanescente de quilombo”, participa do coletivo das associações quilombolas que
representa o Território Extremo Sul da Bahia.
insumos estão ai, só não trabalha quem não quer. Rapaz, você quer vê os
cursos que a empresa Fibria oferece pra nós, tudo coisa boa. Mas por que
isso? É porque eles sabem que a gente tem direito.
Os enunciados das alíneas propostas pela CONAQ são bastante conhecidos pelas
organizações sociais que militam por aquilo que consideram direitos fundiários das
comunidades remanescentes de quilombo e pelas corporações do setor agroflorestal.
Enunciados que ecoam como convite sugestivo ao diálogo, que assegure negociação para
diminuir danos maiores aos envolvidos (voltaremos a discutir a conjuntura das negociações
ainda nesse capítulo).
167
168
Processo judicial como o que decidiu, em primeira instância, por medida protetiva a
favor da empresa Suzano Papel e Celulose S.A., em desfavor da comunidade quilombola de
Volta Miúda, que, através de sua representação institucional (neste caso, a Associação dos
Produtores Remanescentes Quilombolas de Volta Miúda), está impedida de realizar atividade
fim previsto em seu Estatuto Social, ou seja, através de uma medida de interdito proibitório,
sob acusação de “esbulho, turbação (sic) e ameaça”, a associação e todos os seus
representantes e seus associados estão impedidos de “defender interesses e reivindicar os
direitos” da comunidade de Volta Miúda70.
70
Interdito Proibitório nº 1709; Órgão julgador: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Teixeira de Freitas-
BA; Número do Processo: 1000219-53.2018.4.01.3313; Autor: Suzano Papel e Celulose S.A.; Réu: Associação
dos Produtores Remanescentes Quilombolas de Volta Miúda, Fabio Pinheiro Leocádio, Celio Pinheiro Leocádio,
Benedito Leocádio, todos os demais líderes, diretores, integrantes, nominados ou de qualificação ignorada, bem
como todos e quaisquer iminentes invasores e pessoas ligadas à Associação de Quilombolas de Volta Miúda,
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, Fundação Cultural Palmares. (Fonte: Justiça
Federal da 1ª Região PJe - Processo Judicial Eletrônico).
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Analisar as experiências de luta pelo direito à terra das comunidades negras rurais do
Extremo Sul da Bahia implica em compreender as circunstâncias que possibilitaram a
construção de estratégia identitária quilombola por essas comunidades. A questão central são
os conflitos demarcados pelos interesses do setor agroflorestal ávido por espaços para
investimento de capital no campo e pela resistência dos redutos de comunidades negras rurais
formadas por pequenos agricultores. A condição de quilombolas enquanto representação
étnica que constrói, por vezes, espaço de diálogo para garantir suas territorialidades72.
71
“É possível conceber a identidade quilombola em meio aos dilemas de pertencimento a um determinado
território material e simbólico inserido em disputas econômicas e ainda considerar o âmbito das representações
sociais sobre quilombos negociadas ou contestadas. Uma identidade nem sempre reconhecida e que, portanto, é
conquistada, agenciada e certamente disputada, inclusive pelo aparato científico” (MIRANDA, Shirley
Aparecida de. Quilombos e Educação: identidades em disputa. Curitiba, Educar em Revista, v. 34, n. 69, p. 193-
207, maio/jun. 2018, p. 198).
72
A realidade se apresenta como um complexo conjunto de múltiplas determinações objetivas e subjetivas, que
poderão ser mais bem compreendidas a partir de imersão na lógica dos atores sociais envolvidos na construção
de tal realidade. Nesse sentido, como postula Zhouri: “(...) é importante salientar que os excluídos não se
constituem como vítimas passivas do processo e vêm se organizando em variados movimentos, associações e
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Meu bisa sempre falava que ele era „nego nagô‟ e que a comunidade tinha
sido um quilombo. Ele falava da fazenda do outro lado do rio que ainda tinha
o lugar da senzala e correntes usadas para castigar os escravos, também
falava que não tinha vergonha de ser “nego nagô”.
A condição da referência quilombola antes de seu uso estratégico na luta política para
manter a territorialidade dessa categoria de pequenos agricultores. Até no limiar do século
XXI não há registro de nenhuma comunidade negra rural que tenha utilizado a referência
“quilombola” para se autodefinir sob qualquer contexto na região do Extremo Sul da Bahia.
Pelo contrário, salvo algumas exceções, em um contexto de invisibilidade e exclusão
histórica, há registro de negação da condição quilombola por parte dessas comunidades.
Ninguém queria ser quilombola não moço. (...) Quando a gente ia pra cidade
e alguém perguntava se a gente era da comunidade „A‟, quem disse que a
redes, tais como o movimento dos atingidos por barragens, os movimentos extrativistas diversos, a rede dos
povos do cerrado, os contaminados pela indústria do amianto nas zonas industriais urbanas, a Rede Alerta Contra
o Deserto Verde, entre outros, apresentando-se como portadores de outros projetos de vida e interação com o
meio ambiente, assim como outros ambientalismos (...). São sujeitos sociais que se articulam em movimentos e
redes, forjando novas técnicas e estratégias de ação coletiva que vão da ação direta – como as ocupações de
escritórios e canteiros de obras – até as negociações no próprio espaço de domínio simbólico”. (ZHOURI,
Andréa. Justiça Ambiental, Diversidade Cultural e Accountability: Desafios para a governança ambiental.
Revista Brasileira de Ciências Sociais - Vol. 23, Nº 68, 2008, p. 105).
73
Para garantir o anonimato dos interlocutores por razões já explicitadas, os mesmos serão identificados como
“entrevistada” ou “entrevistado” seguido de uma numeração com a “comunidade” identificada com letras, de
acordo com os contextos das narrativas e análises.
74
Entrevista concedida em 15 de dezembro de 2018.
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Entrevista concedida em 15 de dezembro de 2018.
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gente dizia a verdade. Não, a gente sempre disfarçava. Mas não adiantava,
eles descobriam, mesmo porque a cor já era suspeita.
Nessas comunidades rurais o olhar das vítimas do racismo era reflexo da perspectiva
de uma colonização ainda muito presente no contexto hodierno. De acordo com a entrevistada
3, moradora da comunidade B76:
Era motivo de ofensa ser chamado de quilombola. Ninguém queria ser preto,
muito menos preto da roça. Olha, se eu te disser que tinha gente aqui que
inventava era cor pra dizer que não era preto (risos). Tinha um tal de “cabo
verde”77 aqui que não era brincadeira (risos). Ainda hoje tem gente que não
aceita ser quilombola, mesmo morando em uma comunidade que só tem
nego fulô.
Ainda sobre as narrativas, até o final do século XX a realidade das relações históricas
das comunidades negras rurais do Extremo Sul da Bahia esteve mediada e perpassada pelo
racismo; “mesmo morando em uma comunidade que só tem nego fulô” – que a entrevistada
esclareceu se tratar de uma expressão para definir “o negro retinto” –, a grande maioria dos
moradores das comunidades negras recusavam a identificação negro/preto para si.
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Entrevista concedida em 23 de março de 2019.
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De acordo com a entrevistada e com outros membros da comunidade, cabo verde é uma pessoa com conjunto
de caracteres fenótipos que inclui a pele negra, olhos verdes e cabelo liso.
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“Entre a definição colonial relativa às habitações de escravos fugidos, geograficamente isoladas, situadas em
uma natureza selvagem com padrões precários de moradia e produção exclusivamente agrícola para
autoconsumo e àquela que foi construída no contexto das lutas por democratização do Estado, emergência de
direitos e igualdade racial, um longo trajeto se delineia. (...) produções acadêmicas que recorrem ao passado
escravo, e, sem a devida acuidade com o tema da escravidão no Brasil congelam a definição de quilombo e atam
a comunidade a um passado que nunca termina. A formulação „descendentes de escravos‟ encontrada em
algumas pesquisas é um exemplo da naturalização de uma condição histórica e política, como se a população
negra africana tivesse nascido escravizada e destinasse essa condição às gerações futuras” (MIRANDA, Shirley
Aparecida de. Quilombos e Educação: identidades em disputa. Curitiba, Educar em Revista, v. 34, n. 69, p. 193-
207, maio/jun. 2018, p. 198).
172
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poder público representado pelo executivo desses municípios. Mas, quais as intenções dessas
prefeituras ao provocar o Estado79 recorrendo ao Decreto Lei 4.887/2003? Quais os
desdobramentos/impactos dessas iniciativas das prefeituras? As comunidades negras rurais
começaram, progressivamente, a se organizar e assumir a condição de comunidades
remanescentes de quilombo?
Eles acham que a gente é besta. A gente ficou sabendo que na verdade eles
queriam é verba do governo e que comunidade quilombola rende verba.
Quando a gente começou a pressionar, aí eles mesmo disseram que a gente
tem direito. Eles foram em Salvador pra pegar a certidão na Palmares, mas o
pessoal só entregava a um membro da diretoria da associação. Ai que não
teve jeito, eles tiveram que avisar pra gente. Daí a gente passou a exigir
outras coisas; hoje a diretora, os professores e todo mundo que trabalha na
escola são da comunidade, antes não era assim, diretora e as professoras
eram da cidade.
79
O Decreto Lei 4.887/2003, no seu artigo segundo, postula que tem o direito de reivindicar a titulação de
remanescente de quilombo a comunidade que, a partir da “caracterização” será “atestada mediante autodefinição
da própria comunidade”. Ainda determina que deve ser considerados “remanescentes das comunidades dos
quilombos, para os fins deste decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critério de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
80
Em sua tese Matilde Ribeiro discute algumas políticas públicas implementadas entre 2003 e 2010, como a
criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); Estatuto da Igualdade
Racial; Decreto Lei 4.887/2003 que visa a regulamentação e titulação de territórios quilombolas; “Lei de Cotas”
nas universidades, concursos públicos e nos serviços públicos na área de saúde, dentre outras. Ver: RIBEIRO,
Matilde. Institucionalização das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: percursos e estratégias 1986
a 2010. 2013. 286 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2013.
81
Entrevista concedida em 15 de dezembro de 2018.
82
O PNAE “passou a garantir, de maneira suplementar, por meio de transferência direta, os recursos financeiros
para a alimentação escolar dos alunos de (...) comunidades remanescentes de quilombos”, representando uma
importante política pública de segurança alimentar (BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação. Secretaria de Educação a Distância – 2.ed., atual. – Brasília: MEC, FNDE,
SEED, 2008, p. 27).
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escolar das escolas que estiverem qualificadas como unidade quilombola. As prefeituras
queriam ter acesso às certidões que certificam as comunidades negras rurais como
comunidade remanescente de quilombo com o intuito de administrar um volume maior de
verbas destinadas à merenda escolar. Entretanto, também fica evidenciado nas falas dos
entrevistados que há uma consciência dos mesmos quanto ao descompromisso do poder
público local com os interesses da comunidade.
As falas dos sujeitos centrais da pesquisa não foram analisadas de forma cruzada com
outras versões e olhares (como a do poder público local e empresarial do setor agroflorestal).
Essa escolha metodológica visa garantir o lugar de suas respostas enquanto subalternos
históricos que somente agora ocupam seus lugares de fala. Não há expectativa nesta pesquisa
de contribuição das falas históricas que ocuparam espaços de poder. Nesse sentido, outras
vozes são dispensáveis para legitimar a fala daqueles que foram subalternos históricos, porque
agora pode o subalterno falar (SPIVK, 2010).
Eu te digo que antes a gente não tinha voz nenhuma. O que tem de gente que
foi embora daqui não é brincadeira. Até pra São Paulo teve gente saindo. Os
prefeitos tudo culiado84 com os fazendeiros e as empresas de eucalipto
decidiam tudo. Essas terras aí era tudo da nossa família, da gente.
Compraram na marra. Agora que eles tão sabendo que a gente tem esses
direitos, aí ficam tudo muchinho, agradando, dando emprego, montando
viveiro de muda. Mas a gente sabe que é só pra gente não mexer no passado,
83
Entrevista concedida em 13 de março de 2019.
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Cúmplice.
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porque se mexer vai dar é coisa. Por isso que tudo agora eles vêm conversar
com a gente. Primeiro tem que saber da gente, se a gente concorda. E com
isso a comunidade vai se fortalecendo porque sabe que as coisas tão
mudando”.
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“(...) prática da agricultura familiar, baseada no cultivo de gêneros alimentícios como mandioca, feijão milho,
hortaliças e café; o habito de manter pequenas criações de suínos, aves e bovinos para a produção de carne e a
fabricação de requeijão e manteiga; as pequenas indústrias artesanais, voltadas para a fabricação de beiju, tapioca
e outros derivados da mandioca; a fabricação de rapadura e do melaço de cana açúcar; artesanato com a madeira,
fabricação de carrancas e imagens religiosas, casas de estuque, peneiras samburás, quiçambas, balaios, cestos,
esteiras, vassouras, etc.; no extrativismo vegetal destaca-se a fabricação do dendê, óleos e extratos vegetais
utilizados como antibióticos e outras drogas medicinais. (...) No folclore, destacam como principais
manifestações culturais, os reis de boi, o bate-barriga (...), as festas de São Sebastião, a folia de reis, o ticumbi, o
jongo de São Benedito, o alardo (simulação da guerra entre mouros e cristãos) e principalmente as populares
festas juninas” (ABREU, Eduardo Luis Biazzi de. Identidade cultural: comunidades quilombolas do Extremo Sul
da Bahia em questão. Revista África e Africanidades - Ano 2 - n. 8, fev. 2010, p. 4, 5).
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A terra não foi feita pra usar de qualquer jeito. Tem vida como a gente tem.
Só que a terra é a mãe de todo mundo. Sem a terra a vida acaba, todo mundo
sabe disso. Você sabe desde quando a gente usa essa terra? Desde o tempo
dos antigos a gente usa e ela continua aí. Por que vamos acabar com tudo
agora? Se a gente não cuidar não vai sobrar nada. Tudo já está se acabando,
mas a gente tem que fazer a parte da gente. As empresas não tá nem aí. Pra
ela tanto faz, tanto fez. Querem é o dinheiro, depois fica só a bagaceira pra
quem ficar.
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Entrevista concedida em 13 de março de 2019.
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Entrevista concedida em 13 de março de 2019.
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A coisa era feia. Primeiro eles tentavam comprar a terra usando os próprios
parentes da comunidade. Teve pessoas que passou a viver de comissão de
venda de terras. Se você não vendesse a pressão só aumentava. A pessoa se
sentia acuado. De repente chegava no terreiro uns carrões junto com o
pessoal da empresa e dizia que aquela terra já estava vendida, que o
documento já estava com eles. Mas como? Não tinha conversa. A pessoa
acabava recebendo valor que era pago pra não perder de tudo. Quando a
pessoa não aceitava eles voltavam com a polícia. Teve gente que perdeu tudo
na base da violência. Tiveram que sair. Não teve jeito.
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espaço de embates com seus interlocutores com interesses divergentes dos seus, sobretudo as
discussões sobre permanecer ou retomar a terra por direito, criou um ambiente bastante
desconfortável com as empresas produtoras de eucalipto e celulose.
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realizada pelo INCRA a desintrusão, ou seja, consiste na retirada de qualquer membro que
não faça parte da comunidade quilombola e que esteja exercendo algum tipo de atividade. Por
fim será estabelecido um prazo para que as reivindicações sejam devidamente reconhecidas
perante a lei. É responsabilidade do INCRA emitir um relatório técnico final para o IPHAN,
IBAMA, SPU, FUNAI, FCP e a Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional. Após
essa emissão e não havendo manifestação em contrário no prazo estabelecido, com
concordância com o relatório, é emitido o reconhecimento do território quilombola.
São recorrentes as narrativas que evidenciam o retorno para suas comunidades de parte
dos membros das famílias que se mudaram para as cidades da região, como também migraram
para outras regiões e outros estados do país durante as décadas de 1980 e 1990. De acordo
com a compreensão da entrevistada 3, moradora da Comunidade B, esse retorno está
relacionado com a estratégia discursiva de ressemantização de quilombo:
Grosso modo, as empresas desse setor são bastante criticadas pela opinião pública
devido sua participação nos danos ambientais na região. Isso explica, em parte, os
investimentos em propagandas do setor agroflorestal que focam na tentativa de apresentar as
empresas do setor (com ampla rede de serviços terceirizados) como responsáveis pelo
desenvolvimento regional. A retórica bem articulada nas propagandas aponta para uma
atividade econômica – essencialmente degradativa de todo ecossistema onde se instala –
compatível com a preservação ambiental e com o desenvolvimento socioeconômico da região.
FIGURA 22- Integração floresta e Agricultura FIGURA 23- Integração da Agricultura Familiar com a
floresta
Podemos perceber que o foco das propagandas é justificar a presença dessas empresas
no Extremo Sul da Bahia como agentes de um desenvolvimento positivo, mostrando as
benfeitorias resultantes do avanço econômico através da modernização da produção do setor
agrícola referenciado pela produção de eucalipto e celulose na região, ocultando, por razões
óbvias, as denúncias relacionadas a invasão de terras com expulsão de posseiros, uso de
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FIGURA 24- Markenting do setor agroflorestal que atua no Extremo Sul da Bahia e no seu entorno
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Outra estratégia conhecida e utilizada pelas empresas está relacionada com a sua
capacidade de articulação e influência junto às instituições do Estado. A economia da região
do Extremo Sul da Bahia está inserida em uma racionalidade que, a partir da estrutura estatal,
se constroem relações que projetam uma organização política legal, sob a maestria dos
interesses do capital financeiro. Deste modo, ipso facto, trata-se de uma estreita relação das
empresas ligadas ao setor agroflorestal com instituições públicas (câmaras municipais e
prefeituras dos municípios do Extremo Sul da Bahia, Ministério Público, Secretaria de
Segurança Pública do Estado da Bahia, Poder Judiciário nas esferas estadual e federal) para
garantir a legalidade de suas atividades na região.
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88
Ver: FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Politico Brasileiro. São Paulo: Globo,
2008; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1995.
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6 de outubro de 2017), acredita-se que tais mudanças imponha maior controle; mas, na
prática, cria-se novas possibilidades para manter determinadas relações com apoios indiretos.
Reiteramos que, embora as doações tenham sido um procedimento legal, não significa,
necessariamente, que trata-se de um procedimento legítimo, sobretudo quando consideramos
os desdobramentos dessas relações. Os candidatos favorecidos com as doações quase sempre
ocuparam os cargos políticos que deveriam mediar os interesses da sociedade como um todo,
e do seu reduto eleitoral em particular.
Octavio Ianni cita o exemplo dos indígenas da reserva de Nonoai, no estado do Rio
Grande do Sul, que foram envolvidos em conflito fundiários com grandes fazendeiros que
invadiram suas terras. O Incra foi acionado para “apaziguar” o conflito; a sugestão foi para
que os indígenas se retirassem para o estado de Mato Grosso. Assim, “o Incra consegue
transformar mais um conflito de terra em um negócio de terras, favorecendo empresas ou
cooperativas de colonização, nas quais os posseiros são submetidos a colonização dirigida”
(IANNI, 2004, p. 157).
Na Região do Extremo Sul da Bahia, entre as décadas de 1970 e 1990, também são
registradas denúncias de situações semelhantes às ocorridas no mesmo período em outras
regiões do Brasil. Fica notório que essas denúncias descrevem a própria formação agrária do
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Estado Brasileiro (IANNI, 2004). Aproximadamente meio século depois ainda persistem
elementos dessas “origens agrárias” sob influência/anuência “do Estado Brasileiro”.
89
SANTOS, Benedito de Souza. “Sou afro e sou indígena”: reapropriando identidades no contexto das redes de
relações agenciadas pelo Movimento Cultural Arte Manha de Caravelas-Ba. Dissertação apresentada no
Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Estudos Étnicos e Africanos – Pós-Afro/UFBA, 2014.
185
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Atuaram na derrubada da Mata Atlântica para extensão de pastos, que atendia a demanda da
criação de gado e do fornecimento de madeira para as serralherias que se instalaram na região.
Na década de 1980, dividiam suas atividades entre o trabalho de extração de madeiras, de
vaqueiros e nas primeiras plantações de eucaliptos da região. Até a primeira década do século
XXI não se ouviu falar de indígenas Potaxó Hã-hã-hãe na região.
Em 2013 o espaço físico da aldeia, segundo o relato do cacique Bawai, era de 1000m2,
local onde residiam algumas famílias; outros indígenas moravam em mais dois lotes de terra
isolados; totalizando aproximadamente 35 famílias com cerca de 120 pessoas; os moradores
tinham uma farinheira comunitária e plantações insuficientes para a subsistência devido à
falta de espaço, uma vez que estavam cercados pela monocultura do eucalipto e algumas
fazendas criadoras de gado bovino de corte.
90
Falecido em 09/09/2013.
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gostava do trabalho do índio [...] os fazendeiros também não empregam mais índio”. O
cacique Bawai relatou que ainda não existe processo para demarcação da terra, e que é essa
demarcação que dará mais segurança à comunidade: “A terra registrada ninguém vai sair
daqui”. Primeiro lugar Deus; Segundo lugar a terra é a casa do índio, é a vida do índio”. O
Cacique Bawai demonstrou possuir conhecimento sobre os direitos indígenas ao explicar que
é necessário que os indígenas sejam titulares de suas terras para que passem a ter os direitos
constitucionais e que, segundo ele, esses direitos são garantidos pelos órgãos Governamentais,
Municipais, Estaduais e a própria FUNAI, “que é federal”; e que as terras em que residem os
povos indígenas pertencem à União, sendo assim, os indígenas têm direito ao usufruto.
Também disse que “só a Polícia Federal pode entrar em terra indígena”, pois a terra é, como
já foi dito, “patrimônio da União91”.
Os que permanecem foram expostos aos interesses do poder econômico e suas redes
de relações que envolvem, inclusive, o poder público. Os membros da aldeia não tinham
liberdade de livre circulação, principalmente à noite, quando eram abordados pela Polícia
Militar do Estado da Bahia93 e por guardas que prestam serviço às empresas de eucaliptos.
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Entrevista concedida no dia 01/08/2013.
92
Entrevista concedida no dia 08/09/2013.
93
A Polícia Militar da Bahia manteve (até 2016) policiamento ostensivo na área de plantação de eucalipto com
operações policiais conhecidas como “Lei e Ordem” onde recebiam apoio das empresas de eucalipto,
principalmente com “doação” de viaturas novas do tipo tração 4X4, onde era feita intensa fiscalização para evitar
“furto” de eucalipto e destruir carvoeiras – fornos artesanais para produção de carvão. Fato relacionado a essa
participação do Estado na “segurança pública”, a FIBRIA, detentora de grande parte dos investimentos na
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Segundo Geovani, os índios ficam com medo de “andar de noite” porque já foram conduzidos
à delegacia sob a acusação de “serem suspeitos” de furto de eucalipto, somente pelo fato de
estarem na estrada à noite.
De acordo com os relatos dos moradores da aldeia os mesmos passam por muitas
humilhações e que uma parte dos indígenas tiveram que ir embora devido as constantes
demonstrações de preconceito e discriminação com requinte de sadismo; experiências não
apenas constrangedoras, mas que agridem a dignidade dos indivíduos94:
Outro dia encontrei uma jaca madura nesse pé que tá onde era quintal de
minha vó antes da gente ser expulso, quando ia saindo os guarda chegou e
me perguntou quem tinha autorizado eu pegar a jaca. Me obrigaram a ir
perto deles e pedir por favor. Eu pedir, mas porque a jaca ia fazer falta na
aldeia. Cheguei na aldeia abrir a jaca mais não comi. Me lembrava daqueles
guardas rindo. Me deu uma coisa, fiquei quieto. O pessoal disse “come
menino” mas eu disse que não queria, estava cheio. Mas não estava. Eu
estava com outra coisa.
Foram essas experiências de exclusão que exigiram desses atores o uso de estratégias
que poderiam ser entendidas como contínuo étnico, ou seja, uma suposta passividade ao
aceitarem a invisibilidade do ser índio para ser caboclo, tendo como representação referencial,
os valores brancos (GUIMARÃES, 2005). Se essa proposição é válida, então podemos dizer
que está em andamento, como afirma Arruti (1997), “a emergência dos remanescentes”
quando a indígena95 afirmou que “Eu não sou caboca, eu sou índia, sempre fui índia”.
Assim, esse tipo de violência, como um paradoxo, tem contribuído para catalisar e
fortalecer um processo de ressurgimento ou retorno à origem étnica daqueles que sempre
foram conhecidos como caboclos. Trata-se do reflexo da tomada da consciência étnica,
enquanto sujeitos, índios Pataxó Hã-hã-hãe, que exigem o cumprimento de direitos, inclusive,
o direito de se autodenominar indígena.
monocultura de eucalipto na região, foi uma das principais financiadoras da candidatura à reeleição de Jacques
Wagner par ao governo da Bahia.
94
Entrevista concedida no dia 01/08/2013.
95
Entrevista concedida no dia 08/09/2013.
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como ação mitigadora para alcançar suas metas junto ao Banco de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), e assim continuar usando o financiamento público.
O cacique Bawai convocou uma reunião para o dia 08 de setembro de 2013, com toda
a aldeia, para tomar algumas decisões. Fui convidado para testemunhar a narrativa de sua
sobrevivência desde a saída da aldeia em Pau-Brasil até aquele momento. O cacique fez uma
breve retrospectiva das experiências dos moradores da aldeia enquanto comunidade indígena
resultante direta do massacre histórico contra os povos indígenas no início da década de
195096: “Pra gente chegar aqui muita gente morreu; mas não foi atoa; se a gente tá aqui é
porque Deus quer que a gente continue. Eu sei que não melhorou muita coisa, mas pelo
menos alguma coisa já melhorou”. E continuou:
Depois da saída de Pau Brasil o cacique Bawai e sua família foram para o norte de
Minas Gerais, onde se refugiou nas aldeias Maxakali (existem laços históricos entre os povos
Pataxós e Maxacali que consiguiram “guardar o sagrado” mutuamente). O cacique Bawai
retornou a Pau Brasil no início da década de 1980:
Fui acompanhado de alguns parentes maxakali porque todo mundo tava com
medo de me matarem; é muita coisa pra falar, se fosse contar tudo aqui não
dava tempo”. Cheguei aqui na região em dois mil e alguma coisa... ai fiquei
sabendo desses parentes e tô aqui como cacique. Quero continuar como
cacique, não abro mão disso.
Bawai ainda falou um pouco dos seus objetivos e o quanto acreditava que a luta daria
resultado. Reafirmou sua disposição e resiliência para permanecer na luta e que estava
acostumado a insistir, caminhar a passos curtos, “às vezes sem sair do lugar”, mas que a
própria experiência histórica de seu povo lhe ensinara que o avanço da negociação se resumia
à manutenção da vida, no sentido estrito da palavra:
Meu sonho é que cada um tenha sua casinha, uma escola pras crianças, um
postinho pros índios, trabalho, isso é importante. As vezes nem durmo
pensando nisso; perco muito sono com isso; eu mesmo que morar aqui com
96
Entrevista concedida no dia 08/09/2013.
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meus parentes mas não tem lugar pra fazer um barraco sequer, e eu também
não tenho como fazer isso também.
As narrativas eram seguidas por longos períodos de silencio. “É isso, acho que isso vai
ser bom pra gente” disse ele. Bawai estava entusiasmado. Exerceu um papel fundamental para
que os demais expressassem suas insatisfações. Disse que “as coisas só mudam quando a
gente começa a reclamar97”. Depois do falecimento do Cacique Bawai a Aldeia Renascer
fortaleceu sua ações reivindicatórias e organizou as reocupações de parte do território que
viveram historicamente98.
A gente não tem muita opção; quando a gente não sabia das políticas
quilombolas eles faziam o queriam, era uma humilhação que não gosto nem
de lembrar. Depois que a gente partiu pra essa questão do quilombola, que a
gente passou a saber o que é ser um povo quilombola, esse pessoal da
empresa fica muito incomodado com isso. Uma coisa a gente sabe: eles têm
o dinheiro e todo mundo na mão; a gente fica sozinho. Mas quem disse que a
gente tem medo; não tem essa, eu ando por aí tudo. Já me falaram pra tomar
cuidado, mas eu ando por aí tudo. Por que ter medo? Quem nasceu aqui foi
eu; a trilha da jaqueira, o riacho, eu é que conheço. Não se faça de besta, eles
passam por aqui, e eu nasci aqui.
97
No dia seguinte (09/09/2013), por volta das 04:50 da manhã, recebi a triste notícia do falecimento do Cacique
Bawai, depois que sofreu um infarto fulminante.
98
Documentário produzido em parceria com o Grupo Cultural Artemanha de Caravelas-Ba, sob a direção do
autor da pesquisa: https://www.youtube.com/watch?v=GA_XYxHDBGE
99
Entrevista concedida em 23 de março de 2019.
190
191
Nossa família hoje mora na comunidade, mas não tem mais a roça.
Chegamos aqui com a roupa do „coro‟. Todo mundo ficou assustado porque
a gente foi tratado como invasor. Eu não entendo isso: eu nasci na roça,
meus irmãos também, mas a gente foi tirado como invasor, com polícia e
tudo. Eu não entendo isso até hoje, ao invés do governo proteger a gente, ele
ajudou os poderosos. Pra piorar as coisas, até hoje a gente continua no
prejuízo porque a própria justiça é contra a gente.
100
Entrevista concedida em 23 de março de 2019.
191
192
velha tática de divide et impera em duas frentes básicas: convencer membros das diretorias
das associações a apoiarem os interesses das empresas ligadas à monocultura do eucalipto
com a promessa de receberem benefícios pessoais em troca; e ainda, essas empresas, a partir
das contradições internas das comunidades quilombolas, atuaram/atuam na tentativa de
formação de outras associações naquelas comunidades onde os membros das associações
quilombolas resistiram/resistem ao aliciamento de vantagens pessoais.
Paralelo a essas ações supracitadas, para garantir pleno domínio na conquista de seus
interesses, as empresas recorrem à estratégia de manter o subemprego (a partir de empresas
terceirizadas) para membros das famílias dessas comunidades que se comprometem com os
interesses da monocultura do eucalipto.
192
193
Essa terra toda era da gente, praticamente uma família só. A maioria daqui é
parente, uma „primaiada‟ só. Então o que acontece, esse pessoal da empresa
e os fazendeiros tem muito medo da gente recorrer e não aceitar mais essa
situação. O processo de demarcação da nossa terra tá em andamento, e isso
eles têm medo, eles sabem que a gente tem direito; eles nem documento tem,
porque pegaram a terra no grito e uma hora vão ter que devolver.
101
Para lembrar títulos de reportagens de jornais que cobriram/cobrem outros conflitos alimentados ou
potencializados pelos interesses do capital financeiro que se faz presente em grande parte do globo. É necessário
estudos minuciosos que apresentem as multifaces dessas “guerras tribais”, inclusive, aqueles aspectos
considerados contraditórios.
193
194
Celulose S.A. opera em vários campos empresariais do setor agroflorestal e se tornou a maior
referência de produção de mudas, que são produzidas “em parcerias” com “comunidades
tradicionais”. Em outras palavras, a Veracel Celulose S.A. garante emprego para famílias de
comunidades que questionam as ações empresariais das empresas Suzano Papel e Celulose
S.A. e Fibria S.A. (bem como da própria). O objetivo principal é garantir divisões nas
comunidades (entre os empregados e apoiadores das empresas e os que resistem não
submetendo-se como mão de obra assalariada e exigindo afastamento dessas empresas de seus
territórios) através da desarticulação de movimentos de resistência nessas comunidades;
resistências estas que impedem maiores lucros para essas grandes empresas do setor
agroflorestal que atuam na região.
No caso do Extremo Sul da Bahia, nota-se que a busca pela certificação quilombola –
certificação esta que é resultado da luta histórica de movimentos sociais de representação
identitária e étnica – e tornou-se uma das principais estratégias da população negra rural:
quilombola, ou descendente de quilombo, transformou-se, portanto, em uma representação
identitária e étnica apropriada ressemantizada por atores outrora percebidos, do ponto de vista
analítico, como comunidades negras rurais. Esse aspecto político da condição quilombola ou
descendente de quilombo é, se não determinante, condição indispensável para compreender
esses sujeitos nas suas articulações com outros atores e suas representações (como o Estado, o
capital financeiro e seus agentes diretos e indiretos).
194
195
102
Cito como principais as empresas com atuação internacional que participam de toda cadeia produtiva do setor
agroflorestal na Região do Extremo Sul da Bahia, do Poder Judiciário e Ministério Público, (estadual e federal),
da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, das prefeituras e câmaras municipais.
195
196
Esta pesquisa pretendeu e pretende ser um espaço possível – a partir do diálogo com
vozes de comunidades negras presentes no ambiente rural da Região do Extremo Sul da Bahia
– para apresentar perspectivas e leituras de sujeitos/as que se fortalecem a partir de suas
103
“Criação de leis mais severas que incluam maior fiscalização e controle nas áreas de produção, além de
punições mais rígidas àqueles que desrespeitarem os acordos com os governos locais; criação, por parte das
empresas, de centros tecnológicos que trabalhem no desenvolvimento de pesquisas e ações que contribuam para
a preservação e manutenção dos recursos naturais; projetos em parceria com as comunidades que promovam a
conscientização nas escolas, comércio local e empresas da região; políticas públicas que promovam incentivos
fiscais às empresas que se comprometem com a preservação ambiental; manejo das terras cultivadas para que o
solo possa se reestabelecer sem prejuízos ao meio ambiente; etc.” (DIAS, Deusira Nunes Di Lauro. Cultura do
eucalipto na região extremo sul da Bahia e seus impactos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do
Conhecimento. Ano 04, Ed. 07, Vol. 03, pp. 57-68. Julho de 2019, p. 67).
196
197
representações identitárias e étnicas. Dialogam, portanto, com outros agentes exógenos – com
suas vozes –, e utilizam as experiências de seus microcosmos, agora empoderados pela
condição de remanescentes de quilombos, como meio de resistência. Muitas vozes, centenas
delas, que não foram objetivamente ecoadas nesta tese, serão ouvidas através daquelas que
ocuparam espaços neste trabalho. Buscou-se fazer que as narrativas desses atores pudessem
contribuir para tensionar a análise das relações travadas num cenário favorável à expansão do
agronegócio na região. Vozes como a do entrevistado 6, morador da comunidade D 104, que
compreende o contexto que sua comunidade está inserida e faz uma leitura de suas
expectativas quando afirma que:
Foi realizado um esforço significativo por parte deste entrevistado supracitado, que
considerou importante participar desta discussão. Mesmo com as dificuldades de um encontro
presencial, fez questão de se deslocar de sua comunidade e enviar uma mensagem através de
e-mail, escrito em um local de serviço público de uma cidade da região. Considero necessário
dizer “algumas palavras sobre minha comunidade”. Essa liderança comunitária disse e
continua nos dizendo que:
104
Entrevista concedida em 23 de julho de 2019).
197
198
Nesse sentido, vale reafirmar que os atores supracitados são o que dizem ser. E agora,
na atual conjuntura política do país, sabemos que precisamos ser ainda mais. O ano de 2019,
em particular foi marcado pelo forte desmonte das já parcas políticas públicas voltadas para
povos tradicionais. Os “afrodescendentes” que vivem no campo, de acordo com o pensamento
do chefe do Estado Brasileiro, tem seus pesos e medidas equivalentes aquelas aplicadas aos
porcos: de acordo com tal pensamento nefasto os membros das comunidades quilombolas são
preguiçosos e improdutivos que pode ser comprovado pela “arroubas” elevadas mesmo
naqueles menos obesos.
Cabe uma resposta acertiva para tais demandas. Nas questões sociais há um grande
fracasso no Brasil porque existe uma corrente que acredita em transformações somente a
partir da militância de setores pontuais da sociedade, em especial das minorias como as
198
199
comunidades quilombolas. Esses grupos, via de regra, são usados porque, ao fim e ao cabo,
trata-se de status quo presentes, marcadamente, nos legislativos estaduais e federais.
Os aproveitadores têm ânsia de alcançar seus projetos de poder pessoais muito bem
conhecidos pelas comunidades negras rurais. A pauta que se apresenta quanto aos direitos
constitucionais dos remanescentes de quilombo, para além do reconhecimento do
ordenamento jurídico, é legítima. Mas devemos considerar que a forma de lutar pelas
garantias de direitos fundamentais contém equivocos estruturantes na medida em que não
prioriza uma proposta de educação escolar emancipatória nessas comunidades.
Ledo engano esperar por iniciativas exógenas para superação dessa exposição histórica
da população negra que vive na zona rural. Há ameaças contínuas que exigem permante
resistência dos remanescentes de quilombo para que não vivam, diria Raimundo Sodré e Jorge
Portugal, “como moinho de homens que nem jerimuns amassados; mansos meninos domados,
massa de medos iguais; (...) quando eu lembro da massa da mandioca mãe (da massa)”.
199
200
Cabe ressaltar que as atividades ligadas à produção agrária, no recorte espacial desta
pesquisa, têm relação direta com a densidade demográfica dos espaços urbanos, com
destaque, no caso do Extremo Sul da Bahia, para o município de Teixeira de Freitas que
sofreu forte impacto com um crescimento desordenado influenciado pelo êxodo rural na
região e a mobilidade populacional ocorridas em outras regiões do Estado da Bahia e dos
Estados vizinhos, nomeadamente do Norte de Minas Gerais e Espírito Santo.
200
201
105
Mesmo nas primeiras décadas do século XX a historiografia brasileira não apresentou experiências
camponesas ou quaisquer outras experiências não-escravistas como categorias autônomas e participantes da
formação social e da produção, seja para o próprio consumo ou utilizando excedentes (PALACIOS, 1993).
106
Na análise do sistema de plantation à brasileira não se negava, necessariamente, a existência de “cultivadores
pobres e livres”; o que marca a interpretação é a defesa de inconsistência e ausência de segmento social com
capacidade de se definir como camponeses (PRADO JÚNIOR, 2000).
201
202
Sabe-se que, mesmo no início do século XX, no Brasil, a organização dos camponês
era bastante vulnerável ou inexistente. Foi após a lei que proibiu a escravidão, no limiar do
século XX, que se possibilitou a identificação conceitual de categorias de trabalhadores
atuando na produção rural. Como vimos nos capítulos anteriores, a grande maioria da
população brasileira vivia na zona rural e atuava diretamente na produção agrária subordinada
aos grandes latifundiários107.
107
“Historicamente, os camponeses do Brasil, principalmente em áreas tradicionais de agricultura camponesa
(Nordeste e Sul), surgem mesmo como classe subalterna dependente da elite local ou regional: oligarquia da
terra do Nordeste, políticos e comerciantes no Sul. Assim, a partir do advento da República, seguido do sufrágio
universal e até faz pouco tempo, os camponeses representaram uma reserva de voto para os políticos locais”.
(SABOURIN, Eric Pierre. Será que existem camponeses no Brasil? Porto Alegre, Sociedade Brasileira de
Economia, Administração e Sociologia Rural, 2009).
202
203
a década de 1930 como um período que marcou a passagem de um “país agrário exportador”
para um “país urbano industrial”; e aqueles que interpretam a década de 1930 como a
superação da velha oligarquia e ascensão de uma burguesia industrial no Brasil (FAUSTO,
1995). É plausível avaliar que, a partir da década de 1930, ocorreu uma moderada
reorganização da economia brasileira influenciada pela abertura da produção agrícola para
novas culturas e pela incipiente industrialização. Na perspectiva de Miralha (2006, p.155):
110
Fernando Henrique Cardoso (1962), Maria Sylvia de Carvalho Franco (1983), Marialice Forachi (1965),
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976).
204
205
propostas que compreende o escravismo111 não apenas como “um tipo de mão de obra
agrícola”; tratava-se de um conceito determinante para explicar “a organização política e
sócio-econômica (sic)” da sociedade brasileira.
Coube aos estudos sociológicos, com destaque para a sociologia rural 112 com suas
contribuições e/ou enfrentamentos – os trabalhos de Antonio Candido, Fernando Henrique
111
“O escravismo, como sistema, não deixa de ser um vencedor de diversos embates contra outras formas não-
compulsórias de organizar a produção, temos pois aí o extraordinário poder da sua versão. (...) Os pobres livres
do campo ou das vilas e cidades aparecem geralmente nessas obras apenas nos capítulos finais, dedicados com
frequência à „transição ao trabalho livre‟, quando o escravismo começava a ser substituído por um outro sistema
de trabalho” (PALACIOS, Guillermo. Campesinato e Historiografia no Brasil. BIB, Rio de Janeiro, nº 35, 1º
semestre, 1993, p.48).
112
“Por muito tempo e para muitos, a sociologia rural foi mais uma sociologia da ocupação agrícola e da
produtividade do que uma sociologia propriamente rural. Mais uma sociologia das perturbações do agrícola pelo
rural do que uma sociologia de um modo de ser e de um modo de viver mediados por uma maneira singular de
inserção nos processos sociais e no processo histórico. Não raro, o mundo rural tornou-se objeto de estudo e de
205
206
interesse dos sociólogos rurais pelo “lado negativo”, por aquilo que parecia incongruente com as fantasias da
modernidade. Não por aquilo que as populações rurais eram e sim pelo que os sociólogos gostariam que elas
fossem. Quando assumiu o mundo rural como objeto, a sociologia rural o fez mais como “adversária” do que
como ciência isenta e neutra. Mais como ciência da modernização do que como ciência aberta à compreensão
dos efeitos destrutivos e perversos que não raro a modernização acarreta. A modernização é um valor dos
sociólogos rurais e não necessariamente das populações rurais, porque, de fato, para estas não raro ela tem
representado desemprego, desenraizamento, desagregação da família e da comunidade, dor e sofrimento”
(MARTINS, José Martins de. O futuro da Sociologia Rural e sua contribuição para a qualidade de vida rural.
Estudos Avançados (43), 2001, p.32).
113
“Aqui no Brasil, tivemos, nos anos 80 e 90, a grande expansão territorial do grande capital moderno que foi o
da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia. Espaços ocupados por populações indígenas, que muitas
vezes jamais haviam tido contato com o homem branco, e por populações camponesas pobres remanescentes das
ondas de povoamento dos séculos XVIII e XIX, foram declarados espaços vazios pelo Estado nacional.
Estímulos fiscais escandalosos foram concedidos a ricos grupos econômicos, nacionais e estrangeiros, para que
fizessem uma ocupação moderna do território. Uma modernização postiça, pesadamente subvencionada pela
sociedade brasileira, mais expressão da ineficiência da grande empresa do que de sua louvada eficiência”
(MARTINS, José de Souza. O futuro da Sociologia Rural e sua contribuição para a qualidade de vida rural.
Estudos Avançados (43), 2001, p.33).
206
207
produção rural na Região Nordeste, na última década do século XIX e ao longo do século XX,
deu origem a movimentos de base popular que marcaram profundamente a história da região,
e do país, por conseguinte.
Assim, após a década de 1950, as lutas dos grupos com interesses antagônicos pelo
uso da terra continuaram acirradas no Nordeste: contra os grandes latifundiários se
organizaram as Ligas Camponesas e o sindicalismo rural. A principal referência de
organização dos trabalhadores do campo nesse período foram as Ligas Camponesas em
114
“Nesse contexto, vale lembrar que o Nordeste já era identificado como aquela região periodicamente assolada
pela seca. Na literatura, de 1926 aos anos 1930 o movimento regionalista já apresentava as condições de vida dos
nordestinos nas suas representações sobre a seca, a pobreza e as estruturas perversas e resistentes aos novos
tempos, como o coronelismo” (CABRAL, Renan. 1959: das ideias à ação, a Sudene de Celso Furtado –
oportunidade histórica e resistência conservadora. Cadernos do Desenvolvimento vol. 6 (8), maio de 2011, p.
19).
207
208
Pernambuco e “[...] os processos de luta no campo ocorreram pelas mudanças nas relações de
produção e de trabalho, acarretando a expulsão de moradores, foreiros, arrendatários e
posseiros das terras em que moravam e cultivavam. É desta época a criação das Ligas
Camponesas em Pernambuco – que se expandiram por toda a região, caracterizando-se pela
luta de foreiros contra o aumento do „foro‟ e a expulsão da terra em que trabalhavam – e dos
sindicatos rurais, surgidos, basicamente, no início dos anos 60, sob forte influência da Igreja,
e que exerciam uma luta em busca de melhores condições de vida e de trabalho para os
assalariados do campo, dentro de uma linha de observância da legislação vigente”. Cabe aqui
a observação de que as lutas pela terra levaram à organização da União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas no Brasil – ULTAB. Esse grupo era ligado ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB) e tinha o objetivo de “aglutinar as lutas que surgiam em diferentes áreas do
país”. A ULTAB tinha forte atuação no centro-sul do Brasil, mas no Nordeste, de acordo com
Andrade (1997, p.110,111):
Diante dos conflitos em torno das reinvindicações dos trabalhadores rurais que
exigiam a reforma agrária e a pressão dos latifundiários em defesa da proposta de
modernização tecnológica da agricultura – que lançaram suas bases na década de 1930 e se
consolidaram politicamente a partir do início do governo militar, em 1964 – criou-se um
ambiente de significativa convergência dos movimentos sociais no campo em torno da pauta
que defendia os interesses dos trabalhadores rurais. Miralha (2006, p.157) pontua que:
Ao analisar a sociedade agrária brasileira nas décadas de 1950 e 1960, Octávio Ianni
(2004) evidenciou as relações sociais e produtivas articuladas pelo capital, pela tecnologia,
pela força de trabalho, pelo planejamento governamental e pela violência estatal. De acordo
com o autor, os incentivos governamentais presentes na política agrária para o Nordeste
atenderam ao agronegócio através das agências governamentais, como a Sudene. Esse projeto
de modernização da produção começou sua implementado na região Sul e Sudeste em um
processo de descentralização de investimento de capitais, em deslocamento para áreas ainda
não exploradas. O estudo de Nair Costa Muls (1997), que analisou a implementação,
expansão e consolidação do setor agroflorestal no processo de “modernização” e
industrialização da agricultura, também evidenciou os impactos socioambientais causados
pelo deslocamento desses investimentos que seguiu um itinerário linear, partindo da Região
Sul em direção à Região Norte.
No início da década de 1960, com o governo de João Goulart, surgiu uma conjuntura
política que possibilitava execução de reforma agrária que se dizia capaz de fazer justiça aos
trabalhadores rurais não somente do Nordeste, mas aos trabalhadores rurais espalhados no
território brasileiro115. Na década anterior, no governo JK (1955-1960), foi criada a
115
Na Região do Sul da Bahia, nesse mesmo período, registra-se a primeira experiência de reforma agrária no
município de Ipiaú, com as fazendas coletivas para amparar os trabalhadores considerados vítimas da crise
cacaueira e da expansão da pecuária na região: “O município de Ipiaú encontra-se localizado na Mesorregião Sul
Baiano, Microrregião Ilhéus-Itabuna. Este município dista em torno de 185 km da capital do estado e possui uma
área da unidade territorial de 267,33km² com população de 44.390 habitantes. No que se refere às suas fronteiras
territoriais, limita-se com os seguintes municípios: ao Norte, com o município de Jequié; ao Nordeste e ao Leste,
com o município de Ibirataia; ao Sudeste, com o município de Barra do Rocha; ao Sul, com o município de
Itagibá; ao Sudoeste, com o município de Aiquara; e, ao Oeste, com o município de Jitaúna”. (...) Criada pelo
Poder Público Municipal de Ipiaú no ano de 1963, por meio do Decreto-Lei 965 que desapropriou para fins de
reforma Agrária a Fazenda Santo Antônio, na região do Bom Sem Farinha, nos meses iniciais da administração
do prefeito Euclides Neto, a CRFP foi a primeira experiência oficial de reforma agrária no Estado da Bahia. O
objetivo principal da criação dessa comunidade foi amparar as famílias de trabalhadores rurais demitidos das
209
210
fazendas locais (e outras famílias que posteriormente vieram de diferentes municípios por distintas razões), e em
virtude da grande seca ocorrida na região entre 1962 e 1963, a qual trouxe como consequência a diminuição na
produção de cacau (monocultura predominante na região à época), e, por conseguinte, a demissão de grande
número de trabalhadores, bem como pelas condições precárias de trabalho (submissão e escravização da mão de
obra familiar) a que eram submetidos no período. (...) no ano de 1964 o governo militar aprova o Estatuto da
Terra (Lei Nº 4.504). (...) Com a implantação do regime militar, vários governantes municipais (gestores
públicos) de tendências socialistas foram investigados, perseguidos, ou mesmo depostos. Esse foi o caso de
Euclides Neto que, em razão da criação da Comunidade Rural Fazenda do Povo, foi investigado e teve um
processo contra si instaurado, no entanto, não chegou a ter seu mandato de prefeito cassado. Conquanto a criação
da CRFP seja um marco no processo de assentamento de trabalhadores rurais sem terra à terra, ela difere, em sua
origem, da maioria dos outros tipos de assentamentos de reforma agrária presentes atualmente na Microrregião
Ilhéus-Itabuna, e a nível de regiões do país, sobretudo por ter sido criada por iniciativa do Poder Público
Municipal, e ainda ser administrada por este (ou seja, não envolveu a ocupação, o acampamento e o conflito pela
terra), enquanto os outros assentamentos (Projetos de Assentamento Rural - PAs), sob a égide do Incra,
normalmente tiveram sua origem por meio da ocupação, do acampamento e do conflito pela terra (BRUNO,
Nelma Lima et al. A Socioeconomia da Comunidade Rural Fazenda do Povo de Ipiaú, Bahia, Brasil. Revista
Geográfica de América Central, vol. 2, núm. 57, julho-dezembro, 2016, pp. 289- 331 Universidad Nacional
Heredia, Costa Rica, p. 296,299-301).
116
“Desde sua criação, a Sudene enfrentou fortes reações político-ideológicas de parcela significativa das elites
empresariais, políticas e intelectuais do Nordeste, no que se refere às suas linhas de orientação e proposições. (...)
As mudanças políticas decorrentes do golpe militar de março de 1964 alteraram a ênfase nas linhas de ação.
Essas foram concentradas em apenas duas frentes: expansão da malha de infraestrutura (transportes, energia
elétrica e saneamento) e suporte à industrialização. A primeira, com a aplicação direta de 60% a 70% dos
210
211
recursos aprovados nos Planos Diretores. A segunda, pelo sistema de incentivos fiscais canalizados através do
mecanismo conhecido como “34/18”,7 que conjugava a isenção tributária sobre a produção e o financiamento
dos investimentos mediante o uso de parcela do imposto de renda devido pelas empresas, transformados em
debêntures e, portanto, não reembolsáveis. Ficou estabelecido também que tanto os recursos orçamentários
quanto os recursos advindos da isenção de imposto de renda para aplicação em projetos de investimento no
Nordeste deveriam ser depositados no Banco do Nordeste do Brasil, reforçando seu papel de agente financeiro”
(DINIZ, Clélio Campolina. Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Nova Economia, Belo Horizonte, 19
(2), 227-249, maio-agosto de 2009, p. 240,241).
117
“O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surgido no Brasil na década de 1980 se destaca
como movimento social do campo brasileiro que tem como bandeira de luta a reforma agrária e a transformação
da sociedade. Tem também se destacado, dentre os movimentos sociais da atualidade, pela capacidade de
agregar valores sociais e culturais, com base nos ideais marxistas. (...) O MST surgiu na Bahia em 1987, na
região Extremo Sul, por ser um local que apresentava as condições objetivas naquele momento, e,
posteriormente, ele foi se expandido por todo o Estado. Atualmente, está organizado em nove regionais, sendo
dividido nas seguintes regionais: Sul, Extremo Sul, Baixo Sul, Chapada Diamantina, Recôncavo, Sudoeste,
Oeste, Nordeste e Norte” (SANTOS, Arlete Ramos, 1970- “Ocupar, resistir e produzir também na educação!”: o
MST e a burocracia estatal: negação e consenso. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais-
UFMG, 2013, p. 97 e 128).
211
212
Sul da Bahia; como tal entrada na década de 1980 acompanhou o mesmo itinerário dos
investimentos de capitais no setor agroflorestal da região do Extremo Sul da Bahia; e como tal
conjuntura representou assim uma inerência entre a expansão do capitalismo no campo e o
próprio MST, sendo este, do ponto de vista da teoria e interpretação marxista, uma expressão
da contradição daquele118.
Vale ressaltar que, no caso do Extremo Sul da Bahia, os dados empíricos gerados no
contexto das relações de produção travadas no meio rural apontam para situações e impactos
demasiadamente desiguais e, como consequência, geram impactos socioambientais
devastadores. A análise aponta para uma realidade concreta como resultado de uma
interpretação que denuncia a responsabilidade desses impactos que provocam desequilíbrios
118
A autora ainda salienta que “o Extremo Sul foi o primeiro lugar da Bahia e do Nordeste, em que em que
foram registradas as primeiras ocupações do MST, ocorridas desde a década de 1980, por ser uma região onde já
predominavam fecundas discussões de luta pela terra por meio da CPT” (Ibidem, 2012, p.22).
212
213
Fica evidente – na fala de interlocutores que atuam como militantes e outros que
atuam como pesquisadores – que o MST organiza-se “no interior de uma sociedade de
mercado; ao mesmo tempo em que faz a luta contra a propriedade privada, uma luta
revolucionária, precisa inserir-se no mercado, caso contrário não tem como dar respostas
imediatas aos seus participantes”. Assim, se apresenta como uma contradição do “sistema
hegemônico”, mas ele próprio tem contradições internas que desconstroem sua estratégia
discursiva e faz com que o “Movimento” viva um “dilema entre a luta política e a inserção no
mundo do capital” (ARAÚJO, 2007, p. 65).
Também fica manifesto que os impactos socioambientais impõem uma dinâmica que
influencia as orientações teóricas das pesquisas realizadas na região, especialmente àquelas
realizadas pelos programas de pós-graduação das universidades públicas. Via de regra, não
apenas para os estudos sobre o MST, a tendência das pesquisas sobre a “modernização” da
produção agrícola e da expansão do agronegócio no Extremo Sul da Bahia com suas
contradições, tem se embasado na perspectiva teórica do materialismo histórico influenciado
pela interpretação que destaca o lugar subalterno ou a condição periférica e dependente da
região no sistema mundial capitalista (ARAÚJO, 2007; BOGO, 2008; CERQUEIRA NETO,
2001; PEDREIRA, 2008; SANTOS, 2013).
119
Entrevista concedida em 07 de março de 2019 com uso de pseudônimo do entrevistado.
213
214
estudos específicos no meio acadêmico que façam inflexões teóricas e interpretativas sobre as
relações no processo de modernização da produção rural no Extremo Sul da Bahia.
Como vimos nos capítulos anteriores, quanto à produção agrária brasileira, a década
de 1960 foi um período marcado pelo avanço da produção capitalista no campo. O Extremo
Sul da Bahia registrou significativas alterações quando comparada à década anterior. Os
dados dos censos agrícolas do IBGE nas duas décadas em questão, com recorte sobre a
quantidade de tratores na região, demonstram as mudanças em curso quando registram, na
década de 1950, apenas 3 tratores nos municípios da região; já na década de 1960 foram
registrados 48 tratores (IBGE, 1960).
Torna-se plausível, assim, a hipótese de que uma causa estruturante para o lento
avanço da mecanização na agricultura da região está relacionada com a presença de excedente
de mão de obra barata, fato que dificultava a substituição de “trabalho braçal pela máquina. Se
houvesse maior pressão salarial, haveria certamente um recurso maior à máquina” (DEELEN,
DONIDA, 1966, p. 32).
120
As novas categorias analíticas podem, dependendo das estratégias assumidas, recorrerem ao uso de velhas
terminologias, como é o caso das “comunidades remanescentes de „quilombo‟”.
214
215
Durante toda década de 1970 a demanda do mercado para exploração das madeiras das
matas do Extremo Sul da Bahia convergia com as necessidades do setor agropecuário que
exigia maiores áreas de terras para os bolsões de monoculturas (cacau, cana-de-açúcar,
eucalipto) e, em seguida ou como atividade sobreposta, para criação de gado. Essa conjuntura
inicial na região foi consolidada com a construção da BR 101.
A partir do que já foi explicitado, podemos delinear um quadro geral que possibilite
compreender a concentração de terras na Região do Extremo Sul da Bahia. Fato é que as
grandes propriedades concentradas nas mãos de um número pequeno de latifundiários foi
construída ao longo da primeira metade do século XX e consolidada na década de 1960.
região do extremo sul da Bahia. Também vimos que os dados121 demonstram que as datas das
emancipações da maior parte dos municípios da região do Extremo Sul da Bahia ocorreram
entre as décadas de 1960 e 1980.
A região como um todo, sobretudo na primeira metade do século XX, tinha baixa
densidade demográfica. Mas, devido à localização que permitia maior mobilidade de pessoas
e menos dificuldade para escoamento de mercadorias, a zona litorânea era, até então, a mais
povoada e concentrava as atividades agropecuárias dos médios e pequenos produtores
(FONTES, MELO e SILVA, 2005).
121
Ver tabela 1 no capítulo I.
216
217
A zona central assumiu maior protagonismo na região a partir da década de 1970 com
a construção da BR 101; a rodovia possibilitou e concretizou-se como a principal alternativa
para o escoamento da maior parte da produção agropecuária da região. Com isso, a construção
da rodovia federal acabou favorecendo a concentração da movimentação econômica e
122
“Nas áreas litorâneas, mais próximas ao litoral, você tem a presença das frutas típicas da região: da mangaba,
do caju, palmito, dendê, plantas nativas que acabam gerando alguma renda para esses pequenos produtores,
pequenos sitiantes que ocupam terras da faixa litorânea da região. Devido a vassoura-de-bruxa, desmatamento e
a redução das chuvas o cacau praticamente deixou de ser produzido na nossa região. Muita gente tem trabalhado
com a banana e também com o urucum, tudo isso vem adicionar alguma renda para o agricultor. Também a
pimenta tem sua participação pequena, mais tem a pimenta, por ser uma commodity, é uma mercadoria que
vende pra fora, atrelada ao preço do dólar, por isso ela tem seu momento de altas e baixas, e agora estamos
passando por um momento de baixa. O maracujá também teve seu momento mais pesa muito por agora por ser
uma agricultura mais cara e muito sensível na questão dos fungos e doenças, mas ainda tem alguma coisa do
maracujá na nossa região. Os capixabas vieram ou aqui já estavam e plantaram áreas razoáveis de café, vários
pequenos, vários dos nossos conterrâneos entraram também na cultura do café, de modo que o extremo sul tem
um potencial muito grande também na cafeicultura. O eucalipto também é algo mais concentrado, no café você
consegue ter uma melhor distribuição dessa riqueza porque ele está também na mão do pequeno e médio
produtor, muitos dos quais são capixabas já enraizados na região ou pessoas da própria região que migraram pra
essa atividade” (entrevista cedida por José Sérgio de Almeida no dia 25 de agosto de 2018).
217
218
populacional em alguns municípios da zona central, com destaque para Eunápolis, Porto
Seguro e Teixeira de Freitas123.
Vale lembrar que antes disso toda a faixa central representava o limite da zona
litorânea com o interior. Antes de formar essa zona central, existiam importantes entrepostos
que faziam conexão entre o litoral e o interior da região. Nos limites dos municípios de
Teixeira de Freitas e Alcobaça, às margens do Rio Itanhém – e, posteriormente, às margens da
BA-290 – foi formada, por exemplo, a Fazenda Cascata; um empreendimento que representou
um importante centro produtivo e de distribuição da produção agropecuária da região.
De acordo com o senhor José Sérgio de Almeida Figueiredo, a Fazenda Cascata teve
seu início na segunda metade do século XIX e consolidou sua capacidade produtiva ao longo
do século XX. José Sérgio de Almeida Figueiredo nasceu em 11 de janeiro de 1954, na cidade
de Salvador e passou a infância na Fazenda Cascata. Estudou em Caravelas que era o
principal centro econômico e cultural da época. Depois foi para Vitória, capital do Espírito
Santos, e de lá foi para Brasília. No Distrito Federal trabalhou no Ministério da Saúde. Na
década de 1980 voltou a morar na Fazenda Cascata e participou ativamente no processo de
emancipação do município de Teixeira de Freitas, quando foi eleito vereador do recém-criado
município e assumiu a presidência da Câmara Municipal: “ajudei a assinar a Certidão de
Nascimento de Teixeira de Freitas”. Ainda de acordo com as memórias do senhor José Sérgio
de Almeida Figueiredo, herdeiro da Fazenda Cascata124:
123
A crise da economia cacaueira na Região Sul da Bahia gerou um contingente de mão de obra de trabalhadores
rurais que a zona urbana dos municípios da região cacaueira – como Ilhéus, Itabuna, Pau-Brasil e Camacan –
ficaram impossibilitados de absorvê-los. Isso provocou uma mobilidade populacional inter-regional sem
precedentes (envolvendo, principalmente, municípios do Sul e Extremo Sul da Bahia) favorecendo o crescimento
demográfico do Extremo Sul (com ênfase nos municípios de Eunápolis, Porto Seguro e Teixeira de Freitas).
124
Entrevista cedida no dia 25 de agosto de 2018.
218
219
O transporte das mercadorias era realizado nos batelões movidos por força motrizes
dos remadores que reversavam os remos ao longo dos sessenta quilômetros entre Alcobaça e a
Fazenda Cascata. A viagem precisava contar com as marés favoráveis. Considerando que as
marés de enchentes eram contrárias para a navegação da direção da fazenda para o município
de Alcobaça, eram necessários planejamentos para aproveitar as marés vazantes e contabilizar
as paradas devido as marés de enchentes que impediam a navegação devido as fortes
correntezas contrárias. Além disso, como o espaço de tempo das marés variam de acordo com
a Lua (Cheia ou Minguante), as viagens poderiam durar entre um a três dias, dependendo da
fase da Lua e das condições meteorológicas. A Fazenda Cascata era o ponto mais distante que
utilizava o Rio Itanhém para transportar mercadorias para o município de Alcobaça, mas não
era o único: todos os produtores que utilizavam esta via fluvial como meio de transporte de
pessoas e mercadorias, tinham que se preparar para as mesmas condições e dificuldades.
219
220
Uma terceira zona, localizada à oeste do mapa da figura 20, até a década de 1970, era
considerada uma área de difícil acesso, o que favoreceu para que se tornasse uma zona pouco
explorada. A formação populacional dos municípios dessa zona tem origem no Estado Minas
Gerais que migraram ao longo do século XX, mas o período com maior fluxo dessa
mobilidade populacional ocorreu entre as décadas de 1950 e 1970. Esse período coincide com
dois eventos: o último ciclo da agricultura intensiva na região do Extremo Sul da Bahia (que
foi o maior fornecedor de madeira para a indústria mineira); e a expansão da monocultura do
eucalipto na região Nordeste de Minas Gerais (CERQUEIRA NETO, 2009).
Com suas grandes áreas identificadas como “terras devolutas”, intercaladas com a
formação e avanços dos latifúndios, além de pequenos lotes de posseiros, esta zona
permaneceu com essa configuração até a construção da BR 101. De acordo com Koopmans,
2005, p. 28, 29):
Esse quadro é confirmado pela narrativa do senhor Jacson Lacerda Santos que é um
memorialista regional. Nasceu em Vitória da Conquista-Ba em 17 de agosto de 1971, cresceu
no município de Almenara-MG (Norte de Minas Gerais); em 1985 se mudou para Itaitinga,
um pequeno vilarejo rural do município de Alcobaça-Ba (município localizado no Extremo
Sul da Bahia). Em 1996 se mudou para a sede do município onde atuou como secretário de
obras entre 2001 a 2003. Foi eleito prefeito quando geriu o município de Alcobaça-Ba entre
os anos 2005-2008 pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e, atualmente, está secretário de Meio
Ambiente do mesmo município. Apresenta-se como “homem da agricultura familiar e
estudioso autodidata das movimentações e transformações sociais”. Segundo o mesmo foi um
220
221
período marcado por intensa mobilidade populacional regional, com destaque para a chegada
de um grande número de pessoas que vieram do Estado de Minas Gerais, Oeste da Bahia e
uma menor parte do Espírito Santo que tinham maiores recursos para explorar terras que
começavam a se afastar do litoral. Também afirma que125:
A lavoura era praticada em função da ampliação dos pastos. Uma das mais
rudimentares era a técnica agrícola adotada. A rotação das terras primitivas,
que introduz a agricultura itinerante com todos os seus aspectos de economia
predadora dos recursos naturais. Após processo clássico da derrubada e da
queimada, a lavoura, por consistir em culturas de subsistência, é feita
durante alguns anos, sendo a terra usada em seguida para a formação dos
125
Entrevista cedida no dia 01 de agosto de 2018.
126
“Geralmente temos nestas fazendas de gado uma pequena atividade agrícola de subsistência, ou cujos
excedentes podem abastecer os mercados locais. São culturas de milho, feijão, banana, mandioca, e ainda café,
cuja produção era de pouco valor econômico. Uma cultura de destaque era a da cana-de-açúcar, trabalhadas em
alambiques para a fabricação de aguardente. No entanto coexistiam na mesma propriedade a lavoura e a criação,
sem se completarem, pois o bovino é o único produto comercial” (KOOPMANS, Padre José. Além do Eucalipto:
O papel do Extremo Sul. CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul -
BA, 2005, p. 39, 40).
221
222
127
“Os dados estatísticos a respeito da criação de gado bovino mostram que certos a lavoura era praticada em
municípios são cada vez mais marcados pela criação de gado. A expansão da pecuária está estreitamente ligada
ao desmatamento da região. Grandes madeireiros do Norte de Minas Gerais e do Espírito Santo vieram para abrir
as matas que existiam em grandes áreas. Foram os madeireiros que abriram as primeiras estradas, mesmo
primitivas, mas que serviam para transportar madeiras nobres. Juntos com eles, grandes criadores de gado do
sertão baiano entraram na região, para soltar o gado nas terras vazias, onde a madeira desapareceu. Geralmente
os criadores não se preocupavam com o cultivo ou a mecanização da terra. Foi notado um crescimento bastante
elevado na pecuária, sobretudo nos municípios de Itanhém, Medeiros Neto, Lagedão e Ibirapuã entre [as décadas
de] 1950 e 1960. O censo agrícola de 1960 acusa que na região tinha 3.775 estabelecimentos com média de 25
cabeças, 600 estabelecimentos com média de 200 cabeças e 90 estabelecimentos com média de 900 cabeças. O
número absoluto de bovinos era 297.683 cabeças. Esse número ia crescer bastante nas próximas décadas. Assim
a região contava com 1250.000 bovinos no fim dos anos oitenta. No seu conjunto, o extremo sul se tornou uma
importante área de pecuária no Estado, suprindo as necessidades de carne bovina, não só no mercado local, como
ainda no Rio de Janeiro, via Vitória (ES), Campos (RJ) e Belo Horizonte, via Teófilo Otoni e Governador
Valadares, tendo como centro distribuidor a cidade mineira de Nanuque, às margens do Rio Mucuri” (Ibidem,
2005, p. 38, 39).
222
223
A partir dessas delimitações concentraremos a análise nos grupos que atuam na zona
rural dos municípios de Teixeira de Freitas, Alcobaça e Caravelas (consideramos a
emancipação do município de Teixeira de Freitas – que tem o maior desenvolvimento
econômico da região – com seus limites territoriais compostos a partir do desmembramento
de áreas pertencentes aos municípios de Alcobaça e Caravelas). Atualmente o monopilio da
exploração direta e indireta do setor agroflorestal em todos os municípios da região do
Extremo Sul da Bahia é da empresa Fíbria S.A. (Votorantim Papel e Celulose).
O primeiro recorte que nos interessa desse quadro panorâmico, no contexto da década
de 1980 e que introduz o Extremo Sul da Bahia na modernização da produção rural de larga
escala, está relacionado à disponibilidade de capitais para investimento no agronegócio, que
representa, por sua vez, a consolidação da penetração e expansão do agronegócio na região.
128
“A partir de políticas públicas implementadas na década de 1970, a agricultura brasileira obteve padrões de
excelência e competitividade, impondo o processo de internacionalização. Essas políticas viabilizaram ainda
mais o salto tecnológico vivenciado pelo agronegócio. Tanto na agricultura como na agroindústria, a adoção de
nova base tecnológica foi no intuito de reduzir os custos de produção e de ampliar ganhos” (ZILLI, Julio César;
PINTO VIEIRA, Adriana Carvalho; SOUZA, Izabel Regina de. Pauta Exportadora do agronegócio e a sua
dinâmica nos portos de Santa Catarina. In: CRUZ, José Elenilson; TEIXEIRA, Sônia Milagres; MACHADO,
Gláucia Rosalina (Org.). Programa de pós-graduação em agronegócio, Estudos em agronegócio, vol. 2. Goiânia,
Gráfica UFG, 2016, p. 139).
223
224
224
225
129
“A expansão do reflorestamento voltado para setor celulósico e papel a partir dos anos 1980 representa o auge
do processo de apropriação e inserção da região ao circuito do capital. Formam-se novos arranjos territoriais com
base em uma especialização produtiva (florestas eucaliptos/celulose) que organiza o território a partir de
imposições de caráter ideológico e de mercado. Consolida-se, assim, a redefinição da posição da região na
divisão regional do trabalho, ao tempo em que se acirra a desintegração e reestruturação dos espaços rural,
agrários e sociais vigentes até então. Ou seja, o agronegócio, a lógica da competitividade e a ideologia de
mercado urbano-industrial como portadores de progresso e desenvolvimento ganham força, expressão e
materialidade na região por meio da implantação, expansão e consolidação do complexo florestal-celulósico”
(PEDREIRA, Marcia da Silva. O Complexo Florestal e Extremo Sul da Bahia: inserção competitiva e
transformações socioeconômicas na região. Tese de Doutorado em Ciências Sociais: Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade – CPDA, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências
Humanas e Sociais, 2008, p. 90).
130
“(...) desenvolvimento é, antes de tudo, uma construção política e ideológica, que se encontra ancorada em
determinados condicionantes históricos. Por isso, uma das expressões concebidas foi desenvolvimento agrícola –
ou agropecuário. Essa definição pretende abarcar, apenas, os elementos produtivos atinentes ao ambiente rural,
de maneira que o mote inerente ao desenvolvimento agrícola são os elementos materiais atinentes à produção, tal
qual a área plantada, economicidade e uso de mão de obra. Não bastasse isso, outra expressão aventada para dar
conta da complexidade inerente ao ambiente rural é desenvolvimento agrário. Com pretensões mais ambiciosas,
esse conceito almeja compreender o rural com toda sua complexidade, não pretendendo tratar, somente, dos
aspectos inerentes à produção, mas, também, as questões referentes à disputa de classes, conflitos sociais, enfim,
da teia de relações inerentes ao meio rural. Uma terceira expressão, também utilizada é desenvolvimento rural.
Por meio desta, almeja-se expressar uma proposta cujo conceito central é a intervenção numa dada realidade,
buscando alterá-la”. (GONÇALVES, Diego Marques & PEDROSO, Adriana Martini Correa. Políticas Públicas
para o Desenvolvimento Rural e Valorização da Agricultura Familiar: Uma Análise do Programa de Aquisição
de Alimentos – PPA. Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, XXII Seminário Nacional Demandas Sociais
e Políticas Públicas na Sociedade Brasileira, 2016, p.9).
225
226
sociais que ameaçaram a governabilidade do país131. Para Grisa e Schneider (2015, 23,24), a
estratégia política do governo nacional defendia que:
A posse da terra no Brasil ficou nas mãos de umas poucas famílias que se apropriaram
da riqueza como “benefícios por direito”, práticas oriundas do modelo patrimonialista da
velha república oligárquica ainda bem atuante no modo de operar a governança do país
(BUARQUE DE HOLANDA, 2015; FAORO, 2008). Na clássica análise de José Graziliano
da Silva (1996, p.10) fica evidenciado que:
131
“A partir do golpe militar, as Ligas Camponesas, que já estavam desgastadas pela evolução das estratégias de
lutas no campo, foram legalmente extintas e os sindicatos rurais sofreram intervenção do governo. Estas
medidas, entretanto, não conseguiram abafar os problemas relativos à questão agrária, que tantas mobilizações
havia ocasionado. (...) Em termos efetivos, observou-se que o programa de desenvolvimento da agricultura,
implantado a partir de 1964, definiu-se por uma política de modernização excludente, que provocava uma
intensificação da concentração fundiária, ao mesmo tempo em que provocava um aumento do êxodo rural e o
crescimento das formas de relações de trabalho temporários no campo” (ANDRADE, 1197, 113).
132
“Na década de 1970 o Governo Federal passou a estimular o plantio de eucalipto no território nacional. Nos
anos de 1980, surge na região Extremo Sul da Bahia as primeiras unidades de produção e empresas, atraídas em
função de relevantes fatores locacionais, especialmente, segundo os estudos da Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia - SEI, pelas condições edafoclimáticas, preço da terra, escoamento da produção
via porto de Vitória no Espírito Santo e de Ilhéus na Bahia, disponibilidade de mão de obra e grandes extensões
de terras para implantação dos cultivos de eucalipto. Nesse cenário favorável, a produção estadual expande-se,
levando a Bahia a despontar e ocupar a segunda posição no setor de produção de papel e celulose do país,
destinada ao mercado externo, sendo o Extremo Sul o maior produtor entre as regiões baianas” (ALMEIDA,
Thiara Messias de et al. Reorganização socioeconômica no Extremo Sul da Bahia decorrente da introdução da
cultura do eucalipto. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 20 (2): 5-18, DEZ. 2008, p. 24).
226
227
Enquanto a mão de obra era escrava, o latifúndio podia até conviver com
terras de "acesso relativamente livre". (...) Mas quando a mão de obra se
torna formalmente livre, todas as terras têm que ser escravizadas pelo regime
de propriedade privada. Quer dizer que se houvesse homem “livre” com
terra “livre”, ninguém iria ser trabalhador dos latifúndios.
Nas décadas de 1950 e 60, a reforma agrária entrou na pauta da política nacional
brasileira134 no intuito de “modernizar suas produções agrícolas ao mesmo tempo em que
buscavam atenuar os conflitos disseminados pelo campo”. O contexto efervescente da
organização de trabalhadores no campo impôs ao Estado um reposicionamento que
considerasse, ainda que de maneira desigual (considerando o zelo histórico a favor dos
latifundiários), os interesses dos pequenos proprietários/produtores e trabalhadores rurais135.
133
Disputas pela terra que, mediados pelo Estado, passaram a atender aos interesses do agronegócio. Sabe-se,
por exemplo, que a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG, apoiada pela Igreja
Católica e pelo governo, foi a única entidade representante dos trabalhadores rurais que sobreviveu. O apoio do
governo militar à CONTAG foi motivado pelo interesse de “organizar e modernizar as entidades sindicais no
país” e por isso “pôde ter sua estrutura preservada, apesar de sofrer intervenção em várias de suas unidades.
Assim, essas representações sindicais estavam dentro de um sistema que se apropriavam dos movimentos sociais
para garantir o controle das ações, mesmo utilizando discurso defensor dos direitos dos trabalhadores
(ANDRADE, 1997, p. 113).
134
No capítulo IV retornaremos à questão quando faremos contextualização histórica dos contornos da reforma
agrária ao longo do século XX, como entrou na pauta, que atores sociais e políticos estiveram nela envolvidos,
bem como sua dimensão e impactos.
135
“Traço marcante e em larga medida definidor do período, tais projetos assentavam-se tanto na preocupação
em promover uma modernização planejada do agro, sem que para isso fosse preciso tocar na estrutura fundiária
caracterizada pela grande propriedade, quanto na arregimentação colaborativa do trabalhador rural para as
reformas estatais, visto que proliferavam nesse momento organizações coletivas de interesses camponeses e
ações autônomas que tencionavam os limites dos projetos de reforma agrária estatais” (ESTEVE, Carlos Leandro
da Silva. Posseiros e invasores: propriedade e luta pela terra em Goiás durante o governo Mauro Borges Teixeira
(1961-1964). São Paulo, Revista Brasileira de História, v. 36, nº 71, 2016, p. 108).
227
228
As relações sociais no campo são marcadas pelo registro crescente da violência 136.
Vale lembrar que, embora haja uma simetria histórica entre Estado e latifundiários no Brasil,
o recorte das décadas de 1960/1980 (para análise da violência no campo) tem relação
intrínseca com a modernização da produção “dos campos brasileiros” e a organização política
dos movimentos sociais no campo (GONÇALVES, 2006).
136
Consideramos a análise de Carvalho (2018) quando cria uma distinção entre “conflito no campo” e “conflito
do campo” para não cair na ideia generalista e sensacionalista que as abordagens teórico-metodológicas estão
passíveis. Para isso o autor parte da seguinte premissa: “para que se tenha um „conflito agrário‟, é preciso que se
analise sua motivação, não sendo o critério da „localização‟ suficiente para assim classificá-lo. Por isso, nem
todo conflito „no campo‟, ou seja, que acontece no meio rural brasileiro, pode ser chamado de agrário,
tipicamente „do campo‟, ou seja, ligado à „questão agrária‟”. (CARVALHO Lucas de Azevedo. Os dados sobre a
violência “do campo” no Brasil: Análise Crítica. Brasília, Consultoria Legislativa, 2018, p. 11).
137
“A realidade brasileira apresenta uma ampla conflitualidade e um aumento da violência nos espaços sociais
agrários, nos quais existem fortes violações de direitos humanos. No período da Nova República, manteve-se
elevado o número de conflitos no campo, envolvendo conflitos de terra, ocorrência de trabalho escravo, conflitos
trabalhistas e outros tipos de conflitos.” (JOSÉ VICENTE, Tavares dos Santos. Conflictos agrários e violência
no Brasil: agentes sociais, lutas pela terra e reforma agrária. Pontificia Universidad Javeriana. Seminário
Internacional, Bogotá, Colômbia. Agosto de 2000, p. 2).
228
229
Nesse processo os pequenos agricultores, a maioria deles sem a posse legal da terra,
são atraídos – direta ou indiretamente – pelos empresários do agronegócio no sentido de
convencê-los a abandonarem suas “ilhas” em meio aos grandes latifúndios. Pressionados, os
pequenos produtores tendem a migrar para os centros urbanos, e, não raras vezes,
contraditoriamente, retornam para o campo como prestadores de serviços assalariados
(D‟INCAO E MELLO, 1975; GONÇALVES, 2006).
Por fim, para atender a proposta desta análise, a cooptação de terras para expansão do
agronegócio ocorreu a partir da expulsão de parte dos pequenos agricultores nos municípios
do Extremo Sul da Bahia, se desdobrou não sem existência de conflitos envolvendo os
pequenos agricultores e os interesses dos latifundiários (principalmente as empresas de
138
Desde 1985 a Comissão Pastoral da Terra através do Centro de documentação Dom Tomás Balduino tem
organizado dados sobre violência no campo brasileiro.
139
No capítulo I analisamos a evolução demográfica, a mobilidade populacional e a relação entre campo e cidade
nos municípios do Extremo Sul da Bahia.
229
230
Fato é que, não apenas na região do recorte da pesquisa, mas na Bahia e na região
Nordeste140 como um todo, verifica-se um grande número de conflitos no campo – no Estado
da Bahia e do Maranhão, majoritariamente –, inclusive de “violências contra a pessoa e contra
a posse e a propriedade fundiária” (BUANAIN, 2008, p.198).
assim continuaram residindo nas cidades (D‟INCAO E MELLO, 1975). De acordo com
Jackson Lacerda Santos importantes políticas públicas que poderiam contribuir pra
permanência das famílias no campo não chegaram antes da década de 1990141:
A luz pra todos que revolucionou o campo, se tivesse aparecido lá nos anos
60 com os governos militares, com certeza teríamos mais gente na zona
rural, já que a energia traria um conforto de vida e daria chance de uma
qualificação e de uma melhora da produção há três, quatro décadas atrás.
Quando surgem esses programas, como luz pra todos, ai já tinha pouca gente
na zona rural. Que dizer, essa demora de chegar esses benefícios, esses
confortos, com mais a presença do eucalipto, ai junta uma coisa com a outra
as famílias acabam vendendo suas propriedades em função das dificuldades.
No afã de que aquelas aplicações no banco ou a vinda pra cidade sem ter
nenhuma postura de cidadão urbano, não era a realidade dele, então acabou
com que as cidades tivessem esses bolsões. No plano maior, claro, que o
poder dominante não tem interesse de fortalecer ninguém na zona rural
porque precisa de muita terra. A terra ainda é símbolo de poder, símbolo de
força. Essa é nossa realidade agrária. Aliado a tudo isso, mais a presença do
eucalipto, mais a ausência do Estado na agricultura familiar, da agricultura
de subsistência, acabou fazendo com que as cidades tivessem esse
gigantismo de população em suas periferias. Teixeira, por exemplo a cada
dez, quinze anos, dobra sua população”.
Entre as décadas de 1960 a 1990 eram as empresas Suzano Papel e Celulose S/A e
Veracel Celulose S/A que atuavam no Extremo Sul da Bahia; e os meios utilizados pelas
empresas de eucalipto para cooptação dos pequenos agricultores autônomos dependiam da
condição jurídica do trabalhador quanto à posse da terra. De acordo com narrativas como a do
senhor Rogaciano Tertulino (mais conhecido como “Roguimha”), 79 anos, morador do
município de Alcobaça, muitos foram “expulsos na base do grito e do cartucho”. A violência
no campo subsidiada pelo aparelho policial do Estado forçou a saída de drande parte dos
141
entrevista cedida em 11 de junho de 2018
142
“A chegada da Aracruz foi uma derrota pras pessoas. A chegada do eucalipto nos castiga de todo jeito. A
gente não fala porque os poderosos e a gente fraquinho, que não sei pra vou, sei onde estou mas não sei pra onde
vou; fico fechado, quietinho. Muitos já se foram, então não quero o mesmo destino”. (Entrevista do senhor
Josuel Santos no documentário “Atravessando o deserto verde”, acessado em 12/08/2018
(https://www.youtube.com/watch?v=OG3Q3WaSGkc).
231
232
moradores dos municípios da região. São essas pessoas que, majoritariamente, integram as
estatísticas do êxodo rural regional143.
Até o final da década de 1980 a família Tertulino vivia na zona rural, mas atualmente
moram em bairros periféricos do município de Alcobaça. A narrativa do senhor Rogaciano
expressa parte da saga de tantos outros que viveram a mesma experiência de saída forçada da
zona rural e sobrevivem nas cidades da região.
143
Entrevista concedida em 01 de agosto de 2018.
144
“A metodologia da fraude – usada pela Aracruz e por suas controladoras, com suporte financeiro do BNDES -
era a de escalar funcionários como laranjas. A coisa funcionava da seguinte forma: um funcionário da empresa
se diz agricultor e dá entrada a uma requisição de terra devoluta. No processo, a pessoa anexa uma série de
documentos que comprovam que é um agricultor enraizado na terra e que se dedica à atividade agropecuária ou
agropastoril. A estrutura fundiária que sustenta a produção de celulose no Espírito Santo e na Bahia está
alicerçada na grilagem de terras, em crimes contra os direitos humanos, em diversos tipos de fraude, em
incontáveis crimes ambientais e no uso de servidores públicos para expulsar moradores tradicionais” (CASARA,
Marques. Falso verde. São Paulo, Revista Observatório Social, Edição Especial de 15 anos, Dezembro de 2012,
p.11).
232
233
145
“Dentro desse contexto, no ano de 1967, o Conselho de Administração do BNDES, por meio da resolução
276 decide conceder projetos de implantação ou ampliação de capacidade instalada para produção de papel e
celulose. Além de tal, duas medidas de políticas governamentais influenciaram substancialmente o seguimento
de papel e celulose na segunda metade da década de 1960. São elas: o Decreto lei 5.016/66 e a decisão 196/68 do
BNDES” (ARAÚJO, Leandro Guimarães. A expansão da indústria de papel e celulose no Extremo Sul da Bahia
e seus impactos sobre a estrutura agrária. Salvador, Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA, 2006, p.16).
233
234
A crise econômica que iniciou na década de 1970 e continuou na década seguinte não
impediu que o setor continuasse recebendo subsídios estatais146. Na década de 1980 e 1990, o
BNDES manteve investimentos de capital público no setor e ofereceu condições para o
surgimento das grandes empresas do setor, com destaque para a Aracruz Celulose, com sede
no Estado do Espírito Santo com extensão de atuação no Extremo Sul da Bahia147; Bahia Sul
Celulose148 e Veracel Celulose (com sede em Mucuri e Eunápolis, respectivamente). Para
Araújo (2006, p. 54) o setor de papel e celulose se caracteriza:
146
Apesar da crise econômica sob a qual foi marcado esse período – conhecido como a „década perdida‟ – o
BNDES continuou a financiar investimento no setor florestal, tanto que na segunda metade da década iniciou-se
um novo ciclo de investimento em modernização do parque industrial e ampliação da capacidade produtiva das
empresas. Esse ciclo de investimentos previstos pelo II PNPC era de cerca de 9,6 bilhões para o período de 1987
a 1995, dos quais 2/3 direcionava-se para a ampliação de produção de celulose. Sendo assim, vale destacar que o
objetivo principal do II PNPC era obter linhas de financiamento de longo prazo via BNDES para viabilizar essa
nova fase de investimentos para o setor. Dentro desse programa a capacidade da Aracruz Celulose foi duplicada,
além disso surgiu o Projeto Bahia Sul, em Eunápolis, no Extremo Sul da Bahia, em que o BNDES participa com
capital de risco, a qual mais tarde viria a ser uma das maiores produtora e exportadoras de celulose no Brasil (op.
cit. ARAÚJO, 2006, p. 20, 21).
147
A Fibria S.A. foi formada em 2009 a partir da compra da Aracruz Celulose pela Votorantim Papel e Celulose.
148
Em 2004 a Bahia Sul Papel e Celulose S.A. incorporou a Companhia Suzano Papel e Celulose S.A. que
passou a ser denominada Suzano Bahia Sul Papel e Celulose S.A.; em 2006 ocorre reestruturação societária e
implementação do novo modelo organizacional que alterou a denominação social da Companhia para Suzano
Papel e Celulose S.A.
234
235
Judiciário, nos amplos setores da sociedade civil organizada e nas interlocuções das empresas
ligadas ao setor florestal na Região do Extremo Sul da Bahia.
149
“Trata-se de um marco histórico para o extremo sul da Bahia e para o Brasil, pois a Veracel é uma das mais
modernas empresas do setor no mundo, utilizando o conceito de Produção Mais Limpa e diretrizes de
sustentabilidade em todas as suas operações, legitimadas por sua produção 100% certificada pelo Cerflor e FSC,
e, ainda assim, mantendo custos muito competitivos”, explica com orgulho Alípio, presidente da empresa. A
fábrica ainda é um modelo de parceria dentro do setor, com dois investidores que dividem a produção: a
brasileira Fibria e a sueco-finlandesa Stora Enso. “É gratificante ver os resultados concretos alcançados desde o
início das operações florestais, em 1991, pois temos uma empresa de primeira linha, geramos impacto positivo
na região e criamos ali parâmetros ambientais inovadores”, conta. Ele ressalta que levar indústrias para áreas de
baixo desenvolvimento socioeconômico ajuda a criar alternativas econômicas que promovam avanços sociais e
melhor distribuição de renda. “A Veracel pode destacar em sua experiência o seguinte aprendizado: não é
possível avançar significativamente sem que haja um plano articulado com todos os agentes sociais. A iniciativa
privada pode contribuir, mas não tem condições de assumir sozinha esta missão”, afirma. Para realmente fazer a
diferença, ele conta que é importante buscar o equilíbrio diante de interesses diversos e o alinhamento saudável
com a sociedade civil organizada e o poder público. “Cada um, cumprindo seu papel, já garante resultados
prodigiosos”, diz. Em relação à possível expansão da Veracel, Alípio confirma que os acionistas já anunciaram
total interesse em retomar os planos, mas o processo de licenciamento ambiental é um dos pontos que ainda
precisam ser trabalhados para sua concretização. “Mesmo com o anúncio por parte dos acionistas, no ano
passado, de adiar a expansão em função da crise financeira, a Veracel deu continuidade ao processo com o
Instituto do Meio Ambiente (IMA), iniciado em dezembro de 2007. É o órgão ambiental que conduz o
andamento dos trabalhos, atualmente na fase de análise do primeiro relatório”, conta. Para a Veracel II, os
investimentos feitos até agora se destinam a estudos, diagnósticos e projetos, já que tanto o plantio quanto as
obras só podem ser iniciados a partir dos licenciamentos ambientais. Para o executivo, o setor de celulose
brasileiro é um case de sucesso das políticas públicas nacionais. “O setor criou polos de desenvolvimento
regional em torno de sua cadeia produtiva e é responsável, paralelamente aos seus plantios comerciais, por um
dos maiores investimentos em recuperação de áreas de floresta nativa desde o descobrimento, fato do qual
podemos nos orgulhar”, conclui (entrevista a Antonio Sergio Alipio, presidente da Veracel Papel e Celulose S.A.
Fonte: Revista O Papel. Março de 2010, p 20).
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236
Não apenas no Extremo Sul da Bahia, mas de Norte a Sul do Brasil, vimos os conflitos
de interesses pela exploração da terra, sobretudo os conflitos históricos entre latifundiários e
pequenos proprietários. Em última instância, cabe ao Estado legislar e executar políticas
públicas que possibilite a coexistência de importantes forças produtivas, que se compreendem
como antagônicas.
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A título de exemplo, não deixa de ser pertinente para pensarmos a neutralidade da burocracia estatal na
justificativa da Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia quanto à autorização (que permanece em
vigor) para o “Zoneamento dos Distritos Florestais do Estado da Bahia”. A autorização é também uma defesa à
abertura para garantir investimentos e desenvolvimento das regiões a serem contempladas com os investimentos.
Léa Lameirinhas Malina ao analisar tal documento irá nos dizer que o estado argumenta usando a seguinte
justificativa: “que haveriam contrapartidas tão positivas que resultariam na introdução de novas tecnologias no
campo, na ampliação da renda da população, na promoção de economias externas e abertura de mercados que
levariam ao desenvolvimento destas regiões. E a criação dos polos ainda traria as seguintes vantagens:
possibilidade das modernas técnicas utilizadas nos plantios de árvores serem incorporadas por outras atividades
agropecuárias; fixação de mão de obra não qualificada no campo e sua valorização com regularização jurídica
das relações de trabalho; melhoria ou criação de infraestruturas regionais de transporte, necessária à circulação
da riqueza; e a criação de demanda de serviços como educação, saúde, habitação e alimentação, entre outros”
(MALINA, Léa Lameirinhas. A territorialização do monopólio no setor celulísticopapeleiro: a atuação da
Veracel Celulose no Extremo Sul da Bahia. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013).
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237
A região do Extremo Sul da Bahia foi marcada por ciclos produtivos que a identifica
como um espaço que teve uma experiência tardia de colonização: na segunda metade do
século XX a região foi “descoberta” como um território com potencialidades produtivas que
remetia a períodos coloniais (que, a partir do modelo de produção agropecuária extensiva
alcançou, ao longo de um século, modelo de produção agrícola intensiva).
Talvez seja esse o lado mais perverso da industrialização do campo: com modelo da
agricultura extensiva se exploram os recursos naturais até o limite, depois se muda para um
tipo de cultura que seja possível usar para além do limite determinado ambiente. Os discursos
legitimadores perpassaram pelos incentivos das políticas públicas, pela disponibilidade de
capitais para investimentos, pelo crescimento populacional nos centros urbanos e pela
modernização do campo como referência do progresso.
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Cabe ressaltar que a abordagem desta pesquisa não se funde em e nem confunde-se
com posicionamentos políticos contrários à modernização da produção no campo. Há
registros de experiências de modernização do setor agrícola que agregam/agregaram
desenvolvimento da economia local/regional e melhorias na qualidade de vida dos
trabalhadores rurais, inclusive garantindo a permanência de parte das famílias rurais no campo
(sendo a experiência mais bem sucedida o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar-PRONAF).
Não se trata de uma tentativa de imaginar uma experiência endêmica. “Como seria de
outro modo” não serve como referência para elaboração do pensamento crítico. Para pensar o
fenômeno local/regional da questão agrária/fundiária, esta pesquisa partiu de um fenômeno
concreto: desdobramentos socioambientais a partir da expansão do capitalismo no campo com
suas itinerâncias no Região do Extremo Sul da Bahia.
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A pretensão particular do texto é, sem abrir mão das convenções que legitimam um
texto científico, apresentar uma panorâmica da Região do Extremo Sul da Bahia de maneira
que o/a leitor/a que conhece a região possa, a partir do texto, ampliar as possibilidades de
abordagens nos seus múltiplos aspectos; já aqueles/aquelas que não conhecem a região, a
expectativa é que o texto contribua para se localizarem e sejam instigados/as a construírem, a
partir do caminho traçado por esta tese, possibilidades outras.
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