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[Neo]colonização:
Extremo Sul da Bahia em perspectiva.

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DEDICATÓRIA

Aos trabalhadores e trabalhadoras do campo do Extremo Sul da Bahia que participaram direta
e indiretamente desta pesquisa. Resistam.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo pulsar da vida.

A minha querida esposa Eliana Marques Santos e aos meus filhos, João Pedro Marques
Santos e Marcus Vinícius Marques Santos, pela paciência, compreensão e acolhimento nos
meus muitos momentos de desconforto.

Aos meus pais, Noilda Maria de Souza Santos e Alberto Ciro dos Santos, pela decisão de se
doarem para os oito filhos.

Aos meus irmãos, pela cumplicidade e impulsos que recebi. Sintam-se representados!

Ao meu orientador, prof. Dr. Claudio Alves Furtado, pelas imprescindíveis contribuições.
Você é incrível e inspirador. Sua amizade é mui preciosa. Gratidão.

A minha Coorientadora do doutorado e orientadora do mestrado, profa. Dra. América Lúcia


Silva Cesar, pela confiança desde o momento do meu ingresso no programa. Gratidão.

A Paula Odilon dos Santos, minha amiga forjada na empatia das dores desta jornada.

A Brenda dos Santos Silva, obrigado pela assessoria técnica. Fez toda diferença!

A profa. Me. Guilhermina Bessa, pelo carinho fraterno e pela torcida dispensada à minha
pessoa. Grato.

A Jakson Lacerda Santos (in memoriam) pelas inúmeras aulas e sugestões. Você é inspiração!

Ao prof. Dr. Giuseppe Federico Benedini, pela amizade e contribuições na minha formação
acadêmica.

A Universidade Federal da Bahia, pelas condições possíveis para meu doutoramento. A


CAPES, pela bolsa de estudo que muito contribuiu para a conclusão da pesquisa.

A todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para a elaboração desse texto.

Muito Obrigado!

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Territorialidade, o senhor Alberto Ciro (Betinho) e o pesquisador em um lugar


comum. ..................................................................................................................................... 35
Figura 2 - Extremo Sul da Bahia .............................................................................................. 53
Figura 3 - Linha da Estrada de Ferro Baía e Minas (EFBM) ................................................... 55
Figura 4 - Foto digitalizada da locomotiva da EFMB .............................................................. 56
Figura 5 - Estação da EFBM em Ponta da Areia ...................................................................... 56
Figura 6 - Abertura de Estrada Vicinal, atual BA 696. ............................................................ 66
Figura 7 - Indústria Elecunha (canto superior a esquerda) – Nova Viçosa-BA ....................... 71
Figura 8 - Localização da cidade de São Mateus-ES ............................................................... 72
Figura 9 - Remanescentes da Mata Atlântica no Extremo Sul da Bahia – Ano: 1945 ............. 73
Figura 10 - Remanescentes da Mata Atlântica no Extremo Sul da Bahia – Ano: 1960 ........... 75
Figura 11 - Remanescentes da Mata Atlântica no Extremo Sul da Bahia – Ano: 1990 ........... 76
Figura 12 - Municípios do Extremo Sul da Bahia .................................................................... 83
Figura 13 - Evolução dos plantios de ....................................................................................... 96
Figura 14- Evolução dos plantios de eucaliptos no Brasil (1990-2010)................................... 96
Figura 15 - Atual divisão do Estado da Bahia em territórios ................................................. 104
Figura 16 - Início da urbanização de Teixeira de Freitas. Ano: 1967 .................................... 115
Figura 17 - Área Central de Teixeira de Freitas. .................................................................... 116
Figura 18 - Área Central de Teixeira de Freitas. .................................................................... 116
Figura 19 - Teixeira de Freitas – Rodoviária - Av. Paulo Souto. ........................................... 118
Figura 20 - Teixeira de Freitas - Bairro São Lourenço........................................................... 118
Figura 21 - Mapa da expansão das empresas do setor ............................................................ 137
Figura 22- Integração floresta e Agricultura .......................................................................... 180
Figura 23 - Integração da Agricultura Familiar com a floresta .............................................. 180
Figura 24 - Markenting do setor agroflorestal que atua no Extremo Sul da Bahia e no seu
entorno .................................................................................................................................... 181
Figura 25 - Região do Extremo Sul da Bahia ......................................................................... 216

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados até 1938 ........... 78
Quadro 2- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados pós 1938 .......... 78

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Área total licenciada publicada em Diário Oficial do Estado .................................. 87


Tabela 2 - População Residente, Segundo As Grandes Regiões - 1950/2000 ......................... 94
Tabela 3 - Taxas de Distribuição Espacial da População de Municípios do Extremo Sul da
Bahia (Amostra 1) .................................................................................................................. 106
Tabela 4 - Taxas de Distribuição Espacial da População de Municípios do Extremo Sul da
Bahia (Amostra 2) .................................................................................................................. 106
Tabela 5 - Evolução Populacional do Município de Teixeira de Freitas ................................ 106
Tabela 6 - População total 1991, 2000 e 2010, Área Territorial e Taxa de Urbanização –
Municípios do Extremo Sul Baiano........................................................................................ 120
Tabela 7 – Diagnóstico: Comércio, Indústria e Serviços ....................................................... 123
Tabela 8 - Lavouras Permanentes........................................................................................... 124
Tabela 9 - Lavouras Temporárias ........................................................................................... 125
Tabela 10 - Extração de Vegetal e Silvicultura ...................................................................... 125
Tabela 11 - Distribuição percentual dos estabelecimentos e áreas de acordo com a categoria
dos agricultores na Região do Extremo Sul da Bahia, 1970-1995/1996. ............................... 157

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Taxa de Urbanização Brasileira (1940-2010) ........................................................ 64


Gráfico 2 - Crescimento Populacional no Brasil entre 1970 a 2010 ........................................ 93
Gráfico 3 - Crescimento Populacional na Região Sudeste entre 1970 a 2010 ......................... 95
Gráfico 4 - Crescimento Populacional na Região Nordeste entre 1970 a 2010. ...................... 95
Gráfico 5 - Crescimento Populacional detalhado no Brasil entre 1960 a 2010 ....................... 99
Gráfico 6 - Crescimento Populacional do Estado da Bahia entre 1970 a 2010 ...................... 102
Gráfico 7 - Divisão da população do Estado da Bahia em 2010 ............................................ 103
Gráfico 8, 9, 10 e 11 - Evolução da população nos Municípios de Alcobaça, Caravelas,
Mucuri e Teixeira de Freitas. .................................................................................................. 105
Gráfico 12 - População Rural e Urbana de Teixeira De Freitas em 2010. ............................. 107
Gráfico 13 - Projeção da População de Teixeira de Freitas ................................................... 122
Gráfico 14 - Evolução do Valor Bruto por Setores da Economia (2000-2010) – (em mil reais)
................................................................................................................................................ 126
Gráfico 15 - Participação relativa das Atividades Econômicas na composição dos PIB‟s do
Município de Teixeira de Freitas e Limítrofes (em mil reais). ............................................... 128
Gráfico 16 - Comparação entre o PIB produzido pelos municípios de Teixeira de Freitas e
limítrofes, em 2010 (em mil reais). ........................................................................................ 129
Gráfico 17 - PIB per capita dos Municípios de Teixeira de Freitas e Circunvizinhos – 2010
(em mil reais) .......................................................................................................................... 130
Gráfico 18 - Famílias vítimas de Violência do Campo, por Região no Brasil (1988/1998). . 145

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAF Associação Baiana das Empresas de Base Florestal

ACM Antônio Carlos Magalhães

ADH Atlas de Desenvolvimento Humano

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ANDHEP Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-graduação

ANPUH Associação Nacional de História

APROCEB Associação dos Produtores de Cacau do Extremo Sul da Bahia

BM Banco Mundial

BNB Banco do Nordeste do Brasil

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEAQ Conselho Estadual das Comunidades e Associações Quilombolas

CEAS Centro de Estudos e Ação Social

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina

CEPEDES Centro de Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul

CEPRAM Conselho Estadual de Proteção Ambiental

CERFLOR Certificação Florestal

CERIS Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais

CNA Confederação Nacional da Agricultura

CNUMAD Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

CONAQ Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais


Quilombolas

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CONOMA Conselho Nacional de Meio Ambiente

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CPDA Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola

CPT Comissão Pastoral da Terra

CRA Centro de Recurso Ambiental

CRB Confederação Rural Brasileira

CRFP Conselho Regional e Federal de Psicologia

DEM Partido Democratas

EFBM Linha da Estrada de Ferro Baía e Minas

EIB European Investment Bank

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EMBRATER Empresa Brasileira de Terras

ENANPUR Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em


Planejamento Urbano e Regional.

FCP Fundação Cultural Palmares

FETRAF Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado da Bahia

FFLCH Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

FIEB Federação das Indústrias da Bahia

FMI Fundo Monetário Internacional

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FSC Forest Stewardship Council

FUNAG Fundação Alexandre de Gusmão

FUNAI Fundação Nacional do Índio

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IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICT Indústria, Comércio e Tecnologia

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDS Índice de Desenvolvimento Social

IF-BA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano

IMA Instituto de Meio Ambiente

INCRA Ministério do Desenvolvimento Agrário Instituto Nacional de Colonização e


Reforma Agrária

INEMA Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos

INF Índice de Infraestrutura

INGÁ Instituto de Gestão das Águas e Clima

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPM Índice do Produto Municipal

IQM Índice de Qualificação de Mão de obra

ISS Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

LI Licença de Instalação

LO Licença de Operação

LP Licença Prévia

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC Ministério da Educação

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MP Ministério Público

MPF Ministério Público Federal

MST Movimento Sem Terra

NDIT Nova Divisão Internacional do Trabalho

NIB Nordik Investment Bank

OCIAA Office of the Coordinator of Inter-American Affairs

PAA Programa de Aquisição de Alimentos

PCB Partido Comunista Brasileiro

PFL Partido Federativo Liberal

PIB Produto Interno Bruto

PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNPC Programa Nacional de Papel e Celulose

PPA Programa de Aquisição de Alimentos

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PT Partido dos Trabalhadores

SEARA Sistema Estadual de Administração dos Recursos Ambientais

SEED Secretaria de Estado da Educação

SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais

SEMA Secretaria de Meio Ambiente

SEMARH Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos

SEPLAN Secretaria do Planejamento

SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SEPROMI Secretaria de Promoção da Igualdade Racial


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SISEMA Sistema Estadual de Meio Ambiente

SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente

SPU Secretaria de Patrimônio da União

SRH Superintendência de Recursos Hídricos

STF Superior Tribunal Federal

SUDENE Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste

TACs Termos de Ajustes e Condutas

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFG Universidade Federal de Goiás

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFPE Universidade Federal de Pernambuco

UFS Universidade Federal de Sergipe

UFSB Universidade Federal do Sul da Bahia

ULTAB União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas no Brasil

UNEB Universidade do Estado da Bahia

UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul

USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15

1.1 REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICA .................................................................. 15

II. NEOCOLONIZAÇÃO NO EXTREMO SUL DA BAHIA? ......................................... 33

2.1. FLUXOS E REFLUXOS CONTÍNUOS DE PESSOAS E MERCADORIAS ................ 33

2.2. A LÓGICA DO AGRONEGÓCIO NO EXTREMO SUL DA BAHIA ........................... 43

III. “NA ROTA DO PROGRESSO”: A LÓGICA DO DESENVOLVIMENTO


REGIONAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA .................................................................. 51

3.1 BREVE RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO EXTREMO SUL DA BAHIA (1820-


1960). ........................................................................................................................................ 51

3.2 INSERÇÃO ECONÔMICA DO EXTREMO SUL DA BAHIA (1970). .......................... 65

3.3 DESFLORESTAMENTO E LOGÍSTICA: PROTAGONISMO DA BR 101 NO


EXTREMO SUL DA BAHIA. ................................................................................................. 70

3.4 MONOCULTURA DO EUCALIPTO: AGRONEGÓCIO E “REFLORESTAMENTO”


NO EXTREMO SUL DA BAHIA ........................................................................................... 82

IV. O EXTREMO SUL DA BAHIA E AS IMPLICAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NO


PROCESSO DE AVANÇO DO AGRONEGÓCIO ............................................................ 91

4.1 CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E MOBILIDADE POPULACIONAL NO BRASIL


.................................................................................................................................................. 92

4.2 A DINÂMICA DA MOBILIDADE POPULACIONAL BRASILEIRA (1970-2010)...... 96

4.3. MOBILIDADE POPULACIONAL E A RELAÇÃO ENTRE CAMPO E CIDADE NO


EXTREMO SUL DA BAHIA. ............................................................................................... 101

4.4 TEIXEIRA DE FREITAS: UM POLO REGIONAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA.


................................................................................................................................................ 108

4.5 DIAGNÓSTICO ECONÔMICO E SOCIAL DE TEIXEIRAS DE FREITAS E DE


MUNICÍPIOS CIRCUNVIZINHOS. ..................................................................................... 122

V. “QUEM NASCEU AQUI FOI EU”: QUESTÃO FUNDIÁRIA E A


REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA NO EXTREMO SUL DA BAHIA ...................... 132

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5.1 MÚLTIPLAS EXPERIÊNCIAS NA PRODUÇÃO RURAL DO EXTREMO SUL DA


BAHIA.................................................................................................................................... 132

5.2 AGRICULTORES AUTÔNOMOS DE AGRICULTURA DIVERSIFICADA.............. 148

5.3 AGRICULTORES AUTÔNOMOS COM REPRESENTAÇÃO ÉTNICA ..................... 162

5.4 ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS, LUTAS POLÍTICAS E SUAS CONTRADIÇÕES 169

VI. MÚLTIPLAS INTERFACES NA PRODUÇÃO AGRÁRIA DO EXTREMO SUL


DA BAHIA ............................................................................................................................ 200

6.1 PRODUÇÃO AGRÁRIA NO BRASIL ........................................................................... 201

6.2 MÚLTIPLAS INTERFACES DA PRODUÇÃO RURAL NO EXTREMO SUL DA


BAHIA.................................................................................................................................... 211

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 237

VIII. BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 243

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I. INTRODUÇÃO

A expansão do modo de produção capitalista no campo no âmbito dos desdobramentos


das questões rurais no Extremo Sul da Bahia é o tema que se propõe tratar nesta tese. Dentre
as especificidades e desdobramentos possíveis, destacamos aqui a penetração do capitalismo
no campo, a par do processo de industrialização que se lhe associa a expansão do
agronegócio, a condição camponesa com suas múltiplas itinerâncias (incluindo sua relação
com a mobilidade populacional e o crescimento demográfico nas áreas urbanas) e a
emergência étnica no Extremo Sul da Bahia, com destaque para a ressemantização da
categoria quilombo pelas comunidades negras rurais.

A questão central desta pesquisa são as resistências dos trabalhadores e trabalhadoras


rurais no Extremo Sul da Bahia, com ênfase para a população constituinte das comunidades
negras que se autoidentificam como quilombolas, contra a produção rural hegemônica e a luta
pelo direito à terra. O estudo se processa a partir da contextualização histórica da região do
Extremo Sul da Bahia na geopolítica regional com suas interconexões com outras regiões dos
estados vizinhos, nomeadamente Minas Gerais e Espírito Santo, para atender a dinâmica de
expansão do modo de produção capitalista no campo como dinamizador da economia, da
política e das tensões socioambientais.

Considerando que as empresas produtoras de eucalipto e celulose investiram em


doações de campanhas eleitorais de vereadores, prefeitos e governadores (chegando, no caso
de eleições para prefeitos, a doar/financiar a campanha de até dois candidatos da mesma
cidade), mesmo quando a legislação eleitoral em vigor no Brasil proíbe o financiamento
privado por parte de pessoas jurídicas1, acredita-se que tais mudanças imponha maior
controle; mas, na prática, cria-se novas possibilidades para manter determinadas relações com
apoios indiretos.

1.1 REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICA

Assim, diante desse quadro complexo, tornou-se necessário nesta pesquisa a análise
visando abarcar o sentido das intenções do capital financeiro – que protagonizou altruísmo

1
Autoriza apenas financiamento público (fundo eleitoral e fundo partidário) e doações de pessoas físicas, estas
com um teto (Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017).
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com grupos políticos locais2 – sob a perspectiva de uma metodologia analítica compreensiva
(MINAYO, 2006). Em outras palavras, espera-se que as interpretações descrevam a
conjuntura política e permitam que o leitor avalie os episódios que delineiam relações que não
poderiam ser descritas sem evidenciar aspectos licenciosos e epicenos que lançam as bases
dos acordos e desdobramentos ilegítimos, como aqueles relacionados a decisões políticas a
favor da expansão de investimentos do agronegócio, com parcos incentivos fiscais do poder
público.

A tentativa de compreender a conjuntura microrregional a partir de um contexto macro


ou nacional, neste caso, ocorre com uso de uma metodologia capaz de dar conta das
exigências da comparação dos dados empíricos para garantir a razoabilidade dos pressupostos
e dos contornos da pesquisa. O procedimento exige que os fatos sejam evidenciados a partir
dos dados disponíveis em bibliografias e órgãos governamentais (com maior contribuição do
IBGE), para que seja possível comparar/relacionar a experiência histórica macro com a do
Extremo Sul da Bahia.

Nesse sentido, há uma referência diacrônica do(s) modelo(s) de produção rural


presente na História do Brasil como um todo, como também das microrregiões, em particular.
Para contrapor interpretações, verifica-se que o século XX foi um período de investimento de
grandes volumes de capitais no setor rural brasileiro; foi percebido também a continuidade da
exploração de matérias primas no Brasil, como se ocorresse um loop, talvez um processo
neocolonial ou uma colonização tardia. No Extremo Sul da Bahia esse ciclo de exploração
sistêmica teve início na década de 1940 e foi intensificado entre as décadas de 1970 e 2010
com as atividades de desflorestamento e reflorestamento na região (DEELEN, DONIDA,
1966).

Desvela-se um processo histórico com sobreposições de contextos ou temporalidades


cronológicas distintas ao longo de quase meio milênio da experiência agrária do Brasil
(GRAZILIANO SILVA, 1996; MARTINS, 1997). Trata-se, por conseguinte, de um conjunto
de experiências históricas que atravessa o período colonial com sua produção mercantilista, a

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Reiteramos que, embora essas doações tenham sido um procedimento legal, não significa, necessariamente, que
foi um procedimento legítimo, sobretudo quando consideramos os desdobramentos dessas relações. Os
candidatos favorecidos com as doações quase sempre ocuparam os cargos políticos que tem o dever de mediar os
interesses da sociedade como um todo, e do seu reduto eleitoral em particular. O que é passível de
questionamento é o fato de existir políticos na região do Extremo Sul da Bahia que representam os interesses do
agronegócio; e que esses mesmos políticos legislam e executam leis e baixam decretos que atendem aos
interesses das empresas do setor agroflorestal em nome do desenvolvimento regional, inclusive àqueles
interesses relacionados a licenciamentos ambientais, quando reivindicados junto aos órgãos competentes
presentes nos municípios da região.
16
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experiência de leve e gradual mudança do processo produtivo presente no final do século XIX
e início do século XX; como também as primeiras tentativas de modernização da produção
agrícola no início da segunda república, chegando até os desdobramentos da década de 1950 e
1960, com a disponibilidade de capitais e a presença do Estado interessado ou a serviço da
modernização da produção agrária agroexportadora.

Para isso, entendemos a necessidade, a priori, de explicitar as múltiplas interfaces da


produção rural – enquanto importante referência econômica, inclusive – da região do Extremo
Sul da Bahia; pretende-se fazer emergir nas análises a compreensão da dinâmica dos
antagonismos nas relações de produção presentes na região, bem como experiências
alternativas de enfretamento aos interesses divergentes presentes nas relações produtivas da
região.

Utilizamos categorias resultantes do fenômeno que pode ser nomeado como


“emergência étnica”, tomando a (re)apropriação política e identitária como principal
referência para a análise dessas contradições.

Quanto aos critérios metodológicos para a classificação das categorias utilizadas,


importa aqui considerar que as mesmas não são demasiadamente amplas, de modo que
garantimos “seu conteúdo homogêneo entre si”, bem como sua classificação objetiva de modo
suficiente pra não tornar passível sua codificação “de forma diferente a depender da
interpretação do analista” (CARLOMAGNO e ROCHA, 2016, p. 173).

Abordagem qualitativa com dados que compõe um recorte da realidade imediata que
fez emergir elementos que, a partir da mediação do sentido atribuído pelas vivências do
sujeito pesquisador, permitiu a análise descritiva do que constitui a cosmovisão dos sujeitos
interlocutores e suas subjetividades.

Nesta fase da pesquisa os entrevistados não serão identificados. Tal decisão é uma
medida preventiva, acordada com os participantes interlocutores do presente estudo, com o
intuito de evitar possíveis conflitos potencializados ou eclodidos pela dinâmica desta pesquisa
e/ou decorrentes de outra natureza.

Tais medidas preventivas se sustentam devido a relação das instituições públicas


(prefeituras, MPF, Judiciário, Polícia Militar, pra citar alguns exemplos) com as grandes
empresas do setor agroflorestal é, em regra, bastante amistosa. Identificar as falas dos
interlocutores é provocar uma exposição com desvantagem para atores sociais que precisam
manter diálogo com prefeitos e vereadores da região que são eleitos com doações dessas
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empresas; esses atores sociais também respondem processos administrados pelo MPF e pelo
poder judiciário federal que, de acordo com a perspectiva do pesquisador, adotam uma linha
conservadora e parcial em desfavor daqueles que “ameaçam” investimentos realizados no
setor agroflorestal (que nas últimas eleições para governo do estado, não por acaso, estiveram
como os maiores financiadores de campanhas eleitorais3).

A alternativa usada foi aplicação de pseudônimos aos entrevistados. Para garantir o


anonimato dos interlocutores por razões já explicitadas, os mesmos serão identificados como
“entrevistada” ou “entrevistado” seguidos de uma numeração crescente; os locais onde vivem
os/as participantes serão identificados como “comunidade”, seguidos com letras na ordem
alfabética, de acordo com os contextos das narrativas e análises.

Outra estratégia metodológica aplicada nesta pesquisa foi a omissão de trechos dos
depoimentos que possam possibilitar o reconhecimento das identidades dos entrevistados,
mesmo quando anonimizados; refiro-me aos dez interlocutores selecionados de quatro
comunidades negras rurais da região.

A seleção dos entrevistados se deu a partir das redes de relações do pesquisador com
portadores de informações e memórias, institucionalizadas ou não; participantes que
demonstraram confiança nos compromissos assumidos quanto à não identificação dos
entrevistados (isso para os casos que ocorrerão as omissões, como já disse); seja por interesse
pessoal ou institucional de apresentar versões dos fatos, ou por simples satisfação de
participação enquanto protagonista no e do seu lugar de fala. Os entrevistados deixam
explicitas suas compreensões quanto à importância e possibilidades de potencializar a
resiliência a partir do uso estratégico da divulgação dos resultados da pesquisa enquanto
ferramenta de luta por justiça no campo.

Outros dois critérios adotados foram: primeiro, a delimitação espacial do Extremo Sul
da Bahia sem descrever os micro-espaços para além da descrição dos dados gerais, como
nomes de municípios, quantidade de sindicatos e associações rurais, quantidade de associados
disponibilizados pelos órgãos oficiais, de entre outras informações; segundo, trata-se da
realização de entrevistas semiestruturadas com recorte específico às pessoas que

3
Têm sido comum, desde 2016, algumas ações das empresas – ligadas ao setor agroflorestal – nas cidades da
Região do Extremo Sul da Bahia que contribuem com os gestores públicos municipais, com maior ênfase, na
reforma e manutenção de prédios públicos. O que se nota é um total descontrole dos valores investidos nessas
reformas (já que é de total responsabilidade das “empresas parceiras” a execução das obras, bem como a
prestação interna das contas), possibilitando, inclusive, a criação de caixa dois através de superfaturamento das
obras.
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exercem/exerceram ou tem relação laboral direta com as atividades do campo. Isso permite
uma melhor compreensão da percepção dos sujeitos que estão dentro e perto do contexto
selecionado pela dinâmica da pesquisa. Esses critérios, acreditamos, serão suficientes para
manter a preservação da confidencialidade das identidades dos sujeitos que
participaram/contribuíram com a pesquisa.

O levantamento de dados com contatos ocasionais, priorizando os momentos das


relações da convivência cotidiana com os interlocutores, permitiram entrevistas em
profundidade com observação do vivido, possibilitando ao pesquisador a compreensão da
subjetividade como alguém “de perto e de dentro” de experiências recorrentes nas
comunidades negras rurais no Extremo Sul da Bahia; tanto as circulares lutas territoriais
quanto a consciência de pertencimento no contexto da territorialidade desses sujeitos
históricos e resistentes.

O pesquisador, portanto, assume a responsabilidade e o compromisso de atender os


princípios éticos aplicados à atividade científica, garantindo a não banalização das
interpretações, bem como a garantia dos direitos dos entrevistados referendados pelo Comitê
de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal da Bahia, mesmo quando
se trata de casos que configuram limitada participação dos entrevistados. Tais escolhas éticas
metodológicas se aplicam como “uma abordagem protocolar”, mesmo quando “restrita à
etapa de coleta de dados”, considerando que “mesmo neste tipo de atividade devem ser
levados em conta os princípios e o rigor inerentes a tais exigências” (PADILHA, 2005, p. 97).

A análise também aspirou compreender o lugar desses agricultores frente à demanda


de terras para atender à expansão do setor agroflorestal; se (re)produzem, convivem ou criam
alternativas ao modelo de produção capitalista hegemônico no campo; se estão enquadrados
ou podem ser enquadrados empírica e conceitualmente em um grupo controlado e
redirecionado para a/ou pela acumulação do capital ou ainda se representam uma forma de
produção autônoma e de enfrentamento à lógica e imposições do agronegócio no Extremo Sul
da Bahia. Ou ainda, se estas duas possibilidades se interconectam, como e que implicações
isso tem, seja para esses protagonistas seja para a sua relação com os demais atores
envolvidos.

Há, por parte desta pesquisa, a intenção de ser uma possibilidade para evidenciar as
vozes de atores sociais que representam tanto as comunidades negras rurais que
serviram/servem de mão de obra (camponeses proletarizados) no processo de

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desflorestamento mediante a exploração de madeiras nativas e as áreas devastadas que foram


transformadas, no primeiro momento, em pastos para criação de gado; e no segundo momento
essas áreas começaram a passar pelo processo de “reflorestamento” ou monocultura de
eucalipto na região. Também analisaremos as ponderações daqueles que testemunharam as
mudanças ocorridas a partir da década de 1970 e se consolidaram entre as décadas de 1990 e
2010, com a intensificação de atividades ligadas ao agronegócio na região do Extremo Sul da
Bahia4.

As questões em torno dos conflitos agrários ofereceram subsídios para a análise que
abordou o processo da intensa disputa pela terra ocasionada pelos interesses divergentes do
setor do agronegócio e dos trabalhadores rurais; tal disputa resultou em cooptações de parte
das terras dos pequenos agricultores para atender a expansão do agronegócio. Ainda, para
aprofundar a análise sobre a questão fundiária, recorremos às contribuições das múltiplas
experiências no interior da produção agrícola familiar na região em questão.

Assim, as análises apontaram para este processo de intensificação da industrialização


da produção no campo, enquanto representação da lógica da economia capitalista, como a
principal responsável pela provocação de articulações dos pequenos agricultores para
garantirem a permanência no campo. Uma das alternativas de resistência para permanência
desses pequenos agricultores no campo foi a reapropriação identitária do conceito de
quilombo por parte das comunidades negras rurais.

Para que a análise pudesse dar conta da compreensão do que tem sido a
ressemantização do conceito de quilombo na região do Extremo Sul da Bahia, buscou-se
qualificar o “lugar social” das comunidades negras rurais enquanto grupo inserido na cadeia
produtiva que se consolidou na região entre as décadas de 1990 e 2010. Tal recorte temporal
permite a contextualização das análises a partir das experiências de produção agrícola no
Extremo Sul da Bahia, considerando que “os conceitos possuem atributos de caráter

4
Aceitam-se, claro, os limites sustentados por Spivak quando questiona se podem os subalternos falar. Busca-se,
na construção de uma relação de horizontalidade, fazer emergir as falas, as visões de mundo e os
posicionamentos dos autores, evitando, tanto quanto possível, os limites de tradução das falas por parte do
pesquisador. Trata-se de “incessante movimento de intermediação entre o sujeito, a obra e o leitor tornar-se,
pois, um processo de escrita marcado pela contradição e pela ambivalência e, por isso mesmo, a autora qualifica
tal exercício como um árduo trabalho científico. A tarefa do intelectual pós-colonial deve ser criar espaços por
meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele ou ela o faça, possa ser ouvido (a). Para ela
não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar “contra” a subalternidade, criando espaços nos quais o
subalterno possa articulas e, como consequência, possa também ser ouvido” (SPIVK, G. Pode o subalterno falar?
Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2010, p.8).
20
21

dinâmico, mutáveis na dimensão temporal e contextual, sendo sua evolução influenciada pelo
uso e aplicação” (MACÊDO-COSTA, 2011, p. 151).

A respeito do lugar das vozes dos atores sociais e da intencionalidade da pesquisa,


assume-se a perspectiva historiográfica que evidencia o lugar de fala dos “vencidos” e
“marginalizados” (HOBSBAWM, 1978; 1981; THOMPSON, 1987) com diálogos que
fomentam e/ou indicam “resistência teórica e prática, política e epistemológica, à lógica da
modernidade/colonialidade” em argumentos que possibilitem um “giro decolonial 5” aplicado
nas análises das relações de produção na região (BALLESTRIN, 2013, P. 105).

Nesse sentido, os espaços de poder na pesquisa impõem hierarquias [in]visíveis


capazes de dificultar o discernimento do pesquisador quanto aos lugares ocupados pelos
demais atores sociais. Isso incide na presunção da “consciência universal” ou ponto zero 6 no
processo de construção e sistematização do pensamento a respeito de determinado “objeto” de
pesquisa, isso quando o colonizado não é o próprio objeto (CASTRO-GOMEZ 2003). Ainda
nesta perspectiva, Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016, p. 19) nos provocam quando
discutem “o lugar epistêmico e o lugar social”:

O fato de alguém se situar socialmente no lado oprimido das relações de


poder não significa automaticamente que pense epistemicamente a partir do
lugar epistêmico subalterno. Justamente, o êxito do sistema-mundo
moderno/colonial reside em levar os sujeitos socialmente situados no lado
oprimido da diferença colonial a pensarem epistemicamente como aqueles
que se encontram em posições dominantes. Em outras palavras, o que é
decisivo para se pensar a partir da perspectiva subalterna é o compromisso
ético-político em elaborar um conhecimento contra-hegemônico.

5
“„Giro decolonial” é um termo cunhado originalmente por Nelson Maldonado-Torres em 2005 que pode ser
interpretado como movimento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, a lógica da
modernidade/colonialidade. A decolonialidade aparece, portanto, como o terceiro elemento da
modernidade/colonialidade” (BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Brasília, Revista
Brasileira de Ciência Política, nº11, maio - agosto de 2013, p. 105).
6
„“O „ponto zero‟ é o ponto de vista que se esconde e, escondendo-se, se coloca para lá de qualquer ponto de
vista, ou seja, é o ponto de vista que se representa como não tendo um ponto de vista. É esta visão através do
olhar de deus que esconde sempre a sua perspectiva local e concreta sob um universalismo abstracto (sic). A
filosofia ocidental privilegia a „egopolítica do conhecimento‟ em desfavor da “geopolítica do conhecimento” e
da „corpo-política do conhecimento‟. Em termos históricos, isto permitiu ao homem ocidental (esta referência ao
sexo masculino é usada intencionalmente) representar o seu conhecimento como o único capaz de alcançar uma
consciência universal, bem como dispensar o conhecimento não-ocidental por ser particularístico (sic) e,
portanto, incapaz de alcançar a universalidade. Esta estratégia epistémica tem sido crucial para os desenhos – ou
desígnios – globais do Ocidente. Ao esconder o lugar do sujeito da enunciação, a dominação e a expansão
coloniais europeias/euro-americanas conseguiram construir por todo o globo uma hierarquia de conhecimento
superior e inferior e, consequentemente, de povos superiores e inferiores” (GROSFOGUEL, Ramón. Para
descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de
fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, Março 2008, p.120).
21
22

Utilizar, portanto, a epistemologia hegemônica na tentativa de, e a partir dela,


“reconstruir uma hermenêutica própria das práxis rebeldes, que examinaria as relações dos
subalternos com as elites”, como sugere Santana Barbosa (2009), é um desafio que, para além
do desejo do pesquisador, exige tempo de maturação para que de fato venha a contribuir com
possíveis diversidades de caminhos para a construção/interpretação do conhecimento 7. Nesta
direção, a proposta de postura “indisciplinada” defendida por Mignolo (2017, p. 6), que, como
se inspirado estivesse por uma epifania, sintetiza o esforço exigido para se navegar em
crenças do conhecimento de maneira provocadora, afirmando que, assim como na anunciação
da epistemologia ocidental e como ação contra-hegemônica:

(...) o pensamento e a ação descoloniais focam na enunciação, se engajando


na desobediência epistêmica e se desvinculando da matriz colonial para
possibilitar opções descoloniais – uma visão da vida e da sociedade que
requer sujeitos descoloniais, conhecimentos descoloniais e instituições
descoloniais. O pensamento descolonial e as opções descoloniais (isto é,
pensar descolonialmente) são nada menos que um inexorável esforço
analítico para entender, com o intuito de superar, a lógica da colonialidade
por trás da retórica da modernidade, a estrutura de administração e controle
surgida a partir da transformação da economia do Atlântico e o salto de
conhecimento ocorrido tanto na história interna da Europa como entre a
Europa e as suas colônias.

Influenciado pelo pós-estruturalismo e por tantas outras correntes epistemológicas, o


pensamento decolonial apresenta-se em um lugar onde as cores das perspectivas
epistemológicas encontram-se e traduzem-se em novas nuanças, em rupturas e continuidades
dos entretons naquilo que foi interpretado pelo “pensamento de fronteira” ou como “uma
resposta transmoderna decolonial do subalterno perante a modernidade eurocêntrica”
(GROSFOGUEL, 2008, p. 138).

Quando analisamos as múltiplas experiências que possibilitaram qualificá-las na


condição de agricultores autônomos no âmbito da agricultura familiar, considera-se que tal
categoria, com suas estruturas objetivas e subjetivas, foi selecionada a partir de critérios de
classificação que levaram em conta a percepção dos próprios sujeitos da pesquisa e a

7
“As perspectivas epistémicas subalternas são uma forma de conhecimento que, vindo de baixo, origina uma
perspectiva crítica do conhecimento hegemónico nas relações de poder envolvidas. Não estou a reivindicar um
populismo epistémico em que o conhecimento produzido a partir de baixo seja automaticamente um conheci-
mento epistémico subalterno. O que defendo é o seguinte: todo o conhecimento se situa, epistemicamente, ou no
lado dominante, ou no lado subalterno das relações de poder, e isto tem a ver com a geopolítica e a corpo-
política do conhecimento. A neutralidade e a objectividade (sic) desinserida e não-situada da geopolítica do
conhecimento é um mito ocidental”. (GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia
política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista
Crítica de Ciências Sociais, 80, Março 2008, p.46).
22
23

interpretação do pesquisador em busca de explicitar o “não-dito” (BARDIN, 1977;


CARLOMAGNO, ROCHA, 2016; GUIMARÃES, 2003).

O uso da intuição, da criatividade e da imaginação – quando presentes nesta pesquisa


– foi resultado de imersão nas percepções, vidas e vivências dos e com os sujeitos da
pesquisa, daqueles que também são arautos de suas próprias mensagens que fazem emergir
uma hermenêutica capaz de provocar “desocultação” do “escondido”, do “latente”, do “não-
aparente” presentes nas categorias empíricas (BARDIN, 1977; MILSS, 2000).

As vivências do pesquisador, neste caso, possivelmente, contribuíram para mediar


aquelas subjetividades que não são decodificadas apenas com uso de técnicas, aparentemente
objetivas e anódinas; mesmo quando ocorre intensa imersão do pesquisador no ambiente da
pesquisa, há aquelas mensagens que, não raras vezes, deixam impressões que são facilmente
reconhecidas por um “agente duplo” da pesquisa (BARDIN, 1977).

A análise da ressignificação das identidades étnicas e participação política através do


reconhecimento dos camponeses históricos (como as comunidades negras rurais) serão
realizadas a partir de suas narrativas e experiências individuais e coletivas, com o objetivo de
compreender o significado do fenômeno das etnogêneses nos contextos analisados
(MINAYO, 2006).

Temos então, de um lado, “velhos” atores sociais que buscam superar a invisibilidade
– como as comunidades negras rurais – com o fortalecimento político, se apresentando com
“novas” identidades étnicas – como as comunidades remanescentes de quilombo – que se
apropriam de direitos na medida em que alcançam espaços de visibilidade; do outro lado, os
interesses do capital e suas articulações com o poder público e suas instituições. Em outras
palavras, espaços se organizam/reorganizam onde ocorrem emergências étnicas – enquanto
(re)construção de um passado mítico ou ressignificação e (re)apropriação política e identitária
de determinados atores sociais – de grupos que buscam meios alternativos de resistência à
expansão do agronegócio representando, em maior parte, pelo setor agroflorestal 8.

Assim, a conjuntura da região do Extremo Sul da Bahia que concorre e se sobrepõe à


realidade da expansão do capital no campo em interface com a permanência dos
camponeses/agricultores (proletarizados ou não) em seus espaços históricos, são as principais

8
Retornaremos a essa discussão com recorte específico das comunidades negras rurais para abordar e aprofundar
o tema da emergência étnica.
23
24

referências para a problematização das relações sociais no campo, que também são as
questões mais específicas do recorte desta pesquisa.

Dentre muitas possibilidades de abordagens, bem como para atender a pré-requisitos


para realização da pesquisa, foi necessária uma delimitação do escopo do trabalho capaz de
permitir a conclusão (necessária) de determinadas etapas. Para isso traçamos como objetivo
discutir a economia do Extremo Sul da Bahia e o processo de penetração e expansão da
agricultura intensiva a partir das dimensões global, nacional e local entre as décadas de 1970-
2010; a contextualização do município de Teixeira de Freitas na dinâmica do êxodo rural no
Extremo Sul da Bahia; elucidar a expansão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra ou Movimento Sem Terra (MST) que tem como ponto de partida as regiões sul/sudeste
e penetrou na região nordeste via Extremo Sul da Bahia na década de 1970, perfazendo um
itinerário semelhante ao da expansão do capitalismo no campo; apresentação da emergência
étnica no contexto das lutas por preservação identitária, econômica e cócio-cultural, sua
ressignificação e (re)apropriação política e identitária nas e pelas comunidades negras rurais
do Extremo Sul da Bahia na condição de remanescentes de quilombo e as implicações do uso
da categoria quilombola enquanto categoria política.

A trajetória histórica da região do Extremo Sul da Bahia, imposta pelo avanço da


agricultura extensiva e a consolidação do agronegócio com a expansão da agricultura
intensiva, sobretudo no período que cobre as décadas de 1970 a 2010, nos forneceu elementos
para elencar as seguintes hipóteses:

1. O Extremo Sul da Bahia está inserido em um processo histórico de expansão do modo


de produção capitalista no campo, que tem nas regiões sul e sudeste os pontos de
partida desta expansão, e, também, de ancoragem no contexto nacional que, por sua
vez, está inserido em um contexto global de expansão dos investimentos de capital no
campo;

2. Na década de 1980, o munícipio de Teixeira de Freitas, localizado no Extremo Sul da


Bahia, passou a atuar como força centrípeta da economia na região devido ao
deslocamento ou ampliação de investimentos de capitais: investimentos esses que
transformaram um pequeno povoado no mais importante centro comercial de
distribuição da produção desta região do Estado da Bahia;

3. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou Movimento Sem Terra (MST)
teve, neste espaço e território, como demarcador espacial para avanço do movimento a
24
25

expansão do agronegócio e seus desdobramentos dos investimentos de capital na


região do Extremo Sul da Bahia;

4. O processo de expansão da agricultura extensiva e expansiva também representou um


período marcado por intensos conflitos entre os interesses do capital e os grupos que
historicamente ocupavam esses espaços, como indígenas e camponeses (que são
representados, nesta pesquisa, pelas comunidades negras rurais): esses grupos viram, a
partir do contexto da promulgação da Constituição de 1988, no reconhecimento e
identidade étnica, uma possibilidade de resistência na luta por direitos à terra.

5. O desenvolvimento do subdesenvolvimento (salto de etapas) não passa de um intenso


processo de neocolonização através de interposição de relações de produção desiguais
sob a égide do capital internacional presente no Extremo Sul da Bahia no processo de
expansão do agronegócio com suas implicações econômicas e sociais específicas.

Considerando a presença histórica do modo de produção camponesa na região do


Extremo Sul da Bahia, bem como a consolidação da penetração do capitalismo no campo
desta região entre 1970 e 2010 (penetração esta que evidenciou oposição de modos e estágios
de produção distintos), seguimos a pressuposição de que, como bem contextualizou Michel
Löwy que analisou o espaço da Rússia no início do século XX, “estes diferentes estágios não
estão simplesmente um ao lado do outro, numa espécie de coexistência congelada, mas se
articulam, se combinam, „se amalgamam‟” (LÖWY, 1995, p.75).

Ainda nessa linha reflexiva sobre as relações complexas da produção no campo,


chamamos a atenção para grupos de atores sociais que, mediante a existência de conflitos e
disputas, ocupam posições subalternas ao capital, mas pugnam por criar alternativas de
resistências ao sistema de produção hegemônico e não se enquadram conceitualmente em um
grupo controlado e redirecionado para a acumulação do capital.

Tal concepção nos permitirá compreender a distinção dos tempos históricos que se
cruzam nas representações do camponês voltado para a agricultura de subsistência,
notadamente as comunidades negras rurais; do pequeno agricultor que se insere em um
contexto de produção capitalizada que atende, principalmente, o mercado interno; do grande
proprietário que atua como mediador da ordem política e econômica. Todos “estão juntos na
complexidade de um tempo histórico composto pela mediação do capital, que junta sem
destruir inteiramente essa diversidade de situações”, como aponta Martins (1997, p.159).

25
26

O Extremo Sul da Bahia apresenta uma intensa rede de agentes que atuam na cadeia
produtiva do espaço rural que, embora por vezes pareçam se contrapor, garantem os interesses
da macroeconomia. Trata-se de uma produção sistematizada a partir de polos produtivos que
atuam na implementação de logísticas, na manutenção e expansão da infraestrutura que atende
a produção rural; além de catalisar novos agentes para o setor agrícola. Desse modo, esses
centros urbanos oferecem importantes contribuições para o processo de expansão da produção
no campo.

Para tanto, na tentativa de compreender a dinâmica da produção rural no Extremo Sul


da Bahia, partimos da análise empírica situada em Teixeira de Freitas e outras cidades
circunvizinhas, com base na revisão de literatura, coleta e sistematização de dados estatísticos
que servirão como material para interpretações de caráter qualitativo. As fontes serão os
centros de dados e de estatísticas, (IBGE, IPEA, SEI-BA), literatura especializada,
depoimentos, fotografias, consulta a sites especializados, dentre outros, que nos possibilitarão
verificar o histórico da expansão da agricultura extensiva e intensiva e os impactos
socioambientais na região do Extremo Sul da Bahia.

A descrição etnográfica a partir dos registros constantes no diário de campo, os


relatórios descritivos a partir das experiências de campo, percepções individuais e coletivas
tanto de membros de comunidades negras rurais, pequenos agricultores autônomos ou
associados (sindicalizados), militantes do MST e representantes das empresas de celulose
foram escutados de acordo com os limites estabelecidos tanto pela decisão dos próprios
sujeitos quanto pela ética da pesquisa, a um só tempo, na descrição e na análise da realidade
socioeconômica, especialmente delineada e delimitada, enquanto objeto da presente tese.

Este estudo também contempla as análises de emergências étnicas através do


autorreconhecimento de comunidades negras rurais que recorreram à estratégia discursiva de
ressemantização do conceito de quilombo; tais análises serão realizadas a partir dos registros
das narrativas e experiências pessoais e coletivas com o objetivo de compreender o
significado do fenômeno que envolve esses camponeses históricos, considerando suas
interpretações e reinterpretações de si mesmos.

Consideramos ainda importante justificar a ausência de outras análises possíveis de


experiências de produção agrícolas que, embora tenha sido de larga escala, não devem ser
comparadas com os impactos da expansão do agronegócio na região do Extremo Sul da
Bahia. Para exemplificar, cito as experiências das colônias japonesas que foram instaladas

26
27

entre as décadas de 1950 e 1970 na região que, embora representem formas modernas de
produção, não se configuraram como uma ação econômica que tenha causado desequilíbrios
socioambientais9. Nesse sentido, esta tese pretende apresentar o contexto da experiência do
agronegócio e seus desdobramentos sem a mediação de atores sociais com suas instituições
que suavizam as análises dos impactos desse modelo de produção no campo.

Quando se dispõe/impõe, como único meio de comunicação, aqueles “informativos”


das empresas produtoras/beneficiadoras da monocultura de eucalipto (que, no julgamento das
mesmas, são suficientes para se ter acesso às “informações necessárias”), o que temos é uma
relação de forças assimétricas – muito distante do que chamamos de diálogo – que garantem
decisões que não “permitem” interlocuções que possibilitem análises científicas/acadêmicas.

Os depoimentos dos participantes foram as principais fontes para as análises, sendo


que foram também importantes artefatos para coletas de dados. Para isso, consistiram em
entrevistas não diretivas ou semiestruturadas, dependendo do contexto, “a fim de se
construírem dados que deem conta das formulações teóricas” (MINAYO, 2006, p, 97). Além
disso, também se consideraram os recursos metodológicos orientados pelo levantamento de
bibliografia especializada e outras fontes complementares, como jornais, revistas, trabalhos
publicados em anais de congresso, artigos, dissertações e teses.

A pesquisa se mostrou promissora e impôs indagações que fomentaram reflexões que


se nos afiguraram como pertinentes, nomeadamente a respeito dos múltiplos lugares sociais
que se encontram nas relações de produção no campo que, por vezes, não se reconhecem
como parte de um todo. A lógica da produção no campo em franca expansão no Extremo Sul
da Bahia, com suas complexidades próprias, apresenta desdobramentos resultantes da
presença de investimentos de capital no agronegócio, com ênfase no setor agroflorestal.

A despeito das efervescentes possibilidades de pesquisa no recorte espacial desta tese


que, no campo investigativo que aborda a expansão do agronegócio e seus desdobramentos,
apresenta elementos históricos que permitem levantamento de hipóteses, mas, ainda assim,
são muitos os desafios que inviabilizam determinadas abordagens devidas, entre outras
circunstâncias, à ausência de registros por meio de/nos arquivos públicos; a dificuldade de
acesso às memórias seja por destino ignorado dos portadores dessas memórias ou pelos
falecimentos; poucos registros realizados pelos meios de comunicação com suas impressões e

9
Outros impactos, sobretudo econômico e político, serão analisados ao longo da tese.
27
28

interpretações de determinado contexto que permitam cruzamento com as narrativas orais


com suas impressões e reinterpretações.

As dificuldades para a realização da pesquisa foram muitas. As maiores se


concentraram, como já pontuado, na ausência de arquivos disponíveis para levantamento e
organização de dados; muitas fontes fazem parte de acervos privados com restrições de
acesso, ou estão nos arquivos das prefeituras que, na maioria das vezes, não facilitam os
acessos a esses documentos por razões desconhecidas. Embora as fontes orais sejam e estejam
disponíveis (tanto pela quantidade quanto pelo prazer de contribuir com informações), devido
à ausência ou dificuldade de acesso a outras fontes primárias, essas fontes orais acabam, em
grande parte, não oferecendo condições analíticas para além da descrição pessoal de
determinada experiência, considerando embora o valor das tradições orais como fonte de
pesquisa científica, como demonstrado sobejamente por especialistas desta área como A.
Ampatê Ba e Jan Vansina (VANSINA, 2010).

Ainda assim, e talvez por isso, os desafios impostos pela pesquisa e a espera (às vezes
desestimulante) pela maturação de determinados dados, o trato com as fontes, a intuição nos
questionamentos, a tentativa de objetividade (fazer-se entender) e o exercício constante em
busca de coerência na análise dos dados tem sido, contudo, uma experiência prazerosa.

Há de se considerar, necessariamente, o exercício de distanciamento para experimentar


percepções diferentes daqueles que estão perto e dentro do ambiente pesquisado. Existe, por
certo, nesse caso, uma relação direta do tema tratado e a biografia do pesquisador. As
memórias da vida comunitária na comunidade negra rural onde nasci, a formação humana em
um ambiente rural e camponês, a percepção da condição enquanto sujeito negro e descendente
dos remanescentes de quilombo, a participação na formação da Associação Quilombola Porto
do Campo e da Associação das Comunidades Quilombolas do Território do Extremo Sul da
Bahia; tal trajetória permite e provoca nesse pesquisador a exigência de uma percepção e
análise reflexiva – mesmo que carregadas de muitas cumplicidades – dos pontos de vistas
apresentados pelos atores sociais participantes da pesquisa.

A pesquisa me permitiu conhecer melhor a região do Extremo Sul da Bahia. A


experiência do “cavucar” me possibilita, agora, pensar a região a partir, inclusive, das minhas
reminiscências. Ao fim e ao cabo, percebo então, como em uma escrevivência (para sentir o
pulsar do pulso de Conceição Evaristo), que aqueles caminhões carregados de madeiras que
passavam pelas ruas de barro do pequeno município de Alcobaça na década de 1980 (e que eu

28
29

acompanhado de outros “traquinos” nos arriscávamos pendurados em suas carrocerias, assim


que saiam da “serraria de Dái”) estavam inseridos em um contexto de exploração dos últimos
redutos preservados da Mata Atlântica na região.

Antes disso, ouvir por vezes do senhor Alberto Ciro dos Santos10 a respeito da
derrubada de madeira nativa para abertura de pastos para criação de gado nas décadas de 1960
e 1970: “quando eu era moço a madeira chegava boiando pelo rio, que vinha lá de cima.
Depois que fizeram a ponte começou a tirar de caminhão”.

FIGURA 1 Territorialidade, o senhor Alberto Ciro (Betinho) e o


pesquisador em um lugar comum.

Durante a entrevista tive a oportunidade de compreender o lugar de fala do


entrevistado: momento de “agente duplo” do pesquisador enquanto descendente e portador de
reminiscências, de imagens de um passado conservado na memória do entrevistado; memórias
essas que tornam-se personificadas por meio de tessituras, tecituras e territorialidades; na
identidade e cumplicidade do lugar comum.

O senhor Alberto representa remanescente que permaneceu no campo diante da


sensível questão rural no Extremo Sul da Bahia entre as décadas de 1970 e 2010. Na década
de 1990 muitos dos pequenos agricultores já residiam na cidade e retornavam para o campo
na condição de diaristas: foram os boias-frias com quem convivi e que, a maioria deles,
quando se tornaram totalmente desnecessários, morreram de cirrose ou estão à margem, sem o
exercício básico da cidadania, portanto, sem a mínima dignidade. Tanto eles próprios quanto
os seus descendentes.

10
Entrevista cedida em 03 de março de 2016.
29
30

Esses trabalhadores e trabalhadoras rurais dispensados/as são/foram resultados da


expansão do agronegócio representado pelo aumento da produção do eucalipto na região do
Extremo Sul da Bahia, que se caracteriza pela formação de latifúndios, pela monocultura e
pela modernização do processo produtivo. O conjunto desses elementos impõe uma
proletarização/pauperização dos trabalhadores rurais, tornando-os, a curto e médio prazo,
dispensáveis das atividades do agronegócio por não serem úteis nem como mão de obra
barata. Minhas memórias, somente agora, compreendem melhor esse processo que
proletarizou pequenos agricultores e os lançou na condição de lúmpen. Nesse sentido, esta
tese representa para este pesquisador, como em um paradoxo, a sensação de liberdade e, por
extensão, a agonia com dores que nos sugestiona crises existenciais intermináveis; daquelas
que, com ingenuidade, desejamos o alívio.

Enfim, apresento a estruturação do presente texto com uma introdução que visa
delinear a problemática da tese com seus objetivos, a questão fundamental da pesquisa, as
hipóteses, o recorte espacial e temporal, os métodos e as fontes. Optamos por realizar na
introdução a justificativa da pertinência teórica e empírica, de modo a delinear a panorâmica
do que me proponho a desenvolver ao longo da tese.

O primeiro capítulo desta pesquisa sob o título “Neocolonização do Extremo Sul da


Bahia?” abordará o contexto econômico da região do Extremo Sul da Bahia frente ao avanço
da produção capitalista no campo com o aparato de inovação mediada pelo modelo moderno-
colonial que visa naturalizar a economia global e hegemônica.

No segundo capítulo, “„Na rota do progresso‟: a lógica do desenvolvimento regional


no Extremo Sul da Bahia” foi realizada uma apresentação panorâmica do Extremo Sul da
Bahia e suas relações com outros limites administrativos, em especial com Minas Gerais e o
Espírito Santo, no intento de justificar o recorte espacial e temporal desta tese. Para isto
realizamos um retorno ao primeiro quartel do século XIX para apresentar com maior ênfase
os impactos do processo histórico na transformação do espaço nos seus aspectos econômicos,
sociais e ambientais.

No terceiro capítulo, “Extremo Sul da Bahia e as implicações socioambientais no


processo de avanço do agronegócio” foram realizadas análises de dados do crescimento
demográfico e mobilidade populacional nas áreas urbanas e rurais do Extremo Sul da Bahia,
perfazendo o quadro da realidade nacional, da região sudeste e nordeste, do Estado da Bahia,
para contextualizar a abordagem da região do Extremo Sul da Bahia. O recorte para análise

30
31

abrangeu os anos de 1970 a 2010 quando será contemplada a apreciação do êxodo rural no
contexto nacional; e com referência ao recorte espacial da região Nordeste foram analisados
os dados demográficos do estado da Bahia e do território que compõe o extremo sul do
estado, com ênfase no município de Teixeira de Freitas e o modo que se operou a absorção de
mão de obra concentrada no espaço urbano.

No quarto capítulo foram realizadas análises das múltiplas experiências no interior da


produção agrícola familiar voltada para produção agrícola em terras dos próprios agricultores
ou em terras alugadas; agricultores autônomos ou representados pelas associações com
reinvindicações étnicas e identitárias na Região do Extremo Sul da Bahia. Tomamos como
referência a participação, nas décadas de 1990 e 2010, das comunidades negras rurais que
atuaram/atuam como uma das principais representações de resistência à expansão do
agronegócio na região do Extremo Sul da Bahia.

A análise consistiu em compreender a perspectiva dos agricultores quanto ao uso da


terra frente às atividades do setor agroflorestal. Nesse sentido, as vozes de representantes de
comunidades negras rurais contribuíram para abarcar aspectos percebidos por grupos que
ocupam o lugar dos “vencidos” e “marginalizados” (HOBSBAWM, 1978; 1981;
THOMPSON, 1987), mas que recorrem à consciência de pertencimento e de identidade para
demarcação de espaços e fortalecimentos de suas territorialidades.

A análise da ressignificação das identidades étnicas e participação política através do


reconhecimento dos camponeses históricos (como as comunidades negras rurais) serão
realizadas a partir das reflexões teóricas de Agier (2001), Arruti (1997) e Bartolomé (2006)
que tratam da etnogêneses ou reconstruções, ressignificações e reapropriações de etnicidades
adormecidas. Igualmente foram evidenciadas as narrativas e experiências pessoais e coletivas
de sujeitos que contribuíram para compreensão do fenômeno da etnogênese nos contextos
analisados (MINAYO, 2006).

Assim, a análise pretendeu compreender o lugar desses atores sociais frente à demanda
por terras para expansão das plantações de eucalipto; se criam alternativas de resistências ao
modelo de produção capitalista no campo; se, do ponto de vista analítico, são passiveis de ser
enquadrados conceitualmente em um grupo controlado e redirecionado para a acumulação do
capital ou se representam um modo de produção autônomo e de enfrentamento às regras e
imposições do capital no campo.

31
32

No quinto capítulo foi realizada a abordagem sobre as múltiplas experiências na cadeia


produtiva rural no Extremo Sul da Bahia a partir de breve revisão de literatura sobre a
experiência histórica da produção agrária no Brasil. A abordagem visou localizar o lugar dos
trabalhadores pobres do campo na historiografia e nas ciências sociais brasileiras. Também foi
realizada uma discussão sobre o processo de modernização da produção no campo visando
compreender as principais causas dos conflitos e disputas entre os grupos envolvidos na
produção rural na Região do Extremo Sul.

O exame do processo de intensificação das disputas fundiárias a partir da expansão do


agronegócio foi realizado sob a ótica do fenômeno do êxodo rural nas décadas de 1980 e 1990
na região em questão. Analisamos a relação direta com a densidade demográfica dos espaços
urbanos da região, utilizando como referência o município de Teixeira de Freitas que
experimentou um crescimento desordenado devido ao intenso êxodo rural na região somado à
mobilidade populacional de redutos próximos às divisas da Bahia com os estados do Espírito
Santo e de Minas Gerais.

32
33

II. NEOCOLONIZAÇÃO NO EXTREMO SUL DA BAHIA?

Neste capítulo será apresentado aspectos econômicos, políticos e socioambientais do


lugar da pesquisa. Um quadro que permite compreender a construção histórica da região e
possibilita maior aprofundamento da análise que discute a colonização tardia ou a
neocolonização desse território. A revisão de literatura e a interlocução com atores sociais que
operam na região do Extremo Sul da Bahia foram fatores cruciais que possibilitaram
evidenciar o objeto e o caráter empírico da pesquisa.

2.1. FLUXOS E REFLUXOS CONTÍNUOS DE PESSOAS E MERCADORIAS

O Extremo Sul da Bahia é um território administrativo que faz divisa com dois estados
da região sudeste – Espírito Santo e Minas Gerais –, mantendo uma proximidade maior com
as capitais capixaba e mineira (550 Km e 700 Km, respectivamente) do que com a capital do
Estado da Bahia (com distância de, aproximadamente, 1.000 Km da divisa à capital Salvador).
Tem uma área total de aproximadamente 30.647 Km², o que corresponde a 5,6% do território
do Estado (SEI, 2004), sendo formado por 21 municípios.

Trata-se de uma região marcada pela devastação contínua da Mata Atlântica que
historicamente chamou atenção dos viajantes pelo que já representou enquanto “uma das mais
ricas reservas de diversidade biológica de todo globo terrestre”. Contudo, no âmbito da
agricultura extensiva e intensiva, particularmente, nesta última, com a exploração madeireira
com base na plantação do eucalipto, a Mata Atlântica vem sendo destruída, com impactos
socioambientais relevantes e, quiçá, irreversíveis (OLIVEIRA, 2008, p.21).

Em alusão ao período colonial, esse rincão do extenso estado, de acordo com a


Divisão Político-Administrativa da Bahia, recebeu o nome de “Costa do Descobrimento” por
ter sido uma das primeiras áreas a ser colonizada pelos portugueses. Do ponto de vista
histórico-econômico, o Extremo Sul da Bahia manteve relações mais próximas com a região
sudeste, sendo essas relações mais marcantes com o Rio de Janeiro e o Espírito Santo até o
século XVIII, e uma maior aproximação com Minas Gerais a partir do século XIX
(BARICKMAN, 2003).

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34

Para além de participação na dinâmica da economia desde o período colonial


(ALENCASTRO, 2000), podemos classificar as fases do processo de penetração e expansão
do capitalismo no campo em três momentos no Extremo Sul da Bahia:

1. Desde a inauguração da Estrada de Ferro Bahia-Minas, em 1882, que teve como


principal objetivo a exploração e escoamento de madeira nativa, ficou perceptível o
potencial da região para abastecer, naquela conjuntura, o mercado regional. Mas, foi
somente no século XX, por volta da década de 1930, que se configurou e instalou-se
uma produção capitalista para a exploração de madeira na região. A inserção da região
à dinâmica de um projeto da economia nacional é marcada pela extração de madeira
que atendia as madeireiras dos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais; também
atendia, desde o final do século XIX, ao complexo mínero-siderúrgico – que iniciou
sua instalação no final do século XVIII e consolidou-se na década de 1960 como
referência nacional na produção de ferro e seus derivados. Ao longo do século XX até
a década de 1980, a região foi a principal fornecedora de madeira para as madeireiras e
o setor industrial dos estados da região sudeste, com destaque para o setor metalúrgico
(MATOS; MELO, 2012).

2. Sobreposta à primeira fase também iniciou, na década de 1930, a produção de cacau


na região. O Extremo Sul da Bahia ocupava espaço periférico na região cacaueira
centralizado no eixo Itabuna-Ilhéus e acabou não sendo integrado ao polo produtivo da
Bahia, mantendo uma relação comercial mais expressiva com estados da região
sudeste (CERQUEIRA NETO, 2001).

3. A terceira fase, por volta da década de 1970, iniciou intensa ampliação da pecuária
como atividade econômica na região do Extremo Sul da Bahia; a qual, também foi
resultado da extensão da pecuária do Espírito Santo e Minas Gerais, tornando-se, nas
décadas seguintes a atividade de maior concentração de capital na região. Contudo, a
pecuária não deixou de ser acompanhada pela atividade madeireira, produção de cacau
e outros produtos agrícolas de menor expressão. Esse período foi marcado pela
derrubada de extensas áreas da Mata Atlântica para transformá-las em vastas
pastagens de fazendas instaladas na região (KOOPMANS, 2005).

4. Por fim, a partir da década de 1990, a região do Extremo Sul da Bahia concentrou a
maior produção mundial de eucalipto, a qual tem exigido cada vez mais espaços para

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expansão do plantio, que tem sido confirmado nas duas últimas décadas
(CERQUEIRA NETO, 2001; KOOPMANS, 2005).

A região, enquanto espaço geográfico, também representa e demarca a expansão


histórica do agronegócio no Brasil. Inicialmente, nos meados da década de 1930, os estados
da região sudeste (com maior ênfase para São Paulo) experimentaram um significativo avanço
do processo de mecanização da produção no campo que marcou significativa “alteração no
sistema de exploração de força de trabalho da economia rural”. (MELLO, 1975; STEDILE,
2005; CAMARGO, 1981; VELHO, 1974; MARTINS, 1986). A partir da década de 1960, o
espaço físico da região sudeste não era mais compatível com a disponibilidade de capitais
para investimentos com perspectiva de expansão, como postula Pedreira (2008, p. 27):

“No período que vai da segunda metade dos anos 1960 a meados dos anos
1980 e, particularmente, de 1970 a 1985, assiste-se a um processo de
desconcentração. Nesta fase, denominada de integração produtiva, as
grandes frações de capital localizadas, predominantemente, no Sudeste
passam a marcar presença nas regiões periféricas, motivadas pelas
oportunidades econômicas que surgiram nas regiões menos industrializadas
e pelos fortes incentivos fiscais e financeiros, por sua vez, associados à
implementação de políticas de desenvolvimento regional e setorial. A
difusão nas diversas regiões de bases produtivas, ao tempo em que atenuava
as diferenças regionais, proporcionava a integração das regiões periféricas à
dinâmica nacional. Como resultado, observou-se um movimento de inversão
de polarização das atividades econômicas no Sudeste, com avanço
consequente do peso das outras regiões na formação do Produto Interno
Bruto – PIB brasileiro, crescendo, sobretudo, a fatia do Norte, do Centro-
oeste, e também do Sul e do Nordeste.

Nesse sentido, as regiões Centro-oeste e Nordeste tornaram-se progressivas receptoras


de investimentos que garantiram a continuidade da expansão do capital no campo. As regiões
Centro-oeste e Nordeste ainda se encontravam, em grande medida, inexploradas quanto ao
modus operandi do agronegócio enquanto modelo de empreendimento no campo iniciado na
região Sudeste. Para Nair Costa Muls (1997, p. 11, 12):

A agricultura brasileira não escapou do processo de expansão e de


consolidação do capitalismo, embora nem todas as regiões, setores e ramos
tenham sido afetados da mesma forma e no mesmo nível. O golpe de 1964,
expressando a consolidação do modelo econômico implantado na década de
cinquenta e inaugurando um novo pacto político que exclui as classes
trabalhadoras, recoloca as bases para a expansão capitalista da economia
brasileira, consolida a internacionalização do mercado interno e reforça a
aliança entre o Estado, o capital nacional e o capital externo. Possibilita,
assim, a implantação definitiva do modelo de desenvolvimento capitalista
associado, com ênfase na produção de bens de capital e bens de consumo

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duráveis, e exigindo a incorporação do setor agropecuário como espaço de


valorização do capital, por meio não só da modernização como da
industrialização da agricultura.

No contexto da década de 1970 a região seguiu a lógica de continuidade do


desenvolvimento do agronegócio na via, principalmente, da expansão da monocultura do
eucalipto iniciada em Minas Gerais, que tinha, nesse último caso, finalidade específica na área
da metalurgia, mas que representava também uma zona para aplicação do capital intermediada
e/ou incentivada pelo setor público. De acordo com Muls (1997, p. 13):

De fato, a política de incentivos fiscais para o reflorestamento, instituída em


meados da década de sessenta, transformou essa atividade em atraente forma
de aplicação de capital – industrial e financeiro – e representa uma
transferência de fundos públicos para o setor privado. A indicação do
cerrado (Jequitinhonha e Noroeste) como área prioritária para o
reflorestamento, significava baixo preço da terra e levou o capital à
apropriação de extensas áreas, independentemente do objetivo de
aproveitamento industrial da floresta plantada e inclusive por empresas não-
integradas ao setor siderúrgico.

O fluxo de mercadorias e capital pela divisa político-administrativa dos estados de


Minas Gerais e Bahia permaneceu sem alterações até o final da década de 1980 quando
começaram disputas acirradas de acordo com seus interesses e com o uso da política de
concessão ou não de incentivos fiscais pelos estados de Minas Gerais e Bahia
(ANTONANGELO E BACHA, 1998; ANDRADE & OLIVEIRA, 2016).

Isso se deu porque a lógica do desenvolvimento capitalista não sujeita-se aos limites
administrativos de Estados Nacionais, muito menos unidades federativas. O deslocamento da
expansão dos investimentos do capital no campo da região sudeste para o nordeste foi
determinado pela possibilidade de negociar os entraves impostos pelos limites e divisas dos
territórios político-administrativos. A maneira de o Estado incentivar o desenvolvimento
econômico, garantindo privilégio do “grande capital”, perpassa, nomeadamente, pela política
de incentivos fiscais. Tais incentivos possibilitam a concentração e exploração dos recursos
naturais e humanos pelo capital industrial e financeiro, com garantia de constante ampliação e
deslocamento por territórios a ser explorados (MULS, 1997).

A trilha da monocultura de eucalipto instalada no Extremo Sul da Bahia é


visivelmente iniciada na região sudeste e esteve relacionada às necessidades do setor
metalúrgico mineiro. A ampliação da produção de madeira para o estado da Bahia, na década
de 1980, teve como principal objetivo, para além daqueles orgânicos à logica da expansão e
acumulação de capital, atender demandas ligadas à produção de celulose do mercado mundial
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em andamento desde a década de 1960, mas que foi intensificada na década de 1970. Muls
(1997, p.12) lança luz sobre o tema ao afirmar que:

(...) a industrialização do estado sempre esteve atrelada à utilização do


carvão vegetal como fonte termo-redutora: lenha e derivados representam a
principal fonte energética dos diversos setores econômicos de Minas Gerais.
É oportuno ressaltar que 76 das 78 empresas do setor guseiro do país
localizam-se no estado. Dentro desse contexto, a “questão florestal” sempre
foi, antes de tudo, uma questão de reposição da matéria prima necessária à
produção do principal insumo energético dos setores metalúrgicos e
siderúrgicos: o carvão vegetal como termo-redutor. Nessa medida, o
reflorestamento se constituiu como parte integrante do crescimento do
estado, já que a indústria metalúrgica (ferro-gusa e aço) sempre foi
considerada como o setor detonador por excelência do desenvolvimento
econômico de Minas Gerais.

E ainda que (Ibdem, 1997, p.12,13):

“Somente na década de 60 é que os governos militares, no esforço de


recuperação da economia nacional, fundado na vitória do modelo de
desenvolvimento associado, implantam uma política florestal que cria as
condições infra-estruturais (sic), políticas e institucionais–administrativas
para o reflorestamento do país, de modo a facilitar a obtenção de matéria
prima para dois importantes segmentos da indústria nacional: o siderúrgico e
o setor de celulose e papel. A disponibilidade de terras, as condições naturais
para o rápido crescimento das florestas e a relativa abundância de mão de
obra eram, segundo o Estado, condições favoráveis para fazer esses setores
ocuparem lugar de destaque no mercado internacional.

O Extremo Sul da Bahia também representava uma localização geográfica estratégica


por formar, junto com o norte do Espírito Santo e nordeste de Minas Gerais, uma zona
produtiva com potencial de concentração e distribuição da produção de mercadorias ligadas
ao setor do agronegócio (CERQUEIRA NETO, 2001).

A percepção da demanda de produção no campo, bem como a iniciativa de integrar o


Nordeste ao Sudeste pela via da expansão da industrialização, tendo como principal entrada a
região do Extremo Sul da Bahia, já se configurava desde os primeiros anos do governo militar
na década de 1960.

As décadas que compõem um bloco do recorte temporal desta pesquisa, de


aproximadamente quarenta anos (1970-2010), foram marcadas pela expansão de
investimentos de capitais para o Nordeste a partir das regiões Sul/Sudeste “pela implantação e
avanço das atividades florestal e de produção de celulose, voltadas para o mercado
internacional” e que tais investimentos, que aumentaram nas décadas de 1980/1990,
representam “uma das expressões desse novo contexto do ordenamento espacial das
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atividades produtivas” integrando o Nordeste na proposta de desenvolvimento via expansão e


penetração do capitalismo no campo (PEDREIRA, 2008, p. 18).

O contexto do Extremo Sul da Bahia, dentro do recorte que pretendemos fazer emergir
visando o aprofundamento de análise, “revela a incorporação seletiva de novos espaços
econômicos aos fluxos da produção e do comércio global, traz à luz um conjunto de questões
atinentes ao padrão e à dinâmica do desenvolvimento regional” com seus impactos políticos,
econômicos, sociais e ambientais resultantes de um tardio processo de modernização da
produção no campo da região (PEDREIRA, 2008, p. 18).

Tal contexto também aponta para as bases que determinam as políticas públicas no
campo, explicam e explicitam a lógica da participação do Estado ao serviço dos interesses do
capital que encontra-se representado no aspecto institucional. Na conjuntura do processo de
expansão da agricultura intensiva referenciada pelo setor agroflorestal, tanto nas regiões que
marcam a divisa dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, quanto, possivelmente,
alhures, trata-se de um intenso processo de neocolonização sob a tutela do capital
internacional e seus desdobramentos históricos (WOLF, 1990; LENIN, 1985).

Na medida em que os investimentos de capitais no empreendimento de papel e


celulose deslocavam-se da região Sudeste para o Nordeste, também foram surgindo, no
itinerário dos investimentos, municípios que serviram ou servem como centros distribuidores
regionais. O deslocamento do capital costuma levar consigo a influência de um município
para outro, salvo nos casos em que os deslocamentos representam a expansão de
investimentos de capitais, mas mantém a estrutura de desenvolvimento de acordo com o
potencial de exploração de cada espaço (MULS, 1997).

O primeiro município a representar uma força centrípeta da economia na zona formada


pela tríplice divisa foi a cidade mineira de Nanuque, que exerceu bastante influência sobre
parte do Extremo Sul Baiano e norte do Espírito Santo. A cidade de Nanuque atuou como um
importante centro distribuidor regional até o final da década de 1980, com significativa
circulação de mercadorias e pessoas (GIFFONI, 2006).

A precariedade da cobertura política dos governos baianos sobre a microrregião do


extremo sul serviu como motivação para parte da elite econômica do nordeste mineiro,
proveniente de Nanuque. Sobretudo, porque estabelecia significativa influência na região
formada nas mediações da tríplice divisa e desejava assegurar sua dominação sobre esse
território mal definido. Nesse sentido, é possível compreender a conjuntura que fomentou o
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39

discurso da necessidade de criação de um novo estado, com o escopo de servir ao propósito


das elites locais, sem maiores constrangimentos, que era também, além do controle
econômico, assumir o domínio político oficial. Foi nesse período que foi reativada “uma
antiga ideia de criação do Estado de Cabrália”.

Mas, a partir do início da década de 1990, houve significativa queda da influência de


Nanuque e da região nordeste do estado de Minas Gerais sobre o extremo sul baiano devido à
mudança de política de incentivos fiscais para as empresas produtoras de eucalipto. A
primeira legislação do estado de Minas Gerais relativa à política florestal foi a Lei nº 10.561,
de 1991, que normatizou as atividades florestais com o objetivo de “assegurar a manutenção
da qualidade de vida e do equilíbrio ecológico”, bem como e a preservação do patrimônio
genético, observados os seguintes princípios (MINAS GERAIS, 1991, Artigo 2º)
I- preservação e conservação da biodiversidade;
II- função social da propriedade;
III- compatibilização entre o desenvolvimento e o equilíbrio ambiental;
IV- uso sustentado dos recursos naturais renováveis.

Esse inédito ordenamento jurídico do estado de Minas Gerais para as questões


ambientais representou um controle à exploração das riquezas naturais que criou um
contraponto com a política das grandes concessões dos incentivos fiscais para as atividades de
monoculturas ditas “florestais”, implementadas no período 1966-1988 no Brasil e que “levou
os reflorestadores a não se preocuparem com os custos das matas plantadas”. Isso se explica
“porque os incentivos fiscais cobriam a quase totalidade dos custos de implantação e
condução até os quatro primeiros anos da mata plantada” (ANTONANGELO E
BACHA,1998, p. 216).

Na década de 198011, a região do Extremo Sul da Bahia abriu-se para a política de


incentivos fiscais para empresas ligadas à produção de eucalipto em larga escala para atender
o mercado interno e externo de celulose (ANDRADE; OLIVEIRA, 2016). A mudança
legislativa no estado de Minas Gerais quanto à política ambiental é dos anos 1990, contudo a
expansão para o o estado da Bahia é dos anos 1980. Há, por conseguinte, uma lacuna de dez
anos que se explica, em parte, pela própria lógica e racionalidade presentes na dinâmica de
11
Já na década de 1970 havia iniciado na Bahia as primeiras plantações de eucalipto para atender o polo
petroquímico de Camaçari, cidade da região metropolitana de Salvador “com a criação da Odebrecht Perfurações
Ltda e do Polo Petroquímico de Camaçari, com o apoio do Governo Estadual, implanta-se o distrito florestal do
litoral norte baiano, inaugurando um ciclo de expansão na Bahia” e “ampliando a atividade para o Extremo Sul
no início da década de 1990”. “(...) O papel do BNDES, nas décadas de 1960 e 1970, juntamente com os
artifícios jurídicos elaborados pelo Estado, produzem um ambiente propício de atuação das empresas
multinacionais do setor em solos brasileiros, aumentando o potencial de produção de produtos voltados para o
mercado externo” (ANDRADE; OLIVEIRA, 2016, p. 314, 315).
39
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expansão do capital em busca de espaços com capacidade de potencializar a lucratividade


através de incentivos fiscais.

É importante salientar, para uma melhor compreensão, que extremo sul, por localizar-
se na divisa dos estados da Bahia e Minas Gerais, foi importante parceiro da economia
mineira como fornecedor de madeira nativa a partir da década de 1930. A região se
configurou como espaço que serviria de entrada e trilha da expansão dos investimentos de
capitais no campo do Nordeste Brasileiro. Entre as décadas de 1950 e 1970 a região era
reconhecida como um território promissor, com terras férteis e baratas – e, nesse período, com
a construção da BR 101, aumentou de maneira significativa a capacidade de escoamento da
produção a partir desse ponto do estado da Bahia (PEDREIRA, 2008).

A posteriori, com as mudanças jurídicas demandadas pela política ambiental do estado


de Minas Gerais, houve a necessidade de consolidar investimentos na expansão para novos
espaços que oferecessem condições de exploração com menor custo possível para o capital.
Nesse sentido, nos casos dos municípios fronteiriços dos estados de Minas Gerais e Bahia,
“é importante ressaltar que as empresas que ali se instalaram, além de benefícios fiscais, que
estenderam-se em média por 10 anos, além dessas empresas receberem o terreno com toda a
infraestrutura por um preço simbólico” (SANT´ANNA, 2009, p.739).

Deve-se considerar, também, que a presença de tal lógica do capital não é


exclusividade ou um caso isolado do estudo de caso ora tratado, mas recorrente em múltiplos
espaços e territorialidades na extensão territorial brasileira; desde que sejam aceitas, óbvio, as
análises que concluem que “o Estado brasileiro tem sido incapaz de prover políticas
correspondentes e aderentes a diversidade produtiva das regiões rurais”, porém, ao contrário,
o problema tende a se intensificar ainda mais “diante de um contexto de condensação de uma
nova fase, caracterizada por altas taxas de crescimento da agropecuária brasileira” com
extensa expansão do agronegócio (PEDROSO, 2014, p. 768).

O Extremo Sul da Bahia foi compreendido, desde a década de 1950 e como já


referido, como uma região promissora para a produção rural, “com terras férteis e baratas”.
Tais condições contribuíram tanto para a formação de redutos produtivos sob orientação de
propostas cooperativistas, quanto para a dinamização da agricultura intensiva e extensiva,
com a consolidação do agronegócio (DE JESUS, 2015).

Outro fator importante para a projeção da região foi, como também já apontado, a
construção da BR 101 que provocou deslocamentos da logística regional. No litoral, com
40
41

ênfase no município de Caravelas, até o início da década de 1950, era realizada a maior parte
da distribuição de mercadorias da região. A partir do início da década de 1950 deu-se início à
formação de novos espaços urbanos no interior. A criação de novos municípios fez parte de
um processo mais amplo no qual também se inscreve uma política de expansão de atividades
do setor agrícola com ocupação de terras que eram consideradas “devolutas”, mesmo quando,
historicamente, estiveram ocupadas por indígenas (representados por vários povos, entre eles
os pataxós e Maxacalis, na sua maioria) e camponeses (representados, principalmente, pelas
comunidades negras rurais) nesses espaços político-administrativos com seus limites e
divisas.

Ao longo da desta tese faremos aprofundamento analítico das alterações geopolíticas


ocorridas no Extremo Sul da Bahia como resultado de novas conjunturas que exigiram o
deslocamento do centro administrativo e comercial da região. Esse período também foi
marcado por intensos conflitos entre os interesses do capital defendido pelo Estado e grupos
que ocupavam esses espaços historicamente, como indígenas e camponeses (representados, na
sua maioria, por comunidades negras rurais). A década de 1950 deixou um registro de
extermínio na memória dos povos indígenas da região conhecido como “Fogo de 51” que, não
por acaso, foi um período que a região duplicou o número de municípios localizados, na sua
grande maioria, em espaços que compunham a terriotorialidade desses povos. É possível
pensar, inclusive, em uma nova fase de colonização nessa tríplice divisa de estados da
federação, que, ao longo de três décadas (1960-1980) se configurou uma estrutura de
exploração sem precedente na história regional, mas já bastante conhecida na história da
expansão e exploração do capital, com um desenvolvimento extremamente desigual, mas
bastante articulado e combinado (LOWI, 1995).

A construção da BR 101 foi concretizada na década de 1970 e representou um marco


na expansão da proposta de desenvolvimento e do discurso de progresso para todas as regiões
do país no bojo da política de “desenvolvimento neoliberal” com seus efeitos e
desdobramentos (BIELSCHOWSKY, 2000; FERNANDES, 2009; FURTADO, 2000).
Dessarte, a rodovia tinha como uma das metas fomentar a integração regional incluindo
municípios que formam a divisa tríplice.

A partir da década de 1980, nesta zona formada por regiões de três estados, surgiram
munícipios no Extremo Sul da Bahia que assumiram protagonismos econômicos e políticos
devido ao deslocamento e/ou ampliação de investimentos de capitais na direção

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Sudeste/Nordeste, deslocamento e/ou ampliação esses que influciaram na formação de centros


comerciais e de distribuição da produção regional (PEDREIRA, 2008).

Teixeira de Freitas, na primeira década do século XXI, e desde final da década de


1980, é um desses municípios que tem consolidado sua influência política e econômica na
reguão em questão e representa um importante espaço de convergências para investimentos de
capitais na infraestrutura que passou a garantir escoamento da produção regional desde então.
Para Pedreira (2008, p.82):

A construção da BR-101 induziu o acelerado crescimento de centros urbanos


como Teixeira de Freiras, Eunápolis e Itamaraju (situados ao longo da
rodovia), deslocando do litoral para o interior o centro de referência da
região. Eunápolis e Teixeira de Freitas se consolidam como pólos urbanos,
estabelecendo, a partir de então, diferentes áreas de influência e
subordinação. A cidade de Teixeira de Freitas polariza a parte sul da região,
formada por 11 municípios. Já Eunápolis estende sua influência na porção
norte, que compreende um conjunto de 9 municípios.

É nesse contexto que o município de Teixeira de Freitas assumiu protagonismo


político e econômico. Aos poucos passa a concentrar importante volume de investimentos
privados e torna-se num centro distribuidor regional. Com isso, o município também
vivenciou outros efeitos colaterais do desenvolvimento a partir da expansão de capital no
campo: o êxodo rural e o crescimento desordenado das cidades.

Nessa pesquisa o munícipio de Teixeira de Freitas está inserido em uma lógica de


economia de escala com seus clássicos entrepostos para diminuir os custos. Até início da
década de 1950 a região do Extremo Sul da Bahia era formada por munícipios mais próximos
do litoral (Mucuri, Caravelas, Alcobaça, Prado, Porto Seguro, Belmonte, Santa Cruz
Cabrália); a partir da segunda metade da década de 1960 ocorreu significativa expansão para
o interior a qual culminou com o surgimento e emancipação de municípios na região
(Ibirapuã, Itanhém, Jucuruçu, Lajedão, Medeiros Neto, Vereda) que estiveram sob a
influência/dependência econômica de médios centros urbanos que emergem devido a
capacidade de concentração de investimentos de capitais. Esse fenômeno, com recorte
espacial que situa o município de Teixeira de Freitas na região (que, curiosamente, foi
emancipado em 1988), contribui para entendemos os desdobramentos da neocolonização
(voltaremos a esse tema à frente).

Cabe aqui a proposição que apresenta o Extremo Sul da Bahia e o município de


Teixeira de Freitas, no contexto da década de 1970 até 2010, como importante representação
de um recorte espacial e temporal que permite a análise da lógica da expansão e continuidade
42
43

do desenvolvimento do capitalismo no campo com seus impactos econômicos, ambientais e


sociais regional.

Assim, realizada a demarcação temporal entre as décadas de 1970 a 2010, é possível


pensarmos um recorte do espaço do Extremo Sul da Bahia a partir da influência econômica e
política do município de Teixeira de Freitas com o intuito de garantir maior profundidade
analítica; Teixeira de Freitas também representa um espaço político, econômico e social com
potencialidade para tencionar com outras cidades tanto da própria região em que está inserida
como também com outras regiões de outros estados federativos (MG e ES, designadamente)
que compõem, como vimos, uma zona que mantém relações econômicas para além dos
limites e divisas impostas pela lógica político-administrativa.

2.2. A LÓGICA DO AGRONEGÓCIO NO EXTREMO SUL DA BAHIA

Para situar a região na perspectiva macro, considera-se que agronegócio se instalou


como um setor econômico que tem importante papel histórico na economia brasileira, visto
tratar-se de um setor com bases no sistema de plantation do período colonial. (GORENDER,
2013; STEDILE, 2013). Desde então o Brasil tornou-se um país agroexportador que, na
segunda metade do século XX, registrou significativo aumento de investimentos de capitais
privados no agronegócio (MELLO, 1975).

Teixeira de Freitas não se distancia dessa conjuntura. De acordo com Rocha (2013)
desde 1974, quando foi realizada a primeira exposição agropecuária de Teixeira de Freitas, a
cidade passou a ser projetada no cenário regional e estadual como um grande expoente para o
agronegócio em expansão no Brasil desse período. Mesmo tratando-se, na época, de um
povoado com população estimada em aproximadamente 3000 mil habitantes, Teixeira de
Freitas recebeu o ministro da agricultura Alisson Paolinelli, do Governo Geisel (1974-1979).
Numa época em que o país estava sob interdito do governo militar, nota-se como as forças
políticas locais estavam bem articuladas com a administração federal (ROCHA, 2013).

Sob esse contexto, é possível perceber as relações e interesses políticos em nível


nacional e local, bem como os interesses que projetavam-se para o agronegócio na região.
Tratava-se de um espaço com potencial para empreender a dinâmica de um projeto de
expansão do agronegócio, que inclui a participação do Estado enquanto representação política
e com papel bem definido no empenho pró-desenvolvimento do capital. Chama-nos a atenção

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que tal desenvolvimento, com maior ênfase entre 1970 e 2010, trouxe para o Extremo Sul da
Bahia conflitos entre grupos com interesses divergentes quanto ao uso da terra, suscitando
assim elementos dos direitos sociais e da dignidade humana no epicentro da questão fundiária
regional; trazendo à luz a existência de atores sociais históricos, os quais representam a
negação do sistema hegemônico (D‟INCAO E MELLO, 1975).

Na década de 1990, tornou-se expressiva a presença de diversos grupos representados


por atores sociais que defenderam suas fronteiras (fossem étnicas ou de seguimentos dos
movimentos sociais) com demandas específicas, mas todas estiveram contextualizadas com a
dinâmica da penetração do capitalismo no campo.

Embora outros grupos estarão presentes nas abordagens dessa pesquisa, traremos para
o núcleo da análise dois grupos que estão presentes nos micro-espaços da região com suas
múltiplas facetas (incluindo a representação do Estado e agentes do capital para o
agronegócio) de interesses, aparentemente, assimétricos:

1. Trabalhadores rurais formados por pequenos agricultores que perderam autonomia no


processo produtivo e serviram/forneceram mão de obra no processo de
desflorestamento mediante a exploração de madeiras nativas, criação de gado e
inseridos como mão de obra na cadeia produtiva de “reflorestamento” ou monocultura
de eucalipto. Desde a década de 1970, período que marcou o início do recorte
temporal desta pesquisa, muitos desses trabalhadores rurais foram expostos a
condições de subemprego no campo;

2. Comunidades negras rurais que, historicamente, ocuparam e participaram diretamente


do processo de produção no campo como mão de obra escrava nos latifúndios
coloniais até a abolição oficial da escravidão no Brasil; e que em períodos pós-
abolição foram submetidos a condições precárias pelas elites agrárias – que usaram
como principal estratégia a negação do acesso à terra através de artifícios jurídico-
políticos (MARTINS, 2004).

Contracenando no processo – em andamento – de consolidação da expansão do


agronegócio encontra-se a representação do Estado no papel de mediador de “segunda ordem”
que segue dinâmica semelhante ao “Estado Desenvolvimentista” e que não levou em
consideração as demandas das comunidades rurais porque tinha como objetivo a
“modernização”, entendendo e assumindo esta como sinônimo de aumento da produção no
campo (D‟INCAO E MELLO, 1975). Rigorosamente, a ideia estruturante de uma nação forte
44
45

e seguidora do preceito baseado na “ordem e o progresso” cabem perfeitamente no discurso,


na ideologia e na política desenvolvimentista.

Esses grupos com suas demandas próprias também vivenciaram os diferentes


momentos da industrialização no campo, desde a extração de madeira nativa, da pecuária
extensiva e intensiva até o “reflorestamento” com a “eucaliptocultura” na atualidade: todas
essas fases, que marcaram o avanço da exploração capitalista no campo, realizaram-se em
detrimento da agricultura agenciadas pelas comunidades camponesas.

Para sustentar tal argumento partimos da revisão de literatura que nos permitiu
compreender o processo histórico de expansão do capitalismo no campo, distanciado da
concepção de temporalidade única. Tratam-se de análise presente na arena das temporalidades
diferenciadas representadas por diversos atores sociais, ainda que possam ocupar o mesmo
tempo cronológico. Nesse sentido, as reflexões de Martins (1997) nos apresentam quadros
explicativos sistematizados dessas relações sociais no campo – a partir das concepções de
geógrafos e antropólogos – ao utilizar categorias como “frente pioneira” (fronteira
econômica) e “frente de expansão” (fronteira demográfica). Tais referências nos permitem
compreender os múltiplos aspectos de forças sociais que atuam no processo produtivo no
campo, bem como nas disputas fundiárias existentes na Região do Extremo Sul da Bahia.

As fronteiras econômicas e demográficas não só são representadas por agentes


distintos, como, geralmente, existem interesses distintos. Ainda para o mesmo autor a
ocupação de agentes históricos que representam e cruzam temporalidades cronológicas
distintas provocam (e explicam com certa razoabilidade) as disputas pelos espaços
(MARTINS, 1997, p. 158):

É possível, assim, fazer uma primeira datação histórica: adiante da fronteira


demográfica, da fronteira da „civilização‟, estão as populações indígenas,
sobre cujos territórios avança a frente de expansão. Entre a fronteira
demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a
frente de população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da
fronteira econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da
civilização, mas, nela, pelos agentes da modernização, sobretudo econômica,
agentes da economia capitalista (mais do que simplesmente agentes da
economia de mercado), da mentalidade inovadora, urbana e empreendedora.
Digo que se trata de uma primeira datação histórica porque cada uma dessas
faixas está ocupada por populações que, ou estão no limite da História, como
é o caso das populações indígenas, ou estão inseridas diversamente na
História, como é o caso dos não-índios, sejam eles camponeses ou
empresários.

45
46

Martins apresenta sua percepção dos sujeitos a partir de um olhar que reproduz
relações hierárquicas entre os agentes: pensar em “agentes da civilização” e “agentes da
modernização”, que são os “representantes da economia de mercado da mentalidade
inovadora, urbana e empreendedora”, cria precedente para a reprodução de dois polos que,
por um lado, identifica os indígenas e os camponeses de modo geral como sinônimo do
atraso, do não civilizado, do não moderno e arcaico. No entanto as fronteiras econômicas e
demográficas apontadas por Martins (1997) nos possibilitam também compreender melhor a
presença histórica de agentes com suas especificidades na relação com os territórios. Para o
autor (MARTINS, 1997, 159):

Cada uma dessas realidades tem o seu próprio tempo histórico, se


considerarmos que a referência à inserção ou não na fronteira econômica
indica também diferentes níveis de desenvolvimento econômico que,
associados a níveis e modalidades de desenvolvimento do modo de vida,
sugerem datas históricas distintas e desencontradas no desenvolvimento da
sociedade, ainda que contemporâneas. E não me refiro apenas à inserção em
diferentes etapas coexistentes do desenvolvimento econômico. Refiro-me
sobretudo às mentalidades, aos vários arcaísmos de pensamento e conduta
que igualmente coexistem com o que é atual. E não estou falando de atraso
social e econômico. Estou falando da contemporaneidade da diversidade.
Estou falando das diferenças que definem seja a individualidade das pessoas,
seja a identidade dos grupos.

Nesta análise não cabem interpretações deterministas diante de relações complexas


como as vivenciadas no território brasileiro quando se trata da penetração do capitalismo no
campo. O fato de existirem grupos formados por agentes distintos, com seus respectivos
interesses e com atuações em espaços de fronteiras comuns, não determina, necessariamente,
a ocorrência de divergências quando colocadas sob perspectiva de uma rede macro de
produção para a acumulação de capital.

Ao pensarmos as relações produtivas no campo dentro de um sistema de produção,


permitem-nos problematizar o encontro de grupos de atores sociais distintos, com
perspectivas e interesses por vezes divergentes, não obstante, possam ocorrer de acordo com
as circunstâncias, colaboração entre si, mesmo que indiretamente. As convergências de forças
produtivas, mesmo com suas singulares representações antagônicas, ocorrem quando essas
forças atuam em determinada teia produtiva e sintetizam o que estamos denominando de
sistema de produção com antagonismo controlado e redirecionado (LÖWY, 1995).

46
47

Nesse sentido, apontamos para uma inflexão conceitual quanto ao uso da categoria de
antagonismo de classes e temos como referência a evolução das relações capitalistas que
controlam e redirecionam tais antagonismos em favor do acúmulo de capital. Não significa
afirmar que não ocorrem antagonismos ou que a clássica luta de classes fora ou está superada.
Ao contrário, partimos da concepção de uma evolução nas relações de produção que culmina
em “grave” e sofisticada “alienação” da classe subalterna (MÉSZARIOS, 2008).

A demanda por mais espaços para a expansão da monocultura de eucalipto implica a


diminuição e/ou o isolamento de áreas destinadas à produção dos pequenos agricultores que
não se convertem à produção hegemônica. A produção da agricultura familiar que cultiva
produtos variados e garante a alimentação de um “exército de trabalhadores” empregados e
desempregados revela-se, no primeiro olhar, como setor com interesses antagônicos aos da
monocultura de eucalipto, já que estão inseridos em lados opostos com conflitos de interesses
bem explícitos, ainda que, paradoxalmente, inserem-se numa macro economia política que os
tornam parte de um todo sistêmico (ALVES, 2010).

A diminuição, isolamento ou supressão das atividades camponesas são o resultado da


lógica da expansão do capital no campo que prevê e dinamiza uma profunda exploração e
rentabilização do capital como sinônimo, não raras vezes, equivocado de modernização da
produção no campo, mas que não passa de uma versão atualizada da economia de plantation
muito presente entre as décadas de 1970 e 2010 na agricultura brasileira. A expressiva
concessão de créditos e subsídios direcionados para o agronegócio na década de 1970
representa esse momento histórico da expansão do capitalismo no campo e o uso de
tecnologias como meio de “agregar valor no emergente setor industrial, agravando não
somente as relações sociais, mas também consolidando uma apropriação privada do espaço
por empresas multinacionais e nacionais no campo brasileiro, como o caso da Veracel
Celulose”. (ANDRADE; OLIVEIRA, 2016, p. 295).

No Brasil, a questão da modernização da produção no campo recebeu maiores


investimentos por parte do Estado quando ocorreu a estruturação da indústria de base para
atender as demandas do setor de agronegócio inicialmente na região sul e sudeste (na década
de 1960) e se expandindo para a região centro-oeste e nordeste na década seguinte (GIFONR,
2006). O discurso da modernização também incluía importantes investimentos do Estado na
forma de subsídios que impulsionaram a modernização da produção no campo. Tal
modernização e desenvolvimento, inicialmente, não contemplavam questões tidas por

47
48

“menores”, como era o caso do código ambiental, sustentabilidade e suas dimensões


ambientais, econômicas e sociais.

As discussões que colocaram em pauta as dimensões do desenvolvimento sustentável


nos seus aspectos ambiental, econômico e social, bem como as contradições e custos
socioambientais da modernização da produção no campo começaram a tomar corpo na década
de 1970, embora as origens das discussões sobre o desenvolvimento sustentável, enquanto
movimento, tenha iniciado na década de 1950.

Para Nascimento (2012) foi somente com a Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, que as indústrias de
celulose – e também os movimentos sociais no Brasil – adotaram um discurso pró-
sustentabilidade12. De modo curioso – e talvez estranho –, a expectativa da retórica da
sustentabilidade é convencer a opinião pública de uma “possibilidade” de produzir cada vez
mais (leia consumir cada vez mais) com recursos naturais cada vez menores, como fosse
possível equacionar vontades ilimitadas e bens limitados sem ocorrer conflitos. De acordo
com a perspectiva de Hortêncio e Guimarães (2015, p. 74).

(...) o desenvolvimento sustentável diz respeito a um ajuste feito no próprio


sistema capitalista global, no sentido de pensar a natureza enquanto recurso
e, com isso, possibilitar o movimento em prol da manutenção do próprio
sistema. Não se pode dizer, portanto, que essa proposta represente
alternativa, já que a mesma denota um ajuste da ordem vigente sem se
abortarem os pilares da conjuntura hegemônica atual.

O discurso da sustentabilidade também está presente na pauta ecológica e ambiental


que acredita possuir domínio de conhecimento para articular a implementação de soluções
técnicas e políticas para conservação do meio ambiente sem discutir que suas ações é
resultado do próprio conflito/contradição da sociedade que cria essas soluções. Para dizer de
outro modo, os ambientalistas crentes na viabilidade da pauta ecológica, não discutem que a
expectativa plausível é, no limite da possibilidade, pensar o uso racional do estoque limitado
de recursos naturais diante de demandas de produção e consumo cada vez mais volumosas
(PORTO-GONÇALVES, 2004; 2006).

Há pressão por parte dos movimentos sociais e ambientais no que tange às


responsabilidades em favor da sustentabilidade do planeta recair sobre os países que
concentram a acumulação de capitais. Considera-se que os conflitos socioambientais estão
12
Paralela à Eco-92 também aconteceu o Fórum Global protagonizado pelos movimentos sociais que culminou
com a aprovação da Declaração do Rio (ou Carta da Terra) que responsabilizou os países ricos como os
principais responsáveis pela sustentabilidade e preservação do planeta (Ibidem, NASCIMENTO, 2012).
48
49

relacionados ao processo de acumulação de capital representado, direta ou indiretamente,


pelos países desenvolvidos (Ibidem, NASCIMENTO, 2012).

No Extremo Sul da Bahia nota-se, entre as décadas de 1970 a 2010, um processo de


neocolonização dos recursos naturais, utilizando a lógica da divisão internacional do trabalho
sob a velha ótica colonial – faço menção à exportação de matéria prima produzida através da
contínua e insustentável expansão do agronegócio referenciado pelo setor agroflorestal na
região.

Desse modo, esse contexto não poderá ser negado em nome de uma perspectiva
neoliberal que se sustenta, enquanto sistema-mundo, na reinvenção do velho modelo colonial.
A partir dessa linha reflexiva, Carlos Water Porto-Gonçalves (2006) nos diz que a inovação
do moderno-colonial (neocolonização) traz no seu bojo ideológico a naturalização da
economia global e hegemônica – que esconde a insustentabilidade político-ambiental do
modo de produção que, ao fim e ao cabo, oferece retórica de sustentabilidade ao permanente
avanço do agronegócio no Brasil de modo geral, e na região do Extremo Sul da Bahia em
particular.

No recorte que estamos a tratar destacam-se os vultosos investimentos no setor


agroflorestal e, por conseguinte, os desdobramentos insustentáveis para o meio ambiente; de
um lado se apresenta a necessidade do aumento da produção que é provocada pelo aumento
do consumo; do outro, os resultados da relação da produção e do consumo impõem
irreparáveis danos socioambientais.

Considera-se, nesse contexto, que o agronegócio voltado para o setor agroflorestal


tem, desde a década de 1970, contínua expansão de áreas cultivadas de eucaliptos no Norte do
Espírito Santo, Norte/Nordeste de Minas Gerais e Extremo Sul da Bahia. Os argumentos
favoráveis à agricultura extensiva do eucalipto ponderam que o uso de adubos e agrotóxicos –
que incidem na contaminação de nascentes de rios e lençóis freáticos, com danos irreparáveis
à fauna e flora, com redução das espécies, além dos variados prejuízos causados aos
trabalhadores que prestam serviços nas plantações de eucaliptos e aos lavradores que vivem e
produzem próximos às plantações de eucaliptos –, oferecem retorno econômico para a região
que, por si só, é capaz e suficiente para equacionar as perdas ambientais e os danos sociais.

Em tal conjunção ideológica também se encontram desde o discurso da “ecologia”


(que prevê equilíbrio da população humana sem discutir superprodução e superconsumo) até
representações de movimentos sociais e governamentais financiados por editais dos maiores
49
50

exploradores (colonizadores) do meio ambiente na região. Cabe ainda ressaltar o óbvio: que
os interesses das grandes corporações são contrários àqueles que buscam a manutenção da
diversidade cultural, protegendo as comunidades tradicionais, como os grupos indígenas,
quilombolas, campesinos, entre outros.

As fronteiras internas da produção no campo, ainda que sejam palcos de conflitos


sistêmicos, fazem parte de uma cadeia produtiva maior, com lógica própria, capaz de servir-se
de forças produtivas antagônicas que convergem suas energias, com pouca ou nenhuma
consciência, para os interesses do grande capital. Nesse sentido, dialogamos com a
perspectiva de Michael Löwy (1995) quando destaca que o capital exerce força capaz de
modificar as relações econômicas precedentes à sua dominação13.

O desenvolvimento ou modernização da produção rural no no espaço ora tratado, não


deixou de apresentar a face litigiosa da questão fundiária na região. A expansão do
agronegócio ocorreu a custo da desapropriação de terras e, na maioria das vezes, com
métodos de convencimentos questionáveis aplicados a antigos moradores. Uma parte menor
dessa população rural permaneceu nos seus reduzidos territórios. São pequenos agricultores,
trabalhadores rurais que vivem da terra. Uma subcategoria desses lavradores nos interessa
compreender mais profundamente; são aqueles identificados como comunidades negras rurais
que recorrem às suas próprias autodefinições (abordaremos esse tema no capítulo IV).

Estabelece-se então um jogo com múltiplas estratégias discursivas, com perspectivas


específicas, com atores sociais que demarcam territórios e territorialidades e as utilizam como
espaços de reações, tensões e traduções de lugares de falas que exigem aprofundamentos nas
análises. Mas, antes de abordamos questões mais pontuais da pesquisa, faremos ainda um
dilatamento do reconhecimento do tema a partir da continuidade do diálogo com o estado da
arte para então, e paralelo a isto, contextualizar a inserção do Extremo Sul da Bahia no
cenário econômico nacional e global.

13
Ao discutir a teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky, Lowy (1995) analisa a experiência
da conjuntura da Rússia do início de século XX frente aos investimentos no setor industrial com capital e
tecnologia dos países europeus que tinham setor industrial e financeiro consolidados. Na análise de Löwy a
realidade russa representava “a indústria mais avançada da Europa sobre a base da agricultura mais primitiva”
(LÖWY, 1995, p. 75).
50
51

III. “NA ROTA DO PROGRESSO”: A LÓGICA DO


DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA

Neste capítulo continuaremos a apresentação do Extremo Sul da Bahia e suas relações


com outros limites administrativos, em especial com Minas Gerais e o Espírito Santo, no
intento de justificar o recorte espacial e temporal desta pesquisa. Para isto realizamos um
retorno ao primeiro quartel do século XIX para apresentar com maior ênfase os impactos do
processo histórico, numa perspectiva de longa duração, visando a compreensão das
transformações do espaço nos seus aspectos econômicos, sociais e ambientais.

3.1 BREVE RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO EXTREMO SUL DA BAHIA (1820-


1960).

O registro da passagem do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied pelo Brasil no


início do século XIX (1815/1817) através do livro “Viagem ao Brasil”, de sua própria autoria,
descreve uma percepção do Brasil a partir de um recorte territorial que inclui partes do Rio de
Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. O diário do príncipe foi publicado na
Alemanha em 1820, bem como em outros países e sua tradução em outras línguas nos anos
seguintes. A obra apresenta imagens, gravuras e aquarelas com descrições minuciosas que,
para além das percepções estereotipadas de seu autor, revela um “Mundo” bastante conhecido
no “inexplorado Novo Mundo” apresentado pelo príncipe viajante. Ambiente desconhecido e
inexplorado na percepção do príncipe, mas que não era mais um território intocado como a
narrativa vigente desejava torná-lo.

A hipótese de que havia um percepção do autor que tratava-se de área já conhecida


parte de pistas deixadas ao longo do texto que, a meu ver, algumas delas merecem destaque e,
dentre elas, seleciono três: primeiro, a escolha do percurso da viagem do príncipe foi feita a
partir dos registros ao longo de três séculos anteriores que situavam tal itinerário como área de
“índios mansos”, mais próximo ao litoral; segundo, a escolha do acompanhante do príncipe,
Guack, um indígena Botocudo, que representa também uma medida estratégica para garantir a
mediação com outros interlocutores ao longo do trajeto (que inclui indígenas de nações
distintas, negros escravizados oriundos de vários reinos do continente africano e colonos
portugueses); terceiro, a concentração do relato em determinada área que demarca o encontro
de três micros regiões que representam divisões politicas-administrativas relativamente fixas
51
52

desde a formação das capitanias hereditárias, suplantadas pelas províncias e, no final do


século XIX (a partir da proclamação da república brasileira), compõe zona resultante da tripla
divisa dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia (GIFFONI, 2006).

Chama-nos a atenção a concentração da narrativa que faz referência a uma zona que
vai do Rio Doce (Espírito Santo e Minas Gerais) até o Rio dos Ilhéus (sul da Bahia),
considerando que mais da metade da obra concentra o registro da passagem do príncipe nesse
recorte territorial que veio demarcar o norte do Espírito Santo, norte/nordeste de Minas Gerais
e o sul da Bahia (WIED-NEUWIED, 1989).

A importância dos rios também fica registrada no diário do príncipe de Wied-


Neuwied. Pensar o transporte de pessoas e mercadorias sem o uso dos rios tornaria a viagem e
a sobrevivência dos viajantes inviáveis. Também é nesta região (que demarcava a divisa de
três capitanias, depois províncias, e, por último e permanece, uma divisa de três estados da
federação) que parece delimitar um ponto importante não apenas de divisas, mas de expansão,
continuidades e descontinuidades de fronteiras fluídas nos seus aspectos administrativos,
econômicos, políticos, culturais (étnicos) e socioambientais.

Esta zona registra, já na segunda metade do século XIX, forte potencial produtivo, que
garantiu a existência de pequenos redutos e vilarejos, com maior presença de formações de
vilas ao longo do litoral do Espírito Santo e Bahia. A produção de farinha para abastecer
outras províncias, a pesca da baleia e até centros produtivos considerados evoluídos pra época
já eram encontrados nesse período, marcadamente no território onde hoje é o Extremo Sul da
Bahia (ALENCASTRO, 2000)14.

Outras experiências de economias mais sistematizadas foram praticadas na Colônia


Leopoldina (formada por suíços)15 e a Fazenda Cascata (que aparece na obra do príncipe

14
Segundo Alencastro (2000), Verger (2002) e Silva (2002) uma espécie de concha chamada zimbo (também
conhecido como jimbo, cimbe ou cauri) era utilizada como moeda de troca (chamada de cofos) na costa do
Reino do Congo, e eram encontradas nas praias de Luanda. Essas conchas também eram encontradas nas praias
de Caravelas e em outras praias do Sul e Extremo Sul da Bahia (como em Porto Seguro e Ilhéus) e passaram a
entrar no Reino do Congo ilegalmente. Esse fato, segundo os mesmos autores, teria sido a causa de intensa
desvalorização do “cofos” e contribuído para agravamento da crise que levou o Reino do congo ao declínio no
século XVIII.
15
A Colônia Leopoldina, fundada em 1818 no município de Villa Viçosa, “a primeira experiência de
colonização agrícola fundada na Bahia. Essa experiência com colonos alemães e suíços alcançou relativa
prosperidade, principalmente em comparação com os empreendimentos agrícolas mencionados, devido à
exportação do café ali produzido, de onde advinha sua importância e reconhecimento pelas autoridades
provinciais, e a decorrente maior referência nas fontes administrativas. A Colônia Leopoldina ficava situada no
município de Vila Viçosa, atual Nova Viçosa, pertencente à comarca de Caravelas, no extremo sul da Bahia. A
freguesia de Nova Viçosa foi criada em 1720, na foz do rio Peruípe, com o nome de Arraial de Campinho do
Peruípe, para abrigar portugueses e índios catequizados. Foi elevada à categoria de Vila em 1768, com o nome
52
53

Maximiliano de Wied-Neuwied como Araras) podem ser citadas como exemplos desses
“empreendimentos”. “Em 1818 foram doadas as primeiras sesmarias para a formação de
colônias agrícolas pelo decreto de 1808”. Na análise de Carmo (2010, p.14), a proposta era
facilitar a formação de colônias agrícolas por estrangeiros com uma política de subsídios para
imigrantes instalarem-se e para que “se radicassem no país”:

As colônias deveriam se localizar em pontos distantes dos centros urbanos e


pouco povoados, obedecendo a um objetivo de povoamento e defesa do
território – no caso das colônias militares –, além de desenvolverem a
agricultura e não utilizarem trabalho escravo, a não ser para a derrubada das
matas, o que na prática não foi respeitado por quase nenhuma delas. Essas
experiências diferem em muitos aspectos do sistema de parceria
implementado a partir de 1840 por setores da lavoura cafeeira. Nesse último
caso houve a utilização do imigrante como força de trabalho em substituição
ao escravo africano, ao mesmo tempo em que lhe foi negado o acesso à terra.

A exigência de implantação dessas colônias em pontos “distantes dos centros urbanos”


nos serve como pista da condição de isolamento da região do Extremo Sul da Bahia e outras
regiões vizinhas que fazem divisas com os estados do Espírito Santo e Minas Gerais como
podemos perceber na figura 2. Isso também permite compreender as relações históricas da
região em questão com os estados vizinhos, relações estas que foram mais intensas do que
aquelas do extremo sul baiano com o próprio estado da bahia até o início da década de 1980.

FIGURA 2- Extremo Sul da Bahia

de Vila Viçosa, e mais tarde, em 1775, ao nível de município, em território desmembrado de Caravelas. A
Leopoldina foi durante algum tempo uma experiência de colonização espontânea, como previa o decreto de
1808, em que estrangeiros adquiriam terras e atraíam colonos para cultivá-la. Quem adquirisse as sesmarias e
trouxesse outros compatriotas tinha direito a metade das terras, o restante seria cultivado pelos demais colonos.
Em troca, os colonos deveriam fornecer parte dos produtos não alimentícios produzidos na colônia, como o café,
por exemplo”. CARMO, Alane Fraga. Colonização e escravidão na Bahia: a Colônia Leopoldina, 1850-1888.
Salvador, Dissertação (mestrado) – UFBA / Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/ Programa de Pós-
graduação em História Social, 2010, p. 13-15.
53
54

EXTREMO SUL DA BAHIA

Fonte: FERREIRA; FERREIRA; LOGAREZZ, 2019, p. 741.

Como foi dito, no primeiro momento, a circulação de pessoas e mercadorias era


viabilizada, principalmente, através dos rios da região. A partir do último quartel do século
XIX, o governo de Minas Gerais manifestou o interesse de construir uma estrada de ferro que
ligasse o norte/nordeste do estado de Minas Gerais com o extremo sul da Bahia: o principal
objetivo era facilitar o escoamento da produção nos dois estados (GIFFONI, 2006). O senhor
Alberto Ciro16, um camponês (ou lavrador, como se apresenta) faz uma narrativa de sua
experiência com a produção de excedentes:

“Ainda lembro que eu ainda meninote plantava minha banana, minha


pimento e meu abacaxi. Uma boa parte a gente comia e a outra parte a gente
levava pra vender em Ponta de Areia toda semana. Não voltava com nada,
tudo era vendido. Rapaz, era uma coisa boa demais, a gente vendia tudo; o
que levava tinha quem comprasse. De lá mesmo a gente já trazia tudo que
precisava: querosene, sal, essas coisas”.

A Estrada de Ferro Baía e Minas (EFMB) representou a abertura e intercâmbio


comercial entre o Extremo Sul da Bahia e o estado de Minas Gerais de importante
envergadura na história da região na década de 1900 até meados da década de 1960,
movimentando a economia dos municípios .

16
Entrevista cedida em 03 de março de 2016.
54
55

FIGURA 3 - Linha da Estrada de Ferro Baía e Minas (EFBM)

Fonte: Fundação Professor Benedito Ralile, 2005.

O governo de Minas Gerais assinou a primeira concessão para que a ferrovia


começasse a ser construída em Teófilo Otoni, cidade situada no nordeste de Minas Gerais. O
governo da Bahia, por sua vez, assinou a segunda concessão para a construção da estrada de
ferro a partir do limite dos dois estados. Na cidade de Caravelas foi construída a estação
ferroviária (no distrito de Ponta de Areia) que atendia a estratégia logística por estar de frente
para o mar, facilitando assim o acesso ao porto, para o desembarque e embarque de produtos
como a farinha de mandioca, café, cacau e madeira (GIFFONI, 2006; RALILI, 2005).

No fim da primeira metade do século XIX, o município de Caravelas tornou-se o


principal centro econômico litorâneo na região. Isso deu-se devido à sua localização
estratégica para distribuição e escoamento de mercadorias, incluindo a venda de africanos
escravizados que, a partir do Rio Caravelas e do Rio Peruípe, eram distribuídos pelas fazendas
que formavam a Colônia Leopoldina (CARMO, 2010).

Na segunda metade do século XIX, a partir da cidade Caravelas, a região conheceu


significativo desenvolvimento com a produção do café, tornando-se o maior produtor da
província da Bahia. Além do café, a região produzia considerável quantidade de cacau,
declinando, entretanto, a produção de farinha de mandioca (RALILI, 2005).

A linha da EFBM foi inaugurada em 1898 e se estendia da cidade de Uruçuaí (Minas


Gerais) até Caravelas (Bahia). Até a sua desativação em 1966, junto com “o abandono do
porto de Caravelas”, a estrada de ferro representou um período de grande desenvolvimento e

55
56

consolidação da importância da região enquanto polo produtivo (GIFFONI, 2006, p. 148). As


relações sociais (de cunho econômico, político e cultural) nos povoados ao longo da estrada
de ferro eram tecidas a partir da EFMB. Quando ocorreu a desativação da estrada de ferro
esses locais ficaram despovoados ou se tornaram espaços de extrema pobreza. As fotos a
seguir nos permitem pensar esses dois momentos.

FIGURA 4 - Foto digitalizada da locomotiva da EFMB FIGURA 5 - Estação da EFBM em Ponta da Areia

Fonte: Acervo virtual: A Beira do Aracaré Fonte: Desconhecida.

Mas, a construção da Estrada de Ferro Bahia-Minas (EFBM) demonstrou também que


a região passaria por mudanças econômicas estruturais, incluindo nas relações de produção,
aumentando cada vez mais a presença de centros produtivos com a finalidade de promover a
exploração de madeira, bem como o aumento da produção agrícola e da pecuária. Os limites
dos municípios de Caravelas e Mucuri, demarcados pelo Rio Peruípe desde a segunda metade
do século XIX, desenvolveram-se como importantes áreas de produção de café, cacau e
farinha devido à instalação de colonos europeus na região. Para Cerqueira Neto (2009, p. 96):

A construção da Estrada de Ferro Bahia-Minas (EFBM), inicia da em 1881,


talvez tenha significado o projeto mais antigo e concreto com a função de
unir o Sudeste ao Nordeste. A ferrovia Bahia-Minas começava na cidade de
Araçuaí (Nordeste Mineiro) e tinha o seu ponto final em Caravelas, mais
precisam ente em Ponta de Areia (Extremo Sul Baiano) era um belo projeto
de integração regional, pois tentava ligar Minas Gerais a Vitória (ES), o que
não aconteceu. Esta estrada de ferro teve sua importância geográfica para os
estados de Minas Gerais e Bahia, tendo em vista que ela foi preponderante
para o aparecimento de sítios urbanos ao longo de suas margens. Também
servia como parte fundamental da logística das grandes madeireiras que a
utilizavam para escoar sua produção.

Embora esses espaços periféricos em relação aos centros industrializados – ou em


processo de industrialização – apresentassem crescente capacidade produtiva, faltava-lhes a

56
57

configuração/condição que possibilitasse um real desenvolvimento econômico de acordo com


a perspectiva das teorias fundantes do liberalismo17 (CHANG, 2004).

O estabelecimento das primeiras colônias dinamizou e alterou, mesmo que de forma


pontual, a lógica no modo de produção e as relações sociais no campo. Antes disso, os focos
de povoamento eram formados, na sua maioria, por pequenos produtores, posseiros ou
camponeses, que garantiam o sustento das famílias com a suas plantações e que com o
excedente compravam nos povoados basicamente “sal e querosene18”.

É fato que essa primeira onda de desenvolvimento na região – com a expansão da


agricultura intensiva seguida com a formação de pastagens para criação de gado – provocou
alterações nas relações sociais na medida em que foi implantado um modo de produção que
exigia disponibilidade de latifúndio (através de concessões por parte do Estado) a custo da
expulsão de parte dos antigos moradores. Para a exportação impunha o modelo de
monocultura com recurso humano assalariado. Mesmo que a mão de obra escrava havia sido
oficialmente suprimida, tal experiência desumana se faz presente na memória de
remanescentes que vivem, majoritariamente, em comunidades negras rurais: “eu ainda ouvi da
minha mãe da época do cativeiro. Sempre dizia que era sofrimento pros negros. É rapaz, a
pessoa vivia no cativeiro”19. Como ainda ocorre na atualidade, naquela época era comum a
exploração de mão de obra equivalente ao trabalho análogo a escravidão, embora não
houvesse tipificação do termo em nenhuma norma jurídica na época.

Nas primeiras décadas do século XX, o Extremo Sul da Bahia continuou recebendo
destaque pela significativa produção de cacau seguida pela ação dos madeireiros (extração de
madeiras nobres). A extração de madeira tornou-se atividade fundamental na economia
regional, abastecendo a maior parte dos centros produtivos da região sudeste, com maior
proeminência para Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. Aliás, percebe-se que há, do
ponto de vista histórico, uma relação muito mais marcante entre o Extremo Sul da Bahia com
a região sudeste, muito mais significativa do que em relação a Salvador, capital do Estado
(ALENCSTRO, 2000).

17
A nova dinâmica do capitalismo incluía de um lado a realidade europeia que buscava garantir Indústria,
Comércio e Tecnologia (ICT) que influenciou profundamente as teorias de clássica do desenvolvimento
econômico liberal desde o século XVIII, tais como Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill dentre outros;
do outro lado tinham os fornecedores de matérias-primas, mão de obra barata (quase sempre escrava) e mercado
consumidor. Dessa forma, os Estados imperialistas cooptaram novos mercados para além de suas fronteiras
continentais, em busca de matérias-primas necessárias para as indústrias, assim como novos mercados, com
intensos investimentos em novas tecnologias (CHANG, 2004).
18
Alberto Ciro dos Santos, entrevistado em 03/03/2016.
19
Ibdem, 03/03/2016.
57
58

Nesse período, o município de Nanuque, localizado no nordeste do estado de Minas


Gerais, tornou-se o mais importante centro comercial no interior desta região que, como já
dissemos, é formada pelo encontro de três estados. O município de Nanuque, localizado na
divisa do Estado de Minas Gerais, tinha a função de interligar a produção que era realizada
mais afastada do litoral dos estados do Espírito Santo e Bahia.

Por tratar-se de um município com localização estratégica (último elo do estado de


Minas Gerais para entrada e saída de pessoas e mercadorias em uma zona que demarca as
divisas de Minas Gerais, Espírito Santo e a Bahia), Nanuque também era importante para
mediar os interesses comerciais de Minas Gerais no estado da Bahia, considerando que o
território representado pela região do Extremo Sul da Bahia estava relativamente isolado em
relação à administração do estado em Salvador, a capital.

Embora o município de Nanuque tenha alcançado significativa projetação comercial, o


município de Caravelas continuou mantendo exponencial protagonismo no cenário regional e
nacional. Em 1925, foi autorizado, via decreto presidencial, a exploração de tráfego aéreo
nacional através da “Companhia Brasileira de Empreendimentos Aeronáuticos” e, em 1927,
deu-se início à construção do campo de aviação para abastecer os aviões da linha
Recife/Pelotas, com paradas intermediárias em Maceió, Salvador, Caravelas, Vitória, Rio de
Janeiro, Santos, Paranaguá, Florianópolis e Porto Alegre 20. A autorização da construção do
campo de aviação transformou-se em um projeto de maior envergadura com o início da
construção do aeroporto de Caravelas, concluído somente em 1945 depois dos acordos
militares entre o Brasil e os Estados Unidos (MOURA, 2012).

Em 1935, através do decreto presidencial nº 80, foi concedido a José Nunes da Silva 21
a autorização para “aparelhamento” do porto de Caravelas. Mesmo antes do decreto, o porto
já se constituía como importante local de entrada e saída de mercadorias em Caravelas. De
fato, o porto nunca fora concluído, mas, com a drenagem e abertura de canal no Rio
Caravelas, deu-se início à entrada de navios de grande porte, tanto para transporte de
mercadorias, quanto de pessoas22.

O que fica evidente é que ocorreram ciclos de desenvolvimento econômico ligados à


exploração de madeira e da agricultura (e, mais tarde, pecuária) em uma região que envolvia

20
Decreto nº 17.055, de 1º de Outubro de 1925. Coleção de Leis do Brasil. 31/12/1925. p. 391.
21
Diário Oficial da União. Seção 1. 21/03/1935. p. 5608. Decreto nº 80, de 11 de Março de 1935. Disponível em
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=11533. Acesso em: 04.01.2017.
22
Segundo a Fundação Professor Ralile, em 1965, inaugura-se o Teatro de Caravelas que recebeu várias
companhias de teatro que vieram em navios que atracaram no porto da cidade.
58
59

diretamente três estados da federação. Os estados do Espírito Santo e Bahia gozavam do


acesso ao litoral presente em toda sua extensão de norte a sul; já o estado de Minas Gerais não
tinha nenhum ponto dentro de seu território com contato litorâneo. Esse fato provocou
histórico interesse do estado de Minas Gerais em possuir uma faixa que permitisse acesso ao
litoral. O local mais próximo entre o mar e o estado mineiro é, não por acaso, o município de
Caravelas-Ba, o ponto final da Estrada de Ferro Bahia-Minas (GIFFONI, 2006).

A relação com o estado de Minas Gerais era cômoda também para o extremo sul da
Bahia pela distância com sua capital, uma vez que a administração do estado da Bahia não
tinha ações ou medidas governamentais efetivas relacionadas às políticas públicas para
atender, na altura em referência, as demandas de desenvolvimento econômico local.

Mesmo as políticas públicas como a atenção básica na área de saúde e educação, que
podem ser entendidas como política que agregam condições para o desenvolvimento
econômico, na sua maioria não existiam ou quando existiam era com muita precariedade. Até
a década de 1960 não existiam hospitais na região e o único serviço público de saúde era
através de postos que ofereciam serviços básicos executados por leigos. Nessa época, de
acordo com dados de estudo do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais
publicados em 1966, existiam cerca de 300 “prédios” escolares em toda região do extremo sul
da Bahia: entenda esses “prédios como espaços precários ou salas e varandas de residências
onde algumas crianças eram “alfabetizadas” (DEELEN, DONIDA, 1966).

Não que os estados vizinhos fizessem alguma intervenção direta, mas criaram-se laços
comerciais que representaram dividendos para a região, com maior ênfase a partir do século
XIX. Com a construção da EFBM ficou evidente que esses laços tinham tendência de se
fortalecerem e, possivelmente, criar uma faixa entre o Espirito Santo e Bahia que permitisse
acesso do estado de Minas Gerais ao litoral.

Por volta de 1947, o então deputado estadual da Bahia, Ramiro Herbert de Castro,
realiza viagem pelo interior estado, incluindo o extremo sul da Bahia. Como resultado dessa
“expedição”, enviou carta, datada em 25 de dezembro de 1947, com tom preocupante para o
então governador Otávio Mangabeira, como assinala Koopmans (2005, p. 35,36):

Infelizmente, quando se fala na zona do extremo sul do nosso estado, pensa


se logo em uma faixa litorânea, cujas condições econômicas – sociais se
encontram pouco além daquelas da era do descobrimento. De fato esta é a
primeira impressão do visitante apressado. É de estarrecer, porém, afirma –
se que a grande atividade econômica nesses municípios, que se expandem a
trinta, quarenta, e até cinquenta léguas, no sentido das regiões progressistas
59
60

das lindas mineiras, é exercida, sobretudo, por mineiros ali localizados. É


assim que os mineiros difundiram-se pelo território baiano, e os que se
acham fixados como ocupantes das fazendas, explorando o gado bovino e
suíno e a cultura de cereais. (...) A região baiana, fronteira ao norte de Minas
Gerais é, por assim dizer, um peso morto na economia baiana, sendo, no
entanto, a terra da „promissão‟ para os pioneiros da zona e um expressivo
acréscimo para a economia mineira. (...) Tudo isso governador, tem uma
explicação simples. A faixa litorânea daqueles municípios baianos, até 12
léguas de fundo, está em completo atraso, sendo suas povoações sujeitas á
vida primitiva da exploração de culturas pouco rendosas e da pesca,
padecendo horrivelmente da carência de qualquer espécie de transporte, não
só entre as sedes das comunas, mas também para o interior e a capital de
estado. Acontece, porém, que os municípios mineiros, fronteiriços com
aquela zona, são comunas progressistas, de atividade intensa, que dispõem
de fáceis meios de transporte, assistência bancária, escolar, medica e
hospitalar e que facilitando recursos de qualquer sorte, inclusive os de
comunicação, aos desbravadores que lançam nas matas baianas, como
autênticos fundadores de núcleos educacionais, auferem vantajosos lucros
dessa exploração de nossas riquezas a eles abandonadas.

Ainda nesta carta houve denúncia de que havia nesta relação da zona do extremo sul
com o Espirito Santo e Minas Gerais desfalque para o erário baiano na medida em que
produtos, especialmente gado bovino, saíam pelo Extremo Sul da Bahia e retornavam para o
mesmo estado pelo norte de Minas Gerais, na altura de Vitória da Conquista e Jequié, como
se fossem gado oriundo dos estados de Minas Gerais ou do Espírito Santo, gerando impostos
para o estado recebedor de uma produção gerada em seu próprio território.

A partir dessa carta é possível ponderar que havia uma movimentação econômica na
região baiana com maior participação do estados de Minas Gerais e Espírito Santo em
detrimento do estado da Bahia. Dito de outro modo, os fluxos comerciais do Extremo Sul da
Bahia faziam-se mais com o norte do Espírito Santo e Nordeste de Minas Gerais do que com
outras regiões do Estado da Bahia. Tal preocupação do deputado denota também a capacidade
produtiva da região, que poderia romper de maneira definitiva com a Bahia, haja vista que
Minas Gerais já havia manifestado interesse de apropriar-se de uma faixa que permitisse
ligação com o mar.

Se por um lado havia preocupação por parte do representante do legislativo, não se


percebia, por outro, o mesmo interesse de investimento na região por parte do governo do
estado da Bahia. É possível, inclusive, que a solicitação do deputado tenha sido influenciada

60
61

pela pressão dos fazendeiros da região que desejavam melhores condições para escoamento
de suas mercadorias23.

A década de 1950 não alterou os rumos das relações econômicas entre o Extremo Sul
da Bahia e os estados vizinhos. A produção foi marcada principalmente pelo desmatamento
das matas pelas madeireiras e a transformação de florestas em pastos para criação de gado. As
fazendas do norte do Espírito Santo, norte e nordeste de Minas Gerais e do Extremo Sul da
Bahia tinham como principal centro comercial, como já apontado, o município de Nanuque
(MG) que aumentou sua influência na região, destacando-se como centro distribuidor de
produtos agrícolas (milho, feijão, banana, farinha e café), da pecuária (principalmente gado
suíno e bovino) e, com expressivo destaque, a produção de madeira que abastecia os estados
da Região Sudeste (GIFFONI, 2006).

A expansão da exploração das riquezas naturais de tipo predatória na região, sobretudo


com aumento das propriedades rurais com fins de extração de madeiras e expansão de pastos
para criação de gado influenciou diretamente a expropriação daquelas propriedades ocupadas
por meeiros, camponeses e indígenas que tiveram seus modos de vida transformados pelas
novas relações econômicas e sociais. Trata-se, nesse caso, de uma dinamica de expansão
progressiva da frente pioneira agrícola e da pecuária intensiva, como projeto de expansão do
agronegócio. É um processo que ocorreu inicialmente nos estados das regiões Sul e Sudeste
do país e que, progressivamente, se expandiram para o Nordeste, Centro-oeste e Norte
(PEDREIRA, 2008).

Tais relações econômicas e sociais estabeleceram-se em um contexto explicativo que


supera o fato de existir uma demanda regional isolada, mas, ao contrário, tratava-se de uma
conjuntura macro que, a partir dos centros mais desenvolvidos do país (que se encontravam
em franca expansão e em busca de novos mercados produtores, consumidores e
fornecedores), avançaram em direção ao Nordeste e Centro-oeste. Tal expansão do modo de
produção capitalista no campo ganhou maior impulso a partir das décadas de 1960/1970,
sobretudo nas zonas inseridas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (MARTINS, 2010;
SILVA, 1998; TAVARES, 2000).

No Extremo Sul da Bahia, a expansão e ocupação territorial para formação de


fazendas criadoras de gado foi apenas um dos elementos que formam um conjunto explicativo

23
Algumas dessas cartas estão no Arquivo da Fazenda Cascata, inclusive uma resposta do governador
“justificando” a inviabilidade de investimentos na região por parte do governo e a recomendação de que seja
realizado investimentos “por conta própria” (Arquivo da Fazenda Cascata).
61
62

quanto a saída do homem do campo para as zonas periurbanas. O contexto da década de 1960
marcou um período de expansão da produção industrial nas economias capitalistas forçando o
alargamento dos investimentos para além dos tradicionais centros produtivos. A região
Sudeste, com maior ênfase para o estado de São Paulo, experimentou maior expansão
industrial na década de 1940 e deu início à expansão urbano-industrial partindo dos centros
produtivos em direção ao interior na região na década de 1960 (MULS, 1997).

A expansão industrial ocorrida no Brasil nas décadas de 1960/1970 deve ser


compreendida por sua lógica interna, garantindo flexibilidade interpretativa das circunstâncias
da expansão de sua capacidade produtiva, seja no campo ou cidade24. Tanto a expansão
urbano-industrial dos grandes centros produtivos de São Paulo que expandiram para o
interior, quanto a expansão produtiva da Região Sudeste rumo ao Centro-oeste e Nordeste
tinham suas particularidades, com objetivo maior de atender demandas de investimentos de
capitais (PEDREIRA, 2008).

A expansão produtiva ocorrida na Região Sudeste que, a partir dos grandes centros,
avançava para o interior e transformava as relações econômicas e sociais no campo, não
tratava-se de um fenômeno conjuntural, mas, ao contrário, era parte de uma realidade que
dialogava com uma lógica produtiva capitalista tanto na sua dimensão mundial quanto nas
múltiplas dimensões regionais.

Na análise do processo histórico de expansão de investimentos de capitais no qual o


Extremo Sul da Bahia está inserido cabe considerar que as mudanças ocorridas nas relações
econômicas e sociais deram-se também pelo aumento do fluxo de pessoas. Tal fluxo, de certa
maneira, acompanhou a lógica da expansão dos investimentos de capitais no país a partir do
Sul/Sudeste em direção ao Nordeste, Centro-Oeste e Norte (MULS, 1997). Ojima e Fusco
(2009, p.8) analisam o período e afirmam que:

Embora o fenômeno não tenha sido observado na época, sabemos hoje que a
década de 1970 marcou o início de um processo histórico de
desconcentração econômico a partir da região Sudeste e especialmente de
São Paulo. Essas tendências somente foram percebidas e contabilizadas anos
mais tarde, através da análise das contas nacionais regionalizadas. Estas
mostraram ter havido um princípio de desconcentração industrial a partir do
estado de São Paulo desde os inícios da década de 1970. Embora a
participação no produto industrial do Nordeste como um todo se mantivesse

24
Paralelo à conjuntura interna consideramos também o fato que na década de 1960 foram registrados grandes
volumes de capitais sem aplicação e que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM)
buscavam “zonas periféricas” formadas por “países pobres” ou de “terceiro mundo” para investir capitais
ociosos e ávidos por novos mercados com garantias de lucros.
62
63

estável no período, já se observava crescimento na participação do estado da


Bahia resultando de novos investimentos em espaços produtivos modernos
como no complexo petroquímico de Camaçari. Mesmo sendo incipientes,
estas tendências regionais foram marcantes para a história migratória do país
pois, em última instância, os movimentos populacionais refletem
principalmente o deslocamento de oportunidades econômicas sobre o
território.

Não estamos afirmando, contudo, que, de modo geral, a política federal de


descentralização de investimentos de capitais intensificada pelo Brasil na década de 1970
tenha alcançado suas metas. Quando comparamos os dados e as análises realizadas sobre a
interiorização dos investimentos de capitais no período em questão, fica evidente que a
Região Sudeste continuou concentrando tanto investimentos de capitais quanto o fluxo de
pessoas oriundas de outras regiões, com registro de maior deslocamentos de pessoas das
regiões Norte e Nordeste (CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999).

Como temos afirmado, a zona na qual o Extremo Sul da Bahia está inserido representa
um espaço que faz parte de um itinerário que recebeu novos atores sociais, principalmente na
década de 1970, vindos em maior número dos estados da Região Sudeste. Nesse sentido trata-
se de uma exceção à regra que marcou a direção do fluxo de pessoas no país naquele período.
Para compreender tal realidade é necessário apontar, dentre outras considerações, a
movimentação da população rural e suas expectativas em relação aos espaços urbanos que
estava em andamento no Brasil.

O censo do IBGE de 1940 inaugura uma modalidade de pesquisa para saber onde vivia
a população brasileira. Ainda na década 1960 foi constatado que mais da metade da população
brasileira vivia no campo (atualmente não ultrapassa a margem de 16% da população). A
década de 1970, no entanto, foi marcada por grandes fluxos da população rural,
marcadamente das regiões Norte e Nordeste, que fugiam da pobreza em direção aos grandes
centros urbanos do país, com maior destaque para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro
(CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999).

Os critérios do IBGE para determinar espaços urbanos e rurais acabam por “diminuir”
a presença do homem no campo. No caso dos municípios do Extremo Sul da Bahia, é comum
encontrar pequenos povoados com alguma estrutura que lembra espaços urbanos e, de acordo
com a metodologia do IBGE, ser suficiente para não serem classificados como espaços rurais.
Tais situações implicam em levantamento de dados que compromete, inclusive, o
planejamento de políticas públicas para o campo.

63
64

Feito considerações a priori, quando observamos o gráfico 1 fica evidente a


mobilidade populacional entre 1940 e 2010 marcou mais do que uma inversão da ocupação da
população rural e urbana. Considerando que em 1940 a população rural brasileira registrava
uma ocupação de 69% contra 31% da ocupação urbana; em 2010, devido a mobilidade
populacional nesses espaços, a população rural registrou 16% e a população urbana 84%.

Embora existam ponderações quanto a esses números, considerando que há


possibilidade de uso de metodologias diferentes para levantamento desses dados, tipificação
do que são e quais as configurações desses espaços rurais e urbanos, bem como os métodos de
análise desses dados; ainda assim consideramos que foi significativo o contraste da realidade
populacional desses espaços ocorridos entre as décadas de 1940 e 2010, tanto pelos números
do gráfico quanto nas observações realizadas nas atividades de campo desta pesquisa.

GRÁFICO 1 - Taxa de Urbanização Brasileira (1940-2010)

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.


Quando consideramos esses dados relacionados ao recorte temporal que se pretende
analisar fica demonstrado uma correlação entre a política governamental que resultou em
investimentos desproporcionais entre as diversas regiões do país e a mobilidade populacional
rumo aos centros urbanos do território brasileiro, com maior concentração na Região Sudeste.
Ainda que cada região do país tenha seus próprios bolsões de captação do fluxo de pessoas, a
maior parte da população migratória do país, durante as últimas quatro décadas do século XX,
voltou-se para a Região Sudeste (IBGE, 2010).

É perceptível nos dados que, no caso do Extremo Sul da Bahia, a diminuição da


população no campo, entre as décadas de 1940 e 1970, deu-se pela expansão gradativa da

64
65

agricultura intensiva que, por sua vez, contribuiu para o aumento do fluxo de pessoas para as
cidades da região (esses dados demográficos serão analisados no capítulo III).

O Extremo Sul da Bahia, a partir da sua própria localização e contexto histórico,


através de seus municípios carrefours, acabou por protagonizar um crescimento populacional
sem precedente na história da região. Tal região configura assim um território da Bahia que
atua como um espaço distinto em relação à regra aplicada quando analisamos a mobilidade
populacional do Nordeste Brasileiro.

3.2 INSERÇÃO ECONÔMICA DO EXTREMO SUL DA BAHIA (1970).

Em 1947 foi aberta a primeira estrada vicinal (figura 5) da região, construída por
milhares de trabalhadores que a abriram com enxadas e machados, configurando-se como
uma das primeiras estradas de rodagem desta parte da Bahia. A abertura da estrada
maximizou o contato com cidades mineiras que mantinham comunicação com o Extremo Sul
da Bahia através da Estrada de Ferro Bahia Minas, como já foi discutido. Até 1930, a Estrada
de Ferro Bahia e Minas foi um importante meio para o escoamento da produção regional
realizada por pequenos e médios produtores. Depois da crise de 1929 a estrada de ferro
voltou-se principalmente para o transporte de madeira para abastecer, principalmente, as
cidades do nordeste de Minas Gerais (RALILE, 2005).

A década de 1950 foi marcada pelo início de investimentos que caracterizam a


presença direta do capital financeiro no campo, com a participação do recém-criado Banco do
Nordeste o qual concedeu financiamento público para “um processo de desmatamento
sistemático na região para a criação de gado e lavoura” (CARDOSO, 2006; ROCHA SILVA,
2013). Ainda existem muitos trabalhadores (aposentados) que relatam suas experiências tanto
como testemunhas oculares quanto como sujeitos atuantes no corte e transporte de madeira.
Ressalta-se que nas décadas de 1960 e 1970 os rios eram os principais meios de escoamento
dessa mercadoria. Ainda de acordo com o senhor Alberto Ciro25:

Eu era menino e via muita „balsa” pelo rio. Era aquele monte de madeira
pesada amarrada em madeira leve e ia descendo rio abaixo. Quando a maré
parava pra encher, ai amarrava a madeira e dormia por ali mesmo. Eram
muitos dias pra chegar na cidade em cima da madeira e empurrando com a
vara rio abaixo. Quando chegava no porto ia pra serraria e depois pros
caminhão. Foi muita madeira tirada daqui.

25
Entrevista cedida em 03 de março de 2016.
65
66

Nessa direção podemos apresentar o Extremo Sul da Bahia como uma microrregião
dentro de uma conjuntura macroeconômica que direciona[va] as relações econômicas e
sociais em escala global. Tais representações macros, respeitando as especificidades, podem
ser melhor compreendidas a partir dos estudos de caso das microrregiões, permitindo assim
melhor delimitação, análise e compreensão de uma dada realidade.

FIGURA 6 - Abertura de Estrada Vicinal, atual BA 696.

Fonte: Acervo da Fazenda Cascata, Teixeira de Freitas-Ba, s/d.

Até a década de 1950 o território que formava o Extremo Sul da Bahia era composto
por sete (7) municípios, sendo que esse número triplicou até a década de 1990. A
emancipação de novos municípios foi resultado de uma série de fatores, passíveis de serem
analisados também a partir da própria região, sem negar a sua inserção em um quadro
explicativo mais amplo. Dentre esses fatores destacam-se os interesses e disputas políticas e
econômicas dos estados da Bahia e Minas Gerais na região; a penetração do modo de
produção capitalista no campo com suas novas estratégias e especificidades regionais e locais;
o processo migratório nas suas dimensões externa e interna à região.

Vimos que historicamente existiu uma relação próxima entre a região do Extremo Sul
da Bahia e o norte/nordeste de Minas Gerais, o que provocou certas insatisfações de
observadores e correligionários dos “interesses” do estado da Bahia, como ficou evidente na
carta-relatório do deputado estadual Ramiro Herbert de Castro endereçada ao governador do
estado durante visita à região em 1947.

66
67

A partir da década de 1950 outros municípios foram emancipados devido a


intervenções administrativas coordenadas pelo governo do estado da Bahia, demonstrando
que o extremo sul estava agora sob a perspectiva dos interesses políticos e econômicos para
integração da região na administração do estado.

Tal preocupação do estado é confirmada com o significado simbólico da visita do


então governador Antônio Carlos Magalhães (ACM) no dia 20 de maio de 1974, quando
transformou, na época, o distrito de Teixeira de Freitas, que pertencia ao município de
Alcobaça, em sede administrativa do estado da Bahia por dois dias. Essa primeira visita na
região de um governador do estado representa um marco na consolidação da importância do
extremo sul da Bahia como área de grande potencial econômico, que até então mantinha
intensas relações com a economia do estado de Minas Gerais.

O encontro entre Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia era, de certo modo, a “porta de
entrada” do capital agroindustrial para a região nordeste do país. Nesse sentido, esta zona,
com tripla representação federativa, vivenciou os desdobramentos do desenvolvimento que
gera riqueza para determinados grupos e pobreza para tantos outros; no caso do território em
questão, pobreza com impactos socioambientais sem precedentes na história regional.

A ausência de dados estatísticos da região, sobretudo até a década de 1950, dificulta


uma análise mais aprofundada da economia do Extremo Sul da Bahia; ou ainda essas fontes
apresentam lacunas que exigem análises comparadas dos dados – como os que foram
organizados pelo Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais/CERIS através do
seu Departamento Sócio-Religioso para atender demandas de evangelização da Diocese de
Caravelas – com as narrativas daqueles que são agentes históricos como testemunhas ou como
guardiões de reminiscências.

A região era tomada por grandes matas de onde foram retiradas madeiras de variadas
espécies para atender a demanda dos estados da Região Sudeste (MULS, 1997). A partir do
desmatamento surgiram as grandes fazendas onde, via-de-regra, após as derrubadas, eram
desenvolvidas atividades voltadas para a agricultura expansiva que culminou no alargamento
da pecuária na região, com destaque para as grandes fazendas de criação de gado bovino
(DEELEN; DONIDA, 1966).

Todo o processo produtivo exigia, naquele período, considerável quantidade de mão


de obra devido à ausência de tecnologias capazes de substituir os trabalhadores rurais. No
caso da região que estamos a analisar, a mão de obra era formada por migrantes (oriundos do
67
68

Espirito Santo, de Minas Gerais e, em menor escala, de outros estados da região sudeste) por
indígenas que eram mais conhecidos por caboclos e por uma população de afrodescendentes
que formavam as muitas comunidades negras rurais na região (KOOPMANS, 2005).

Este processo produtivo, que exigia a formação de propriedades para produção em


larga escala, desencadeou uma série de mudanças nas relações sociais que permitiram a
organização de uma força de trabalho assalariada a partir das desocupações das terras
ocupadas por antigos meeiros, camponeses ou indígenas. Tais desocupações ocorriam, quase
sempre, com o uso da força física que chegava ao extremo por meio de espancamentos e
assassinatos (KOOPMANS, 2005; SANTOS, 2013).

São muitas as histórias ainda presentes nas memórias de moradores locais, sejam
aqueles que se mudaram com suas famílias do campo para as cidades da região, seja dos
poucos que permaneceram na zona rural. Para o senhor Alberto – assim como outros que
vivem no/do campo – manter-se ligado a terra é uma questão de necessidade existencial. O
entrevistado sustenta sua percepção e interação com o ambiente em que vive quando
demonstra sua integração enquanto sujeito desse lugar com reconhecidos traços que compõe o
sentido de territorialidade: tal concepção de apropriação simbólico-cultural é notada pelas
vivências e consciências de pertencimento e de fortalecimento da identidade dos sujeitos
participantes desse organismo ou ecossistema. Para esses trabalhadores rurais é crucial deixar
“as coisas” para que outras gerações possam conhecer a história da vida no campo, “da lida”
com a terra. A intensidade e emancipação dessas narrativas exigem seu lugar enquanto
caminho para acessar os dados empíricos que fazem emergir os elementos necessários e
suficientes para descrever uma realidade específica e particular, o que poderia ser classificado
apenas como imensuráveis sensações ou subjetividade inacessíveis desses indivíduos
(SOUZA; SOUZA; SILVA, 2013).

Depois desse ciclo de expansão da produção no campo em larga escala, ocorrida nas
décadas de 1950 e 1960, a maioria dos que permaneceram nas suas posses eram notadamente
membros de comunidades negras rurais ou indígenas que permaneceram produzindo, ainda,
no modelo de produção de subsistência, mas com uma variedade de produtos que garantia o
sustento, complementado, quase sempre, com trocas resultantes dos escassos excedentes
(DEELEN; DONIDA, 1966).

Esses grupos que continuaram no modo de vida camponês, geralmente recebiam


autorização dos latifundiários para permanecerem, mas com a contrapartida de que prestassem

68
69

serviços nas fazendas. Nos espaços onde localizavam os latifúndios usados para criação de
gado também se encontravam áreas reservadas para instalação de camponeses que,
geralmente, por sua condição periférica, ficaram mais conhecidas com “fundos de pastos”.
Essas comunidades produtivas formadas por camponeses com fortes laços de parentesco,
também podem ser identificadas como comunidades negras rurais (BAHIA, 2012).

Além dos camponeses descendentes de africanos e alguns colonos europeus, existiam


inúmeras aldeias indígenas que, entre os séculos XVI e XIX, foram dizimadas em um
verdadeiro etnocídio, quando falou-se na extinção dos povos indígenas no século XX. O
discurso de que não existiam mais indígenas atendia certa conveniência da elite agrária que
foi adotado oficialmente, inclusive, pelo Estado Brasileiro. Seus descendentes, que
historicamente também ocuparam o território, passaram a ser identificados e a auto-
identificar-se como caboclos ou “cabocos” na linguagem usual.

Todos esses grupos citados e outros que também viviam em condição subalterna, na
maioria das vezes gozavam de certa autonomia na produção familiar ou comunal, mas tal
autonomia estava atrelada à prestação de serviços de extração de madeira nos latifúndios de
produção agrícola ou nas fazendas criadoras de gado que sustentaram tal dinâmica até a
década de 1980.

Nesse sentido, de maneira tardia e sobrepostos, os contextos da produção rural foram


configurando-se ao longo do século XX. Com isso era garantido aos produtores mão de obra
e, aos camponeses, a permanência no campo ainda que submetidos à lógica das relações de
produção agrícola dominada pelas oligarquias rurais do período da primeira república
brasileira (BENEDICTO, 2007; LEAL, 2012).

Nem sempre estiveram presentes relações amistosas, com aparente subserviência.


Quando haviam inconformidades de interesses e sem espaços para negociações, os conflitos
eram marcados com muita violência contra os camponeses que, na maioria das vezes, não
encontravam alternativas senão enfrentar a força dos latifundiários (não raras vezes endossada
pelo Estado) ou, como foi recorrente, optar pelo abandono de suas terras, sofrendo um intenso
processo de desterritorialização (CHELOTTI, 2010). Já na década de 1950, na região do
Extremo Sul da Bahia, de acordo com os dados do Centro de Estatística Religiosa e
Investigações Sociais – CERIS (DEELEN; DONIDA, 1966, p. 51, 52):

Nessa faixa encontramos o pequeno proprietário que sofre por causa da


expansão de latifundiários, que entram cada vez mais na diocese e vêm de
Minas Gerais. São criadores de gado, que compram facilmente 44ha. De
69
70

terra para soltar gado; assim uma certa região da Diocese, especialmente a
zona Oeste, continua, junto com a cultura do cacau e a grande extração de
madeira, no tipo colonial de agricultura com produto único, seja gado, cacau
ou madeira, pronto para exportação, sem mercado local e regional. Cada vez
sobra menos terra e menos interêsse (sic) pelas culturas variadas, aquelas
que são mesmas necessárias para a manutenção da população local e
regional. Os produtos agrícolas de consumo, tão vitais para a área, vêm
especialmente dêsse (sic) tipo de estabelecimento. (...) A área da diocese é
mais caracterizada pelo latifúndio e pela agricultura colonial do que todo
Estado da Bahia.

Os dados do estudo da CERIS possibilitam fazer algumas interpretações da percepção


de seus pesquisadores que convergem para algumas hipóteses iniciais desta tese, sobretudo a
proposição de que Extremo Sul da Bahia insere-se em um contexto de avanço do capitalismo
no campo e suas experiências históricas demarcadas entre as décadas de 1970 e 2010 nas
regiões Sul e Sudeste do país.

O documento também chama a atenção para as condições precárias dos trabalhadores


rurais expostos à condição de mão de obra barata sem acesso a posse da terra e sem
perspectiva de produção autônoma. Os camponeses que ocupavam a região do Extremo Sul
da Bahia (sejam oriundos das comunidades negras rurais, das aldeias indígenas ou
simplesmente antigos moradores sem um marcador étnico-identitário) foram transformados
pelos criadores de gado, produtores de madeira, cacau ou outro produto tipo exportação em
trabalhadores rurais, sem terra (DEELEN; DONIDA, 1966).

Segundo dados do censo agropecuário do estado da Bahia, fornecidos pelo IBGE,


entre as décadas de 1950 e 1990 ocorreu uma significativa expansão da atividade pastoril na
região, saltando de 169.000 hectares para 1.373.905 hectares. Essas informações oficiais não
significam que não tenham ocorrido expansão ainda maior do que a divulgada, podendo se
pensar em um aumento superior a 1000% da atividade agropastoril somente na região do
Extremo Sul da Bahia entre as décadas analisadas (KOOPMANS, 2005).

3.3 DESFLORESTAMENTO E LOGÍSTICA: PROTAGONISMO DA BR 101 NO


EXTREMO SUL DA BAHIA.

A década de 1950 marca a intensificação da agricultura extensiva na região, com


destaque pra degradação do meio ambiente com a exploração da Mata Atlântica. Uma vez
retirada a matéria prima, a implantação de serrarias de larga produção permitiu a significou

70
71

também a sobreposição de atividades ligadas a agricultura intensiva, com uso de aparato


industrial no beneficiamento de madeira.

FIGURA 7 Indústria Elecunha (canto superior a esquerda) – Nova Viçosa-BA

Fonte: Albuquerque, 2006, p.41.

No início da década de 1950, na cidade de Nova Viçosa, a empresa Elecunha começou


com uma serraria e em 1960 foi inaugurada uma seção de compensado, com a presença do
governador Juracy Magalhães, dos deputados estaduais Oscar Cardoso e Deolizano Rodrigues
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 41,42):

“(...) Navios estrangeiros atracavam no porto da companhia para


carregamento de madeira para os Estados Unidos”. E ainda “(...) abriu
núcleos populacionais que, mais tarde, se transformariam em cidades. Um
exemplo é Teixeira de Freitas, que começou como um acampamento dos
trabalhadores da Elecunha”.

A década de 1960, nesse sentido, representou o período em que a região iniciou seu
ciclo mais intenso da exploração predatória da Mata Atlântica e na década de 1970 atraiu
significativos fluxos de capitais para a exploração da madeira, principalmente com
implantação de serralherias para o beneficiamento da madeira. Os dados de Cerqueira Neto
(2013, 253) nos situa quanto a configuração do espaço regional quando afirma que:

Na metade do século XX chegam não região os grandes grupos madeireiros


que vão realizar o desmatamento através de técnicas sofisticadas, utilizando
de máquinas potentes tanto no campo como na sua estrutura logística para
atender, mormente, o mercado externo. (...) Essas grandes empresas
montaram seus parques industriais e toda sua infraestrutura em cidades
localizadas nas margens da BR 101.
71
72

Na década de 1970 chegaram mais duas empresas madeireiras na região como


resultado do aumento da exploração para atender demandas de outros estados como Espírito
Santo e Minas Gerais. Para Cerqueira Neto (2013, p. 253):

A espoliação da vegetação nativa da região com fins comerciais, inclusive


com transações internacionais, foi capitaneada por duas grandes madeireiras:
a empresa Brasil Holanda S.A. (BRALANDA), com uma sociedade formada
por capital brasileiro e holandês, e da Cia. Itamaraju Agroindustrial. Juntas,
elas influenciaram na economia, na sociedade, na política e no meio natural,
tudo dentro de uma dialética, pois ao mesmo tempo em que desmatava
também construía”.

Esse período também marcou o aumento do fluxo de pessoas na região. A mobilidade


populacional registrada na Região do Extremo Sul da Bahia foi protagonizada principalmente
por trabalhadores vindos do Espírito Santo e Minas Gerais em um movimento inter-regional
que ainda marca a formação populacional de municípios que tiveram maior crescimento
demográfico no último quartel do século XX, a exemplo de Teixeira de Freitas e Eunápolis
(acima de 100 mil habitantes), mormente, pós construção da BR 101 que atravessou toda
região – como pode ser percebido através da figura 7.

FIGURA 8 Localização da cidade de São Mateus-ES

Fonte: www.sogeografia.com.br (acesso em 24/10/2016).


72
73

A mobilidade populacional e, com maior ênfase, o crescimento demográfico nos


espaços urbanos também foi influenciado pelo movimento intrarregionais provocado pelo
aumento do êxodo rural em alguns municípios da região, com maior destaque para Mucuri,
Teixeira de Freitas e Eunápolis (voltaremos a essa abordagem na análise do caso do
município de Teixeira de Freitas).

De maneira sobreposta à experiência produtiva de agricultura intensiva (como


formação de pastos para criação de gado), ainda tratava-se de modelo de agricultura intensiva,
com a derrubada de áreas da Mata Atlântica. Os três mapas seguintes apresentam imagens da
progressão do desflorestamento ocorrido na região do Extremo Sul da Bahia com marcação
nas décadas de 1945 (figura 8), 1960 (figura 9) e 1990 (figura 10) para melhor localizar os
impactos causados pelo desflorestamento:

Figura 9 - Remanescentes da Mata Atlântica no Extremo Sul da Bahia – Ano: 1945

73
74

Fonte: CEPLAC, 2008.

74
75

FIGURA 10 - Remanescentes da Mata Atlântica no Extremo Sul da Bahia – Ano: 1960

Fonte: CEPLAC, 2008.

75
76

FIGURA 11 - Remanescentes da Mata Atlântica no Extremo Sul da Bahia – Ano: 1990

.
Fonte: CEPLAC, 2008.

76
77

Desse modo, apresentamos até aqui um contexto histórico que aponta para a
consolidação da expansão da agricultura intensiva na região do Extremo Sul da Bahia com a
introdução da agricultura extensiva no final do século XIX e início do século XX.
Enfatizamos também um recorte geográfico onde o Extremo Sul da Bahia tornou-se um
centro regional de produção e distribuição de madeira nativa para o Espírito Santo e, com
maior ênfase, para Minas Gerais.

O processo de desflorestamento da região do Extremo Sul da Bahia que, de forma


sistêmica, ocorreu entre as décadas de 1950 a 1990, teve uma lógica própria, inserida em uma
conjuntura econômica e política com envergadura para provocar alterações nas relações
econômicas e sociais de produção no campo, impactando de forma indelével o meio ambiente
da região.

A abordagem que apresenta a dinâmica da economia regional está contextualizada


com a dinâmica da economia macro que, por sua vez, representa os interesses do capital
nacional e internacional voltados para a expansão da produção no campo em espaços
periféricos do globo, como no caso do nosso recorte espacial. Em outras palavras, o contexto
ora apresentado da região do Extremo Sul da Bahia insere-se em uma racionalidade
econômica que se explica pela penetração do capitalismo no campo para produção/exploração
de matéria prima tipo exportação (WOLF, 1970).

A lógica da expansão do capitalismo no campo possibilita análise da economia


regional sob um quadro de dependência sustentada por uma colonização tardia (que se
sustenta como projeto sistêmico desde as pretensões desenvolvimentistas da década de 1950).
Tal neocolonização do território em questão, que efetivamente lança suas bases na década de
1960, mantém um planejamento para a região durante as décadas subsequentes do século XX
e potencializa empreendimentos no setor do agronegócio nos primeiros anos do século XXI –
considerando que essa pesquisa delimita sua análise até 2010 devido o acesso a dados
produzidos pelo censo do IBGE desse mesmo ano (IBGE, 2010).

As décadas de 1950 e 1960 também marcaram o crescimento do número de cidades e


o crescimento populacional nas zonas urbanas da região do extremo sul da Bahia. Nessas
décadas é possível perceber as transformações influenciadas pela força da expansão da
agricultura intensiva com plena capacidade de alterar a geografia física, política e
demográfica da região ora estudada. Em seguida, apresentamos dois quadros onde fica

77
78

evidenciada a década de 1950 como demarcadora temporal mais expressiva e que nos permite
compreender a atual composição geopolítica do Extremo Sul da Bahia:

QUADRO 1- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados até 1938

Nº. MUNCÍPIOS ATÉ 1938 DATA DE CRIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS

01 Caravelas 23 de Abril de 1855 – Lei (imperial) nº 521


02 Prado 02 de Agosto de 1886 – Lei provincial nº 129
03 Belmonte 23/05 de 1891 – Ato nº 386 da Ouvidoria de Porto Seguro
04 Porto Seguro 30 de Junho de 1891 – Ato nº 499
05 Alcobaça 20 de Julho de 1896 – Lei estadual n° 122

06 Mucuri 13 de Janeiro de 1931 – Decreto estadual nº 7191

07 Santa Cruz Cabrália 30 de Março de 1938 – Lei estadual n° 10.724


Fonte: IBGE, 2010

QUADRO 2- Municípios que compõem o Extremo Sul da Bahia emancipados pós 1938

Nº. MUNICÍPIOS CRIADOS A DATA DE CRIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS


PARTIR DA DÉCADA DE 1950.
01 Itapebi 14 de Agosto de 1958 – Lei estadual nº 1022

02 Itanhém 14 de Agosto de 1958 – Lei estadual nº 1.031


03 Medeiros Neto 14 de Agosto de 1958 – Lei estadual n° 1.024
04 Itamaraju 05 de Outubro de 1961 – Lei estadual nº 1.509
05 Guaratinga 31 de Agosto de 1961 – Lei estadual nº 1.466
06 Itagimirim 23 de Abril de 1962

07 Lajedão 16 de Julho de 1962 – Lei estadual nº 1.723


08 Ibirapuã 20 de Julho de 1962 – Lei estadual nº 1.738
09 Nova Viçosa 27 de Julho de 1962 – Lei estadual nº 1.751
10 Teixeira de Freitas 09 de Maio de 1985 – Lei nº 4.452

11 Eunápolis 12 de Maio de 1988

12 Jucuruçu 20 de Fevereiro de 1989 – Lei estadual nº 4847


13 Vereda 24 de Fevereiro de 1989 – Lei estadual nº 4.838
14 Itabela 14 de Junho de 1989 – Decreto estadual nº 5.000
Fonte: IBGE, 2010

78
79

Percebe-se que antes da década de 1950 a região era composta por apenas sete
municípios. Entre as décadas de 1950 e 1980 este número triplicou, subindo para vinte e um
municípios. Isso se explica pela confluência de forças políticas e econômicas visando a
execução de um projeto maior que passa, primeiro, pela consolidação da região enquanto
espaço geográfico sob a administração política do Estado da Bahia; segundo, buscou-se
oferecer condições que garantissem a expansão do capital em um novo contexto de
exploração de matérias primas (neocolonização ou colonização tardia?), neste caso, de
desflorestamento de madeiras nativas; terceiro, e não menos importante, garantir domínios
para o uso da terra em escala compatível com os modelos latifundiários através de múltiplas
formas de violência contra a população que vivia no/ do campo (DEELEN; DONIDA, 1966).

Neste contexto, em 22 de abril de 1973, foi inaugurado o trecho da rodovia BR-101


que liga Vitória no Espírito Santo a Salvador na Bahia e, com isso, “a extração de madeira
ganha uma escala avassaladora” que contribuiu para a reformulação das relações econômicas,
políticas e sociais na região em questão (SANT‟ANNA, 2009). A construção do trecho da
rodovia BR 101 não significou uma inflexão ou alteração da dinâmica do Extremo Sul da
Bahia, ao contrário, consolidou o ciclo do desflorestamento e avançou para o reflorestamento
na região. De acordo com Pedreira (2008, p.83):

No que se refere ao padrão de ocupação regional, a devastação desencadeada


pela extração madeireira associada ao processo de concentração fundiária e à
dinamização do mercado de terras, resultantes da construção da BR 101 e da
expansão da pecuária na região, nos anos 1970, criaram as condições para o
avanço de atividades de reflorestamento. Da mesma forma, a natureza
absenteísta dos fazendeiros locais, aliada à inexistência de atividades com
grande relevância econômica estadual e nacional e de interesses fortemente
consolidados na região facilitaram a entrada de novos agentes e a
apropriação e ocupação de áreas com plantios de eucaliptos.

Surge então um esboço de projeto de desenvolvimento regional sob a égide do Estado.


Nesse sentido, o Extremo Sul da Bahia está inserido em um nexo econômico, político e
socioambiental: tal conjuntura exigiu desdobramentos da política interna, expressa pela ação
conjunta entre os entes federativos, Estado e União, para garantir, do ponto de vista político, a
expansão do agronegócio e, ao mesmo tempo, afiançar a superação das contradições e
embates socioambientais gerados pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista
(ZHOURI, 2004).

Nas décadas seguintes, a administração do Estado da Bahia articulou ações para


promover maior visibilidade da região do Extremo Sul. Nesse contexto, como já explicitado,

79
80

um dos momentos históricos para região foi marcado pela visita do governador, Antônio
Carlos Magalhães (ACM). Esta visita estava inteiramente ligada "a um suposto movimento de
desvinculação da região compreendida pelo norte do Espírito Santo, Extremo Sul da Bahia e
Leste de Minas Gerais" (GUERRA e SANTOS, 2009). ACM foi o primeiro governador a
visitar o Extremo Sul do estado de forma ostensiva.

Durante a visita, o governador proibiu a saída de madeiras para MG e ES, obrigando a


instalação de serrarias26 na região. A vinda de ACM afiançou a exploração madeireira com
vistas ao desenvolvimento local e ao temor de abandono desta região pelo governo do Estado
que poderia levar a algum tipo de sublevação e/ou aproximação (real ou não) com o Espírito
Santo e Minas Gerais. Tal medida também buscava oferecer condições de certo protagonismo
da região, principalmente com a abertura da BR 101 27.

O trecho da BR 101 que liga Teixeira de Freitas a Salvador e o Espírito Santo foi
inaugurado em 1973 e representou um marco na consolidação de pertencimento político desta
região ao Estado da Bahia. É a partir desse caminho que a cidade projetou-se para
representação central da região. Como afirma Gomes (2015):

Em atendimento a esta concepção Teixeira de Freitas passa a contar quando


nela se instala instituições governamentais, entre elas, o símbolo do
progresso – a BR 101, expresso de ponta a ponta na cidade que agora
constaria no mapa e teria sua escrita assentada na história da Bahia (p.14).

Essa concentração de investimentos de capital e de movimentação de mercadorias


impulsionada pela abertura da BR 101 favoreceu o surgimento e crescimento demográfico em
áreas urbanas de alguns municípios como Teixeira de Freitas, localizado no Extremo Sul da
Bahia, que tornou-se um espaço com representatividade regional.

É importante salientar que a estratégia de colocar o Extremo Sul Bahia na “rota do


progresso” vai além de qualquer política isolada de Estado, diferente disso, trata-se de um
projeto de desconcentração de investimentos de capitais no país. Para compreendermos o
processo é necessário um cuidadoso olhar sobre a estratégia do desenvolvimento, expansão e
consolidação do agronegócio como um dos elementos estruturantes e explicativos da questão
fundiária no Brasil.

26
Estabelecimento industrial onde se cortam madeiras, geralmente por processos mecânicos.
27
“O discurso do então governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, quando da inauguração da estrada em
22/04/73, é bastante revelador da nova fase que se implanta na região. (...) o governador destacou que o Extremo
Sul estava sendo redescoberto. Um novo tempo ia chegar e o esquecimento seria substituído pelos benefícios
advindos do progresso e do desenvolvimento” (PEDREIRA, 2008, p.80).

80
81

Estudar a estrutura em que o capital está inserido é salutar para escaparmos de uma
abordagem radicalmente localista da história que tende a não levar em conta determinadas
relações com o desenvolvimento do capitalismo no campo, em nível regional, nacional e
global, com suas peculiaridades nos variados tempos e espaços. Ao analisar o período,
Pedreira (2008, p. 27), salienta que:

No período que vai da segunda metade dos anos 1960 a meados dos anos
1980 e, particularmente, de 1970 a 1985, assiste-se a um processo de
desconcentração. Nesta fase, denominada de integração produtiva, as
grandes frações de capital localizadas, predominantemente, no Sudeste
passam a marcar presença nas regiões periféricas, motivadas pelas
oportunidades econômicas que surgem nas regiões menos industrializadas e
pelos fortes incentivos fiscais e financeiros, por sua vez, associados à
implementação de políticas de desenvolvimento regional e setorial. A
difusão nas diversas regiões de bases produtivas, ao tempo em que atenuava
as diferenças regionais, proporcionava a integração das regiões periféricas à
dinâmica nacional. Como resultado, observou-se um movimento de inversão
de polarização das atividades econômicas no Sudeste, com avanço
consequente do peso das outras regiões na formação do Produto Interno
Bruto – PIB brasileiro, crescendo, sobretudo, a fatia do Norte, do Centro-
oeste, e também do Sul e do Nordeste.

A mesma autora apresenta dados específicos para a Bahia quando demonstra que os
incentivos fiscais e financeiros para o Nordeste deparou-se com a “incapacidade” de
apresentar demandas “endógenas” e que isso teve impactos na política de desconcentração.
Assim, no caso da Bahia, além dos condicionantes vinculados à trajetória da economia
nacional e às estratégias de expansão setoriais, o processo recente de crescimento e de
transformação econômica, contou com a implementação de política de atração de
investimento materializada, sobretudo, na utilização de incentivos fiscais e financeiros e na
alocação de recursos específicos em infra-estrutura.

A política de incentivos fiscais no projeto de desenvolvimento do Extremo Sul da


Bahia constitui-se no principal foco da estratégia de desenvolvimento do Estado (PEDREIRA,
2008). Ainda de acordo com Pedreira (2008, p. 38):

A partir dos anos 1970, também a agricultura apresenta-se mais diretamente


comprometida com a expansão do capital, em consonância com a tendência
de integração econômica nacional. Afirma-se, assim, o processo de
modernização do meio rural baiano, viabilizado pela ação do Estado e
apoiado em políticas de subsídios e incentivos, destacando-se o crédito
agrícola e os investimentos em infra-estrutura.

A existência de terras disponíveis para exploração (sobretudo pelas condições


vulneráveis de seus posseiros), os incentivos dos governos em todas esferas (federal, estadual

81
82

e municipais) bem como o potencial de competitividade produtiva da região foram atraindo


diversos agentes econômicos, tais como: madeireiros, pecuaristas, agricultores e industriais do
setor de celulose e papel.

Assim, diferentemente da fase anterior – quando o ciclo de investimentos do setor


florestal e de papel e celulose foi, fundamentalmente, fruto da intervenção do Governo
Federal – o avanço e desempenho do complexo florestal, a partir de final dos anos 1980 e
durante a década de 1990 o empreendimento passaram a ser regidos pela demanda de
mercado para o setor agroflorestal e pela necessidade “de expansão das empresas, e não mais
pelas exigências do desenvolvimento planejado do país” (SOUSA, 2012, p.343).

Significa afirmar que a participação dos investimentos do setor público serviu


diretamente com fins a estruturação para investimentos do setor privado. Após tais
investimentos do setor público ao setor privado, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Economico e Social – BNDES “deixou de ser o alicerce principal e passou a constituir uma
alternativa de financiamento, com os demais instrumentos disponíveis no mercado” (SOUSA,
2012, p.343).

3.4 MONOCULTURA DO EUCALIPTO: AGRONEGÓCIO E “REFLORESTAMENTO”


NO EXTREMO SUL DA BAHIA

Neste primeiro quadro histórico (1950-1990), o Extremo Sul da Bahia transformou-se


em um polo de extração/exportação de madeira nativa para outras regiões do país. Tal projeto
teve e tem implicações socioambientais que pretendemos discutir a partir de um quadro mais
amplo de problematização, sobretudo com a discussão do “reflorestamento” na região com a
monocultura do eucalipto que teve início da década de 1970, se intensificou nas décadas de
1980/1990 e se consolidou na primeira década do século XXI.

O período que nos serve como demarcação para análise (1970-2010) é também um
marco temporal para a materialização de decisões políticas e econômicas que permitem a
atual configuração geopolítica contextualizada com a agricultura intensiva referenciada pelos
investimentos das atividades do setor agroflorestal iniciado na década de 1980 no Extremo
Sul da Bahia. Na análise de Pedreira (2008, p. 48):

A partir da segunda metade do século XX, a lógica da produção capitalista


se espalhou por todo Extremo Sul Baiano, transformando rapidamente a
paisagem, e as relações sócio-econômicas do território. Corresponde
basicamente a expansão da bovinocultura extensiva, da mecanização do café
82
83

e do avanço do capital madeireiro, intensificando, desta forma, a devastação


dos recursos naturais. Este processo se deu, a partir dos anos de 1950, mas
sobretudo, a partir dos anos de 1970, até as décadas de 1980 e 1990 com a
implantação dos modernos projetos industriais de reflorestamento de
eucalipto.

Consideramos aqui a produção agrícola intensiva que, no final da primeira década do


século XXI, culminou na monocultura do eucalipto em todos os municípios da região (veja a
figura 11). O setor agroflorestal regional e toda sua cadeia produtiva tornou-se a maior
referência em todo o estado da Bahia e uma das maiores do país.

FIGURA 12 - Municípios do Extremo Sul da Bahia

Fonte: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 (Acesso em 29/09/2015).

Nas três ultimas décadas tem-se verificado uma grande expansão da monocultura do
eucalipto para produção de celulose no Extremo Sul da Bahia. A monocultura do eucalipto
surge e ocupa o espaço anteriormente ocupado pela Mata Atlântica em uma dinâmica de
reflorestamento sem precedentes na história regional e que coloca em lados opostos setores
com seus interesses específicos. Via de regra, a expansão da produção no campo, quando sob
égide do capital, não ocorre sem a existência de conflitos e disputas. A presença de atores
sociais históricos no Extremo Sul da Bahia com a prática da agricultura de subsistência, ora
representados por indígenas, ora por comunidades negras rurais, permite uma composição

83
84

social mediada, ainda que contraditoriamente, pela atuação do capital (retornaremos a essa
abordagem à frente).

Como podemos notar nas figuras 12 e 13, a maior expansão do setor agroflorestal na
região ocorreu entre os anos de 1970 e 2010. Essas três décadas marcaram a substituição, sem
precedente na história regional (quiça do Brasil), da Mata Atlântica pela monocultura do
eucalipto. Aqui era terra do Jacarandá e de tantas outras madeiras nativas. Parecia que não
acabava nunca, mas tudo se acabou; nos informa o senhor Jacinto Gomes 28, um trabalhador
rural aposentado de 88 anos que vive atualmente (2019) em Teixeira de Freitas.
Nos

Figura 13 - Evolução dos plantios de Figura 14- Evolução dos plantios de eucaliptos no
eucaliptos no Brasil (1980-1990). Brasil (1990-2010).

Fonte: Freitas Junior (2011).

Como podemos perceber, esse período foi marcado como o último ciclo da extração
predatória de madeira que, nas décadas de 1980 e 1990, devastou a Mata Atlântica na região,
sendo esta suplantada pela monocultura do eucalipto. O desflorestamento ocorreu com total
ausência de fiscalização por parte dos órgãos estatais federais, estaduais e municipais. O que
se presenciou naquele período, história ainda muito viva na memória dos moradores mais
antigos, foi uma política de abertura para implantação das serralherias na região através de
incentivos fiscais. Para Andrade e Oliveira (2016, p. 315):

Estes incentivos fiscais foram fundamentais para a expansão espacial desse


setor, saindo de 296.539 ha, entre 1967 e 1969, para 3.113.395 de ha
plantados, no período entre 1970 e 1979, com crescimento de

28
Entrevista concedida em 16 de março de 2018.
84
85

aproximadamente 950%, no Brasil”. O papel do BNDES, nas décadas de


1960 e 1970, juntamente com os artifícios jurídicos elaborados pelo Estado,
produzem um ambiente propício de atuação das empresas multinacionais do
setor em solos brasileiros, aumentando o potencial de produção de produtos
voltados para o mercado externo.

Embora tenha ocorrido proibição de retirada da madeira para beneficiamento nos


estados vizinhos, houveram importantes incentivos para a implantação de serralherias no
Extremo Sul da Bahia, com destaque para Teixeira de Freitas e Eunápolis (KOOPMANS,
2005).

As últimas décadas do século XX também foram marcadas pela expulsão dos


posseiros para ampliação da agropecuária, da agricultura de larga escala e a implantação da
monocultura de eucalipto na região com anuência do aparato administrativo do Estado para
“regularização” do processo que legaliza a atividade (SOUSA, 2011).

Na década de 1980 foi iniciada por iniciativa própria (espontânea) na região (entre
Caravelas, Nova Viçosa e Teixeira de Freitas) uma colônia de imigrantes japoneses que
iniciou a produção de mamão e melancia que projetou a região como maior produtor dessas
culturas no estado da Bahia. A maior parte da produção era escoada para os estados do
Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Coincidência ou não, o licenciamento ambiental no estado da Bahia teve início na


década de 1970, “sendo o pioneiro dos estados brasileiros a conferir órgãos e leis em defesa
dos recursos naturais, e se constituiu em um grande avanço na área ambiental” (SANTOS,
2011, p. 15,16).

A legislação ambiental brasileira é bastante avançada enquanto ordenamento jurídico,


mas a sua aplicação é uma incógnita para alcançar os objetivos da demanda que originou cada
documento legal. De acordo com a Resolução nº 237/97 do Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONOMA), no seu Artigo 8º, incisos I, II e III determina-se que o poder público
“no exercício de sua competência de controle” expedirá “Licença Prévia (LP), Licença de
Instalação (LI) e Licença de Operação (LO)”. Mas, o que se constata na análise da base legal
do licenciamento ambiental na atividade de monocultura de eucalipto no extremo sul da Bahia
é deficiência e ineficiência por parte do Estado no cumprimento de sua responsabilidade
fiscalizadora, como foi divulgado em 2008 pelo Instituto de Meio Ambiente da Bahia (IMA,

85
86

BAHIA/2008)29. Este órgão estadual responsável pela preservação e fiscalização ambiental


após estudos afirmou que havia falta de controle nos processos de licenciamento ambiental,
resultando no não cumprimento das condicionantes propostas pelas licenças ambientais
(IMA-Bahia, 2008). Ao analisar a base legal e a ineficácia do licenciamento ambiental na
monocultura do eucalipto no Extremo Sul da Bahia, Santos (2011, p. 26 e 30) afirma que:

“Na silvicultura, em particular de eucalipto, é fundamental não apenas a


requisição da licença pelo proprietário junto ao órgão ambiental competente,
mas é de extrema importância o cumprimento das condicionantes pela
proposta que visa um desenvolvimento sustentável e melhoria contínua dos
elementos naturais nela inserida. Em verdade essa responsabilidade de
fiscalização para cumprimento das condicionantes deve ser atribuída ao
órgão público que emitiu a referida licença e do proprietário que deve zelar
pelo cumprimento da mesma e ter a consciência que é necessário a
preservação do meio ambiente”. Mas o estudo realizado pelo IMA (atual
INEMA) em 2008 demonstrou total “descaso com a proteção da
biodiversidade, ignorando totalmente as condicionantes propostas através
das licenças ambientais pelo órgão competente, causando sérios problemas
socioambientais em quase região.

O estudo também apontou para irregularidades referentes à inexistência de


licenciamentos ambientais ou condicionantes não cumpridas pelos empresários do setor da
monocultura de eucalipto, resultando em vários conflitos sociais devido “a falta de
fiscalização pelo IMA e pelos órgãos ambientais municipais que tinham autorização de emitir
licenciamentos ambientais (IMA, BAHIA/2008).

De acordo com a pesquisa de Santos (2011), entre 2008 e 2011 não foi realizada
nenhuma fiscalização nem pelo IMA, nem pelas secretarias municipais de meio ambiente na
área de monocultura de eucalipto, com o objetivo de encontrar os responsáveis por mais de
37.000 ha de plantio irregular registrado em todo extremo sul da Bahia.

A falta de fiscalização até 2008 foi constatada pelo estudo do próprio Instituto do
Meio Ambiente (IMA 2008), bem como pelos resultados da pesquisa de Santos (2011)
apresentando dados com situações inusitadas, como a liberação de “Licença de Operação”
para empresa de eucalipto que não tem a totalidade da área licenciada com efetivo plantio.
Segundo o engenheiro florestal e autor da pesquisa, o esquema das licenças ilegais
(identificadas pelo Instituto de Meio Ambiente - IMA) funcionava desse modo para garantir a
inclusão de áreas menores que eram terceirizadas para a produção e que não tinham
licenciamento ambiental.

29
Em 2011 o Instituto do Meio Ambiente (IMA) foi alterado pela Lei 12.212/2011 que criou o Instituto do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA).
86
87

Quando observamos a tabela 3 chamou-nos a atenção o fato de que as informações do


setor são fornecidas pelas empresas e por suas associações representativas. Com isso, tem-se
subnotificação de área ocupada e de produção que sustenta-se como substrato elementar,
porém eficiente, na prática de suposta sonegação de impostos dessas empresas; além de outros
possíveis crimes investigados.

TABELA 1- Área total licenciada publicada em Diário Oficial do Estado

EMPRESAS PLANTIO PRÓPRIO ÁREA EFETIVAMENTE


LICENCIADO IMPLANTADA*
Veracel Celulose S.A 112.380,24 89.758,07
Aracruz Celulose S.A 101.059,15 97.459,75
Suzano Bahia Sul Papel e 92.398,92 90.637,90
Celulose
Caf – Santa Bárbara Ltda. 8.833,59 8.833,59
Total 314.671,90 285.016,98
* Dados fornecidos pelas Empresas. Fonte: Instituto do Meio Ambiente (IMA, BAHIA/2008, p.11).

Ainda segundo a interpretação de Santos (2011), a empresa legalizava o plantio de


áreas que não estavam sob sua responsabilidade. Isso era possível devido à ausência de
fiscalização dos órgãos competentes, como INEMA, SEMA e SISEMA, que não tinham
nenhum interesse fora do âmbito das empresas representantes de capital internacional que
garantia certo volume de impostos. O estudo do IMA (2008, p.18) apresenta interessante
diagnóstico da fiscalização por parte do Estado para regular a monocultura de eucalipto no
extremo sul da Bahia:

Do conjunto de constatações trazidas pelo estudo deduz-se uma grave falta


de governança, seja regional ou local, para lidar com a situação, que de
longe ultrapassa os limites do controle (sic) ambiental. Não há ordenamento
nem zoneamento do território; não há coordenação das intervenções públicas
relativas aos plantios de eucalipto na região; não há políticas agrícolas, não
há políticas fundiárias; não há controle da legalidade da venda de terras; não
há estudos/normas específicas estabelecendo índices recomendáveis de
ocupação para as plantações por municípios. Não há um mapeamento que
proporcione uma visão de conjunto dos conflitos antigos e atuais, nem do
status nem do tratamento dado aos mesmos nas esferas administrativas de
diversos órgãos atuantes na região ou do judiciário. A impressão que se tem
é que as condicionantes das licenças ambientais são percebidas como os
únicos instrumentos de governança na região.

87
88

Constatou-se em 2010 que, em relação às licenças municipais, a maioria dos plantios


(quase 70%) está sem licença ou com a mesma vencida. Também se constatou a queima de
etapas na liberação dos processos que não respeitam, na prática, a sequência de Licença
Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO) de acordo com o
cumprimento linear das condicionantes (SANTOS, 2011).

Tal conjuntura forçou a participação do Ministério Público Estadual para exigir a


participação e competência dos municípios na liberação de licença somente nos casos em que
a legislação autoriza. Também ocorreu posicionamento do MP na exigência de “celebração de
um termo de ajustamento de conduta, no qual foi estipulado que os municípios ficarão
responsáveis por emitir a devida licença ambiental para os empreendimentos inferiores a 100
ha”. A justificativa do MP, dada sua atribuição quanto ao monitoramento do Estado, deu-se
nos seguintes termos (MP, BAHIA, p. 1,2):

Ao tratar do licenciamento ambiental para atividades voltadas à


eucaliptocultura (floresta de produção exótica), a referida Resolução
distinguiu, primeiramente, as atribuições do Estado e dos Municípios de
acordo com o vínculo do florestamento ou reflorestamento com o fomento
florestal. De acordo com o entendimento do CEPRAM, o “potencial de
poluição” da floresta de produção de eucalipto com vínculo com fomento
florestal é alto, razão pela qual toda licença será concedida somente pelo
Estado, independentemente do porte do empreendimento. Diferente é o caso
do empreendimento que não possui vínculo com fomento florestal, sendo tal
atividade considerada com potencial de poluição de nível médio. Neste caso
há, ainda, a necessidade de verificar o porte do empreendimento, uma vez
que o grande porte (entre 5.000 ha e 10.000 ha) e o excepcional (acima de
10.000 ha) também apenas podem ser licenciados pelo Estado. Os demais,
que são o de micro porte, com área de 100 ha a menos de 500 ha, de pequeno
porte, de 500 ha a menos de 2.500 ha, e médio porte, de 2.500 ha a menos de
5.000, podem ser objeto de licenciamento ambiental pelo Município. No
entanto, não são todos os Municípios que poderão licenciar os
empreendimentos até 5.000 ha. Isso porque o Município precisará,
primeiramente, identificar o “nível de opção” do licenciamento que pretende
implementar, de acordo com a sua capacidade técnica e administrativa.
Conforme previsto no art.7° da Resolução do CEPRAM, “para a realização
do licenciamento ambiental das atividades consideradas de impacto
ambiental local, deverá o Município, nos termos da lei: I - Possuir legislação
própria que disponha sobre a política de meio ambiente e sobre a polícia
ambiental administrativa, que discipline as normas e procedimentos do
licenciamento e da fiscalização de empreendimentos ou atividades de
impacto local, de acordo com respectivo nível de complexidade da sua
opção; II - Possuir em sua estrutura administrativa órgão responsável com
capacidade administrativa e técnica interdisciplinar para o licenciamento,
controle e fiscalização das infrações ambientais das atividades e
empreendimentos, de acordo com o nível de complexidade da sua opção; III
- Ter implementado e em funcionamento o Conselho Municipal de Meio
Ambiente, com caráter deliberativo e participação social, recomendando-se a
proporcionalidade entre governo, organizações da sociedade civil e do setor
88
89

econômico; IV - Ter legalmente constituído o Fundo Municipal de Meio


Ambiente; V - Ter implementado seu Plano Diretor, quando obrigatório.”
Assim, optando pela competência “1”, o Município poderá licenciar os
micros empreendimentos. A competência “2” permite o licenciamento de
micros e pequenos empreendimentos. Já a competência “3” autoriza o de
micros, pequenos e grandes empreendimentos. A publicidade da opção do
Município será dada por meio de Resolução do CEPRAM, após a sua análise
por uma Câmara Técnica de Gestão Ambiental Compartilhada. Competirá ao
Estado, em caráter supletivo, exercer o licenciamento de atividades e
empreendimentos de impacto local, enquanto o Município não estiver
estruturado nos termos da resolução (art.17 da Res. n°3925/09).

A partir da segunda década do século XXI a FIBRIA 30, maior produtora de celulose do
mundo, tem no Extremo Sul da Bahia – como também no Norte do Espírito Santo e na região
do Vale do Mucuri-MG – seu maior investimento na monocultura do eucalipto que, ao longo
dos anos, tem acelerado mudanças socioambientais sem precedentes em toda região. É visível
o impacto regional devido a presença das empresas de celulose, bem como suas terceirizadas,
tanto nas cidades quanto no campo.

Tal cenário configura a expansão do agronegócio que é demarcado pelo fortalecimento


do aparato industrial e, no caso em questão, com domínio das monoculturas de plantações de
eucalipto que reflete no modo de vida daqueles que vivem da produção agrícola de
subsistência. As feiras livres nos municípios da região do Extremo Sul da Bahia estão cada
vez mais sendo abastecidas por produtos oriundos de outros centros de abastecimento, sendo
o de Vitória-ES o mais próximo e atuante na região em questão.

A região era rica na produção de cultura de subsistência e na primeira década do


presente século a maior parte dessas áreas cedeu lugar ao chamado “deserto verde”, que foi
implantado a partir de dois momentos cruciais do processo de avanço da produção capitalista
no campo na região: primeiro, a partir da década de 1950 com intenso desflorestamento com a
implantação de madeireiras e serrarias para exploração de madeiras oriundas da Mata
Atlântica e, no segundo momento, a partir da década de 1980, com o reflorestamento de
grandes áreas utilizadas para plantação de eucalipto.

É relevante lembrar que o discurso do desenvolvimento econômico e industrial com


preocupação ambiental ou responsabilidade social, objetivando o desenvolvimento

30
“Fibria Celulose S.A. é uma empresa criada em 2009 a partir de uma fusão, financiada com dinheiro público
brasileiro do BNDES, entre a Votorantim Celulose e Papel e a Aracruz Celulose S.A. Hoje, a Fibria é a maior
exportadora de celulose de eucalipto do mundo, com mais de 1 milhão de hectares de terras no seu poder, dos
quais 600 mil hectares com monocultivos de eucalipto”. (Rede Alerta Contra o Deserto Verde Brasil. Carta
pública de denúncia da certificação FSC da Fibria Aracruz Celulose S.A. Brasil/Setembro 2012.
89
90

sustentável, não conseguem mais esconder os impactos socioambientais. O processo de


expulsão de populações rurais do campo, o nascimento de cidades depósitos de mão de obra
para a indústria no campo, bem como a desestruturação urbana que lhe é própria não se
distancia dos modelos clássicos de análise da expansão do capitalismo no campo (WOLF,
1990; LENIN, 1985; KAUTSKY, 1980; VELHO, 1976).

90
91

IV. O EXTREMO SUL DA BAHIA E AS IMPLICAÇÕES


SOCIOAMBIENTAIS NO PROCESSO DE AVANÇO DO
AGRONEGÓCIO

Neste capítulo faremos emergir os dados de crescimento demográfico e mobilidade


populacional nas áreas urbanas e rurais do Extremo Sul da Bahia com posterior análise,
traçando um quadro da realidade nacional e fazendo recortes das regiões Sudeste e Nordeste,
que servirão de parâmetros da análise comparada.

Também apresentaremos dados específicos do Estado da Bahia e da região do


Extremo Sul da Bahia, possibilitando assim a compreensão da dinâmica do crescimento
demográfico e a mobilidade populacional urbana e rural em/entre alguns municípios da
região. A análise da dimensão demográfica inscreve-se na perspectiva analítica que busca
demonstrar, numa dimensão diacrônica, como as mudanças estruturais no mundo da produção
econômica impactam e são influenciadas pela mobilidade populacional. Com efeito, os fluxos
e refluxos de pessoas apresentam algum grau de relação com idênticos fluxos e refluxos de
capital e investimentos.

Dentre os impactos consolidados no período proposto (1970-2010) será contemplada a


análise do êxodo rural no contexto nacional; e com referência ao recorte espacial da região
Nordeste serão analisados os dados demográficos do estado da Bahia e do território que
compõe o extremo sul do estado, com ênfase no município de Teixeira de Freitas e sua
precária absorção de mão de obra concentrada no espaço urbano.

Trataremos aqui a mobilidade populacional e crescimento demográfico interestadual e


intraestadual como categorias que unificam os conceitos migratórios, considerando, com
maior ênfase, que “a localização das atividades econômicas teria também impacto decisivo
sobre a forma urbana, influenciando sua expansão, sua diferenciação socioespacial e,
portanto, a mobilidade da população” (CUNHA, 2016, p. 103).

A análise pretende compreender a lógica da expansão do agronegócio e seus impactos


econômicos e socioambientais; em tempo situaremos o Extremo Sul da Bahia como
dinamizador da economia, da política e das tensões socioambientais na geopolítica regional
com suas interconexões com outras regiões.

Para tanto pretendemos discutir a economia do Extremo Sul da Bahia e o processo de


penetração e expansão da produção capitalista no campo inserido sempre nas dimensões
91
92

global e local. Tal conjuntura econômica tem influenciado, inclusive, a decadência e ascensão
de centros urbanos, com destaque para o caso de Teixeira de Freitas que, pós década de 1980,
tendo como pano de fundo a disputa de incentivo fiscal entre os estados de Minas Gerais e
Bahia, assumiu posto de maior influência econômica e política na região.

4.1 CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E MOBILIDADE POPULACIONAL NO BRASIL

Estudos relevantes sobre o crescimento e mobilidade da população brasileira, a partir,


principalmente, dos dados do IBGE, apontam para uma característica distinta do crescimento
e da mobilidade populacional considerada desproporcional entre as regiões, com maior
destaque para as diferenças entre as regiões Sudeste e o Norte/Nordeste, bem como a lógica
do deslocamento da população do campo para as cidades brasileiras (IBGE, 2010;
GRAZIANO DA SILVA, 1996; SANTOS, SILVEIRA, 2004).

A década de 1960, período que foi marcado pela influência dos investimentos de
volumes expressivos de capitais no setor do agronegócio, representa um recorte temporal
tanto de ruptura quanto de continuidades das relações entre o campo e as cidades brasileiras.
A ruptura está representada pelas altas e desiguais taxas do movimento populacional nas
zonas rurais e nas urbanas; movimento este representado pela progressiva diminuição da
população rural e aumento a um ritmo permanente e crescente da população urbana,
considerando um quadro geral de crescimento ininterrupto da população brasileira nas cinco
décadas seguintes (IBGE, 2010).

A mobilidade populacional do/no período estudado é impulsionada mediante a


conjuntura política e econômica que criam impactos na zona rural, tal como as mudanças nas
relações sociais impostas pela implantação e expansão do modo de produção capitalista no
campo (GRAZIANO DA SILVA, 1996).

Desse modo, em uma perspectiva geral, como demonstra o gráfico 2, a população


brasileira cresceu mesmo quando consideramos algumas especificidades de determinadas
conjunturas. Quando tomamos a década de 1970 como referência, é perceptível o crescimento
linear até o final da década de 1980 quando ocorre leve diminuição, mas mantém a
linearidade da taxa de crescimento populacional, como pode ser observado no gráfico
analisado:

92
93

GRÁFICO 2 - Crescimento Populacional no Brasil entre 1970 a 2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1970/2010.

O crescimento da população brasileira implicou em aumento da desigualdade


representada pela significativa ampliação de população pobre nos espaços urbanos. Esse dois
fatores combinados (crescimento populacional e aumento de pobreza) serviram de base para a
consolidação de problemas históricos que se manifestam na falta de acesso a direitos
fundamentais como saúde, educação, segurança e trabalho. Como nos casos “dos negros na
América” e “imigrantes não-europeus na França”, a exclusão vivenciada na população dos
centros urbanos do Brasil potencializa uma crescente violência urbana que coloca os
“condenados da cidade” no centro da discussão (WACQUANT, 2001). Tal conjuntura
culminou no aumento do “exército de reserva” de mão de obra, que, de acordo com Santos e
Silveira (2004, p. 48):

“(...) levando à intensificação das migrações para o Estado de São Paulo.


Como sempre, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco eram os principais
Estados de origem dos contingentes, com 25,3%, 34,3% e 12,7% do total,
respectivamente. Esse período cria as condições para reativar o processo de
enfraquecimento de todas as periferias, enquanto o país parecia refluir para o
seu centro: capitais privados, investimentos públicos, população,
crescimento e pobreza. Esse ciclo deverá durar até fins dos anos 70, quando
a necessidade de novas orientações para a totalidade do corpo social virá
manifestar-se também no terreno político”.

Ao longo de meio século pós 1950 as regiões brasileiras sofreram impactos específicos
à cada contexto geográfico, político e econômico: esses impactos tiveram desdobramentos
direto e contextualizado no crescimento populacional e a na mobilidade demográfica de cada
região. A partir da região Sudeste que, historicamente, concentrou as contradições e impasses
93
94

do “desenvolvimento econômico” (sobretudo as experiências em países como Brasil e nos


demais que compõem o bloco da América Latina 31), todas as demais regiões brasileiras
sofreram os impactos do crescimento populacional representado pela expansão demográfica
nos espaços urbanos que impôs impactos diretos nos espaços rurais, considerando a
significativa diminuição da população que vivia no campo. A tabela 4 apresenta, a partir do
censo demográfico entre 1950 e 2000, a dinâmica do crescimento demográfico nas macro
regiões brasileiras:

TABELA 2 - População Residente, Segundo As Grandes Regiões - 1950/2000

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1950/2000.

Esses dados permitem avaliar que, em medida proporcional, as regiões que tiveram
maior aumento populacional entre 1950 e 2000 foram o Norte e Centro-Oeste, com
crescimento demográfico superior a 700% e 672%, respectivamente. Embora, na totalidade,
representem menor número de habitantes em relação às demais regiões, as regiões Norte e
Centro-Oeste representam espaços que sofreram reorganização produtiva a partir da
descentralização e expansão dos investimentos de capitais, além disso obtiveram as maiores
taxas de crescimento proporcionais (SANTOS; SILVEIRA, 2004). Para Camarano e Beltrão
(2000, p.10):

Durante todo o período para o qual se tem informações, foi na década de 50


que a população brasileira apresentou a maior taxa de crescimento
populacional – 3,1% a.a. Essa década se caracterizou também por uma
grande transferência inter-regional de população para áreas de fronteiras,
pois foi a época das construções da Estrada Belém-Brasília e da nova Capital

31
As relações históricas da Europa e depois dos Estados Unidos com a América Latina, que desde a colonização
do século XVI sob influência do mercantilismo até a consolidação do capitalismo no século XX, expressam e
representam a compreensão teórica da “dependência” que argumenta a favor de um “desenvolvimento do
subdesenvolvimento” das economias latino-americanas. Em outras palavras, trata-se da impossibilidade de
suplantar o julgo do capitalismo centralizado nos países desenvolvidos e os consequentes impactos nas
populações mais vulneráveis (LOWY, 1995).
94
95

Federal. Houve ainda a dinamização da indústria de base no Sudeste, o que


resultou em grandes movimentos migratórios para as áreas metropolitanas e
para a colheita de café em São Paulo e no norte do Paraná. Por outro lado,
grandes secas afetaram o Nordeste, além da sua indústria têxtil ter passado
por um processo de desaceleração.

Apesar de ocorrer crescimento populacional em todas as regiões do país no período


analisado (1950-2000), a tabela 4 também explicita diferentes dimensões e contradições desse
crescimento. Tratando-se das regiões Sudeste e Nordeste, em análise comparativa, as mesmas
representam, na totalidade, maior concentração demográfica, mas com aumento populacional
superior a 321% e 165%, respectivamente. Nas duas regiões nota-se o crescimento
populacional nas áreas urbanas e o despovoamento nos espaços rurais marcados pelo processo
de industrialização e urbanização que ocorreu, e continua ocorrendo, de maneira desigual
(CAMARANO & ABRAMOVAY, 1998).

Nesse sentido, a análise do gráfico 3 e 4 permite considerar que o aumento


populacional da Região Sudeste quase dobrou em relação à população da Região Nordeste
fica explícito que a concentração demográfica, a partir do crescimento populacional dessas
regiões, seguiu a dinâmica que impôs disparidades regionais que servem de marcadores para
analisar a estrutura socioeconômica do país e as medidas implementadas que representaram
tentativas para promover o desenvolvimento regional32.

GRÁFICO 3 - Crescimento Populacional na Região GRÁFICO 4 - Crescimento Populacional na Região


Sudeste entre 1970 a 2010 Nordeste entre 1970 a 2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1970/2010. Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1970/2010.

32
A partir da concepção de que o subdesenvolvimento foi uma questão histórico-estrutural, Celso Furtado
compreendeu que as disparidades regionais do Brasil tinham relação direta com sua formação em estruturas
subdesenvolvidas: “Segundo Furtado, sua análise do processo histórico de formação da economia brasileira parte
de uma visão ampla, procurando captar a cadeia de causalidades nesse processo de desenvolvimento (DINIZ,
Clélio Campolina, Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Nova Economia, Belo Horizonte, 19 (2), 227-
249, maio-agosto de 2009, p. 236, 239).
95
96

Tomando os gráficos 3 e 4 como referência, observa-se que o fluxo populacional na


sociedade brasileira, ao longo da segunda metade do século XX, ocorreu com algumas
especificidades regionais: na Região Sudeste incidiu em aumento demográfico com
deslocamento populacional intra e interregional; já a Região Nordeste, embora tenha obtido
aumento demográfico na totalidade, sofreu perda populacional com o deslocamento
interregional.

4.2 A DINÂMICA DA MOBILIDADE POPULACIONAL BRASILEIRA (1970-2010).

O agronegócio é um setor econômico que tem importante papel histórico na economia


brasileira, visto assentar-se numa dinâmica centrada no sistema de plantation vindo desde o
período colonial (GORENDER, 2013; STEDILE, 2013). O Brasil tornou-se então um país
agroexportador que, na segunda metade do século XX, registrou significativo aumento de
investimentos de capitais privados no setor (MELLO, 1975). O contexto desse
“desenvolvimento”, presente em várias partes do globo, exigiu e ainda exige um alto custo
socioambiental, considerando suas especificidades presentes em economias
“subdesenvolvidas”, “dependentes” e com alto grau de vulnerabilidade às conveniências do
capital internacional (ENIKORI, 2010).

A lógica da concentração de investimentos de capitais também impõe e influencia a


dinâmica da mobilidade populacional. Na década de 1950 a concentração dos investimentos
estava na Região Sudeste com maior ênfase para o estado de São Paulo. Quando cruzamos
esses dados com os indicadores sociais percebe-se que (IBGE, 2001, p.15):

Os números do Censo Demográfico 2000 confirmaram a tendência crescente


de aumento da urbanização no Brasil. A partir de 1950, o Brasil deixa de ser
um país de características rurais para caminhar no sentido de um país mais
urbanizado, quando a expansão do parque industrial do Sudeste,
particularmente do Estado de São Paulo, passa a atrair uma grande massa de
população migrante originária de áreas de estagnação econômica do
Nordeste.

Tais dados também permite concluir que na década de 1960 foram registrados
massivos fluxos populacionais da Região Nordeste em direção ao Sudeste do país. Nas
décadas de 1970/1980 podem ser observados crescimentos populacionais nas regiões Norte e
Centro-Oeste devido ao fenômeno de “expansão e ocupação das fronteiras agrícolas” nessas
regiões. Para Priori (2012, p.119):
96
97

Desde os anos de 1950 era possível notar um processo de modernização da


agricultura que estava, no entanto, dependente da importação de produtos,
máquinas e insumos agrícolas do exterior. O processo de modernização
apenas se consolidou na década de 1960, momento em que a produção
agrícola brasileira se integrou tecnicamente ao setor urbano e industrial,
visando a ganhos econômicos em maior quantidade. (...) No entanto, esse
projeto de modernização não ocorreu de forma homogênea em todo o Brasil.
Houve uma concentração dos investimentos nas regiões Sul, Sudeste e parte
do Centro-oeste. Além do mais, a opção pela estruturação de uma economia
urbano-industrial pelo governo brasileiro privilegiou a transferência de
recursos do campo para o financiamento do desenvolvimento do projeto
nacional. Houve, dessa forma, uma „modernização desigual e conservadora‟
da agricultura brasileira, com destaque para a preferência na contemplação
dos programas do governo a grandes proprietários de terras, o
direcionamento de uma economia agrícola para a exportação e a prioridade
de aplicação das políticas governamentais para a agricultura nas regiões mais
desenvolvidas do país.

De acordo com o IBGE (2001), a mobilidade populacional no Brasil desencadeou um


crescimento demográfico nos espaços urbanos, aumento provocado, com maior ênfase, pela
significativa mobilidade da população do campo rumo às cidades. Nesse sentido, o período
que remonta à segunda metade do século XX implicou em importantes alterações no modo de
vida dos camponeses e da produção no campo.

Uma vez forçados a retirarem-se do campo restam poucas possibilidades de


sobrevivência para os camponeses que, em grande parte, após contribuir para o aumento do
desemprego nas cidades, parte significativa desses camponeses retornam para o campo para
prestar serviço nas grandes empresas do setor de produção de celulose, que tem como lógica a
maximização do lucro a custo da espoliação dos prestadores de serviço, representados
majoritariamente por camponeses expulsos do campo e reaproveitados como mão de obra de
baixo custo. A proletarização da população camponesa e sua transformação como boias-frias
passa a ser uma constante (D'INCAO E MELLO, 1975).

Contraditoriamente, os baixos rendimentos são potencializados pela saída dos


camponeses do campo que retornam para prestação de serviço com suas comidas (boias) frias
porque não podem mais utilizar as cozinhas das casas do espaço de onde saíram. D'Incao e
Mello (1975), ao analisar a circunstância da penetração da produção capitalista no campo em
Presidente Prudente (São Paulo), levantou discussão sobre a relação dos camponeses “boias
frias” com os conceitos de “Exército Industrial de Reserva” e “Massa Marginal”.

Desse modo, pensar no impulso de urbanização do Brasil a partir da década de 1950


perpassa pelos impactos e mudanças sociais no espaço rural brasileiro. Desde a década de

97
98

1950, a população do campo vem sofrendo impactos com a progressiva e expressiva


diminuição demográfica ao longo das últimas seis décadas. Vale ressaltar que nesse mesmo
período explicitado (1950 a 2010) ocorreu um aumento de investimentos e expansão da
produção capitalista no campo, concomitante com o crescimento da população brasileira e
aumento populacional que, ao longo de cinco décadas, superou a cifra dos 100%, concentrado
nas zonas urbanas. De acordo com Santos e Silveira (2004, p. 40):

A população brasileira, que era de 30 milhões em 1920, é de perto de 83


milhões em 1965. O incremento demográfico teve como consequência não
somente o aumento dos efetivos em cada região, mas também a
redistribuição da população. Essa redistribuição manifestou-se por um novo
equilíbrio demográfico regional e um abandono do campo, com aumento do
número de cidades e de sua população.

Nesse sentido, as cidades brasileiras, a partir da década de 1960, foram as “que mais
ganharam com o crescimento da população brasileira” e com a mobilidade populacional. O
gráfico 5 mostra o intenso deslocamento de “milhares de indivíduos para as cidades” que, em
sua maioria, tem como principal preocupação a “melhoria das condições de vida” (SANTOS;
SILVEIRA, 2004, p.40).

Os dados expressos no gráfico 5 se intensificou na medida em que a concepção que


argumentava existir um antogonismos insuperável entre as zonas rural e urbana (o primeiro
com símbolo do atraso e o segundo como representação do progresso) se tornou, sobretudo
entre décadas de 1960 e 1990, uma proposição inquestionável no imaginário da população
brasileira.

98
99

GRÁFICO 5 - Crescimento Populacional detalhado no Brasil entre 1960 a 2010 33

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1960/2010.

Com efeito, o gráfico 5 destaca dados referentes ao crescimento da população


brasileira nos espaços urbanos e rurais no mesmo recorte temporal proposto nesta pesquisa; os
dados nos permitem avaliar a mobilidade populacional com crescimento demográfico nos
espaços urbanos e diminuição da população nos espaços rurais.

Os dados também evidenciam que não se trata de crescimento populacional


assimétrico porque o crescimento ocorreu somente com a população das áreas urbanas: entre
1960 e 2010 o crescimento da população brasileira aproximou-se de uma triplicação no total,
mas a população do espaço rural chegou em 2010 abaixo do que era na década de 1960,
configurando assim não um crescimento. Ao contrário, os dados confirmam uma diminuição
da população rural. Segundo as análises desse período realizadas por Santos e Silveira (2004,
p. 210) pode constatar-se que:

A população agrícola incorporou, entre 1970 e 1985, um contingente


equivalente a 5.812.830 pessoas, enquanto a população total aumentou, entre
1970 e 1980, em 26.641.990 efetivos. O crescimento da primeira foi de 1,3
vez em 15 anos, ao passo que a segunda teve esse aumento em uma década.
Mas, entre 1985 e 1996, a população agrícola do Brasil perdeu uma massa de
5.464.029 trabalhadores e, desse modo, com um total de 17.930.890 em
1996, retomava aos volumes de 1970. (...) até meados da década de 1980, o
crescimento da população agrícola foi discreto na região Centro-Oeste, mas
ganha relevância, sobretudo nas regiões norte e nordeste. (...) Todavia, entre
1985 e 1996 todas as regiões brasileiras perdem população agrícola. Poucos
são os estados, como Maranhão, Ceará, Bahia e Minas Gerais, Paraná e Rio
Grande do Sul, cujos contingentes agrícolas, apesar de sua diminuição,
ultrapassam a 1 milhão de pessoas.

33
Gráfico disponível no link http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/a-
economia.html, acessado em 11/05/2017.
99
100

Esses mesmos dados demonstram que, entre as décadas de 1960 e 2010, houve, em termos
absolutos, crescimento da população brasileira; mas esses mesmos dados também explicitam
que, apesar do crescimento da população, de forma concomitante também ocorreu
significativa redução da população no espaço rural. Na interpretação de Camarano e Beltrão
(2000, p. 14):

Essa concentração populacional é resultado de diferenças nas taxas de


crescimento natural, ou seja, diferenças nas taxas de fecundidade e de
mortalidade, e de movimentos migratórios, tendo os últimos desempenhado
um papel mais importante. Deve-se salientar que a definição de população
urbana tem um caráter político-administrativo ao incluir todas as sedes de
municípios e distritos, independentemente do seu tamanho. Como no período
analisado o número de municípios cresceu de 1.574 para 4.974, isso
certamente afetou o volume da população urbana. Parte do crescimento
urbano verificado no período foi causada pela criação de novos núcleos
urbanos, ou seja, pela elevação do status de algumas unidades rurais. No
entanto, isso parece não ter sido significativo, pois, não obstante a
multiplicação do número de cidades pequenas no período, a participação
delas no total da população nacional no longo prazo não se alterou muito,
embora tenha oscilado no curto prazo.

O ponto central que se pretende evidenciar é o fenômeno do crescimento da população


em números absolutos e a diminuição da população do espaço rural brasileiro também em
números absolutos e relativos, na sua comparação com a população urbana e a população
total, e sua relação com a modernização da produção do campo.

O campo estava na pauta das discussões políticas nacionais; a década de 1960 foi
marcada por divergentes interpretações para promover o desenvolvimento do Brasil. O
desdobramento político culminou com a agricultura ocupando lugar central no processo de
incremento de políticas públicas ao longo da segunda metade da década de 1960 e da década
de 1970, marcadas por investimentos em programas de financiamentos e pesquisas no setor
(GRAZIANO DA SILVA, 1996). De acordo com Priori (2012, p. 120):

À implantação do Sistema Nacional de Crédito Rural em 1965, seguiu-se a


estruturação de novas instituições nas décadas de 1960 e 1970, como a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Empresa
Brasileira de Terras (EMBRATER). Além disso, novas iniciativas
aceleraram a modernização no campo brasileiro, como a instalação do
Programa de Apoio à Atividade Agropecuária e as Políticas de Garantias de
Preços Mínimos. Assim, entre os anos de 1960 e 1980, a agricultura
brasileira tornou-se parte fundamental do projeto de urbanização e
industrialização do país.

100
101

As décadas de 1980 e 1990 permaneceram dentro da dinâmica marcada pelas políticas


públicas de investimentos na produção no campo que atendia, com considerável prioridade, o
setor do agronegócio. Efetivamente, “esse processo continua marcando a organização
territorial brasileira na virada do século” (CAMARANO; BELTRÃO, 2000, p. 27). De acordo
com Andrade e Serra (1998, p. 24), “(...) o processo nacional de reestruturação produtiva, sob
a orientação de uma política econômica neoliberal, parece ter implicações sobre o
desenvolvimento regional, para reforçar o processo de concentração econômico-populacional
nos grandes centros urbanos brasileiros”.

Tal realidade que se impõe ao contexto nacional tem implicações específicas e


multifacetadas nas realidades regionais. Mesmo em uma determinada região podemos
encontrar diversas conjunturas que exigem análises específicas e contextualizadas. No caso da
região Nordeste, faremos um recorte micro no extremo sul do estado da Bahia, com ênfase no
município de Teixeira de Freitas, com concentração na análise no processo de mobilidade
populacional e sua conjuntura econômica, política e social local, avaliando a inserção do
município e região no contexto macro.

4.3. MOBILIDADE POPULACIONAL E A RELAÇÃO ENTRE CAMPO E CIDADE NO


EXTREMO SUL DA BAHIA.

Como vimos, a partir da industrialização de espaços metropolitanos, inicialmente


concentrados na região Sudeste, particularmente São Paulo, foram estimulados e concentrados
os principais fluxos de mobilidade populacional. No Brasil “ tal relevância acaba assumindo um
drama incontestável, dado a forte ligação existente entre as migrações internas e o forte processo de
industrialização e urbanização que ocorre de maneira desigual” (QUEIROZ, 2017, p.3). Para
Camarano e Beltrão (2000, p. 18):

“A década de 50 é considerada o ponto inicial do êxodo rural brasileiro.


Aproximadamente 11 milhões de pessoas deixaram as áreas rurais, metade
originada da região Nordeste. O contingente populacional que deixou as
áreas rurais nordestinas correspondeu a pouco mais de 1/4 da população que
lá vivia no início da década”.

A mobilidade populacional implicou diretamente na diminuição do crescimento


demográfico, quando não de uma retração populacional nas áreas rurais em todas as regiões
do país. No entanto, foram as regiões Sudeste e Nordeste que mais sofreram esses impactos ao
longo dos últimos 50 anos do século XX, concentrando-se na virada do século “na região

101
102

Nordeste, e reduz-se de maneira significativa no Sudeste” (CAMARANO; ABRAMOVAY,


1998, p.57).

Quanto ao crescimento populacional, os dados informam que o Nordeste seguiu a


dinâmica de crescimento nacional, mesmo com as taxas de crescimento inferiores quando
comparadas a outras regiões. Esse crescimento desproporcional entre as regiões explica-se
principalmente, por questões de ordem econômica que direcionam parte da população em
“fluxos migratórios” que, segundo Queiroz (2017, p.3) seguiu:

(...) tendência de seguir paralelamente as transformações na sua dinâmica


econômica, uma vez que, de forma geral, geralmente os migrantes procuram
deslocar-se para as regiões mais industrializadas, dadas as maiores
oportunidades de empregos, diante das desigualdades regionais, que
caracterizam o sistema de produção capitalista.

A Bahia, como podemos observar no gráfico 6, seguiu a mesma dinâmica dos demais
estados da região Nordeste. Embora também tenha obtido aumento demográfico na totalidade,
o estado sofreu perda populacional com intenso deslocamento para a região sudeste. Observa-
se que, no final da década de 1980 e início da década de 1990, registrou-se significativa
desaceleração da taxa de crescimento na Bahia.

GRÁFICO 6 - Crescimento Populacional do Estado da Bahia entre 1970 a 2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1970/2010.

102
103

Essa desaceleração ocorreu no Nordeste como todo, bem como em todas as regiões do
país, com exceção da região norte – uma fronteira agrícola com altos níveis de fluxos
migratórios que, durante a década de 1980 até meados de 1990, “crescia ano a ano,
alimentados por uma conjunção de fatores” (MARTINE, 1994, p.15).

O gráfico 7 demonstra que a Bahia, também seguindo a lógica nacional e da Região


Nordeste, experimentou um crescimento populacional com significativa concentração da
população nos espaços urbanos ao longo da segunda metade do século XX e dando
continuidade na primeira década do século XXI.

GRÁFICO 7 - Divisão da população do Estado da Bahia em 2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

O Estado da Bahia, com um território de 567.295 km2 (dimensão territorial superior a


países como França, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Portugal), registrou em 2010 uma
população de 14.016.906 de habitantes (IBGE, 2010). Do ponto de vista censitário e para
efeitos de planejamento, o estado foi dividido em 26 territórios de identidades (figura 14) para
“possibilitar o planejamento das ações de desenvolvimento do Estado, de acordo com as
demandas características da população de cada região (...) levando-se em consideração
aspectos sociais, econômicos e culturais” (SEPLAN, 2007).

O objetivo da divisão do estado em território foi uma tentativa de “minimizar as


disparidades regionais” seguindo uma tendência da política do governo federal implementada
desde a década de 1960 quando a palavra de ordem foi a descentralização/desconcentração da
indústria. A proposta da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
representou o maior projeto para regionalizar o desenvolvimento industrial que estava
concentrado, principalmente, na Região Sudeste (BAHIA, 2010; BRASIL, 2004).
103
104

FIGURA 15 - Atual divisão do Estado da Bahia em territórios

Fonte: SEPLAN , 2007.


http://www.seplan.ba.gov.br/mapa_territorios.html

No caso da micro-região desse estudo, e considerando o recorte espacial feito para esta
pesquisa, chama a atenção o processo histórico de desflorestamento e reflorestamento iniciado
no século XIX, desenvolvido ao longo do século XX e consolidado no XXI, o que implicou
em impactos socioambientais trágicos (ver capítulo II).

Uma das questões relevantes é a constante diminuição da população das zonas rurais e
a reorganização socioeconômica ocorrida no Extremo Sul da Bahia como resultado da
introdução e expansão da cultura do eucalipto como maior expressão do setor do agronegócio
e que, por sua vez, representa um projeto de penetração e consolidação da agricultura
intensiva na região (ALMEIDA, 2008).

O ritmo dos deslocamentos da população do campo rumo às cidades, no caso do


Extremo Sul da Bahia, ocorreu de acordo com a adesão dos municípios às propostas de
investimentos apresentadas pelas empresas ligadas à produção de celulose que chegaram na
região na década de 1980 e se expandiram exponencialmente na década de 1990. Nos gráficos
8, 9, 10 e 11 utilizaremos os dados dos municípios de Alcobaça, Caravelas, Mucuri e Teixeira
de Freitas para demonstrar a evolução da população de acordo com os censos demográficos:

104
105

GRÁFICO 8, 9, 10 e 11 - Evolução da população nos Municípios de Alcobaça, Caravelas, Mucuri e Teixeira de


Freitas.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1970/2010.

Quando analisamos a distribuição da população nos espaços rurais e urbanos através


do censo demográfico de 2010 (IBGE, 2010) nos três municípios da tabela 5 (Alcobaça,
Caravelas e Prado) vemos um equilíbrio da distribuição espacial da população, embora estava
em curso um aumento progressivo da população urbana.
Quando comparamos outros três municípios (tabela 6) da mesma região (Mucuri,
Nova Viçosa e Teixeira de Freitas), que desde o início da década de 1990 protagonizaram
intensa abertura de seus territórios para expansão da monocultura de eucalipto; nota-se o
registro de contínua expansão da posse de terras que passam a integrar o setor agroflorestal.
De acordo com os estudos de Silva (2008) a política administrativa regional que até
1999 proibiam ou limitavam o plantio de eucaliptos nos seus territórios, a partir dos anos

105
106

iniciais do século XXI tornara-se importante incentivadora da expansão dos investimentos de


capitais no setor da monocultura de eucalipto.

TABELA 3 - Taxas de Distribuição Espacial da População de Municípios do Extremo Sul da Bahia (Amostra 1)

MUNICÍPIOS POPULAÇÃO POPULAÇÃO


(ZONA URBANA) (ZONA RURAL)
ALCOBAÇA 11.085 52,1% 10.186 47,9%
CARAVELAS 11.309 52.8% 10.105 47.2%
PRADO 15.474 56% 12.153 44%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

TABELA 4 - Taxas de Distribuição Espacial da População de Municípios do Extremo Sul da Bahia (Amostra 2)

MUNICÍPIOS POPULAÇÃO POPULAÇÃO


(ZONA URBANA) (ZONA RURAL)
MUCURI 27.492 76. 3% 8.534 23.7%
NOVA VIÇOSA 33.526 87% 5.030 13%

TEIXEIRA DE FREITAS 129.263 93.4% 9.078 6.6%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

Os municípios listados na tabela 5, que não implementaram políticas para atrair


empresas de plantação de eucaliptos e produção de celulose através de incentivos fiscais,
apresentam, como já apontamos, um relativo equilíbrio na distribuição espacial da população
entre as zonas rurais e urbanas; diferente dos dados demográficos dos municípios constantes
da tabela 6, com destaque para Teixeira de Freitas que concentra uma margem acima de 93%
da população residindo no espaço urbano (tabela 7).

TABELA 5 - Evolução Populacional do Município de Teixeira de Freitas

Ano Urbano Rural População


V. absoluto % V. absoluto % Total

1980 1.023 2,08 48.246 97,92 49.269


1991 74.221 86,76 11.326 13,24 85.547
2000 98.688 91,81 8.798 8,19 107.486
2010 129.263 93,44 9.078 6,56 138.341

Fonte: IBGE – Censos demográficos 1980, 1991, 2000 e 2010./ Dados do Universo.

106
107

Esse desiquilíbrio populacional entre as áreas urbanas e rurais ocorreram, entre outros
fatores, devido ao sistemático avanço da industrialização do campo, proletarizando e
expulsando populações camponesas, atrelado à ideia de pensar desenvolvimento a partir do
esvaziamento populacional do espaço rural.

Quando concentramos a nossa análise nos dados demográficos de Teixeira de Freitas e


em termos absolutos nas décadas de 1980 (com uma população total de 49.269 habitantes,
sendo 2,08% dos moradores residentes em área urbana do município e 97,92% residentes em
área rural) e 2010 (com uma população total de 138.341 habitantes, sendo 93,44% dos
moradores residentes em área urbana do município e 6,56% residentes em área rural) é
possível avaliar os impactos da evolução e mobilidade populacional no município como
resultado direto dos investimentos que visaram a expansão do agronegócio.

GRÁFICO 12 - População Rural e Urbana de Teixeira De Freitas em 2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

De acordo com a tabela nº 7 e o gráfico 12, no município de Teixeira de Freitas, ocorre


uma evolução populacional bastante acentuada, ao mesmo tempo em que ocorre um intenso
processo de esvaziamento do espaço rural. Mesmo que na década de 1980 o quantitativo
populacional absoluto representasse um pouco mais de 1/3 do quantitativo populacional
absoluto da década de 2010, parece ser exacerbada a virada dos números da população rural e
urbana quando comparamos as duas décadas.

Havia uma desconcentração demográfica em curso nas cidades com população entre
100 e 500 mil habitantes, que continuam a crescer mais intensamente que as cidades com
mais de 500 mil habitantes. Em Teixeira de Freitas (na Região do Extremo Sul da Bahia)
verifica-se o crescimento populacional impulsionado pela produção da agropecuária
107
108

empreendida na modernização da produção do campo (industrialização), voltadas, em grande


parte, para o mercado externo. Em geral, no Extremo Sul da Bahia, tanto a evolução quanto a
distribuição populacional tem sido recorrente no processo de ascensão de centros urbanos, em
detrimento dos aglomerados rurais. Teixeira de Freitas representa um fenômeno que, após a
década de 1980, quando colocado a disputa de incentivo fiscal entre os estados de Minas
Gerais e Bahia em perspectiva, o município assumiu centralidade na região, passando a ter
uma maior influência econômica e política. Como sintetiza Alves (2016, p.14, 15):

O processo de urbanização da Bahia reproduz, portanto, os parâmetros


nacionais e ocorre de forma desigual, sobretudo porque o seu vasto território
assim tornou-se função de diversos aspectos que influenciaram esta
realidade, a exemplo dos econômicos, sociais e climáticos. A Bahia é, assim,
um território caracterizado pela heterogeneidade das suas regiões e seu
processo de urbanização assim também se estabelece. (...) Tal qual ocorreu
no Brasil, essa dinâmica foi replicada na Bahia, que, pressionada por um
intenso processo de migração, vê em suas cidades, o seu foco principal para
atendimento das necessidades de sua população. Tais mudanças guardam
relação direta com as ações políticas, aos ditames e à mobilidade do capital,
além das novas relações tempo-espaço e bem como a reprodução da vida
cotidiana.

Ainda de acordo com a autora, verifica-se que o crescimento demográfico e


econômico34 do município como Teixeira de Freitas foi impulsionado “(...) pela produção
agrícola empreendida em bases capitalistas modernas, voltadas, em grande parte, para o
mercado externo” (ALVES, 2016, p. 14).

Havia uma desconcentração demográfica em curso nas cidades com população entre
100 e 500 mil habitantes, que continuam a crescer mais intensamente que as cidades com
mais de 500 mil habitantes. Em Teixeira de Freitas (na Região do Extremo Sul da Bahia)
verifica-se o crescimento populacional impulsionado pela produção da agropecuária voltadas,
em grande parte, para o mercado externo.

Por sua representação política e econômica no contexto do avanço da industrialização


da produção no campo com suas implicações, o município de Teixeira de Freitas tornou-se
um polo regional importante. Isso justifica, neste trabalho de pesquisa, a tomada do município
em questão como recorte empírico para análise do agronegócio na conjuntura regional.

4.4 TEIXEIRA DE FREITAS: UM POLO REGIONAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA.

34
Análises de dados econômicos ainda serão apresentados/analisados nesse capítulo.
108
109

A trajetória que conduziu o povoado cercado por comunidades negras rurais à


condição de município que tem maior representação econômica e política na Região do
Extremo Sul da Bahia é situada em um contexto local entrelaçado à demandas externas. Antes
da emancipação Teixeira de Freitas era um povoado localizado entre os municípios de
Alcobaça e Caravelas. Sua formação deu-se por volta dos anos 1950, quando era conhecida
como “Comércio dos Pretos” e “Mandiocal”, que fazia referência à presença de comunidades
negras rurais produtoras de mandioca. Em diversas pesquisas regionais ressalta-se a
contribuição de famílias negras para a formação da cidade, como o registro realizado por
Gomes (2015, p.10):

(...) mudaram-se para o lugar, chamado na época de Mandiocal, os negros


Francisco Silva e Manoel de Etelvina – este abriria um boteco, tornando-se o
comerciante pioneiro. Assim iniciava o „comercinho‟ mais tarde denominado
de „Comercinhos dos Pretos‟”.

Situada no Extremo Sul da Bahia, Teixeira de Freitas foi emancipada em 09 de maio


de 1985, - após o desmembramento dos municípios de Caravelas e Alcobaça. A cidade
completou 31 anos de emancipação política em 2019, e atualmente concentra protagonismo
político e econômico na região. Depois de um plebiscito feito em novembro de 1984, com
base em acordos entre políticos do então distrito de Teixeira de Freitas com políticos de
Caravelas, foi eleito o senhor Timóteo Alves de Brito. Vale ressaltar que esta época “(...)
apesar da decantada abertura política, o cenário nacional ainda era marcado pela
arbitrariedade do regime militar. Além disso, os políticos locais participavam das
composições de poder regional” (GOMES, 2015, p.10).

Depois de um plebiscito feito em novembro de 1984, com base em acordos entre


políticos do então distrito de Teixeira de Freitas com políticos de Caravelas, foi eleito o
senhor Timóteo Alves de Brito. Vale ressaltar que esta época “(...) apesar da decantada
abertura política, o cenário nacional ainda era marcado pela arbitrariedade do regime militar.
Além disso, os políticos locais participavam das composições de poder regional.

Localizado entre duas rodovias, uma federal (BR.101) e outra estadual (BA. 290), a
884 km da capital do Estado (Salvador), este município tem uma demografia representada e
constituída por pessoas oriundas da zona rural, vindas do Espírito Santo e Minas Gerais. A
localização, contextualizada com a dinâmica de expansão de investimentos descentralizados
(regionais), contribuiu para que Teixeira de Freitas se tornasse o maior polo comercial da
região. Como destacam Maia e Santos (2010, p.13):

109
110

Devido a sua localização geográfica privilegiada, Teixeira de Freitas vem se


constituindo num importante pólo comercial para a região e o estado. Este
município atende as demandas de mercado de diversos municípios
circunvizinhos, como: Prado, Alcobaça, Caravelas, Medeiros Neto, Ibirapuã,
Itanhém, Itamaraju, Mucuri, Nova Viçosa, Vereda e comunidades rurais
pertencentes a estes municípios.

Esses elementos contribuem para compreender o Extremo Sul da Bahia protagonizado


pelo crescimento econômico de Teixeira de Freitas, visto que as outras cidades não receberam
os mesmos incentivos para o desenvolvimento comercial/industrial. Alguns atores sociais de
Teixeira de Freitas também percebem isso. Para o professor Edinaldo Alves Santana 35 de 50
anos, residente na cidade de Teixiera de Freitas:

O município foi beneficiado pela questão da localização geográfica, por ser


central a beira da BR 101, e também pelo crescimento do comércio, que
impulsionou muito o desenvolvimento da cidade em todos os aspectos. É
tanto, e também a vinda de bancos pra cidade né, hoje nós temos aqui em
torno de nove bancos. E outro fato também interessante foi à questão do
crescimento de Teixeira de Freitas na área educacional, antigamente nós
tínhamos somente a UNEB como pioneira nos cursos de letras e pedagogia.
E hoje a cidade é um verdadeiro polo educacional, com faculdades, a própria
UNEB cresceu muito, hoje já têm o curso de História, de biologia, e outros.
E também com a vinda de faculdades particulares, e até mesmo da federal da
Bahia trazendo o curso de medicina. Então Teixeira de Freitas hoje, é um
verdadeiro polo educacional.

Embora seja perceptível o lugar de Teixeira de Freitas enquanto influência regional,


por outra via é comum encontrar “olhares” que se referem ao município como “uma cidade
sem história”, que “não tem uma cultura própria” e não tem “um povo seu”. Desse modo,
entendemos com maior clareza que uma das mais difíceis tarefas de escrever uma História do
presente é “(...) o problema de como escapar dos pressupostos que a maioria de nós
compartilhamos” (HOBSBAWM, 1995, p.103).

A escolha de Teixeira de Freitas como espaço de estudo e “objeto” de análise nesta


pesquisa não foi aleatória. Embora seja um campo com pouca documentação, apenas com
escassos fragmentos de dados, o município de Teixeira de Freitas tem uma relação muito
pertinente com esta proposta de pesquisa. As razões do recorte espacial se explicam, em parte,
pela sua capacidade de representação no cenário político regional e inter-regional como
resultado de importantes convergências de interesses econômicos. Segundo Alcântara e
Galvão (2010, p.36):

35
Entrevista ocorrida em 23 de março de 2016.
110
111

Teixeira de Freitas tem sua expansão urbana vinculada a três grandes ciclos
econômicos (serrarias, celulose e comércio), que determinou o ritmo de
crescimento e de vida da população, elevando-a também a posição de
“metrópole” regional e ascensão como pólo industrial do extremo sul, na
transição do século XX para XXI, marcada por transformações sociais, uma
vez que cada ciclo estimulado a migração na cidade ao longo da sua história,
provocando alto índice de explosão demográfica (...).

Neste sentido, podemos perceber a imigração como um dado importante; realidade


presente no cotidiano de Teixeira de Freitas devido à sua localização às margens da BR 101,
contribuindo para “o ir e vir” de muitas pessoas em busca de novas oportunidades. Com o
fluxo de pessoas ocorreram, também, transformações socioeconômicas que potencializaram
problemas sociais presentes no cotidiano dos munícipes (sendo a violência um dos
principais). Logo, é necessário pensar a BR 101 não apenas como representação do
“progresso”, da dinâmica, da modernização e do desenvolvimento, tal como aparece no
discurso construtor e legitimador da proposta desenvolvimentista e modernizadora das
cidades (MAIA; SANTOS, 2010).

É prática comum a divulgação de informações que envolvem a região, a BR 101 e/ou


as empresas madeireiras e de celulose, como representação do progresso e desenvolvimento
regional; via de regra, é apresentada, uma versão histórica com tendência à supervalorização
da presença do capital aplicado no agronegócio regional.

Em 1974, foi realizada a primeira exposição regional em Teixeira de Freitas. Mesmo


em se tratando de um pequeno povoado, compareceu para o evento o ministro da Agricultura
do governo Geisel, Alysson Paolinelli. O município passou a ser projetado no cenário
estadual como um importante município produtor no setor do agronegócio regional,
modalidade produtiva esta que na época já estava em franca expansão no Brasil. Percebido
como espaço com potencial produtivo, foi possível viabilizar investimentos de capitais para a
produção no campo na região do extremo sul da Bahia (ROCHA SILVA, 2013).

A construção do trecho da BR 101 e a intensificação da derrubada da Mata Atlântica,


que foi substituída por pastagens no primeiro momento da expansão regional decorrente da
expansão do capitalismo no campo, acabaram atraindo criadores de gado de Minas Gerais e
madeireiros do Espírito Santo. Estes últimos, por sua vez, instalaram serrarias no povoado,
fomentando a economia local, sobretudo no setor do comércio. Com isso, o povoado começou
a destacar-se pelas atividades de beneficiamento da madeira, agricultura produtiva e

111
112

comércio. Assim, é notório que o ciclo das madeireiras e da monocultura do eucalipto deixou
profundas marcas na história da região.

As empresas madeireiras e de celulose, assim como as elites agrárias representaram,


portanto, uma proposta de “progresso” para a região, mas com alto custo social e ambiental.
Não só para com os povos pataxós, mas também, como destaca Gomes (2009), para o
cotidiano de comunidades negras rurais como a de Helvécia que também foi profundamente
alterada com a implantação da monocultura do eucalipto e a especulação de terras que:

Diante desta situação, a comunidade viu-se obrigada a deslocar-se de seu


lugar em busca de alternativas de emprego e sobrevivência. Esses
deslocamentos ocorrem tanto para destinos próximos do distrito, como a
cidade de Nova Viçosa e Teixeira de Freitas, como para centros mais
distantes, entre os quais Vitória, Salvador, São Paulo e Belo Horizonte. O
aumento destes deslocamentos nos últimos anos indica entre outros aspectos
que, além de “sobrar gente” no local e faltar vagas, o “progresso”, aqui
entendido com o sentido que as pessoas lhes davam e que estava associado à
melhoria da qualidade de vida, geração de empregos e maiores ganhos
salariais, não se realizou a partir deste desenho, ao contrário, fez parte dele a
expulsão da gente que sempre viveu naquele lugar (p.96).

Esse quadro projeta e opera a dinâmica do êxodo rural que se estabelece na região,
com proeminência para Teixeira de Freitas que se tornou um dos lugares de destino de
milhares de pessoas provenientes das zonas rurais, tanto da região como de outras
(KOOPMAN, 2005). Parte da população que irá compor o município de Teixeira de Freitas
corresponde a pessoas que viviam na zona rural circunvizinha como Araras, Helvécia,
Itanhém, Medeiros Neto, Posto da Mata, (dentre outras), e também de povos indígenas que
perderam as suas terras para a exploração madeireira e para os grandes latifundiários.

Lembramos aqui a importância da análise das tensões que ocorreram neste território
pela disputa de terras devido à presença de indígenas, comunidades negras rurais, camponeses
organizados (MST, sindicalizados e associados) e, em menor quantidade, aqueles camponeses
que não se encontravam organizados, mas acabaram por resistir aos interesses expansivos do
capital e, por isso, protagonizaram pontos de divergência com os interesses das elites agrárias
da região Sul e Extremo Sul da Bahia.

O município de Teixeira de Freitas foi estabelecido na região como referência àquilo


que comumente é entendido como progresso, com destaque para a sua capacidade de
integração regional simbolizada pela construção da Rodovia Federal BR 101. A construção do
trecho dessa rodovia foi resultado de bases lançadas nos “anos dourados” e que permaneceu

112
113

nas décadas seguintes como programa de Estado que visava, de entre outras medidas, a
industrialização das cidades (SANTOS, 2006).

Nesse caso, no município de Teixeira de Freitas, ocorre aquilo que Santos (2006)
denominou como a justaposição de forças centrífuga e centrípeta no mesmo espaço. Em 1980,
o município de Teixeira de Freitas tinha uma população de um pouco mais de 49.000 mil
habitantes e em 2010 alcançou um número próximo à 140.000 mil habitantes, multiplicando-
se por três. Por outro lado ocorreu intenso esvaziamento do campo e forte crescimento urbano
do município. Uma força [centrífuga] retirou a população do campo e outra força [centrípeta]
impulsionou o crescimento da população no espaço urbano; a justaposição dessas duas forças
ocorreu no mesmo espaço territorial, o que conforma o município de Teixeira de Freitas.

A justaposição não significa acomodação conceitual harmoniosa; pelo contrário, lança


luz sobre contradições históricas que exige lugar na análise que ora se propõe. Para D‟incao e
Mello (1975) o “bóia-fria” representa parte da população rural que fora expulsa do campo
para a cidade, mas que retorna para esse mesmo campo para prestação de serviço como
“população citadina de ocupação agrícola”. Nessa interpretação, o bóia-fria é um ocupante do
espaço rural que habita no espaço urbano.

Para Suzuki (2006), a definição do conceito de “boia-fria” é “uma expressão marcada


por uma contradição interna” por conter elementos do mundo rural e urbano marcado pela
condição de moradia e atividade econômica (SUZUKI, 2006, p. 143):

A definição de ocupação rural não-agrícola caminha no sentido sócio-


espacial inverso do que, sobretudo na Sociologia, mas também na Geografia
da População, se vinha discutindo como população citadina de ocupação
agrícola, caracterizada, particularmente, pelo boia-fria, ou seja, a população
que residia na cidade, mas trabalhava no campo. Nesse caso, da população
citadina de ocupação agrícola, com os termos extremamente adequados, pois
não era uma população citadina de ocupação urbana não-comercial ou não-
industrial, mas população citadina de ocupação agrícola. A palavra urbana,
referente à ocupação, constituiria uma contradição interna à expressão, pois
a atividade agrícola não se coloca como uma dimensão do urbano. Da
mesma maneira, as atividades dos setores secundário e terciário não se
definem como dimensões do rural. Assim, ocupação rural não-agrícola é
uma expressão marcada por uma contradição interna. O conceito de
ocupação rural não-agrícola é simplificadora no que concerne à definição do
locus da ocupação, quanto ao setor da atividade econômica. Como pode ser
rural se sua natureza é urbana? Assim, o mais adequado seria falar de uma
ocupação não-agrícola no campo.

Na análise de Santos (2006) fica evidenciada também que se trata “de entender essas
novas formas de solidariedade entre os lugares” fazendo referência à “relação cidade/campo,
113
114

em que a atração entre subespaços com funcionalidades diferentes atende à própria produção,
já que a cidade, sobretudo nas áreas mais fortemente tocadas pela modernidade, é o lugar da
regulação do trabalho agrícola” (p.192). Nessa direção o mesmo autor explica que (SANTOS,
2006, p.193):

As forças centrípetas resultam do processo econômico e do processo social,


e tanto podem estar subordinados às regularidades do processo de produção,
quanto às surpresas da intersubjetividade. Essas forças centrípetas, forças de
agregação, são fatores de convergência. Elas agem no campo, agem na
cidade e agem entre cidade e campo. No campo e na cidade, elas são,
respectivamente, fatores de homogeneização e de aglomeração. E entre o
campo e a cidade, elas são fatores de coesão.

Em cidades com mais de 100 mil habitante, como Eunápolis e Teixeira de Freitas, é
comum o registro de experiências de trabalhadores que retornam para o campo como
trabalhadores rurais que residem nas cidades. Voltam para o campo, com seus cantis e suas
marmitas; nas madrugas lá estão agrupados e identificados com seus uniformes; nos pontos
ficam a espera de transporte que os conduzem para os campos onde concentram esforços no
combate de cumpins nos eucaliptais.

Tais cidades são lugares de passagem e de retenção demográfica; com forte tendência
à formação social de identidades fluídas. Está-se em presença de espaços que apresentam alta
capacidade de agregar serviços de referência regional. O fator econômico – que agrega e
promove convergências de setores urbanos e rurais – apresenta-se como a principal estrutura
para a formação de um quadro que oferece possibilidades analíticas variadas; desde
abordagens teóricas descritivo-compreensivas à outras com tendências interpretativas
histórico-críticas.

Esses espaços assentam-se numa conjuntura econômica e social que nos permite sua
utilização como recorte espacial com elementos que sustentam reflexões teóricas quando
justas adequadas e interpostas aos dados empíricos. É um município que, dentre outras
facetas, apresenta possibilidades de análises dos caminhos e efeitos diversos da
industrialização da produção no campo.

114
115

Figura 16 – Início da urbanização de Teixeira de Freitas. Ano: 1967

Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de Teixeira de Freitas.


Cabe aqui alargar/problematizar a perspectiva histórica e alocar o município de
Teixeira de Freitas em uma geografia empírica que possibilita olhares teóricos múltiplos para,
assim, promover e explicitar narrativas que apontem para uma melhor compreensão do
caminho teórico com que esta tese buscou dialogar.

No período da formação do povoado de Teixeira de Freitas, o Brasil iniciava um


grande fluxo migratório sem precedentes. Na década de 1970 ocorreu intensa mobilidade
populacional no país, impulsionada pela política adotada pelo governo federal para o campo:
priorizou-se o financiamento para desenvolver a produção em grandes propriedades com
estímulo para modernização da produção no campo com o uso de máquinas e agrotóxicos
para aumentar a produção agrícola e atender a demanda mercado nacional e internacional.

A região do Extremo Sul da Bahia foi percebida como um território a ser explorado e
nesse período experimentou intensos impactos do fluxo migratório para a região (como
ocorrera nas regiões Centro-Oeste e Norte do país). “A importância do êxodo rural é
confirmada quando se examinam os dados dos últimos 50 anos: desde 1950, a cada 10 anos,
um em cada três brasileiros vivendo no meio rural opta pela emigração (CAMARANO;
ABRAMOVAY, 1999, p. 01)”.

115
116

FIGURA 17 - Área Central de Teixeira de Freitas. FIGURA 18 - Área Central de Teixeira de Freitas.

Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de Teixeira Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de


de Freitas, 1985. Teixeira de Freitas, 1986.

A articulação entre o Estado e os interesses econômicos privados ficou a cargo das


oligarquias locais. A região tinha a seu favor o potencial de atrair migrantes que garantiram a
frequente disponibilidade de mão de obra que passou a se concentrar no município de
Teixeira de Freitas. Como Alcântara e Galvão (2010) ressaltam:

A expansão populacional da cidade é caracterizada pelo movimento


migratório de pessoas das diversas regiões em busca de novas oportunidades
e melhor ascensão, sendo que essa mobilidade fixa nos valores sociais, uma
pluralidade de culturas, o que torna a cidade uma terra de muitos povos,
sendo estes, responsáveis significativamente pelo desenvolvimento
econômico da cidade. (...) (p.36).

Assim, é possível compreender como o uso social do território transcende a


classificação dos grupos a partir da acumulação de riqueza ou acesso a bens e serviços
(SANTOS, SILVEIRA; 2010). Ao discutir sobre a racionalização da divisão do espaço
urbano, Espinheira e Soares (s/d, p.107) sustentam que:

A periferização não é uma consequência natural do crescimento urbano, mas


uma forma racional de promovê-lo com a segregação social e espacial,
dando aos pobres a pobreza das condições de vida que a própria urbanização
segregada produz: distância excessiva, precariedade de transporte e vias de
acesso, das construções, da infraestrutura em rede, de segurança, de serviços
os mais diversos etc.

Como podemos observar a partir das reflexões de Menezes (2009, p. 270), o processo
migratório do campo para a cidade é motivado por diversos fatores e “(...) por meio de
múltiplas estratégias de reprodução social, tais como emprego local, pequeno comércio,
artesanato, assim como migrações em busca de trabalho assalariado. (...)”. Esta análise nos
permite compreender também que a região do extremo sul, sobretudo o município de Teixeira
116
117

de Freitas, que está inserida na dinâmica de investimentos de volumoso capital no


agronegócio e que acaba intensificando a relação produtiva em um quadro de
interdependência, entre a cidade e o campo.

Tal conjuntura envolve vários grupos sociais, principalmente pequenos proprietários,


posseiros, comunidades quilombolas, comunidades indígenas, grandes proprietários, e
empreendedores que atuam no setor, bem como outros atores como os representados por
movimentos sociais no campo, como no caso do Movimento Sem Terra – MST – que, no
Estado da Bahia, tem seu assentamento (Projeto de Assentamento 40/45-MST) mais antigo
em Alcobaça, município do Extremo Sul da Bahia (SANTOS, 2013).

Tambem nos meados da década de 1970 foi registrado a chegada da primeira colônia
japonesa em Teixeira de Freitas, com o objetivo de explorar a agricultura. Sob a influência da
produção na colônia japonesa, Teixeira de Freitas, uma década mais tarde, já se destacava
nacionalmente pelo cultivo de mamão da espécie Havaí (REIS; ARAÚJO 2010).

Nota-se que a efervescência no campo provocou significativas alterações dos espaços


urbanos com tantos outros desdobramentos. Teixeira de Freitas atraía um número
considerável de migrantes, tal como já evidenciado, sobretudo dos estados vizinhos (Minas
Gerais e Espírito Santo), sendo considerado um expressivo centro regional com mais de
60.000 habitantes - mesmo antes de sua emancipação36”.

O crescimento demográfico de Teixeira de Freitas por certo deve ser explicado por
múltiplos fatores. Nesse conjunto de fatores é necessário levar em conta a implantação das
indústrias de celulose na região. A área urbana do município é formada, até o ano de 2019,
por 59 bairros e mais de 40.000 domicílios residenciais e “(...) é hoje a 6ª maior cidade do
interior da Bahia” tornando-se referência econômica e política do Extremo Sul da Bahia como
“(...) também do nordeste de Minas Gerais e Extremo Norte do Espírito Santo”. Ainda com a
implantação da indústria de celulose no início da década de 1990 como a Suzano Papel e
Celulose, Bahia Sul Celulose, Veracel e Aracruz Celulose, também vieram as consequências
como “Migração de várias localidades do país, especialmente do sul e sudeste do país;
alterações geográficas no campo em razão da cultura do eucalipto; êxodo rural; crescimento

36
“No ano de 1991, seis anos após a sua emancipação, a recém-criada cidade de Teixeira de Freitas reunia
85.547 habitantes”. (BAHIA, Prefeitura Municipal de Teixeira de Freitas. Plano Municipal de Saneamento
Básico. Secretaria Municipal de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Gestão. Prefeitura Municipal de
Teixeira de Freitas, 2014, p. 28).
117
118

desordenado de inúmeros bairros periféricos em razão da intensa migração campo-cidade; e


alteração da geografia local”. (BAHIA, 2014, p. 28, 30).

Na análise da conjuntura política e socioeconômica da região, tendo como recorte o


município de Teixeira de Freitas, torna-se perceptível a relação entre a expansão do
agronegócio e as transformações socioeconômicas representadas pela devastação da Mata
Atlântica na região; pela implantação da rodovia federal BR-101 (logística); pela ocupação de
grandes áreas e estímulo fiscal à expansão da cultura do eucalipto e introdução das indústrias
de papel e celulose; pelo êxodo rural; pelo crescimento urbano desordenado, pela
representação dos camponeses na região (indígenas, comunidades negras rurais, MST,
associações e sindicatos de trabalhadores rurais); pelos graves prejuízos aos recursos naturais,
solo, fauna, flora e recursos hídricos, dentre outros.

Na análise da ocupação do espaço urbano das cidades situadas no extremo sul baiano é
possível notar que existe uma discrepância nos dados demográficos dos municípios que
compõem a região, ocasionada, sobretudo, pelo permanente processo de redefinição
socioespacial pela qual a região vem passando desde a década de 1970 quando houve
investimentos públicos e privados direcionados para o dinamismo da economia regional,
especialmente para a produção de celulose e o turismo (BAHIA, 2014).

FIGURA 19 - Teixeira de Freitas – Rodoviária - Av. FIGURA 20 - Teixeira de Freitas - Bairro São Lourenço.
Paulo Souto.

Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de T. De Freitas, Fonte: Acervo do Departamento de Cultura de Teixeira de Freitas,
2013. 2013.

As rápidas alterações no ritmo de crescimento da população de Teixeira de Freitas


estão relacionadas à dinâmica de sua economia e, consequentemente, ao processo migratório.
Com a implantação do transporte rodoviário após a abertura da BR 101 associada a
118
119

introdução da extração de eucaliptos para celulose nas décadas de 1980 e 1990 provocou a
transferência de grande contingente populacional da zona rural para a cidade.

Outros fenômenos também contribuíram para a mobilidade populacional e a densidade


demográfica que transformou Teixeira de Freitas em um polo regional: refiro-me a migração
dos trabalhadores da decadente vizinha (Região Sul da Bahia) que fora referência enquanto
região cacaueira do Brasil até a década de 1980.

No contexto nacional destacou a ideia de desenvolvimento que intensificou a rede


urbana como referência de progresso – e a representação rural como lugar de atraso –, com a
organização de seus sistemas de transportes visando funcionalidade da logística mínima
necessária. Tais perspectivas contribuíram para que o espaço urbano fosse modificado de
forma acelerada e muitas vezes sem nenhum planejamento técnico.

As décadas de 1980 e 1990 também servem de referência para análise das


transformações na base produtiva que fizeram com que o então povoado de Teixeira de
Freitas, subordinado administrativamente aos municípios de Alcobaça e Caravelas, fosse
emancipado e se tornasse um município polarizador da economia regional e que serviria como
um cordão comercial e de suporte ao tráfego de passagem.

No processo de expansão e interiorização de investimentos de capital no campo a


partir das regiões Sul e Sudeste para as regiões Nordeste e Norte, considerando as
microrregiões do Noroeste de Minas e Extremo Sul da Bahia, surgiram vários municípios
mineiros (exemplos, Teófilo Otoni e Nanuque) e baianos (exemplos, Teixeira de Freitas e
Eunápolis) que, devido as necessidades logísticas, concentraram o escoamento de mercadorias
e capitais para os demais municípios circunvizinhos, configurando assim espaços urbanos
com significativo crescimento populacional e econômico. Esses municípios
formavam/formam, portanto, importantes intersecções de acordo com as necessidades dos
investimentos. Isso também provocou contínua ascensão e decesso desses municípios
carrefours, na medida que ocorreram deslocamentos de investimentos de capitais de acordo
com a conveniência de maior lucratividade.

As conjunturas econômicas e sociais favoreceram a formação daquilo que estamos


chamando de municípios carrefour com seus desdobramentos e impactos sociais, dentre
outros. Fenômenos que demarcam os espaços urbanos e rurais atuaram e contribuíram para
configuração dos principais centros urbanos da Região do Extremo Sul da Bahia.

119
120

As principais alterações na demografia dos municípios que compõem a região são


reflexos da redefinição das articulações e fluxos inter-regionais que provocaram o incremento
do número de habitantes nas décadas de 1970 e 1980 dos núcleos centrais da região, com
maior destaque para Teixeira de Freitas, Eunápolis e Porto Seguro. Já entre as décadas de
1980 e 1990 esses polos passaram a concentrar atividades econômicas e a desempenhar o
papel de polos regionais e configurou-se uma nova dinâmica na região resultante da expansão
e da consolidação do núcleo turístico de Porto Seguro e das atividades ligadas ao
reflorestamento e à industrialização da celulose, fatos que, em presença da crise da economia
cacaueira que expulsou mais de 250 mil famílias do campo (principalmente das cidades da
região cacaueira como Ilhéus, Itabuna, Pau-Brasil e Camacan – todas da região Sul da Bahia),
fez de Teixeira de Freitas um dos principais destinos deste contingente populacional de
desempregados. A proposta desta pesquisa, embora faça referência ao Extremo Sul da Bahia,
faz um recorte espacial do município de Teixeira de Freitas e sua relação/influência com
alguns municípios circunvizinhos (Alcobaça, Caravelas, Prado, Mucuri, Nova Viçosa) para
melhor situar a análise da penetração do capitalismo no campo e seus desdobramentos na
região (BAHIA, 2014).

TABELA 6 - População total 1991, 2000 e 2010, Área Territorial e Taxa de Urbanização – Municípios do
Extremo Sul Baiano.

População % pop. Taxa de


Área
Município 1991 2000 2010 Total urbanização
(km2)
2010 2010
Alcobaça 1.481,253 15.410 20.900 21.271 2,80 52,11
Belmonte 1.970,142 22.070 20.032 21.798 2,87 52,39
Caravelas 2.393,503 19.763 20.103 21.414 2,82 52,81
Eunápolis 1.179,126 70.545 84.120 100.196 13,18 93,23
Guaratinga 2.235,386 25.441 24.319 22.165 2,92 47,03
Ibirapuã 787,740 8.290 7.096 7.956 1,05 56,96
Itabela 850,841 20.848 25.746 28.390 3,73 75,32
Itagimirim 839,021 7.887 7.728 7.110 0,94 79,45
Itamaraju 2.215,143 64.308 64.144 63.069 8,30 78,94
Itanhém 1.463,824 23.225 21.334 20.216 2,66 70,27
Itapebi 1.005,366 11.078 11.126 10.495 1,38 78,78
Jucuruçu 1.457,856 16.012 12.337 10.290 1,35 22,27
Lajedão 615,470 3.818 3.409 3.733 0,49 55,61

120
121

Medeiro Neto 1.238,751 27.452 23.059 21.560 2,84 79,15


Mucuri 1.781,142 17.606 28.062 36.026 4,74 76,31
Nova Viçosa 1.322,848 25.570 32.076 38.556 5,07 86,95
Porto Seguro 2.408,327 34.661 95.721 126.929 16,70 82,00
Prado 1.740,304 22.632 26.498 27.627 3,63 56,01
Santa Cruz Cabrália 1.551,977 6.535 23.888 26.264 3,45 72,35
Teixeira de Freitas 1.163,828 85.547 107.486 138.341 18,20 93,44
Vereda 874,332 8.914 7.450 6.800 0,89 20,28
Total - 537.612 666.634 760.206 100,00 -

Fonte: IBGE – Contagem demográfica, 1991, 2000 e 2010/ Dados do Universo.

Observa-se na tabela 8 que em 1991 já se configura um quadro de concentração


populacional em algumas unidades municipais da região e de Teixeira de Freitas, que, desde
esse período, ocupa o posto de município mais populoso e mais urbanizado da região,
secundado pelos municípios de Porto Seguro e Eunápolis.

Concomitantemente, nota-se o declínio da participação populacional de alguns


municípios a partir de 1991, a exemplo de Guaratinga, Itagimirim, Itamaraju, Itanhém,
Itapebi, Jucuruçu, Medeiros Neto e Vereda onde, da mesma forma que ocorreu o incremento
populacional, também sobreveio declínio populacional por uma série de fatores econômicos,
ambientais, sociais, culturais e políticos que demandam atenção para a necessidade de uma
organização do espaço geográfico e de um planejamento territorial e urbano que leve em
consideração a atuação de fatores econômicos e sociais sobre a natureza das cidades.

Tal conjuntura faz vislumbrar a necessidade, cada vez maior, de ações do poder
público local e, eventualmente, estadual, que visem à implementação e constante
planejamento de medidas administrativas que minimizem os impactos das transformações que
vêm ocorrendo tanto no espaço urbano quanto no espaço rural. Cidades, como Teixeira de
Freitas, tendem a manter o crescimento populacional com constantes fluxos e refluxos de
pessoas (rural para o urbano e vice-versa), e isso afeta diretamente sua composição enquanto
espaço urbano/rural37.

37
Veja o caso dos “boias-frias” (D‟INCAO E MELLO, Maria Conceição. O Bóia-fria: acumulação e miséria.
Petrópolis, Editora Vozes, 1975.
121
122

GRÁFICO 13 - Projeção da População de Teixeira de Freitas

Variação Populacional - Teixeira de Freitas/BA

300.000
226.800 241.000
250.000 203.200
181.001
200.000 159.900
138.341 153.385
150.000 107.486 118.702
85.547 96.136
100.000
50.000
0
1991 1996 2000 2007 2010 2013 2015 2020 2025 2030 2033

População
Fonte: IBGE, SEI e Secretaria de Planejamento de Teixeira de Freitas.

A Assim, como podemos averiguar no gráfico 13 que trata da projeção populacional do


município de Teixeira de Freitas, há a probabilidade, de acordo com os dados cruzados do
IBGE e do SEI pela secretaria de Planejamento de Teixeira de Freitas, de, até 2025, o
município alcançar uma população superior a 200 mil habitantes. Também não há previsão de
equilíbrio entre a população rural e urbana desse município, bem como de outros
circunvizinhos, com tendência de contínua queda e esvaziamento da população rural que, via
de regra, tende a manter expectativa de encontrar melhor qualidade de vida no espaço urbano
(BAHIA, 2014).

Em termos de território ocupado, a cidade conta com 1.163,828 km2, apresentando


uma densidade demográfica de 118,86 hab./km2 (IBGE, 2010). Tais dados evidenciam-na
como a maior entre as cidades limítrofes: Alcobaça, Caravelas, Medeiros Neto, Prado e
Vereda, ocupando também a primeira posição em população e a terceira em área territorial.

4.5 DIAGNÓSTICO ECONÔMICO E SOCIAL DE TEIXEIRAS DE FREITAS E DE


MUNICÍPIOS CIRCUNVIZINHOS.

A condição estratégica de um município carrefour como Teixeira de Freitas, permite a


concentração de atividades econômicas expressivas e, nesse caso, o comércio, a indústria e os
serviços ganham destaque porque o município precisa atender, além de sua demanda interna,
as demandas dos municípios circunvizinhos, inclusive àqueles municípios de Minas Gerais e

122
123

Espírito Santo que estão na divisa com a Bahia, nas imediações da região do extremo sul
baiano.

A tabela 9 demonstra que a principal atividade econômica de Teixeira de Freitas é o


comércio. As Estatísticas do Cadastro Central de Empresas 2017 do IBGE apontam 3.283
unidades de empresas atuantes. O Pessoal ocupado neste ramo de atividade totaliza 26.937
pessoas, sendo destes, na condição de assalariado, um total de 22.514 pessoas ocupadas. Os
salários e outras remunerações perfazem R$ 525.573.000,00/ano, com renda média mensal de
1,9 salários mínimos (IBGE, 2010).

TABELA 7 – Diagnóstico: Comércio, Indústria e Serviços

Ramos de Atividade Número Empregos Total de


Formais Estabelecimentos
Extrativa Mineral 74 12
Indústrias de Transformação 1.934 374
Indústria de produtos alimentícios, bebidas e 444 78
álcool etílico
Indústria da madeira e do mobiliário 348 70
Indústria de produtos minerais não metálicos 318 47
Indústria de calçados 246 02
Ind. química de produtos farmacêuticos, 116 28
veterinários, perfumaria
Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica 115 49
Indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos 107 27
Indústria da borracha, fumo, couros, peles, 69 24
similares, indústria diversas
Indústria do material de transporte 61 12
Indústria metalúrgica 60 25
Indústria mecânica 36 11
Indústria do material elétrico e de comunicações 14 01
Construção Civil 2.062 248
Comércio 7.367 2.375
Comércio Varejista 6.280 2.174
Comércio Atacadista 1.087 201
Serviços 5.388 1.608
Serviços de alojamento, alimentação, reparação, 1.437 589
manutenção, redação
Transportes e comunicações 1.394 133
Com. e administração de imóveis, valores 940 544
mobiliários, serv. Técnico
Ensino 788 112
Serviços médicos, odontológicos e veterinários 613 208

123
124

Instituições de crédito, seguros e capitalização 216 22


Administração pública direta e autárquica 531 03
Agricultura, silvicultura, criação de animais, 4.262 380
extrativismo vegetal
Total de Empresas 21.649 5.004
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@/ Secretaria de Planejamento de
Teixeira de Freitas.

O município de Teixeira de Freitas também centraliza, pelas razões apresentadas, a


maioria dos órgãos fiscalizadores como as receitas federal e estadual. Com isso, a capacidade
burocrática do município é potencializada, criando um centro administrativo que atende tanto
os gestores dos municípios vizinhos quanto empresas que prestam serviços em outros
municípios e tem suas sedes em Teixeira de Freitas. Isso explica os 1608 estabelecimentos de
prestação de serviços com sede no município (BAHIA, 2014).

Os números do “Comércio”, com 7.337 pessoas empregadas e 2.375 estabelecimentos;


e o “Comércio Varejista” com seus 6.280 comerciários e 2.174 estabelecimentos, são os mais
representativos, totalizando 13.617 postos de trabalho diretos em 5.549 estabelecimentos
comerciais (IBGE, 2010).

Quando analisamos os dados em escala proporcional, é a produção rural (agricultura,


silvicultura, criação de animais, extrativismo vegetal) que apresenta números mais elevados
no município, considerando que o setor emprega 4.262 pessoas no município de Teixeira de
Freitas para atender a demanda de 380 estabelecimentos.

Também deve se levar em conta que é no campo que é registrado o maior número de
ocorrências de descumprimento da legislação trabalhista; isso impacta diretamente as relações
e contratos informais entre empregadores e empregados que não são contabilizados pelos
órgãos oficiais.

Nesta análise cabem considerações quanto à participação da agricultura familiar na


produção rural. Esses estabelecimentos, cerca de 380 (de acordo com o IBGE e a Secretaria
de Planejamento de Teixeira de Freitas), têm representação de pequenos agricultores
autônomos que são os responsáveis pelas lavouras permanentes. Vejamos a produção do setor
nas tabelas 10, 11 e 12:

TABELA 8 - Lavouras Permanentes

NO Lavoura Permanente 2010 ÁREA PRODUÇÃO VALOR DA

124
125

PLANTADA (TONELADA) PRODUÇÃO-R$


01 Banana 100 há 1.440 691.000,00
02 Cacau 210 há 48 250.000,00
03 Café 950 há 741 1.927.000,00
04 Coco-da-baía 30 há 120* 60.000,00
05 Laranja 20 há 640 358.000,00
06 Mamão 900 há 58.500 55.575,00
07 Maracujá 1.034 há 47 848.000,00
3.244 há 4.189.575,00
*Coco-da-baía - Quantidade produzida 120 mil frutos
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@/ Secretaria de Planejamento de Teixeira de Freitas.

TABELA 9 - Lavouras Temporárias

NO Lavoura Temporária 2010 ÁREA PRODUÇÃO VALOR DA


PLANTADA (TONELADA) PRODUÇÃO - R$
01 Abacaxi 35 há 630 441.000,00
02 Amendoim 03 há 12 9.000,00
03 Batata 30 há 360 97.000,00
04 Cana-de-açúcar 230 ha 13.800 897.000,00
05 Feijão 130 há 104 252.000,00
06 Mandioca 650 há 8.450 1.859.000,00
07 Melancia 650 há 18.200 8.736.000,00
08 Milho 30 há 24 8.000,00
09 Tomate 40 há 1.200 372.000,00
1.798 há 12.671.000,00
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@/ Secretaria de Planejamento de Teixeira de Freitas.

TABELA 10 - Extração de Vegetal e Silvicultura

NO Extração Vegetal e ÁREA PRODUÇÃO VALOR DA


Silvicultura 2010 PLANTADA (TONELADA) PRODUÇÃO - R$
01 Carvão vegetal - 3.258 1.205,000,00
02 Madeira em tora - 483.356* 26.971,000,00
03 Madeira em tora para papel - 483.356* 26.971,000,00
e celulose
* Quantidade produzida em metro cúbico
55.147.000,00
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@/ Secretaria de Planejamento de Teixeira de Freitas.

De acordo com a Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento


Agrário (órgão vinculado à Casa Civil do governo federal), através do PRONAF (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) a Bahia foi o estado que mais recebeu
investimentos entre 2000 e 2010 (BRASIL, 2017). A participação dos pequenos agricultores,

125
126

sobretudo identificados com o perfil produtivo da agricultura familiar, tanto nas lavouras
permanentes quanto nas lavouras temporárias, tem sido marcante no município de Teixeira de
Freitas (BAHIA, 2014).

A extração vegetal e silvicultura (carvão vegetal, madeira tora e madeira em tora para
papel e celulose), em valores brutos, lideram a produção no campo totalizando cerca de
55.147.000,00. As lavouras permanentes e temporárias alcançam uma cifra de um pouco
menos de 17.000.000,00. Esses números chamam mais a atenção quando se refere à
distribuição de renda, onde há mais empregos e distribuição de renda nas pequenas lavouras
do que nas grandes empresas que atuam no agronegócio.

Nesse sentido, a agricultura familiar traz consigo contradições históricas das relações
sociais no campo. Mesmo que “no agronegócio as principais referências sejam a monocultura,
trabalho assalariado e produção em grande escala” e “na produção familiar recai a
biodiversidade, predominância do trabalho familiar e produção em menor escala” não há
consenso quanto ao sistema agrícola do produtor familiar não ser parte do agronegócio,
mesmo porque “o capital controla a tecnologia, o conhecimento, o mercado, as políticas
agrícolas, os produtores passam a ser subalternizados, porque são profundamente afetados
pelo processo de integração econômico social” (ENGELBRECHT, 2014, p.9).

Quando contabilizamos a extensão da produção em hectares no município de Teixeira


de Freitas, vemos que a produção das lavouras permanentes e temporárias (cerca de 5.042 ha)
é superior à produção da silvicultura (cerca de 3.233 há). Isso se explica, como veremos, pela
própria dinâmica do município de Teixeira de Freitas que apresenta uma expansão da área
urbana com encolhimento do espaço rural, logo, apresenta uma produção agrícola inferior à
da maioria dos municípios da região, considerando que outros municípios circunvizinhos
tiveram crescimento urbano menos relevante.

A menor expressão na produção agrícola do município de Teixeira de Freitas fica


evidenciada no gráfico 14 que registra a evolução do valor bruto nos principais setores da
economia de Teixeira de Freitas entre os anos 2000 e 2010. Vejamos:

GRÁFICO 14 - Evolução do Valor Bruto por Setores da Economia (2000-2010) – (em mil reais)

126
127

2000 2010

100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Agropecuária Indústria Serviços Impostos
2010 74.066 216.108 853.722 128.270
2000 22.085 39.128 187.458 33.653

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@, 2010.

Ainda no aspecto econômico, a segunda atividade mais relevante é a industrial,


respondendo por quase 17%, seguida pelos impostos com 10,08%, e por fim, a atividade
agropecuária, com 5,82%, da economia local (IBGE, 2010), com destaque para as plantações
de eucalipto, principal insumo para a fabricação da celulose. Assim, é possível constatar que,
na última década, o município de Teixeira de Freitas apresentou crescimento em todas as suas
atividades econômicas, com destaque para a de serviços, com incremento de 355,42%
(Gráfico 14).

É importante salientar que os setores econômicos que elevam e garantem a evolução


do município de Teixeira de Freitas é notadamente impulsionado pelo setor de serviços,
indústria e impostos. Há evolução do setor agropecuário, mas não supera os outros setores de
atividade econômica do município. Quando feitas comparações com os municípios limítrofes,
Teixeira de Freitas apresenta participação expressiva nos serviços e nos impostos como
demonstrado no gráfico 15.

127
128

GRÁFICO 15 - Participação relativa das Atividades Econômicas na composição dos PIB‟s do Município de
Teixeira de Freitas e Limítrofes (em mil reais).

Agropecuária Indústria Serviços Impostos

100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Alcobaça Caravelas Medeiros Neto Prado Teixeira de Vereda
Freitas
Impostos 10.937 12.526 9.095 9.830 128.270 1.861
Serviços 91.130 109.957 89.778 118.313 853.722 24.867
Indústria 12.550,00 12.827 33.935 19.101 216.108 4.352
Agropecuária 109.845 157.140 30.045 170.988 74.066 37.779

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@, 2010.

De acordo com o que fica demonstrado no gráfico 15, a participação das atividades
econômicas do município de Teixeira de Freitas nos setores de impostos, serviços e indústria
quando comparada com outros municípios, fica notado o indicativo da hegemonia econômica
na região na qual está inserido.

Esse mesmo gráfico também confirma, por outro lado, a baixa participação de Teixeira
de Freitas no setor da agropecuária quando comparada com a participação dos municípios de
Alcobaça, Prado e Caravelas que, somada a população destes três municípios, não alcançam
nem a metade da população de Teixeira de Freitas (IBGE, 2010). Isso se explica pela
composição territorial de Teixeira de Freitas que, majoritariamente, tem seus limites
territoriais urbanizados ou periurbanizados.

Quando analisamos a participação do município de Teixeira de Freitas nas atividades


econômicas na composição dos PIB (Produto Interno Bruto) e comparamos com os
municípios limítrofes, exceto na agropecuária, vemos que os demais municípios apontados
não alcançam nem 10% da capacidade de captação/ contribuição de Teixeira de Freitas. O
PIB do município de Teixeira de Freitas em 2009 foi de 1,05 bilhões de reais, sendo: 728,77
milhões de reais advindos do setor de serviços; 158,27 milhões do setor industrial, e 58,25
milhões de reais do setor agropecuária. Esta constatação situa Teixeira de Freitas na 20ª
posição no Ranking do Estado (BAHIA, 2014).
128
129

Além de Teixeira de Freitas possuir o maior PIB municipal da região, observa-se ainda
que no período de 2000 a 2010, foi o município que apresentou o maior crescimento
percentual do PIB, 350,59%, em comparação com seu entorno (Gráfico 16).

Gráfico 16 - Comparação entre o PIB produzido pelos municípios de Teixeira de Freitas e limítrofes, em 2010
(em mil reais).

1.600.000

1.400.000

1.200.000

1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

0
Alcobaça Caravelas Medeiros Neto Prado Teixeira de Vereda
Freitas
PIB 2010 224.462 292.450 162.854 318.232 1.272.166 68.859
PIB 2000 65.528 85.864 58.559 91.742 282.335 21.323

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@, 2010.

Todos os municípios obtiveram crescimento do PIB entre 2000 e 2010, mas nenhum
alcançou um crescimento acima de 400% como ocorreu no município de Teixeira de Freitas,
sejam nos dados brutos ou proporcional (IBGE, 2010). Toda a região obteve crescimento do
PIB proporcional aos investimentos ocorridos, com maior destaque, no agronegócio, que tem
se consolidado como principal vetor das atividades econômicas do Extremo Sul da Bahia
(gráfico 15).

Embora os números do PIB apresentem-se favoráveis aos municípios, isso não


representa efetiva melhoria para a população, nem divisão de renda equilibrada. Nota-se que o
incremento populacional e o crescimento da cidade de Teixeira de Freitas, sobretudo a partir
da década de 1990, resultaram em graves efeitos colaterais que já destacamos nesta análise,
como a mobilidade populacional que provocou intensa diminuição da população rural do
município de Teixeira de Freitas, crescimento desordenado do centro urbano em razão da
intensa migração campo-cidade e alterações geográficas no campo em razão da expansão da
industrialização da produção, com ênfase para a participação do setor agroflorestal.

O crescimento do volume da movimentação econômica não acompanhou o PIB per


capita de Teixeira de Freitas (R$ 9.185,91) que é maior apenas que o PIB per capita do

129
130

município de Medeiros Neto. Entre os municípios circunvizinhos, contudo, Caravelas é o que


apresenta o maior PIB per capita, R$ 13.642,31 (Gráfico 17).

GRÁFICO 17 - PIB per capita dos Municípios de Teixeira de Freitas e Circunvizinhos – 2010 (em mil reais)

Vereda 10.123,30

9.185,91
Teixeira de Freitas

Prado 11.525,12

Medeiros Neto 7.560,19

Caravelas 13.642,31

Alcobaça 10.528,74

0,00 2.000,00 4.000,00 6.000,00 8.000,00 10.000,00 12.000,00 14.000,00

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE – Cidades@, 2010.

Teixeira de Freitas ainda apresenta características de cidade pouco desenvolvida,


sobretudo em razão da falta de calçamento na maior parte de suas vias e de infraestrutura de
drenagem pluvial, falta de água encanada e saneamento básico em geral, o que acaba por
gerar problemas graves de mobilidade urbana.

O PIB per capita de Teixeira de Freitas ainda tende a enfrentar outros efeitos
negativos como a desigual distribuição de renda que é gerador de outros problemas sociais,
principalmente a violência (segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que
levou em consideração o período entre 2005 e 2015, O município de Teixeira de Freitas está
entre os dez municípios mais violentos do Brasil, com índice de 88,1 mortes violentas para
cada 100 mil habitantes.

O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em Teixeira de Freitas é 0,685. Esse


indicador classifica o Município em 26º lugar no ranking do Estado da Bahia. Por sua vez o
IDS (Índice de Desenvolvimento Social) é de 5.120,32 e a classificação no ranking do Estado
é a 29º posição. O INF (Índice de Infraestrutura) é de 5.085,92, e a posição no ranking é a 38 o
posição. O IQM (Índice de Qualificação de Mão de obra) é de 5.048,97, 30ª posição, e o IPM
(índice do Produto Municipal) é de 5.033,20, 20º posição no estado (BAHIA, 2014).

130
131

Os aspectos locais somados aos aspectos econômicos, a agregação dos trabalhadores


desempregados oriundos da zona rural, a emigração dos trabalhadores afetados pela crise do
cacau, a busca por uma vida melhor no espaço urbano, dentre outros, foram os principais
fatores que proporcionaram o crescimento acelerado da população de Teixeira de Freitas e as
rápidas mudanças urbanas na jovem cidade, tendo o poder público local reduzido sua
participação nas intervenções de desenvolvimento urbano que não acompanharam o
crescimento populacional (BAHIA, 2014).

É importante lembrar, no entanto, que a urbanização é uma tendência que vem


ocorrendo em todo o país, onde se observa o esvaziamento do campo em razão das
transformações socioeconômicas e culturais. Destaca-se ainda a falta políticas voltadas para
as áreas rurais dos municípios da região ou a ineficiência das políticas existentes para manter
as famílias de origem rural no campo. Talvez a percepção da ausência dessas políticas ajude a
compreender a condição proletarizada dos trabalhadores rurais do Extremo Sul da Bahia, que,
a partir de suas múltiplas interfaces, participam da produção agrária da/na região.

131
132

V. “QUEM NASCEU AQUI FOI EU”: QUESTÃO FUNDIÁRIA E A


REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA NO EXTREMO SUL DA BAHIA

Após termos concentrado o estudo do processo de penetração do modo de produção


capitalista no campo, com particular enfoque no Extremo Sul da Bahia, propõe-se, neste
capítulo, a realização de análises das múltiplas experiências de relações sociais presentes na
produção agrícola familiar, seja do cultivo voltado para a subsistência com ou sem excedentes
para o comércio; seja da produção agrícola em terras dos próprios agricultores ou em terras
alugadas; seja ainda dos agricultores autônomos ou representados pelas associações com
reinvindicações étnicas e identitárias na Região do Extremo Sul da Bahia.

Considera-se, para pensar a questão fundiária na Região do Extremo Sul da Bahia, a


análise realizada nos capítulos anteriores sobre o processo de expansão da produção
capitalista no campo, bem como a condição dos trabalhadores do campo que impulsionou a
mobilidade populacional (com ênfase para o êxodo rural) e o crescimento demográfico,
entretanto, ocorrido na maioria dos municípios da região.

5.1 MÚLTIPLAS EXPERIÊNCIAS NA PRODUÇÃO RURAL DO EXTREMO SUL DA


BAHIA

A consolidação da importância da região do Extremo Sul da Bahia, tanto na produção


quanto no escoamento de commodities da agricultura expansiva (com destaque para a
exploração e comercialização de madeiras nativas) tem como referência, como já
anteriormente apontado, a construção da BR 101 na década de 1970. Municípios como
Teixeira de Freitas e Eunápolis concentraram movimentação econômica e populacional em
torno da produção e distribuição de produtos agrícolas e pecuários.

Entre as décadas de 1980 e 2000 registra-se, na produção agrícola da região, uma


sobreposição dos modelos de agricultura extensiva e intensiva representada pelo processo de
desflorestamento e reflorestamento, respectivamente. O setor florestal continua expandindo na
década de 2010, mas com majoritária participação da produção de madeira a partir do
reflorestamento, com avanço da monocultura do eucalipto como principal mote do
agronegócio na região do Extremo Sul da Bahia.

O setor agroflorestal na região, que podemos agora apresentar como uma referência
econômica com suas redes de relações concretas, representa tanto avanços como retrocessos,
132
133

de acordo com as perspectivas analíticas adotadas. Apresentam-se de um lado os pontos de


vistas que postulam a viabilidade da sustentabilidade38 do reflorestamento, como uma medida
agregadora tanto da preservação39 do meio ambiente como da produção de riqueza a partir da
exploração de commodities; de outro, a incompatibilidade de qualquer conciliação entre o
crescimento econômico – a partir do agronegócio – e a sustentabilidade socioambiental40.

A tendência de conflito em torno da ideia de sustentabilidade, já há algum tempo,


chama a atenção para a possibilidade de que tais posicionamentos antagônicos venham fazer
parte de um único discurso capaz de agregar tanto os movimentos sociais e ambientais que
militam em favor da sustentabilidade do planeta, quanto os empreendimentos do setor do
agronegócio. Ao fim e ao cabo, tal corrente interpretativa abre a probabilidade/possibilidade
para que ambos os posicionamentos sejam relacionados à hegemonia econômica representada
pelo capitalismo global (NASCIMENTO, 2012).

Costa Lima (2003) faz a análise das duas correntes41 e as apresenta como blocos que
se contrapõem nas margens opostas de um mesmo rio: de um lado uma economia de mercado
– como sendo capaz de promover as condições favoráveis para o desenvolvimento produtivo
industrial com o controle ecológico –, e de outro, a participação da sociedade civil organizada

38
“A idéia (sic) de sustentabilidade nasceu da crescente percepção acerca dos impactos ambientais do padrão
civilizatório acelerado após a Segunda Guerra, cujas evidências empíricas multiplicaram-se a partir da década de
70. Neste sentido, o componente „sustentável‟ da expressão refere-se exclusivamente ao plano ambiental,
indicando a necessidade de as estratégias de desenvolvimento rural (como antes definido) incorporarem uma
apropriada compreensão das chamadas „dimensões ambientais‟. (...) A tendência, desta forma, é que a expressão
desenvolvimento rural seja acrescida, cada vez mais, do componente ambiental derivado da palavra sustentável.
Embora certamente seja possível adicionar outros significados à noção de sustentabilidade (por exemplo,
sustentabilidade política, social ou institucional, entre outras possibilidades), tais agregações já fazem parte do
repertório analítico das tradições teóricas sobre o desenvolvimento rural. Por tal razão, mantendo-se o rigor
necessário, o „sustentável‟ aqui refere-se tão somente aos padrões ambientais requeridos em ações movidas sob a
ótica do desenvolvimento rural”. (NAVARRO, Zander. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e
os caminhos do futuro. ESTUDOS AVANÇADOS 15 (43), 2001, p. 89).
39
Ou menor agressão possível que pode ser compreendido também como “política de sustentabilidade.
40
“Também são incompatíveis os esforços para conciliar o crescimento econômico e a participação social num
projeto de sustentabilidade direcionado pelo mercado. Desenvolver uma democracia participativa requer a
possibilidade de estabelecer relações políticas mais horizontais, onde a maioria dos cidadãos tenha acesso aos
direitos sociais básicos que os habilitem a participar, voluntária e conscientemente, da escolha dos rumos sociais
(COSTA LIMA, Gustavo. O discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação. Ambiente &
Sociedade – Vol. VI nº. 2 jul./dez. 2003, p.108).
41
“Este discurso defende a possibilidade de articular crescimento econômico e preservação ambiental, e entende
que o dinamismo do sistema capitalista é não só capaz de se adaptar às novas demandas ambientais como
também de transformá-las em novos estímulos à competitividade produtiva. Segundo essa visão, economia e
ecologia são não só conciliáveis, como também é possível elevar a produção reduzindo o consumo de recursos
naturais e a quantidade de resíduos industriais. De um modo geral, este é o discurso da Modernização Ecológica,
mencionado acima, e representa um esforço de elaboração do discurso do desenvolvimento sustentável. A
argumentação econômica e técnico-científica ocupa uma posição privilegiada nessa matriz interpretativa e tende
a deixar em segundo plano considerações éticas e políticas associadas a valores biocêntricos, de participação
política e de justiça social” (COSTA LIMA, 2003, p. 108).
133
134

em defesa do equilíbrio socioambiental, e, para o autor, sem deixar de lado uma certa
ambivalência em relação ao Estado (p.108):

A primeira matriz corresponde ao discurso oficial da sustentabilidade, que


detém a hegemonia presente do campo, e que, para muitos efeitos, atua como
“a verdade” sobre o tema. (...) Trata-se de um discurso politicamente
pragmático, que enfatiza a dimensão econômica e tecnológica da
sustentabilidade e entende que a economia de mercado é capaz de liderar o
processo de transição para o desenvolvimento sustentável, através da
introdução de “tecnologias limpas”, da contenção do crescimento
populacional e do incentivo a processos de produção e consumo
ecologicamente orientados. (...) A segunda matriz interpretativa se coloca
como um contradiscurso à versão oficial e pode ser entendida como uma
concepção complexa ou multidimensional de sustentabilidade que tenta
integrar o conjunto de dimensões da vida individual e social. Politicamente,
esta matriz tende a se identificar com os princípios da democracia
participativa e a considerar que a sociedade civil organizada deve ter um
papel predominante na transição para a sustentabilidade social. Prioriza o
preceito de equidade social e desconfia da capacidade do mercado como
alocador de recursos. Com relação ao papel do Estado, pode-se dizer que
essa matriz se subdivide em duas tendências principais: uma que suspeita da
ação política estatal e defende a subordinação do Estado à Sociedade Civil, e
uma segunda que defende a intervenção estatal como o melhor caminho de
transição para a sustentabilidade. Esta segunda tendência vê o Estado como
agente indispensável nesse processo. (...) Fundamenta esta posição com base
no entendimento de que a sociedade civil isolada não é capaz de se contrapor
às forças do mercado e na suposição de que o ambiente, como patrimônio
público, não pode ser preservado sem a ação normativa e política do Estado.
Advoga, entretanto, a democratização do Estado e sua articulação às forças
da sociedade civil.

Aqui nos apoiamos no fato de não haver, mesmo com toda a discussão em torno do
tema “sustentabilidade”, como negar a incompatibilidade entre as demandas da produção
industrial e a capacidade do planeta produzir recursos naturais não renováveis. Também não é
possível negar – considerando o princípio da racionalidade presente na epistemologia adotada
neste trabalho – os impactos socioambientais causados pela exploração de matérias-primas
para atender as demandas do mercado, mesmo se tratando de recursos naturais renováveis sob
as exigências das medidas mitigadoras.

Ainda assim, o setor detentor do capital, neste caso o agronegócio – bem como seus
apoiadores devidamente financiados –, tem disseminado e financiado os enunciados que
argumentam a favor de um potencial produtivo voltado para a agricultura extensiva no país,
sem mencionar ou discutir, em nenhum momento, os riscos socioambientais; ponto de
conflitos interesses entre empresas do setor agroflorestal (madeira, papel e celulose) e
pequenos produtores rurais autônomos, com ênfase nos agricultores associados às

134
135

comunidades negras rurais no Extremo Sul da Bahia (retornaremos a esse tema ainda nesse
capítulo).

Para o setor do agronegócio torna-se conveniente, portanto, agregar e alienar os


movimentos sociais aos interesses da produção capitalista do campo. Na atual conjuntura
política do Brasil tem tornado-se frequente – possivelmente uma “política de governo” – as
recorrentes tentativas de desqualificar as organizações de defesa dos direitos de trabalhadores
rurais e das comunidades tradicionais nas suas múltiplas representações identitárias e étnicas:
seja negando a legitimidade das lutas e das reivindicações dos movimentos sociais no campo,
seja cooptando lideranças desses setores sociais resistentes para representarem um falso
alinhamento com o retrocesso das políticas públicas voltadas para o atendimento de demandas
de minorias que atuam como proposta paralela à expansão da produção capitalista no campo
do território brasileiro.

A conjuntura de exploração do meio ambiente para o plantio de eucalipto


(reflorestamento), visando a produção de celulose e de papel para abastecer o mercado
internacional, compõe – na sua dimensão micro – um cenário que reinventa e reorganiza a
produção de riqueza no espaço mundial. A partir da formulação de Firkowski (2019, p.
102,103), é possível estabelecer paralelo com com o recorte espacial desta pesquisa:

A reorganização do espaço produtivo mundial, consequência da busca de


áreas mais lucrativas para investimento, haja visto os excessos de
acumulação nos países desenvolvidos e a necessidade de exportar capitais.
Considerando que a taxa de acumulação no sistema capitalista varia de um
país para outro e de uma região para outra, novas áreas serão escolhidas para
serem receptoras de capitais, áreas essas que possibilitem a otimização dos
lucros. Tem-se assim, a generalização do processo de internacionalização da
economia, que é “produto da acumulação de capital e do seu extravasamento
além das fronteiras nacionais”. A NDIT fez com que um número cada vez
maior de países passasse a fazer parte do processo internacional de
produção, são os Países Recentemente Industrializados, conhecidos na
literatura internacional por NIC's - Newly Industrializing Countries. (...)
Com a NDIT alguns países escolhidos passaram a receber indústrias e a
exportar não só produtos primários, mas também produtos industriais
semielaborados e bens de consumo. Os países centrais passaram a exportar
não só máquinas e equipamentos, como também tecnologias e capitais.

O Nordeste como um todo, e o Extremo Sul da Bahia em particular, tem uma


população numerosa que também é, ou poderá ser, um grande mercado consumidor com a
intensa exportação de produtos primários para os países desenvolvidos, com política de
abertura ao capital estrangeiro, mão de obra “subserviente”, recursos naturais abundantes.
Nesse sentido, é plausível o mote que apresenta a região em questão como um espaço onde se
135
136

impõem relações econômicas neocoloniais ou, quem sabe, uma colonização tardia, como
sinaliza Cerqueira Neto (2013, 260):

A partir da década de 1980 parece que o Extremo Sul começa a viver o seu
segundo ciclo de colonização. Uma colonização que acontece não só sob a
influência do Espírito Santo e Minas Gerais, mas agora recebendo
investimentos de outras partes do Brasil e do exterior nos diversos
segmentos da economia e em diferentes níveis da educação escolar com a
participação da iniciativa privada e pública. Esta neo-colonização (sic) na
região tem uma diferença básica da primeira, pois é pautada por uma
expectativa de maior oferta de trabalho, possibilidades de investimentos, de
empreender, introdução de instituições de ensino médio, técnico e superior.
Contudo, em alguns lugares da região ainda há resquícios de uma política do
passado, onde a mudança talvez seja percebida somente no visual dos novos
coronéis que hoje se vestem de grifes urbanas (carros importados, roupas de
marca, mais preocupados com a estética corporal). A continuidade das
formas de pressionar a sociedade mais carente não é feita mais através do
chicote, mas, da negação da infraestrutura básica para se viver. Mas, ao
mesmo tempo a esperança de mudança estar justamente nessa profusão de
pessoas que estão vindo morar na região que força naturalmente uma nova
postura daqueles que comandam os destinos dos municípios. Há também que
se pensar que a política tradicional da região está sendo substituída de forma
implícita pela influência das grandes empresas que estão se instalando nela.

Embora seja uma questão que cumpre a sua finalidade apenas por provocar reação
reflexiva, torna-se imprescindível elencar questões que fomentem ponderações a respeito da
formação/composição do Extremo Sul da Bahia não somente por sua relevância como
produtor agrícola regional que se configura como território marcado pela formação de
latifúndios, pela monocultura e pela modernização do processo produtivo, e que, também e,
por isso, tornou-se um importante complexo produtivo do setor de papel e celulose articulado
com e no cenário nacional e internacional, com destaque para a divisão do trabalho no seu
formato típico da produção capitalista arcaica – proletarização/pauperização dos trabalhadores
do campo –, paradoxalmente, muito presente no século XXI (neocolonização).

No último quartel do século XX vimos o avanço e consolidação de políticas


econômicas que potenciaram o setor do agronegócio em geral – e do agroflorestal em
particular – que, como já explicitado, a partir da década de 1980, no Extremo Sul da Bahia,
tem-se verificado grande expansão da monocultura do eucalipto para a produção de celulose
visando o abastecimento das demandas de países com economias desenvolvidas e
industrializadas. A região registra o maior crescimento de investimento de capitais na
monocultura do eucalipto do país e que ao longo dos anos tem protagonizado importante
papel nas mudanças socioambientais ocorridas na região (KOOPMANS, 2005).

136
137

São visíveis os impactos socioambientais. O êxodo rural, resultante da expansão do


agronegócio, tem provocado o crescimento desordenado de algumas cidades (com maior
destaque para Teixeira de Freitas como abordado no capítulo II) a partir da mobilidade
populacional e do crescimento demográfico na região (CERQUEIRA NETO, 2001;
PEDREIRA, 2008).

Com a consolidação da atuação de empresas do setor agroflorestal – bem como suas


terceirizadas – ao longo das décadas de 1980 a 2010, as terras da região foram
monopolizadas, cada vez mais, para o uso da monocultura de eucalipto. A partir dessa nova
configuração produtiva, o extremo sul baiano começou a atrair novos investimentos para o
setor de papel e celulose, sendo esta uma tendência que se expande para outras regiões do
estado da Bahia, bem como para outros estados da região Nordeste (IBGE, 2010).

FIGURA 21 - Mapa da expansão das empresas do setor


agroflorestal no Extremo Sul da Bahia.

Fonte: Bahia 2000. SEI. Salvador,1999.

A capacidade produtiva da região do Extremo Sul da Bahia, entre as décadas de 1980


a 2000, se concentrou, em sua maioria, no setor agroflorestal42. Araújo (2006, p.11) concluiu

42
“A primeira metade da década de 2000 representou, no plano do imaginário social, o momento de
concretização de uma antiga “promessa” de desenvolvimento para o Nordeste brasileiro e, particularmente, para
o Extremo Sul da Bahia: a implantação da pujante e moderna fábrica de celulose da transnacional Veracel
137
138

que o empreendimento desse setor foi financiado com capital majoritário do BNDES e
representa “o maior volume de investimento privado no país”, seguida por significativa
participação “dos organismos financeiros internacionais European Investment Bank (EIB) e
Nordik Investment Bank (NIB)”.

A produção em larga escala do eucalipto, como foi explicitada, de entre outros efeitos
colaterais, forçou uma mobilidade populacional sem precedentes na história da região.
Populações de alguns municípios foram reduzidas; outros municípios foram criados e ou
aumentaram suas populações de forma desordenada e exponencialmente, ou ainda ocorreu
mobilidade populacional no próprio município, como ficou explicito na análise do êxodo rural
na região (ver capítulo IV). No caso específico de Teixeira de Freitas ocorreram fenômenos
sobrepostos: o município foi criado em meio ao processo de reflorestamento intensificado na
década de 1990 na região e registrou grande mobilidade populacional; considerando que no
interstício de três décadas a população da zona rural do município diminuiu drasticamente,
chegando a uma cifra superior à 90% da população migrada da área rural para a urbana
(IBGE, 2010).

O esvaziamento do campo na região em questão seguiu a lógica das mudanças


recorrentes nas relações sociais eclodidas nos territórios impactados pelo avanço do
agronegócio no país. A condição vulnerável dos trabalhadores rurais diante da estrutura
econômica e jurídica das grandes corporações do setor agrícola resultou em uma nova
configuração das relações produtivas no campo.

Os municípios de Alcobaça, Caravelas e Prado mantiveram relativo equilíbrio da


população nos espaços urbanos e rurais entre as décadas de 1970 a 1990, quando comparados
ao município de Teixeira de Freitas, por exemplo. Mas não significou menor proletarização e
pauperização desses trabalhadores. Tanto àqueles que retornaram para o campo na condição
de boias-frias, quanto para aqueles que permaneceram agregados no campo, as condições
desses trabalhadores foi de aumento da vulnerabilidade social na medida em que o modelo de
produção capitalista se modernizava. Para Toledo e Toni (2016, p. 90, 95, 96):

A modernização da agricultura alterou os sistemas produtivos agrícolas na


medida em que os agricultores foram sendo pressionados a se integrar aos
mercados e às cadeias produtivas. Isto produziu distintas formas de produção
e enfatizou a heterogeneidade e a diversidade das regiões rurais.

Celulose S/A. (joint venture entre a brasileira Fibria Celulose e a sueco-finlandesa Stora Enso), abastecida pelos
maciços monoculturas de eucalipto virulentamente disseminados desde a década anterior” (PERPETUA,
Guilherme Marini. Os novos territórios da celulose: notas sobre o modus operandi da Veracel Celulose no
Extremo Sul da Bahia. VII Congresso Brasileiro de Geógrafos, 2014, p. 67).
138
139

Modificaram-se, dessa forma, os diferentes territórios e as inúmeras formas


de aproveitamento produtivo dos recursos oferecidos pelas vantagens
competitivas e comparativas das explorações agropecuárias. (...) As
mudanças socioeconômicas das regiões rurais brasileiras, em anos recentes,
induzem a refletir sobre a emergência de um novo padrão de
desenvolvimentos agrícola e agrário, sugestão interpretativa que talvez esteja
escapando das lentes de análise dos estudos rurais. Essa nova fase tem se
expressado pela ampliação da produtividade do trabalho e da terra, o uso
intensivo de tecnologias e a pressão gerencial e concorrencial crescente,
combinados com a escassez na oferta de trabalho e o esvaziamento
demográfico das regiões rurais. Emergem, dessa forma, os conflitos entre o
tradicional e o moderno.

Na década de 1990 registrou-se uma crescente modernização do processo produtivo no


campo da região. Tal modernização não contribuiu para o aumento de oportunidades para os
trabalhadores do campo, nomeadamente em termos salariais e de acesso aos direitos
trabalhistas; pelo contrário, significou aumento da escassez e precariedade da mão de obra.
Com isso torna-se cada vez mais comum a saída da mão de obra excedente do campo rumo às
cidades.

Tanto a saída do campo da população com potencial produtivo, quanto a expansão do


“deserto verde” que tem provocado a “adesão”, inclusive, de parte dos pequenos produtores
que restaram na região (nomeadamente, comunidades negras rurais, indígenas e pequenos
produtores autônomos), são fenômenos que contribuem diretamente para a diminuição de
produtos agrícolas produzidos na região (CERQUEIRA NETO, 2013; KOOPMANS, 2005).

Os efeitos da expansão do agronegócio, tomando o esvaziamento do campo como um


dos desdobramentos, como já explicitamos, refletem-se nas feiras livres da região que
dependem de abastecimentos exógenos, em detrimento da produção agrícola local. O êxodo
rural – que foi impulsionado pela produção em larga escala de eucalipto na região – provocou
uma série de impactos tanto na quantidade como na diversidade de produtos disponíveis para
consumo.

Para as comunidades negras rurais e outros agricultores autônomos, que desenvolvem


cultivos variados em pequenas propriedades, as feiras livres representam mais do que a
complementação de renda: também é lugar de encontros e fortalecimento dos laços de
parentesco e solidariedade (no transporte das mercadorias “ninguém pode ficar pra trás”),
resistência à monocultura do eucalipto, bem como à manutenção do valor simbólico da venda
de mercadorias que, na produção, envolve “um rito” que dura em média os sete dias da
semana, incluindo a etapa final que é a venda dos produtos. Como me disse dona Maria

139
140

Romão43: “É meu filho, tudo começa no domingo quando coloca a mandioca pra pubar, e ai
vai até sexta a tarde pro bolo puba ficar pronto. Depois é só vender sábado na feira”.

O uso da mandioca, por exemplo, está presente no cotidiano dos moradores: como
alimentação, no envolvimento da comunidade nos trabalhos do eito44, produção de farinha,
beijus (em suas diversas versões como o beiju seco de massa, beiju seco de goma, mala-
pança, moqueca, puba, etc.) como também na venda dos produtos tanto nas feiras livres da
região. O Extremo Sul é a região com maior produção de farinha no Programa da Agricultura
familiar da Bahia. A mandioca é originária da América, que segundo Alberto Costa e Silva
tanto as “técnicas de seu plantio quanto seu emprego tinham sido aprendidas dos tupis, pois
era à maneira dos ameríndios que da mandioca1 se faziam, do que hoje é em Angola a farinha,
o beiju e o pirão” (COSTA E SILVA, 2002, p.378). Stuart Schwartz vai dizer que “para os
tupinambás era a mandioca seu principal alimento” e que “entre 1500 e 1535 o escambo foi o
principal meio usado pelos portugueses para obter dos índios” tanto “pau-brasil” quanto a
“mandioca” (SCHWARTZ, p. 41 e 44).

É perceptível que as comunidades negras rurais, indígenas e os pequenos produtores


autônomos inseridos no contexto da agricultura familiar demonstram uma relação
diferenciada com a terra que vai para além do seu valor econômico; tal relação se apresenta
com o sentido distinto quando se registra a presença desses agentes nas feiras livres, inclusive
na perspectiva de resistência: esses mantêm certa tradição no processo de produção, transporte
e venda direta ao consumidor de seus produtos agrícolas.

Com isso não significa afirmar inexistência de interesses econômicos que orientam a
trajetória das relações de produção que se apresentam como experiências alternativas ao
agronegócio. No entanto, essas experiências representam setor social que sofrem impactos
socioculturais, além de político. Representam, também, enquanto atores sociais, os sujeitos
imersos nas relações de produção capitalista no campo que usam ao longo do tempo suas
estratégias e aperfeiçoamento de resistências diante de forças divergentes (ARRUTI, 1997).

Há, portanto, relação direta entre o desenvolvimento do agronegócio e a diminuição da


quantidade e diversidade da produção agrícola. Tal conjuntura torna cada vez maior a
necessidade de resistência a partir da participação de grupos inseridos na cadeia produtiva
com suas múltiplas experiências no campo, considerando que estão na contramão da produção

43
Entrevista concedida no 22 de março de 2016.
44
Espaço reservado para o cultivo das plantações que garantem a produção de subsistência.
140
141

capitalista no campo. Esses grupos têm seus modos próprios de vida, com suas ações e
negociações que garantem seus protagonizamos e evidenciam complexas e variadas relações
sociais nos espaços rurais da região.

As comunidades formadas por famílias que ocuparam historicamente esses espaços


rurais, dadas as dificuldades decorrentes de uma progressiva introdução de monoculturas,
essencialmente não alimentares – e a ideia de que a vida na cidade era a referência para o
acesso à dignidade e à melhoria da qualidade de vida –, via de regra, os pequenos e médios
proprietários foram “convencidos” a vender seus lotes de terra.

Nos municípios de Caravelas e Alcobaça registra-se, na zona urbana, uma população


negra superior a 60%, sendo que acima de 80% dessa população negra é oriunda da zona rural
(IBGE, 2010). Nos municípios de Teixeira de Freitas e Prado existe uma variedade maior
desses grupos participantes da mobilidade populacional que migraram do campo para as
cidades, mas, no caso do Prado, verifica-se a presença de indígenas em maior número do que
nas duas primeiras cidades citadas.

Em decorrência, muitos desses trabalhadores e trabalhadoras sofreram os efeitos da


alienação (convencimento) por parte dos agentes das empresas de eucalipto que atuaram na
região, sendo que, muitas vezes, esses agentes eram oriundos da própria comunidade. O
convencimento se dava pela insistência dos mediadores (que também eram convencidos de
que estavam em tempos de oportunidades).

A família Terra45 é constituída por moradores do município de Alcobaça que mudaram


para a zona urbana ao longo das décadas de 1970 e 1980. Eram posseiros que foram expulsos
do campo por fazendeiros que acionaram o Estado e conseguiram “provar” que eram os
proprietários da terra. O senhor Alberto46, uma testemunha ocular, informa que:

Os “Terra47” sofreram demais, povo sofrido. O que eles falam é pura


verdade. Foram expulsos na base da bala da polícia. Chegaram em Alcobaça
sem rumo e os mais velhos foram trabalhar para os outros; depois de ter seu
pedaço de terra, agora tinha que trabalhar pros outros. Muito sofrimento,
uma família muito grande que ficou desamparada. Até hoje os mais velhos
falam em voltar pra terra, mas eu acho meio difícil”.

45
Pseudônimo.
46
Entrevista concedida em 16 de março de 2016.
47
Alteração realizada pelo pesquisador para garantir o anonimato.
141
142

A narrativa de Diego Terra48, morador de uma comunidade rural do município de


Alcobaça, rememora experiências que ele próprio testemunhou e viveu:

Muitas pessoas da nossa comunidade foram morar na cidade. As empresas


usavam as próprias pessoas da comunidade para convencer outros moradores
a vender suas terras. No final todo mundo saia perdendo e a empresa no
lucro. Vendia a terra e não conseguia nem comprar uma casa na cidade. Foi
muita gente iludida.

Muitos depoimentos de pessoas que atualmente vivem nas cidades da região do


Extremo Sul da Bahia, reiteram a prática dos empreendedores do agronegócio em recrutar
moradores das comunidades rurais para intermediarem a compra/venda das terras ocupadas
pelas famílias posseiras. Há recorrências nas narrativas que denunciam práticas em que os
posseiros eram convencidos a venderem suas terras e os mediadores, por sua vez, recebiam
determinados valores pela mediação no processo transação comercial.

Os posseiros que comprovavam o uso/usufruto da terra mediante a apresentação de


alguma documentação legal eram assediados com promessas de uma vida melhor; que
deveriam migrar para as cidades, onde teriam acesso a bens e serviços, como se os valores
recebidos pela venda das propriedades garantissem ascensão econômica e social dos
trabalhadores. A maioria dos pequenos agricultores não possui documento de posse definitiva
da terra em que vivem e/ou trabalham; sua condição de posseiro lhe permite, no entanto,
recolher imposto pelo uso da terra, sendo este o único comprovante que lhe garante o direito
de requerer a posse definitiva.

À esses agricultores também eram feitas promessas de que os juros dos valores
investidos nos bancos os deixariam “afortunados”. Para o senhor Luiz Terra 49, morador do
município de Alcobaça:

Infelizmente minha família, meu pai com treze filhos, caiu nessa conversa e
perdemos toda terra. Ninguém conseguiu nada porque o dinheiro logo se
acabou. Tudo, tudo se perdeu. Minha família sofreu muito em Alcobaça.
Perdeu tudo. Os mais velhos teve que voltar pra roça pra trabalhar na diária.
Isso que é triste. Antes a gente trabalhava no que era da gente e agora a gente
trabalha no que é dos outros.

Havia, no entanto, aqueles pequenos agricultores que não tinham nenhum documento
que comprovasse a posse ou propriedade da terra. Esses sofriam todo tipo de pressão para
abandonarem o campo: eram-lhes oferecidos valores irrisórios; por vezes suas terras eram

48
Entrevista concedida em 07 de dezembro de 2018.
49
Entrevista concedida em 24 de novembro de 2018.
142
143

anexadas às terras das empresas através de processos fraudulentos, sendo o principal deles a
grilagem50 das terras; os pequenos agricultores também eram ilhados a ponto de perderem o
direito de transitarem nas terras que os cercavam; eram expulsos da terra sob ameaça de
morte; ou simplesmente eram assassinados51.

Os empreendedores do agronegócio e seus mediadores costumavam utilizar a grilagem


para fraudar documentos visando a captação de terras públicas (terras devolutas) e as terras
ocupadas por antigos posseiros que não conseguiam comprovar o uso da terra. Muitas
famílias que migraram da zona rural para a zona urbana e atualmente expostas a uma
condição marginal, vivem nos bairros periféricos dos municípios onde estão os maiores
índices de violência no Extremo Sul da Bahia (com ênfase para homicídio de jovens, pobres,
negros e com baixa instrução). Também são nesses municípios que ocorre a maior
concentração de terras sob domínio das empresas do setor da monocultura do eucalipto em
toda região: Nova Viçosa, Mucuri, Alcobaça, Caravelas, Prado, Teixeira de Freitas, Itabela e
Eunápolis (IPEA, 2019).

A violência no campo expõe a sociedade, o Estado Brasileiro, os empresários do


agronegócio, os movimentos sociais e, principalmente, os trabalhadores e trabalhadoras do
campo, estes que acabam sendo as maiores vítimas do descaso e da falta de políticas públicas
que tratem a reforma agrária como uma questão de interesse nacional (SANTOS, 2000). As
ineficientes políticas públicas – especialmente medidas ineficazes que não concretizam uma
reforma agrária que atenda as demandas do campo – não oferecem condições que garantam a
permanência dos trabalhadores e trabalhadoras do campo no Extremo Sul da Bahia; e como

50
A prática (técnica) de “envelhecer” documentos fraudulentos em caixas com grilos (que tinham a função de
furar os papéis e deixá-los amarelos com suas fezes – daí o termo grilagem) ainda foi muito praticada no
Extremo Sul da Bahia.
51
“Os Relatórios da CPT, do MST, os documentos-denúncia das entidades que lutam em defesa dos direitos
humanos, os boletins de ocorrência, bem como as matérias veiculadas pela imprensa, atestam que os crimes
praticados pelo poder do latifúndio estão longe de ser combatidos, solucionados e seus responsáveis devidamente
condenados. Ademais, a questão agrária no Brasil traduz não apenas a cruel desigualdade da nossa estrutura
social, mas a certeza de que a paz no campo não pode ser atingida se os mínimos princípios de justiça
continuarem a ser desrespeitados, isto é, se a igualdade perante a lei (isonomia) for sempre minada pelo poder
político-econômico dos proprietários rurais, enfim se a justiça continuar a se fazer ausente na vida e na luta do
campesinato. Para tanto, o Governo tem grande importância neste processo, e cabe à ele a formulação e
implementação de políticas sociais re-distributivas e políticas públicas eficientes, que resultem na diminuição da
pobreza e preservação ambiental; uma vez que a omissão do Governo acaba fortalecendo a impunidade, gerando
mais violência e constantes violações dos direitos” (SILVA, Cristiane Freitas da. "CONFLITOS AGRÁRIOS,
VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE: a luta do campesinato paraense por justiça social". Curitiba-PR, 7º Encontro
Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade da Universidade Federal do Paraná, GT 11:
Estado, Conflitos e Acesso à Terra, 23 a 25 de maio de 2012, p. 17).
143
144

reflexo da conjuntura nacional52, é um importante indicador que explica o aumento da


violência nas cidades da região (PEDREIRA, 2008).

Em 2018, no espaço urbano do município de Alcobaça (que possui, na totalidade do


município, cerca de 22 mil habitantes), foram registrados pela Polícia Militar da Bahia um
total de onze homicídios. Averiguamos que desse total, dez pessoas que foram vítimas desses
homicídios eram jovens cujos pais e avós viviam na zona rural e se mudaram para a cidade ao
longo da década de 1970 e 1980. Esses dados são ainda mais preocupantes quando
identificamos um recorte étnico-racial/social nesses homicídios: as dez pessoas oriundas da
zona rural eram jovens negros, de baixa renda, com baixa instrução e que eram suspeitos, de
acordo com os boletins policiais, de envolvimento com drogas.

Nesse sentido, seja em grandes centros ou pequenas cidades, os impactos sociais da


mobilidade populacional, com recorte para o êxodo rural, não são explícitos. O nível de
intensidade da relação entre esses fenômenos, aparentemente isolados entre si, pode ser
constatado com objetividade na medida em que as vítimas tem um lugar comum de origem,
nesse caso, o campo e suas violências.

O histórico do Brasil quanto à violência no campo é bastante expressivo desde


períodos remotos. Como podemos observar no gráfico 18, desde o final da década de 1990 os
dados mostram houve concentração de famílias vítimas da violência no campo no Nordeste.
No mesmo gráfico é possível constatar também que no último quartel do século XX ainda se
registraram intensos conflitos pela posse da terra em todas as regiões do Brasil. Mas na
Região Nordeste, na medida em que foi diminuida a mobilidade populacional para outras
regiões e foi consolidada a presença de movimentos sociais ligados à luta pela posse da terra,
é possível notar significativo aumento dos conflitos e assassinatos de trabalhadores como
resultado da violência do campo (SILVA, 2012).

52
Ver: PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter et al. Bye bye Brasil, aqui estamos: a reinvenção da questão
agrária no Brasil. In: CPT. Conflitos no Campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, 2016.
144
145

GRÁFICO 18 - Famílias vítimas de Violência do Campo, por Região no Brasil (1988/1998).

Fonte: Santos, 2000, p. 153.

No final da década de 1990 e início do século XXI foi registrada significativa


estabilidade na movimentação populacional do campo para as cidades da região do Extremo
Sul da Bahia (IBGE, 2000). A mobilidade dos agricultores rumo às zonas urbanas foi
diminuida na medida em que formaram os latifúndios agropastoris e agroflorestais.

Permaneceram no campo agricultores com propriedades que, na maioria das vezes,


ficaram ilhados em meio às grandes fazendas, formando comunidades com várias famílias ou
famílias isoladas entre si. Esses pequenos agricultores (a maioria formada por comunidades
negras rurais), de produção diversificada, atuam como os principais responsáveis pela
produção de alimentos agrícolas para atender o mercado local e/ou regional.

Atualmente, os agricultores da região que vivem do que produzem (parte para o


próprio consumo e o excedente para o comércio local/regional), via de regra, se organizam via
sindicatos e associações visando garantir os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
A maioria desses trabalhadores informam que o interesse na associação e agremiações que
representam interesses dos trabalhadores rurais está relacionado à previdência rural e o acesso
ao crédito rural, nomeadamente àqueles oriundos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF).

A importância da agricultura familiar de pequeno porte teve apoio e reconhecimento


do governo federal (de acordo com o Censo Agropecuário 2017 o PRONAF alcançou seus
maiores índices de orçamentários entre os anos 2006 a 2016,) na medida em que adotou uma
agenda com “políticas públicas voltadas ao meio rural brasileiro que focaliza a agricultura
familiar” e que contempla “desde o acesso à terra, ao crédito e às tecnologias como também
145
146

alcança os mercados, a produção de alimentos saudáveis e a promoção da soberania e


segurança alimentar” (SCHNEIDER, 2013, p. 2). O censo agropecuário é um exemplo do
reconhecimento da importante participação da produção familiar no Brasil. Desde o censo de
2006, a Região Nordeste se destaca nos investimentos (subsídios estatais) para produção
desse setor (IBGE, Censo Agropecuário, 2006). Para classificar o tipo de produção alinhado
com a agricultura familiar enquanto categoria com política pública específica, o censo
agropecuária leva em consideração (IBGE, 2007, p. 81):

(...) as atividades que normalmente são desenvolvidas no estabelecimento,


por membros da família do produtor: capina, colheita, seleção e embalagem
de produtos; processamento de produtos agrícolas; cuidado de animais, tais
como alimentação, limpeza e ordenha; trabalhos em hortas para consumo da
família; preparo dos alimentos, cuidado da casa e da roupa, orientação e
educação dos filhos; vendas de mercadorias produzidas no estabelecimento,
tais como ovos, queijo, nata, e outros”. Retornaremos nesse tema na próxima
sessão intitulada “agricultores autônomos”.

O processo de luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo pelo direito à terra,


bem como a luta para implementação de políticas públicas por parte do Estado, com objetivo
de garantir a permanência do pequeno agricultor no campo, está garantido em lei, embora haja
interesses em jogo que, na conjuntura da política nacional atual 53, impõem impasses e
ameaças constantes para a continuidade de programas agrários estruturantes com potencial de
garantir direitos fundamentais dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais, como é o caso da
agricultura familiar apoiada pelo PRONAF.

Nesse sentido, a consolidação do processo de luta está longe de significar qualquer


tipo de conforto para os pequenos produtores da agricultura familiar que enfrentam, dentre
outras dificuldades, a burocracia, ao longo da execução do programa, para acesso ao crédito
rural, sobretudo aqueles produtores posseiros que não têm título de posse, por isso enfrentam
verdadeiras maratonas para atender pré-requisitos que lhes permitam participar de programas
mais acessíveis (SCHNEIDER, 2013; RIBEIRO, 2018).

Os desdobramentos dos conflitos de interesses no campo são imprevisíveis. Os


resultados parciais têm sido bastante desfavoráveis para os pequenos agricultores que
deixaram o campo rumo às cidades, juntamente com suas famílias, convencidos de que
encontrariam meios para uma vida melhor.

53
O atual governo brasileiro tem sido uma personificação dos interesses dos empresários do agronegócio e, por
consequência, um adversário dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do Brasil, em especial,
parafraseando as falas do atual presidente (2019), que declarou guerra aos “porcos gordos” quilombolas e aos
“vagabundos” indígenas.
146
147

A experiência do êxodo rural no Extremo Sul da Bahia é contraditória, assim como a


lógica de outras experiências no território brasileiro54. A contradição emerge na medida em
que o êxodo rural, provocado majoritariamente pela concentração de terras para atividades
ligadas à agropecuária e à monocultura, também criou demanda de mão de obra. Tal demanda
é atendida na medida em que ocorre retorno de famílias para o campo, muitas vezes para os
mesmos lugares de onde saíram, mas, agora – e desde outras décadas que apontam para
meados do século XX –, na condição de boias-frias, camponeses ou trabalhadores rurais
empobrecidos (D‟INCAO, 1975; MARTINS, 1975; SILVA, 1999).

Dentre os municípios do Extremo Sul da Bahia, Teixeira de Freitas atualmente tem a


maior concentração de pessoas morando na zona urbana do município como resultado da
mobilidade populacional provocada pelas mudanças ocorridas no campo entre as décadas de
1960 e 2010 na região (BAHIA, 2004; IBGE, 2010).

Os trabalhadores rurais empobrecidos que se deslocaram para a cidade55 de Teixeira


de Freitas começaram, a partir da década de 1990, embora continuando a residir na periferia
urbana, uma intensa mobilidade de retorno para o campo com suas marmitas e galões de água,
agora na condição de mão de obra terceirizada a ser empregada nas áreas de plantio de
eucalipto que precisam de aplicação de defensivos agrícolas 56.

Esses moradores dos bairros periféricos de Teixeira de Freitas, durante as madrugadas,


são reconduzidos para seus lugares de origem, embora tenham retorno marcado para a vida
urbana no final de cada tarde, ao pôr do sol. É comum, a partir das 4h da manhã, a circulação
de ônibus das empresas terceirizadas ou subterceirizadas, buscando trabalhadores rurais nos
bairros de Nova América, Castelinho, Irmã Dulce, Jerusalém e Nova Jerusalém, Liberdade I e
Liberdade II, Arco Verde, São Lourenço, Tancredo Neves, Nova Teixeira de Ulisses

54
O estudo comparado de Carneiro (2008) demonstra que entre as famílias assentadas do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra e de boias-frias no município de Unaí (MG), esta última categoria sofre maiores
impactos das péssimas condições de distribuição de renda no campo como consequência da frágil política de
reforma agrária do país, configurando um estado de fome de parte dessas famílias (CARNEIRO, Fernando
Ferreira. Saúde de famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e de boias-frias. Revista Saúde Pública,
nº42, 757-63, 2008).
55
Usaremos aqui a terminologia “cidade” para delimitar o espaço urbano do município.
56
Atualmente as empresas utilizam aviões de pequeno porte para aplicação desses defensivos; esses métodos
têm gerado denúncias contra as empresas responsáveis pelas aplicações (Suzano e Fibria) que afirmam que tais
aplicações são inofensivas aos humanos. No entanto, estudos comprovam a “existência de contaminação (...) nos
sistemas hídricos superficiais e subterrâneos utilizados para consumo humano direto, nas regiões agrícolas dos
municípios de Teixeira de Freitas e Medeiros Neto” (PORTUGAL, Érica de Jesus et al. Análise da
contaminação por agrotóxicos em fontes de água de comunidades agrícolas no Extremo Sul da Bahia. Revinter,
v. 10, n. 02, p. 85-102, jun. 2017, p. 99).
147
148

Guimarães, dentre outros bairros periféricos, onde se concentra a maior parte desses
trabalhadores rurais que em algum momento se deslocaram para Teixeira de Freitas.

Na próxima seção apresentaremos um breve histórico das políticas de agricultura


familiar no Brasil e abordaremos seus impactos no Extremo Sul da Bahia a partir do
fortalecimento das atividades de agricultores autônomos, que representam uma produção
agrícola alternativa ao agronegócio, sobreposta à monocultura de eucalipto na região.

5.2 AGRICULTORES AUTÔNOMOS DE AGRICULTURA DIVERSIFICADA

Dentre as múltiplas possibilidades para classificar os trabalhadores do campo na


região do Extremo Sul da Bahia, qualificamos os agricultores autônomos (enquanto categoria
empírica) para analisar as atividades marcadas quase sempre pela produção familiar 57, de
múltiplas culturas, de pequena escala e que está inserido em um sistema de produção agrícola
de larga escala controlada pelo capital.

A participação de trabalhadores do campo na produção de alimentos para consumo


local remonta período remoto da História do Brasil. Há consenso na participação desses
trabalhadores agrupados em núcleos com algum laço de parentesco que participavam da
produção de alimentos, para além das controversas interpretações historiográficas em torno da
condição protocamponesa [ou não] das famílias escravizadas, por exemplo.

A agricultura familiar no Brasil, como é pensada atualmente, tem suas bases na década
de 1990 quando políticas públicas foram articuladas como resultado das lutas históricas dos
camponeses e como meio de negociação/contenção dos movimentos sociais no campo que
reivindicam políticas públicas que atendam as demandas dos trabalhadores rurais, sendo a
necessidade de reforma agrária a principal dessas políticas reivindicadas e palidamente
implementadas58.

A importância da agricultura familiar no Brasil foi amplamente discutida na década de


1990, trazendo novas interpretações e “deslocamento teórico e interpretativo” do lugar e
importância social dos trabalhadores do campo como um importante setor com significativa

57
“O que se coloca em questão é que nas relações de produção do agronegócio as referências são a monocultura,
trabalho assalariado, produção em grande escala, produtividade, concentrador e funcional à ordem do capital,
enquanto na produção familiar vincula-se a biodiversidade, predominância do trabalho familiar, produção em
menor escala e maior zelo com o meio-ambiente”. (ENGELBRECHT, Marize Rauber. A Produção Agrícola
Familiar no contexto do Agronegócio: Submissão e Resistência. VII Seminário Estadual de Estudos Territoriais.
II Jornada de Pesquisadores sobre a Questão Agrária no Paraná, 2014).
58
Ver Decreto de Lei nº 1.946 de 28 de junho de 1996.
148
149

contribuição na produção de alimentos para a população brasileira, paralelo à produção sob


tutela direta do capital (SCHNEIDER, 2013, p. 11).

O reconhecimento da relevância da agricultura familiar no Brasil contribuiu para a


implementação de políticas públicas que ganharam consistência no limiar do século XXI com
programas como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)
que, a partir de subsídios do governo, financia a geração de renda para agricultores com
produção familiar de alimentos59.

A consolidação da agricultura familiar enquanto setor específico da produção rural


evidenciou a demanda de um levantamento de dados para planejamento de ações do Estado.
Em 2006, o Censo Agropecuário estabeleceu descritores de qualificação para os setores de
produção agropecuária familiares e não-familiares. Tal iniciativa fez emergir características
da produção da agropecuária brasileira como um todo e da participação da agricultura familiar
em particular (IBGE, 2009).

A crítica mais incisiva quanto aos investimentos na agricultura familiar partiu da


Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que representa as empresas/fazendas de
produção agrícola não-familiar. A partir dos dados do Censo Agropecuário de 2006, estudos
encomendados pela CNA concluíram que os investimentos no PRONAF não eram créditos
rentáveis para economia do país (SCHNEIDER, 2013). Nesse sentido, o programa não foi
compreendido pela CNA como política pública referenciada pela trajetória e protagonismo
com reinvindicações pelos direitos sociais fundamentais para os trabalhadores do campo;
também não foi assimilado como uma medida que promove o desenvolvimento a partir de
medidas que visem agregar valor no produto e aumento da renda dos pequenos produtores
rurais (IBGE, 2009).

59
“O PRONAF, nas décadas de 1990 e 2000, tornou-se um “marco a institucionalização da agricultura familiar
através da Lei 11.326 (24 de Julho de 2006). Neste interstício a agricultura familiar consolida-se no campo
político institucional tornando-se a categoria social que atrai a maior parte dos programas e políticas de
desenvolvimento rural. O PRONAF é a mais importante das políticas para a agricultura familiar no Brasil e
empresta grande visibilidade ao conjunto da agricultura familiar do Brasil. O PRONAF foi criado em 1996
(Decreto nº 1.946) com quatro modalidades que são o financiamento da produção, financiamento de
infraestrutura 11 serviços municipais, capacitação e qualificação dos agricultores familiares e financiamento da
pesquisa e extensão rural. (...)A partir do PRONAF e mesmo na interface com este, outros programas e políticas
para a agricultura familiar foram sendo criados ou redesenhados. Para citar apenas dois, vale referir o Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2004 para responder aos problemas de comercialização e acesso
aos mercados da agricultura familiar, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que já existia mas
que foi reorganizado de tal forma que o fornecimento da produção pelos agricultores familiares passa a ter
condições especiais, como a obrigação dos municípios que precisam comprar no mínimo 30% de produtos para
alimentação escolar dos agricultores familiares” (SCHNEIDER, S. y Cassol, A. A agricultura familiar no Brasil.
Serie Documentos de Trabajo N° 145. Grupo de Trabajo: Desarrollo con Cohesión Territorial. Programa
Cohesión Territorial para el Desarrollo. Rimisp, Santiago, Chile, 2013, p.11, 12).
149
150

Reconhece-se que a agricultura familiar está integrada na cadeia produtiva que inclui o
agronegócio – e que segue uma lógica considerada moderna, sobretudo com os investimentos
maciços na área de tecnologia. Por outro lado, há plena compreensão de que os objetivos
específicos do PRONAF estão voltados para a “segurança e soberania alimentar”, inclusive
com estímulo para uso de insumos não agressivos à saúde humana (IBGE, 2009).

Como resultado da organização dos movimentos sociais no campo e como medidas


mitigadoras que foram implementadas como políticas de Estado para minimizar as
consequências do avanço da monocultura na região, a agricultura familiar é considerada das
medidas mais importantes para fortalecer a agricultura de pequeno porte. Assim, o Programa
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), uma década depois de sua
implementação, foi avaliado como um importante aliado nas demandas que defendem
condições mais adequadas para garantir a permanência das famílias produtoras no campo.
Ainda de acordo com Oliveira (2007, p.3):

Neste contexto, políticas públicas, como o Programa de Fortalecimento da


Agricultura Familiar (Pronaf), são de grande importância para a manutenção
das relações do homem com o campo, promovendo a permanência dos
pequenos produtores no meio rural; favorecendo a geração de emprego e
renda, e contribuindo para o desenvolvimento das regiões de forma
sustentável. A implementação de programas desta natureza deve levar em
consideração a realidade concreta e específica em que estão inseridas cada
região e as diferentes cadeias produtivas.

Cabe ressaltar que no Extremo Sul da Bahia a Agricultura Familiar (enquanto política
pública) é fortalecida pelos investimentos resultantes de parcerias com a iniciativa privada do
setor de produção de madeira e celulose. Isso ocorre não apenas enquanto exigência da
legislação ambiental que viabiliza e fiscaliza a aplicação de medidas mitigadoras; trata-se de
estratégia das empresas ligadas ao setor agroflorestal visando agregar valor de
sustentabilidade aos seus produtos a partir de financiamento de insumos aos pequenos
agricultores com produção diversificada. Destarte, as empresas utilizam esses investimentos
obrigatórios como “jogada de marketing” aos interesses da produção de larga escala que
atende o mercado internacional, além de tratar-se de contramedidas para evitar a ameaça de
colapso devido concentração de terras para a monocultura.

Nesse sentido, a região em questão apresenta algumas especificidades que explicam


investimentos na agricultura familiarenquanto política pública que visa amenizar os impactos
da “expansão do agronegócio moderno” com medidas que estimulem a permanência dos

150
151

pequenos agricultores no campo60. De maneira geral os investimentos na agricultura familiar


contemplam as demandas do espaço rural brasileiro. Em suma, investimentos do setor público
na produção rural visam:

1. O fortalecimento de áreas de lavoura que ainda são utilizadas para produção de


alimento e que contribuem no atendimento de demandas de consumo local/regional;
2. Contrapor a expansão da concentração de terras para atender o expressivo cultivo de
commodities ligado ao setor agroflorestal que gera – e não é exclusividade do Extremo
Sul da Bahia –, além de representar uma tentativa de amenizar os impactos causados
pela ampliação e consolidação dos grandes latifúndios como determinantes para o
expressivo contingente populacional no campo que, por sua vez, é a principal causa do
êxodo rural, do aumento da escassez de alimentos agrícolas na região 61, bem como a
exposição daqueles trabalhadores que continuam prestando serviços no campo (na
condição de mão de obra barata).

Todos os municípios que compõem o território do Extremo Sul da Bahia estão


inseridos no PRONAF e com representação sindical dos trabalhadores rurais com o objetivo
principal de formalizar a documentação de posse da terra dos pequenos agricultores para
garantir acesso a microcréditos e, por consequência, os sindicatos e associações tem sido um
importante canal de mediação dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras para fortalecer
as pequenas lavouras através do acesso às políticas públicas disponíveis para o campo.

Poderia colaborar com essa pesquisa tantos outros protaganistas na luta sindical
regional, mas consideramos algumas variáveis (como a importância de não usar pseudônimo
e, como consequência, os riscos de exposições diante de um quadro de aumento da violência
no campo, como veremos adiante) e ponderamos pela disposição de Rubens Mendes
Rodrigues Lene Farias, mais conhecido como Rubão, para situar o lugar e importância dos

60
“De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o financiamento rural do Pronaf tem
gerado impactos tanto sociais quanto econômicos, criando condições para que os agricultores familiares ganhem
em escala dentro da sua unidade de produção, mantendo pessoas ocupadas, gerando empregos e favorecido a
permanência das famílias no meio rural. Além disso, contribui com a diminuição da tensão no campo e pressões
por emprego na cidade. A obtenção do crédito rural dá aos agricultores familiares condições de expandir e
melhorar de seus produtos, implementar outras atividades agrícolas e não agrícolas geradoras de renda, adquirir
máquinas, equipamentos, sementes e insumos” (OLIVEIRA, Karina L, OLIVEIRA, Gilca G. et al.
Reconfiguração da estrutura fundiária no Extremo Sul da Bahia após intensificação da atividade Silvícola. In:
Congresso Nacional da SOBER, Londrina, 2007, p.4).
61
Além desses desdobramentos existem outros que implicarão diretamente nos índices de desenvolvimento da
região. O crescimento desordenado das cidades é um dos fenômenos que oferece dados pertinentes para se
compreender, por exemplo, os índices de moradia e violência na região.
151
152

sindicatos e associações a partir da experiência micro do vivido pelo coletivo que o mesmo
representa.

Rubens Mendes Rodrigues Lene Farias se reconhece como “agricultor familiar”,


nascido em 05/11/1964 no município de Itanhém-Ba. Mudou-se para o município de Teixeira
de Freitas onde residiu de 1990 a 1995. Depois foi morar na comunidade Pedra D‟Água II, no
município de Alcobaça-Ba, onde reside até os dias atuais. Sindicalista desde 1977, nunca
candidatou-se a cargo político eletivo, mas ocupou cargo de secretário de agricultura do
município de Alcobaça no período de janeiro/2013 a agosto/2014. Foi coordenador do
Território de Identidade do Extremo Sul da Bahia e atualmente acumula o cargo de
coordenador do sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras na agricultura familiar dos
municípios de Alcobaça e Caravelas; também é secretário de políticas agrárias da Federação
dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado da Bahia – FETRAF, além de prestar
consultoria para dez sindicatos de trabalhadores rurais em cinco municípios da região do
Extremo Sul da Bahia e se considera “simpatizante de movimentos que lutam pelo direito à
terra”.

São muitos os desafios dos trabalhadores/trabalhadoras do campo e das entidades


representativas dessa categoria de agricultores do território Extremo Sul da Bahia. Manter a
continuidade de atuação da atividade de agricultura familiar, como já vimos, contrapõe
interesses divergentes em contexto local/regional. Para Rubão62:

O problema maior é a perseguição das grandes empresas que não aceitam a


organização dos pequenos produtores rurais. As empresas madeireiras não
querem assumir contrapartidas pela exploração da região como deve ser
feito. As empresas tem que apresentar um plano de contrapartida pela
exploração do meio ambiente, que prejudica muito a terra e os trabalhadores.
Quando os trabalhadores se organizam essas empresas sabem que não
poderão tratar o pequeno agricultor como mendigo. Se essas empresas
pudessem, elas tomariam o resto das terras e colocava os trabalhadores como
empregados dela. Essas terras pequenas incomodam muito essas empresas,
principalmente quando exige alguma coisa.

O entrevistado informou que responde a processo em que a empresa Suzano Papel e


Celulose o acusa de oferecer “ameaça” pelo fato de o mesmo ter participado de uma
manifestação popular em março de 2016 contra a concentração de terras pela empresa
supracitada63: “A ameaça é grande! Só se for ao monopólio que eles têm nas mãos. Rapaz, foi
apenas um abaixo-assinado contra esse tipo de coisa que acontece na região, que envolveu
62
Entrevista cedida em 07 de março de 2019.
63
Entrevista cedida em 07 de março de 2019.
152
153

cerca de 200 pessoas, e o Ministério Público endossou a denúncia de que eu ameacei a


empresa”. Existem registros de conflitos violentos entre os interesses de trabalhadores do
campo e pequenos agricultores sindicalizados que se organizam “como meio de acesso às
políticas públicas, luta pelo acesso à terra e a previdência”. Ainda de acordo com o
sindicalista Rubão, são essas questões que polarizam os interesses no campo64:

A situação é de enfrentamento porque as empresas de eucaliptos são


responsáveis diretas pelo êxodo rural devido à expansão do eucalipto que
está transformando as comunidades antes habitadas por agricultores
familiares. As famílias que permaneceram ficam em pequenos redutos
superlotados de pessoas, sem espaço para produzir, nem mesmo para a
sobrevivência.

São comuns os posicionamentos polarizados quando se apresentam interesses


divergentes. No entanto, mesmo que não se reconheçam ou não sejam reconhecidos como
participantes da macro economia agrícola, os agricultores autônomos de pequena escala e de
agricultura variada não estão ilhados quanto à dinâmica da economia hegemônica, ou seja,
não estão isentos dos impactos do contexto político, econômico e social que sustenta a
dinâmica da sociedade brasileira (ENGELBRECHT, 2014).

O setor do agronegócio atua na região do Extremo Sul da Bahia como concentrador de


latifúndios com produção de monocultura em larga escala, inerente à própria lógica da
expansão do capital no campo. Em médio prazo, tal dinâmica produtiva provocou um déficit
de alimentos para uma crescente população local/regional – com maior ênfase nos médios
centros, com quadros populacionais acima de 100 mil habitantes no final da década de 1990,
como Teixeira de Freitas e Eunápolis – e excessiva massa de desempregados que, por sua vez,
são necessários para manutenção da exploração de mãos-de-obra, tendo em vista que quanto
maior o número de desempregados, maior a tendência para a lucratividade do agronegócio.

Esse quadro geral impõe dois desdobramentos recorrentes na economia da região: o


primeiro trata-se da saída sazonal de trabalhadores para atividades laborais em lavouras de
café localizadas em fazendas da região Norte do Espírito Santo (a maior mobilidade dessa
mão de obra ocorre entre os meses de maio e setembro, meses de referência para colheita do
café). Esse fluxo e refluxo sazonal de mão de obra ocorrem devido à falta de oportunidades de
trabalho na região para esses trabalhadores rurais; o segundo desdobramento está relacionado
ao emprego de mão de obra nas atividades da monocultura do eucalipto. Em resumo, quem
está desempregado é porque não possui mais terra pra trabalhar (e não produz alimento,

64
Entrevista cedida em 07 de março de 2019.
153
154

portanto) e por isso serve para garantir volume do exército de desempregados que garante, por
sua vez, os baixos salários. Esses fatores condicionantes contribuem para a diminuição da
produção agrícola local/regional de alimentos e a pauperização dos trabalhadores e
trabalhadoras do campo.

Embora políticas como o PRONAF sejam muito importantes para manter os


trabalhadores e trabalhadoras no campo, alinhado a todo processo histórico de resistência
daqueles que permaneceram ligados à terra, a realidade tem mostrado que a produção agrícola
da região não tem atendido, suficientemente, a demanda regional.

Mas atenção: não significa dizer que a produção não seja suficiente. Para compreender
esse quadro temos que recorrer ao argumento presente neste trabalho que apresenta a região
do Extremo Sul da Bahia com seus centros urbanos que viabilizam os abastecimentos e
escoamentos de mercadorias. Como vimos, Teixeira de Freitas atua como um município com
maior capacidade logística de escoamento de parte desses produtos agrícolas para outros
estados, majoritariamente, para o Rio de Janeiro e São Paulo. Outra parte desses produtos
permanece para o consumo local/regional. A venda dos produtos agrícolas no atacado para
outros estados da federação – através de associações ou atravessadores – ocorre porque atende
melhor as necessidades materiais desses produtores, sobretudo como a produção é
desenvolvida, sem planejamento adequado.

Há de considerar que parte dos pequenos produtores, inclusive aqueles inseridos no


PRONAF, são envolvidos em cadeias produtivas que acabam por reproduzirem a lógica de
produção agrícola e de larga escala. Trata-se de culturas cíclicas e reproduzidas nas pequenas
propriedades que são comercializadas para outros estados. A região já foi destaque na
produção de mamão, maracujá, pimenta malagueta, produção esta escoada, na sua maioria,
para estados da região Sudeste. Atualmente é importante produtora de melancia, mandioca e
corante (colorau) que também atende o consumo da região Sudeste. Esse tipo de prática acaba
inviabilizando a produção agrícola que de fato atenda demandas de consumo local/regional.
Isso explica a necessidade de consumir frutas, verduras e legumes trazidos, mormente, de
Vitória, capital do Espírito Santo.

Com isso, considerando a expansão em escala exponencial do latifúndio entre as


décadas de 1960/1970 e 2010, voltada para formação de pastos para criação de gado e,
posterior e concomitante, para a monocultura do eucalipto, bem como a falta de planejamento

154
155

para executar uma proposta de produção agrícola marcada pela diversidade com capacidade
de atender o consumo local, é um fator que precisa ser superado.

Grosso modo, há simetria entre o contexto do Extremo Sul da Bahia e a realidade da


produção de alimentos diversificados da agricultura familiar no país. Os efeitos colaterais dos
investimentos do capital são expressos na mobilidade populacional provocando baixa
densidade na zona rural dos municípios da região; que provoca concentração fundiária nos
espaços rurais e crescimento desordenado nos espaços urbanos. Isso fica evidenciado na
análise comparada de Oliveira (2007, p.3) quando elucida que:

O desenvolvimento do Extremo Sul Baiano tem refletido em grande medida,


as recentes transformações das atividades econômicas do País. Desta forma,
amplia-se a emergência de espaços novos que se supõem dinâmicos, nos
quais o desenvolvimento se dá pela expansão do agronegócio moderno. Este
tem se integrado competitivamente ao mercado global, emergindo enquanto
área de crescimento do plantio de eucalipto, atendendo às necessidades de
grandes empresas do segmento de papel e celulose. Os efeitos adversos da
expansão da monocultura do eucalipto promovem a redução da
biodiversidade e a concentração fundiária. As novas atividades
desenvolvidas na região são intensivas em capital e pouco intensivas em mão
de obra, além de se desenvolverem em grandes extensões de terra,
contribuindo assim, com a expansão da concentração fundiária, com o êxodo
rural e com a precarização das áreas urbanas, devido ao aumento
populacional, associado ao processo de favelização, elevação das taxas de
desemprego e dos índices de violência. Tal conjuntura, também propicia o
surgimento de conflitos sociais rurais.

A expansão da monocultura de eucalipto na região do Extremo Sul da Bahia é


contraditória e conflituosa. Tal cenário se confirma na medida em que os avanços da produção
moderna e a inserção da região no mercado internacional representam importante participação
na exportação de commodities derivados do setor florestal presente no Brasil; produção esta
que muito interessa ao mercado mundial, sobretudo àqueles países considerados
desenvolvidos e que continuam precisando de matérias-primas produzidas em países como o
Brasil, que ocupam espaços subalternos nas relações econômicas e políticas internacionais
mediada pelo capital.

Enquanto efeito colateral, a consolidação do agronegócio na região contribui para a


formação de latifúndios com alto custo ambiental, perda de capacidade competitiva dos
pequenos posseiros e agricultores da região (mesmo com o aumento da demanda do consumo
local/regional houve significativo aumento de oferta de produtos agrícolas produzidas em
larga escala e comercializados no Ceasa de Vitória, capital do Espírito Santo), êxodo rural,

155
156

crescimento desordenado das cidades, crescimento dos índices da violência nos centros
urbanos e no campo.

Esse cenário de extrema hostilidade para os trabalhadores e trabalhadoras rurais


propicia e justifica a organização e fortalecimento dos movimentos sociais no campo
enquanto resistência ao modelo hegemônico de produção agrícola na região. Uma produção
rural representa um espaço de produção múltiplo, complexo e contraditório na medida em que
os pequenos produtores representam uma categoria da produção agrícola com maior
vulnerabilidade, mesmo que existam políticas públicas de apoio como o PRONAF.
Contraditoriamente, esses mesmos pequenos agricultores são fundamentais para o pleno
funcionamento do sistema produtivo de larga escala; são esses lavradores de culturas variadas
que contribuem, mesmo que em escala insuficiente, para a oferta de alimento para a
população local/regional.

Trata-se de uma população instalada na zona urbana ou rural que, além de atender a
demanda de mão de obra barata para a produção agrícola de larga escala ligada ao setor
agroflorestal, também participa da produção de alimentos diversificados. A produção agrícola
ligada ao “agricultor familiar” se insere, portanto, no contexto de um sistema econômico
macro que prioriza os interesses da produção de larga escala. O modus operandi dos
investimentos que visam a expansão do agronegócio na região se reinventa pra evitar o
espectro da autodestruição – afinal, presságios sobre desdobramentos das contradições
históricas representam, caso saiam do controle, ameaças até para o agronegócio como
extensão de um sistema econômico hegemônico (MESZÁROS, 2006).

Isso não significa discordância quanto à concentração de terras na região. Quando se


aplica a metodologia do Índice de Gini 65 na análise de concentração de terras na região do
Extremo Sul da Bahia, com dados dos censos agropecuários das décadas de 1970 a 1990

65
“O índice de Gini é utilizado para medir o grau de concentração de um atributo (renda, terra, etc.) numa
distribuição de frequência. "Razão de concentração (R)", como foi batizado, ele foi inicialmente adotado como
indicador em estudos sobre a desigualdade na distribuição de rendas. Analogamente, empregou-se a mesma
metodologia sobre o atributo "terra", estabelecendo-se, assim, o mais difundido indicador dos níveis de
desigualdade na distribuição de terras. Introduzido no Brasil, o Índice de Gini foi calculado pela primeira vez,
com base no Censo Agrícola de 1940 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, para medir a
concentração da posse dos estabelecimentos agrícolas no Brasil em cada uma das unidades federativas. Aliados
ao índice de Gini existem outros indicadores do grau de concentração ou desigualdade, como o índice de Theil,
além de diversas medidas estatísticas – média, mediana, valor central entre os extremos, amplitude, desvios
médios, diferença média, variância e desvio padrão – que devem ser consideradas para amparar as análises sobre
a distribuição da terra” (BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Agrário Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA. O Brasil: desconcentrando terras. Índice de Gini. Maio, 2001, p. 9).
156
157

(tabela 13), é possível mensurar o grau da concentração de terras nas mãos de proprietários
em detrimento dos arrendatários, parceiros e ocupantes.

TABELA 11 - Distribuição percentual dos estabelecimentos e áreas de acordo com a categoria dos agricultores
na Região do Extremo Sul da Bahia, 1970-1995/1996.

Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total


Períodos Estabel. Área Estabel. Área Estabel. Área Estabel. Área Estabel. Área
1970 90,8 95,5 0,2 0,1 2,1 0,8 6,9 3,6 100,0 100,0
1975 97,3 97,5 0,1 0,0 0,1 0,2 2,5 2,3 100,0 100,0
1980 93,0 97,0 0,7 0,5 1,1 1,0 5,2 1,5 100,0 100,0
1985 89,5 97,1 1,1 0,4 0,4 0,7 9,0 1,8 100,0 100,0
1995 94,6 97,4 0,8 1,1 0,3 0,2 4,3 1,3 100,0 100,0
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1970, 1975, 1980, 1986, 1995/96.

No estudo realizado por Oliveira (2007) “com o objetivo de analisar a problemática da


concentração fundiária”, foi utilizado o Índice de Gini para avaliar a realidade fundiária da
região em questão. Os resultados demostraram uma “intensificação do grau de concentração
de terras” entre as décadas de 1970 e 1990 com expansão contínua da produção no setor
agroflorestal que, grosso modo, utiliza grandes propriedades de terras para a monocultura de
eucalipto em detrimento dos pequenos agricultores de cultura diversificada. Ao longo das
décadas de 1990 e 2000 verifica-se:

1. Consolidação da concentração fundiária e seus efeitos como o fortalecimento da


monocultura acompanhada de concentração de renda;
2. Diminuição da produção agrícola para atender demanda local/regional;
3. Aumento dos impactos ambientais causados pelo intenso uso de defensivos agrícolas
(inclusive com graves denúncias de contaminação do solo);
4. Aumento de desemprego devido à mecanização de toda a cadeia produtiva do
eucalipto;
5. Proletarização/pauperização dos filhos dos pequenos agricultores ou sua
movimentação (com fluxos e refluxos diários) para as áreas urbanas como prestadores
de serviços – em uma espécie de “boias frias reversos”;
6. Hostilização contra os pequenos agricultores resistentes (sobretudo aqueles
organizados em comunidades, associações ou sindicatos) pelas empresas
representantes do setor agroflorestal, utilizando, inclusive, o aparato estatal (seja
jurídico ou policial) para imobilizar as ações de resistências desses trabalhadores e
trabalhadoras rurais.

157
158

Ainda assim, quanto à resistência dos trabalhadores para manterem-se no campo,


ocorreu o aumento e fortalecimento do número de sindicatos e associações de trabalhadores
rurais que representam interesses de comunidades de trabalhadores rurais. Uma das
experiências com relevante reconhecimento regional é a Associação dos Trabalhadores na
Agricultura Familiar da Comunidade Arara, com sede na Comunidade Arara, localizada nos
limites dos municípios de Alcobaça e Teixeira de Freitas 66.

Os trabalhadores e trabalhadoras da Comunidade Arara tiveram que organizar-se


diante da prática das empresas de eucalipto, prática essa que a comunidade em questão
considera predadora pelo fato de ter promovido intencionalmente o isolamento da
comunidade, considerando que os lotes de terras da comunidade estão ilhados em meio ao
deserto verde (como também são chamadas as grandes plantações de eucalipto da região).

Os agricultores que restaram na comunidade (a maior parte vendeu suas terras e se


mudou para municípios da região) conhecem a força e as estratégias das empresas produtoras
de eucaliptos, por isso desenvolvem ações alinhadas com a política social e de
sustentabilidade das corporações empreendedoras do agronegócio instaladas no entorno do
que sobrou das terras da comunidade agrícola Arara. Muitos trabalhadores moram na
comunidade e prestam serviços em empresas terceirizadas como parte de acordos para
diminuir os conflitos entre empresas e trabalhadores.

Não é incomum na região a ocorrência de conflitos violentos e retaliações que,


dependendo dos interesses em disputa, podem incidir desde o interdito proibitório (medida
judicial que as empresas de eucalipto recorrem para proteger suas propriedades das “ameaças”
de invasão – medida muito comum mediada pelo Ministério Público contra coordenadores de
sindicatos e associações de agricultores rurais da região) até a imposição de toque de recolher
(quando a comunidade fica proibida de circular fora de suas terras durante à noite, podendo,
em caso de desobediência, ocorrer condução do infrator à delegacia na condição de suspeito
de prática de furto de madeira).

Outra categoria de agricultores que tem importante atuação na resistência ao modo de


produção agrícola hegemônico são aqueles identificados por sua representação étnica. Na
região se destacam as comunidades quilombolas e indígenas que, mormente, se organizaram

66
O território rural da comunidade Araras foi desmembrado da Fazenda Cascata e está localizada entre os
municípios de Alcobaça e Teixeira de Freitas. A área da comunidade que pertence ao município de Teixeira de
Freitas, com cerca de 60 famílias, é conhecida como Araras I; já a área que pertence ao município de Alcobaça,
com cerca de 40 famílias, é conhecida como Araras II.
158
159

em torno de suas experiências identitárias e étnicas como meio de garantir a sobrevivência de


suas tradições não somente diante dos empreendedores do agronegócio, mas, inclusive,
tiveram que resistir ao próprio Estado. Vale lembrar que os órgãos governamentais
provocaram/articularam conflitos como, por exemplo, “O fogo de 51”, envolvendo
principalmente os interesses, de um lado, dos povos indígenas desta região e os pequenos
proprietários de terra, do outro, empreendedores do agronegócio apoiados pelo Estado. Cunha
(2010, p. 53,54), através de registros de memórias dos Pataxós, fez o seguinte registro:

Ao relembrar fatos que ocorreram no período do conflito de 1951, o pajé


Albino nos conta que Miravaldo Siquara, encarregado do Parque, havia
assumido sua total responsabilidade e retirado todos os que estavam
morando no local: índios, posseiros e pequenos proprietários de terras. O
poder que detinha lhe permitiu a se aproveitar da reserva, para extração de
madeira que seria vendida em Vitória do Espírito Santo; e impedia os Pataxó
à realização de plantação de roças e retirada de piaçavas vendidas em
Caraívas. Denunciado pelos próprios índios, este veio a ser detido e levado a
Porto Seguro para responder processo. (...) os Pataxó se mostraram
incansáveis no processo de luta pela terra e atuaram como protagonistas
nesse conflito. Estavam determinados a defender seu espaço, por qualquer
preço; como também eram conscientes de que possuíam uma área bem maior
que a demarcada. Insatisfeitos, foram de encontro às ordens governamentais.
Nesse enfrentamento, preparavam-se para uma batalha que começaria com a
Revolta de 51 e perduraria até os dias atuais, com lutas pela recuperação do
território tradicional do Monte Pascoal. Com a formação do Conselho de
Cacique no intuito de unir lideranças Pataxó e de outras etnias, abrindo
espaço para a manifestação política e a afirmação de índios que possuem
uma pré-existência no Monte Pascoal, anterior à criação do Parque Nacional.

Também há registros de comunidades negras rurais que são hostilizadas pelos


interesses do agronegócio, apoiado sempre pelo aparato jurídico e policial do Estado (faremos
aprofundamento dessa abordagem ainda neste capítulo). Assim, tais experiências demonstram
que ao longo do processo a lógica adotada pelo agronegócio transformou esses trabalhadores
em “indivíduos desnecessários” a partir da “precarização do trabalho, que alimentam a
vulnerabilidade social e produzem o desemprego”, além de outros desdobramentos que
colocam em desvantagens essa categoria de trabalhadores, incluindo suas famílias
(WANDERLEY, 2017).

O histórico da região está intrinsecamente ligado à agricultura, que no primeiro


momento (início do século XX) foi orientada, como vimos, pela agricultura extensiva e, no
último quartel do século XX, consolidou a expansão da produção impulsionada pelo
agrobusiness – com destaque para o setor agroflorestal (DEELEN & DONIDA, 1966;
KOOPMANS, 2005). Os custos sociais para a sociedade brasileira de modo geral, e da região

159
160

do Extremo Sul da Bahia em particular, principalmente para os trabalhadores do campo, na


participação do modelo histórico de desenvolvimento e modernização da produção rural são
avassaladores.

A lógica da produção capitalista no campo, facilmente perceptível no território


analizado, “inclui” parte desses trabalhadores em um processo produtivo que, por
consequência, também promove vulnerabilidade67 e exclui no primeiro momento pela
dependência ao processo de produção; no segundo momento pela total perda de autonomia
desses agricultores, que passam a não se reconhecerem nas suas atividades. Tal estado de
alienação gera o que Wanderlei (2017) chamou de “pobreza contemporânea, degradante e
desumana”. Ainda segundo a autora (WANDERLEI, 2017, p.69):

No mundo rural brasileiro, formas semelhantes de exclusão social


produziram, historicamente, efeitos devastadores sobre a própria identidade
social daqueles que estão associados a outros modos de viver e de produzir
no campo, distintos do modelo dominante. A pobreza que permanece no
Brasil, tanto no campo como em suas áreas urbanas, não pode ser entendida
como aquela que não foi atingida pelos processos de desenvolvimento. Ao
contrário, ela é, fundamentalmente, uma pobreza gerada como consequência
direta do modelo de desenvolvimento prevalecente na sociedade brasileira,
cuja base é a histórica associação entre o capital e a propriedade da terra, e
da forma como foi implantada no Brasil a moderna agricultura, centrada no
enfoque setorial da modernização.

Nesse caso, constata-se, que o local é uma representação micro do quadro da realidade
nacional. A região do recorte espacial desta pesquisa, a partir da década de 1940, é
identificada como espaço territorial agrário a ser explorado, com excepcional capacidade
produtiva. Entre o último quartel do século XX e a primeira década do século XXI a expansão
do agronegócio, como constatado, cresceu em escala exponencial. Os impactos
socioambientais foram sem precedentes na história da região. Comprovado está que o modelo
de desenvolvimento aplicado na região em questão trata-se de uma experiência de
neocolonização.

Há, no entanto, outra parcela de trabalhadores e trabalhadoras que atuam no campo


que se enquadram na categoria que está identificada como produtores autônomos; esses
trabalhadores são representados pelos trabalhadores da agricultura familiar. Esse setor da

67
“Não são, propriamente, políticas de exclusão. São políticas de inclusão das pessoas nos processos
econômicos, na produção e na circulação de bens e serviços, estritamente em termos daquilo que é racionalmente
conveniente e necessário à mais eficiente (e barata) reprodução do capital. E, também, ao funcionamento da
ordem política, em favor dos que dominam” (MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade.
São Paulo, Paulus Editora, 1997, p. 20).
160
161

agricultura é responsável pela produção que atende parte da demanda de consumo local e
regional, sendo formada, em sua maioria, por pequenas propriedades.

No geral, as categorias que se organizam em torno de uma proposta coletiva acabam


sendo mais articuladas, com melhor empoderamento político e maior capacidade de
resistência ao modelo de produção hegemônico. No conjunto das experiências desses
trabalhadores/produtores autônomos existem variadas possibilidades de análises das
subcategorias ligadas à agricultura diversificada de pequena escala que atende,
principalmente, o consumo local e regional. Uma dessas subcategorias locais são os
agricultores autônomos com representação étnica, com destaque para as comunidades
quilombolas. Formadas a partir das comunidades negras rurais, essas comunidades se
autoidentificam a partir de suas tradições.

A produção de alimentos, o reconhecimento dos lugares, a identidade de pertença, a


lida com a terra; o domínio do processo de produção e a ritualística de todo processo
produtivo são elementos que fornecem sentidos e fortalecem laços de identidade e
pertencimento dos sujeitos que constroem o sentido da territorialidade nas comunidades
negras rurais. Assim, para O´dwyer (2010, p.43):

No que diz respeito à territorialidade desses grupos, a ocupação da terra não


é feita em termos de lotes individuais, predominando seu uso comum. A
utilização dessas áreas obedece a sazonalização das atividades, sejam
agrícolas, extrativistas ou outras, caracterizando diferentes formas de uso e
ocupação dos elementos essenciais ao ecossistema, que tomam por base
laços de parentesco e vizinhança, assentados em relações de solidariedade e
reciprocidade.

As comunidades negras rurais têm lugar relevante na história do Extremo Sul da Bahia
por suas importantes contribuições na formação da região nos aspectos demográficos,
econômicos e culturais. Atualmente representam uma das experiências dos movimentos
sociais no campo, que tem como mote a permanência e resistência em seus territórios que se
encontram na maioria dos municípios da região.

Essas comunidades são identificadas pelas relações e vivências que compõem o


sentido da territorialidade (a experiência do vivido em espaço identitário), com maior ênfase
nos aspectos político-mítico-religiosos com capacidade de transmissão e preservação das
experiências do vivvido, ou seja, dos sujeitos participantes. Isso é percebido nas músicas, nos
terreiros, na diversidade religiosa, nas festas, no cultivo da terra, nos mutirões, dentre outras
experiências dessas comunidades (ZHOURI, 2008).

161
162

5.3 AGRICULTORES AUTÔNOMOS COM REPRESENTAÇÃO ÉTNICA

A história do Extremo Sul da Bahia registra a presença da população negra desde


períodos coloniais que serviram, marcadamente, como mão de obra escrava (ALENCASTRO,
2000; WIED-NEUWIED, 1942). No pós-abolição permaneceram como posseiros e até a
primeira metade do século XX viviam como camponeses autônomos ou, a partir da década de
1950/1960, agregados nas fazendas produtoras de gado e/ou ligados à exploração de madeira
nativa (DEELEN, 1966).

Com o avanço do processo de expansão do agronegócio também foi se definindo uma


nova geografia produtiva, determinada pela agricultura extensiva e intensiva, que expulsou
um número significativo de camponeses que formavam o núcleo majoritário da população
rural da região. Entre as décadas de 1970 e 2010 vimos uma mobilidade populacional sem
precedentes na história do Extremo Sul da Bahia, que acompanhou o movimento que se
desenvolveu em todo o país, resultando na diminuição da população rural (IBGE, 2010).

Como já mencionado, restaram na região alguns pequenos redutos de lavradores, entre


eles, aqueles formados por comunidades negras rurais que mantiveram suas práticas
produtivas. Tais comunidades tradicionais se encontram, na maioria das vezes, cercadas por
plantações de eucaliptos cujos proprietários são fazendeiros do setor de agronegócio ou
empresas multinacionais como a FIBRIA e Suzano Celulose68.

Ainda não existem estudos de geolocalização das comunidades negras rurais da região
além daquelas comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (2005;
2007; 2009):

1. Cândido Mariano (localizada no município de Nova Viçosa – Registro no Livro de


Cadastro Geral nº. 02/ Registro 131/ Fl. 36, em 02/03/2005 – Publicada no Diário
Oficial da União em 08/06/2005, Seção 1, nº. 108/ Folhas 15 e 16);

2. Helvécia (localizada no município de Nova Viçosa – Registro no Livro de Cadastro


Geral nº. 02/ Registro 129/ Fl. 34, em 02/03/2005/ Publicada no Diário Oficial da
União em 19/04/2005, Seção 1, nº. 74/Folha 03);

68
Helvécia é a comunidade negra rural, certificada como comunidade quilombola pela Fundação Cultural
Palmares, onde se concentram a maioria das pesquisas acadêmicas na região que discutem o tema (CARMO,
2010; GOMES, 2009; ABREU, 2014). De acordo com o Decreto Federal nº 4.887/2003, “(...) o
autorreconhecimento das comunidades remanescente de quilombo é de competência da Fundação Cultural
Palmares, de acordo com o procedimento estabelecido pela portaria nº 89 de 26 de novembro de 2007, que
institui o cadastro Geral dos Remanescentes de Quilombo”.
162
163

3. Mutum (localizada no município de Nova Viçosa – Registro no Livro de Cadastro


Geral nº. 02/ Registro 134/ Fl. 39, em 02/03/2005 – Publicada no Diário Oficial da
União em 08/06/2005, Seção 1, nº. 108/ Folhas 15 e 16);

4. Naiá (localizada no município de Nova Viçosa – Registro no Livro de Cadastro Geral


nº. 02 – Registro 133 – Fl. 38, em 02/03/2005 – Publicada no Diário Oficial da União
em 08/06/2005, Seção 1, nº. 108/ Folhas 15 e 16);

5. Rio do Sul (localizada no município de Nova Viçosa – Registro no Livro de Cadastro


Geral nº. 02 – Registro 130/ Fl. 35, em 02/03/2005 – Publicada no Diário Oficial da
União em 08/06/2005, Seção 1, nº. 74/ Folha 15);

6. Volta Miúda (localizada no município de Caravelas – Registro no Livro de Cadastro


Geral nº. 02 – Registro 132/ Fl. 37, em 02/03/2005 – Publicada no Diário Oficial da
União em 08/06/2005, Seção 1, nº. 108/ Folhas 15 e 16);

7. Mota, localizada no município de Itanhém, registrada no Livro de Cadastro Geral n.


09, Registro n. 920, fl. 34, em 01/03/2007. Publicada no Diário Oficial da União em
13/03/07, Seção 1 nº 49/ Folha 06);

8. Vila Juazeiro (Localizada no município de Ibirapuã – Registro no Livro de Cadastro


Geral nº. 02 –Publicada no Diário Oficial da União em 19/11/2009, Processo nº
01420.001934/2009-27).

Durante o processo de formação de latifúndios para a exploração da monocultura do


eucalipto muitas dessas comunidades rurais cederam suas terras, mas reagiram e
resistiram/resistem desde a tomada de consciência da ação da expansão e seus impactos
socioambientais do agronegócio e seus principais desdobramentos – com ênfase para a
concentração fundiária, concentração de renda, diminuição da produção agrícola
local/regional, contaminação do solo, aumento de desemprego, proletarização/pauperização e
hostilização contra os trabalhadores e trabalhadoras do campo.

Tal concentração de terras nas mãos de poucos influenciou a mobilidade populacional


da região nos últimos 50 anos; por outro lado, a dinâmica da expansão do capital no campo
acabou servindo de base para um fenômeno pautado na luta e resistência dessas comunidades
negras rurais contra a intensa desterritorialização imposta pelos interesses do agronegócio
(CARMO, 2010).

163
164

São recorrentes as incidências de violência, inclusive com homicídios, crimes que


acabam não sendo investigados por razões “ainda desconhecidas” ou não problematizadas.
Tal realidade tem criado um ambiente propício para que representações étnicas sejam
fortalecidas a partir de reivindicações que perpassam pela luta de direitos fundamentais de
minorias étnicas.

Tal cenário serviu de fundo para que as comunidades negras rurais recorressem à
estratégia discursiva de autoidentificação quilombola. O fenômeno de emergências étnicas ou
etnogêneses passou a ser objeto de estudos para compreender o contexto da
contemporaneidade como resultantes de um processo de lutas, dominações e resistências. A
etnogênese também passou a ser usada nos estudos de grupos sociais tradicionais no contexto
da contemporaneidade e como resultantes de complexo processo de luta, dominação,
resistência. Nesse sentido, para Bartolomé (2006, p.40), trata-se de

(...) desenvolvimento de novas configurações sociais, de base étnica, que


incluem diversos grupos participantes de uma mesma tradição cultural. (...)
Também já se qualificou de etnogênese o ressurgimento de grupos étnicos
considerados extintos, totalmente “miscigenados” ou “definitivamente
aculturados” e que reaparecem no cenário social, demandando seu
reconhecimento e lutando pela obtenção de direitos ou recursos. (...) A
etnogênese, ou melhor, as etnogêneses referem-se ao dinamismo inerente aos
agrupamentos étnicos, cujas lógicas sociais revelam uma plasticidade e uma
capacidade adaptativa que nem sempre foram reconhecidas pela análise
antropológica.

Essa estratégia de ressemantização do conceito de quilombo levou à contínua


emergência de representações identitárias de recorte étnico na região. As primeiras
comunidades negras rurais a obterem a certificação de reconhecimento de remanescente de
quilombo pela Fundação Palmares na região foram as comunidades de Cândido Mariano e
Helvécia.

O jogo da [in]visibilidade, como no contexto abordado, cria condições favoráveis para


a emergência de grupos estigmatizados como as comunidades negras rurais que emergem
legitimados pelos movimentos sociais de representação étnica que, por sua vez, visam
garantias de direitos dessa minoria através de ordenamentos jurídicos. No caso ora taratado, as
comunidades negras ruarai receberam certificação de acordo com as garantias constitucionais

164
165

do Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de


1988, ainda que a contragosto dos empresários do setor agropecuário69.

Deste modo, as comunidades negras rurais recorreram à condição de remanescentes de


quilombos (de acordo com as qualificações previstas no decreto 4.887 de 20 de novembro de
2003) para, a partir de sua representação étnica, manter-se resistentes na luta pelo direito à
terra enquanto direito fundamental. Em trabalho de revisão de literatura sobre o tema Miranda
(2018, p. 196) considera que:

(...) é de se ponderar os efeitos discursivos da ressemantização dos


quilombos a partir das tensões do reconhecimento jurídico. A definição de
quilombo contida no Decreto 4887/03 é recorrentemente citada, mas há o
cuidado para não constranger as comunidades pesquisadas ao conceito
decretado. Nesse âmbito problematizam-se a identidade quilombola,
consideram-se as lutas fundiárias e as disposições territoriais, o acesso às
políticas públicas, seus impasses e consequências.

As experiências das comunidades negras rurais que recorrem à estratégia discursiva de


ressemantização dos quilombos, para que possam nela se integrar, estão inseridas em um
contexto de conflitos e disputas que envolvem, principalmente, questões fundiárias. O uso
político da condição de remanescentes de quilombos tem resultado “numa identidade
negociada, forjada no decorrer de processos de invisibilidade ativamente produzida e de
visibilidade insurgente”, que possibilitam a essas comunidades negras rurais, por vezes,
condições mais favoráveis na reivindicação de direitos (MIRANDA, 2018, p. 198).

Considerando que foram expostas historicamente à condição de invisíveis sociais, as


comunidades negras rurais que recorrem à estratégia de afirmação étnica (na condição de
comunidade quilombola) buscam o empoderamento que seja capaz de chamar a atenção de
outros interlocutores – que, via de regra, têm interesses divergentes dos das comunidades em
questão – ligados quase sempre às empresas que atuam na monocultura de eucalipto, com

69
Os sindicatos patronais dos vários setores da agropecuária, através dos seus congressistas do Partido
Federativo Liberal (PFL) – que foi substituído pelo Partido Democratas (DEM) – apresentou uma Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Superior Tribunal Federal (STF), questionando a legitimidade dos
procedimentos metodológicos para a emissão de laudos antropológicos como parte dos procedimentos para
titulação de terras quilombolas. Em 2018 o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
3239, que questionava o Decreto Federal nº 4887/2003 de regulamentação do procedimento de titulação de terras
remanescentes de quilombo. Esse é um exemplo daquilo que Bartolomé (2006) sinaliza para a participação do
Estado através de aparatos jurídicos que tem possibilitado garantias de direitos fundamentais de cunho reparativo
para grupos étnicos, que historicamente tiveram suas identidades estigmatizadas como inferiores: “Como em
outros casos, a esses processos de emergência identitária não são alheias as legislações que garantem direitos
especiais às comunidades nativas, mas o fato de que estas não tenham se manifestado antes como tal não deriva
de sua não-existência, mas de sua estigmatização”. (BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. As etnogêneses: Velhos
Atores e Novos Papeis no Cenário Cultural e Politico. Revista Mana, nº 12, 2006, p.50).
165
166

quem esperam negociar investimentos através de medidas mitigadoras que fomentem o


desenvolvimento socioambiental nessas comunidades de agricultores.

Nesse complexo jogo também existem comunidades negras rurais que reivindicam a
condição de remanescentes de quilombos, organizam suas associações quilombolas, mas não
recorrem ao processo de certificação da Fundação Cultural Palmares. Uma vez que se
apropriam da estratégia discursiva visando a ressemantização da condição quilombola,
também acabam por provocar a visibilidade de suas comunidades, atraindo assim
representantes das empresas produtoras de eucaliptos para a mesa de negociação. Para
registrar alguns exemplos, cito a Associação Quilombola do Porto do Campo (Alcobaça); a
Associação Quilombola de Trabalhadores Rurais do Portela (Alcobaça); a Associação
Quilombola dos Trabalhadores Rurais de São Benedito (Caravelas); a Associação Quilombola
de Trabalhadores Rurais de Juerana (Caravelas); a Associação Quilombola dos trabalhadores
rurais do Itanhentinga (Teixeira de Freitas) e a Associação dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar da Comunidade Arara que, apesar de não usar a terminologia “quilombola” ou
“remanescente de quilombo”, participa do coletivo das associações quilombolas que
representa o Território Extremo Sul da Bahia.

Há um entendimento dos representantes das empresas ligadas ao agronegócio que a


condição jurídica de uma “associação de trabalhadores rurais quilombolas”, mesmo quando as
comunidades/associações não são certificadas, oferece desconforto e representa uma potencial
ameaça para o setor agroflorestal, sobretudo quando questiona-se a legitimidade da
propriedade das terras das empresas que fazem limites com os territórios onde essas
comunidades rurais historicamente vivem e desenvolvem suas atividades agrícolas. É o caso
da Comunidade Porto do Campo, localizada na zona rural do município de Alcobaça. Esta
comunidade constituiu sua associação quilombola em 28 de outubro de 2012 (Associação
Quilombola do Porto do Campo). Uma comunidade com cerca de 100 famílias que se
encontram completamente cercadas por plantações de eucaliptos. Essas famílias sofreram
muita pressão para venderem suas terras e que, aqueles que permaneceram na comunidade
encontraram na estratégia discursiva de ressemantização do quilombo um meio de resistência.
De acordo com Bernardino Costa da Conceição (morador da comunidade que presidiu a
assembleia de fundação da Associação Quilombola do Porto do Campo):

Uma coisa é antes da associação, outra coisa é depois. A gente não


conseguia nada, tudo era uma enrolação. Mas agora eles têm que apoiar.
Logo em 2014 a associação já foi contemplada com um trator. A gente
nunca teve um trator, mas agora tem um completo pra gente arar a terra. os
166
167

insumos estão ai, só não trabalha quem não quer. Rapaz, você quer vê os
cursos que a empresa Fibria oferece pra nós, tudo coisa boa. Mas por que
isso? É porque eles sabem que a gente tem direito.

A consciência do direito tem sido a promotora das ações reinvidicatórias desses


coletivos que passaram a assumir protagonismos nas relações com outros agentes que
concentravam as iniciativas e decisões conexas aos interesses da comunidade. Cabe aqui
evidenciar as orientações da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas (CONAQ) quanto às alíneas que devem permanecer em todos os artigos
que tratam das finalidades dos estatutos sociais de associações quilombolas dos estados
associados da federação (entre eles o Estado da Bahia), com ou sem certificação da FCP:

Defender interesses e reivindicar os direitos de posse e regularização


de título de terra remanescente de quilombo; b) Após a titulação,
administrar a terra remanescente de quilombo, reverenciando e
defendendo a inalienabilidade, imprescritibilidade e
impenhorabilidade das nossas terras; b) Promover e realizar, quando
necessário, em parcerias públicas ou privadas, através de convênios
ou termos de cooperação nas suas várias modalidades, trabalhos de
assessoria, consultoria, assistência técnica nas esferas de produção,
da extensão rural, da agricultura, da pecuária, do desenvolvimento
sustentável, ainda cursos e atividades nas áreas da educação, cultura,
saúde e esportes, também promover a qualificação e requalificação
profissional, visando desenvolvimento econômico e humano; c)
Defender e incentivar os pequenos agricultores da comunidade
remanescente de quilombo; d) Promover e apoiar as festas
tradicionais, religiosas e comunitárias, eventos culturais e sociais na
comunidade remanescente de quilombo; e) Representar os interesses
da comunidade remanescente de quilombo.

Os enunciados das alíneas propostas pela CONAQ são bastante conhecidos pelas
organizações sociais que militam por aquilo que consideram direitos fundiários das
comunidades remanescentes de quilombo e pelas corporações do setor agroflorestal.
Enunciados que ecoam como convite sugestivo ao diálogo, que assegure negociação para
diminuir danos maiores aos envolvidos (voltaremos a discutir a conjuntura das negociações
ainda nesse capítulo).

Deve-se levar em conta que a decisão de assumir a condição de remanescentes de


quilombo não assegura, de per si, acesso a políticas públicas ou políticas privadas que visem
atender as exigências jurídicas em defesa do que convencionalmente se chama de
“desenvolvimento sustentável”, muito menos constitui uma garantia de resolução de litígios
fundiários que envolvem os interesses de empresas do setor agroflorestal em contraste com os
interesses dos agricultores dessas comunidades negras rurais.

167
168

Deparamo-nos, ao longo do caminho traçado pela pesquisa, com complexos conflitos


relacionados à questão fundiária da região do Extremo Sul da Bahia que se transformaram em
processos judiciais complexos com desdobramentos que ficam a cargo do tempo e da
possibilidade de segurança jurídica, no porvir.

Processo judicial como o que decidiu, em primeira instância, por medida protetiva a
favor da empresa Suzano Papel e Celulose S.A., em desfavor da comunidade quilombola de
Volta Miúda, que, através de sua representação institucional (neste caso, a Associação dos
Produtores Remanescentes Quilombolas de Volta Miúda), está impedida de realizar atividade
fim previsto em seu Estatuto Social, ou seja, através de uma medida de interdito proibitório,
sob acusação de “esbulho, turbação (sic) e ameaça”, a associação e todos os seus
representantes e seus associados estão impedidos de “defender interesses e reivindicar os
direitos” da comunidade de Volta Miúda70.

A Comunidade Quilombola de Volta Miúda foi certificada pela Fundação Cultural


Palmares em 2005. Localizada no município de Caravelas, com cerca de 600 famílias,
encontra-se rodeada por fazendas de exploração pecuária e extensas áreas de monocultivo de
eucalipto. A fonte econômica da comunidade vem da agricultura (mandioca, milho abóbora,
quiabo, banana, acerola, mamão, coco, dendê, dentre outros) e da pecuária (criação de
bovinos, suínos e aves), sendo em sua maior parcela para sustento das famílias. O território da
comunidade é formado por diversos povoados, como Volta Miúda dos brancos, Volta Miúda
dos negros, Escondido, Pequi, Boná, Maquinista, Pau Ferro, Caboróca, Santo Amaro, Taté,
62, Retiro, Peruípe, Naiá e Mutum (SANTOS, 2017).

Cabe lembrar que as informações expostas nesta pesquisa sobre a Comunidade


Quilombola de Volta Miúda estão disponíveis na ação judicial que está sendo executada sem
segredo de justiça e que, neste caso, as informações contidas nos autos do processo estão
sendo interpretadas pelo autor desta pesquisa.

70
Interdito Proibitório nº 1709; Órgão julgador: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Teixeira de Freitas-
BA; Número do Processo: 1000219-53.2018.4.01.3313; Autor: Suzano Papel e Celulose S.A.; Réu: Associação
dos Produtores Remanescentes Quilombolas de Volta Miúda, Fabio Pinheiro Leocádio, Celio Pinheiro Leocádio,
Benedito Leocádio, todos os demais líderes, diretores, integrantes, nominados ou de qualificação ignorada, bem
como todos e quaisquer iminentes invasores e pessoas ligadas à Associação de Quilombolas de Volta Miúda,
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, Fundação Cultural Palmares. (Fonte: Justiça
Federal da 1ª Região PJe - Processo Judicial Eletrônico).
168
169

5.4 ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS, LUTAS POLÍTICAS E SUAS CONTRADIÇÕES

Os conflitos de interesses pela posse da terra estão diretamente relacionados à


expansão do agronegócio e seus impactos socioambientais, sobretudo para a parcela da
população que vive na zona rural. Assim, a recorrência de disputas por terras que culminam
em litígios judiciais, extrajudiciais e de outras naturezas (inclusive aqueles que acabam
resultando em atos criminosos dos envolvidos) tem sido crescente na região do Extremo Sul
da Bahia e nos permitem tecer algumas considerações:

1. A emergência étnica, com uso da estratégia discursiva de ressemantização de


quilombo, em particular, é um fenômeno que irrefutavelmente se apresenta como uma
das muitas faces da questão fundiária na região do Extremo Sul da Bahia.
2. A autoidentificação das comunidades negras rurais enquanto remanescentes de
quilombos contextualiza, na atualidade, as lutas e conquistas políticas e sociais; a
valorização histórica de uma “parcela da sociedade brasileira, sobretudo, um direito a
ser reconhecido e não propriamente e apenas um passado a ser rememorado” ou uma
tentativa de remontar um passado que nunca termina (LEITE, 2000, p. 335).
3. As comunidades negras rurais que se autoidentificam como remanescente de
quilombo, assumem essa identidade por meio de referências antropológicas 71, mas
efetivamente, trata-se de uma estratégia política (HALL, 2003).

Analisar as experiências de luta pelo direito à terra das comunidades negras rurais do
Extremo Sul da Bahia implica em compreender as circunstâncias que possibilitaram a
construção de estratégia identitária quilombola por essas comunidades. A questão central são
os conflitos demarcados pelos interesses do setor agroflorestal ávido por espaços para
investimento de capital no campo e pela resistência dos redutos de comunidades negras rurais
formadas por pequenos agricultores. A condição de quilombolas enquanto representação
étnica que constrói, por vezes, espaço de diálogo para garantir suas territorialidades72.

71
“É possível conceber a identidade quilombola em meio aos dilemas de pertencimento a um determinado
território material e simbólico inserido em disputas econômicas e ainda considerar o âmbito das representações
sociais sobre quilombos negociadas ou contestadas. Uma identidade nem sempre reconhecida e que, portanto, é
conquistada, agenciada e certamente disputada, inclusive pelo aparato científico” (MIRANDA, Shirley
Aparecida de. Quilombos e Educação: identidades em disputa. Curitiba, Educar em Revista, v. 34, n. 69, p. 193-
207, maio/jun. 2018, p. 198).
72
A realidade se apresenta como um complexo conjunto de múltiplas determinações objetivas e subjetivas, que
poderão ser mais bem compreendidas a partir de imersão na lógica dos atores sociais envolvidos na construção
de tal realidade. Nesse sentido, como postula Zhouri: “(...) é importante salientar que os excluídos não se
constituem como vítimas passivas do processo e vêm se organizando em variados movimentos, associações e
169
170

É recorrente nas comunidades negras rurais que se autoidentificam como “comunidade


quilombola” ou “comunidade remanescente de quilombo” tenham seus registro de memórias
presentes nas narrativas dos seus interlocutores73 quanto à presença de moradores que se
reconheciam como quilombola ou descendente/remanescente de quilombo. Narrativas como a
da entrevistada 1, moradora da comunidade A74 quando diz que:

Meu bisa sempre falava que ele era „nego nagô‟ e que a comunidade tinha
sido um quilombo. Ele falava da fazenda do outro lado do rio que ainda tinha
o lugar da senzala e correntes usadas para castigar os escravos, também
falava que não tinha vergonha de ser “nego nagô”.

Também de relevante importância é análise desse processo de construção da


identificação quilombola das comunidades negras rurais e os impactos e desdobramentos
dessa estratégia identitária nas lutas políticas a partir de narrativas de moradores dessas
comunidades que permanecem na região.

A condição da referência quilombola antes de seu uso estratégico na luta política para
manter a territorialidade dessa categoria de pequenos agricultores. Até no limiar do século
XXI não há registro de nenhuma comunidade negra rural que tenha utilizado a referência
“quilombola” para se autodefinir sob qualquer contexto na região do Extremo Sul da Bahia.
Pelo contrário, salvo algumas exceções, em um contexto de invisibilidade e exclusão
histórica, há registro de negação da condição quilombola por parte dessas comunidades.

A negação da representação quilombola deve ser compreendida como uma estratégia


de sobrevivência das comunidades negras rurais, como, também, uma tática de menor
exposição possível ao racismo como fica explícita na afirmação da entrevistada 2, moradora
da comunidade A75:

Ninguém queria ser quilombola não moço. (...) Quando a gente ia pra cidade
e alguém perguntava se a gente era da comunidade „A‟, quem disse que a

redes, tais como o movimento dos atingidos por barragens, os movimentos extrativistas diversos, a rede dos
povos do cerrado, os contaminados pela indústria do amianto nas zonas industriais urbanas, a Rede Alerta Contra
o Deserto Verde, entre outros, apresentando-se como portadores de outros projetos de vida e interação com o
meio ambiente, assim como outros ambientalismos (...). São sujeitos sociais que se articulam em movimentos e
redes, forjando novas técnicas e estratégias de ação coletiva que vão da ação direta – como as ocupações de
escritórios e canteiros de obras – até as negociações no próprio espaço de domínio simbólico”. (ZHOURI,
Andréa. Justiça Ambiental, Diversidade Cultural e Accountability: Desafios para a governança ambiental.
Revista Brasileira de Ciências Sociais - Vol. 23, Nº 68, 2008, p. 105).
73
Para garantir o anonimato dos interlocutores por razões já explicitadas, os mesmos serão identificados como
“entrevistada” ou “entrevistado” seguido de uma numeração com a “comunidade” identificada com letras, de
acordo com os contextos das narrativas e análises.
74
Entrevista concedida em 15 de dezembro de 2018.
75
Entrevista concedida em 15 de dezembro de 2018.
170
171

gente dizia a verdade. Não, a gente sempre disfarçava. Mas não adiantava,
eles descobriam, mesmo porque a cor já era suspeita.

Nessas comunidades rurais o olhar das vítimas do racismo era reflexo da perspectiva
de uma colonização ainda muito presente no contexto hodierno. De acordo com a entrevistada
3, moradora da comunidade B76:

Era motivo de ofensa ser chamado de quilombola. Ninguém queria ser preto,
muito menos preto da roça. Olha, se eu te disser que tinha gente aqui que
inventava era cor pra dizer que não era preto (risos). Tinha um tal de “cabo
verde”77 aqui que não era brincadeira (risos). Ainda hoje tem gente que não
aceita ser quilombola, mesmo morando em uma comunidade que só tem
nego fulô.

Em ambas as narrativas é manifesta a relação entre a negação da referência


“quilombola” e a negação da referência negra. Pensar a questão quilombola exige, portanto,
evidenciar nas análises os “efeitos do racismo” no contexto das relações que envolvem as
comunidades negras rurais.

Ainda sobre as narrativas, até o final do século XX a realidade das relações históricas
das comunidades negras rurais do Extremo Sul da Bahia esteve mediada e perpassada pelo
racismo; “mesmo morando em uma comunidade que só tem nego fulô” – que a entrevistada
esclareceu se tratar de uma expressão para definir “o negro retinto” –, a grande maioria dos
moradores das comunidades negras recusavam a identificação negro/preto para si.

Ainda na atualidade persiste a concepção que “ser da roça” marca a condição


subalterna dos moradores das comunidades negras rurais por ser construída uma ideia que
relaciona o sujeito/sujeita “da roça” com pessoas negras/pretas, configurando assim a
discriminação que a população negra rural enfrenta, e que somente esses sujeitos tem
condições de dizer se de fato existe a discriminação.Compreendamos que não se trata de
autoidentificação, mas o posicionamento de recusa era para a percepção do outro, do externo,
que classificava/classifica esses atores sociais como negros.

A alusão ao passado de escravidão como experiência demarcadora da identidade das


comunidades quilombolas é uma prática comum e presente, inclusive, em trabalhos
acadêmicos. É, portanto, a “naturalização” de uma condição inferiorizada, onde os

76
Entrevista concedida em 23 de março de 2019.
77
De acordo com a entrevistada e com outros membros da comunidade, cabo verde é uma pessoa com conjunto
de caracteres fenótipos que inclui a pele negra, olhos verdes e cabelo liso.
171
172

colonizados são reintroduzidos em uma categoria subalterna 78 vivenciadas nas experiências


sociais como nos informou a entrevistada 2, moradora da comunidade A:

Até hoje a gente sente um tratamento diferente. Quando vamos na cidade


eles tratam a gente como se tivesse fazendo favor. Eu já disse mesmo: não
peço favor, é um direito meu. Na verdade, eles acham que a comunidade está
“se achando” porque agora é quilombola. Professor, eu digo mesmo, bem
feito pra eles. Quem fez tudo foram eles, a gente só ficou sabendo porque o
pessoal em Salvador não aceitou que eles pegassem a certidão pra nós.

A fala da última interlocutora expressa também (além do tratamento discriminatório


por setores de serviços públicos dispensado às pessoas reconhecidas como moradoras da
comunidade quilombola) outra importante informação que diz respeito ao complexo processo
de tomada de consciência política e identitária. Quando pedi que me explicasse melhor sobre
o que queria dizer com a fala “quem fez tudo foram eles, a gente só ficou sabendo porque o
pessoal em Salvador não aceitou que eles pegassem a certidão pra nós”, tomei ciência da
participação do poder público local na articulação para viabilizar o reconhecimento da
condição de remanescente de quilombo da comunidade em questão junto aos órgãos
competentes. Ainda de acordo com a entrevistada 2, moradora da comunidade A (juntamente
com os demais participantes da diretoria da associação), “foi a prefeitura” que tomou todas as
providências na organização do processo para o reconhecimento de remanescente de
quilombo de sua comunidade junto à Fundação Cultural Palmares:

Os funcionários da prefeitura vieram e conversou com a gente, disseram que


a gente era quilombola e que a gente tinha direitos e tinha muitas coisas que
a prefeitura podia ajudar. Quem não quer melhorar? Todo mundo quer! Eles
começaram a tratar a gente muito diferente.

Nesse caso, no primeiro momento, tratou-se de uma identificação externa,


heteroinduzida, representada pelo poder público. De acordo com o levantamento juntos às
associações quilombolas, das nove comunidades quilombolas do Extremo Sul da Bahia que
são atualmente certificadas pela Fundação Cultural Palmares, quatro delas tomaram ciência
do processo somente depois da publicação da certificação; a provocação do Estado partiu do

78
“Entre a definição colonial relativa às habitações de escravos fugidos, geograficamente isoladas, situadas em
uma natureza selvagem com padrões precários de moradia e produção exclusivamente agrícola para
autoconsumo e àquela que foi construída no contexto das lutas por democratização do Estado, emergência de
direitos e igualdade racial, um longo trajeto se delineia. (...) produções acadêmicas que recorrem ao passado
escravo, e, sem a devida acuidade com o tema da escravidão no Brasil congelam a definição de quilombo e atam
a comunidade a um passado que nunca termina. A formulação „descendentes de escravos‟ encontrada em
algumas pesquisas é um exemplo da naturalização de uma condição histórica e política, como se a população
negra africana tivesse nascido escravizada e destinasse essa condição às gerações futuras” (MIRANDA, Shirley
Aparecida de. Quilombos e Educação: identidades em disputa. Curitiba, Educar em Revista, v. 34, n. 69, p. 193-
207, maio/jun. 2018, p. 198).
172
173

poder público representado pelo executivo desses municípios. Mas, quais as intenções dessas
prefeituras ao provocar o Estado79 recorrendo ao Decreto Lei 4.887/2003? Quais os
desdobramentos/impactos dessas iniciativas das prefeituras? As comunidades negras rurais
começaram, progressivamente, a se organizar e assumir a condição de comunidades
remanescentes de quilombo?

Para compreender melhor essas questões supracitadas, é importante que observemos o


contexto das políticas públicas federais voltadas para as representações das minorias da
sociedade brasileira. Na análise de Ribeiro (2013) houve significativos avanços entre os anos
2003 e 2010 na implementação de políticas que atendem demandas da população negra no
Brasil, e das comunidades quilombolas em particular80. Isso explica, em parte, o interesse das
prefeituras em viabilizar o reconhecimento de “remanescente de quilombos” das comunidades
negras rurais. Para o entrevistado 1, morador da comunidade A81, o interesse das prefeituras
tem relação com acesso a verbas públicas destinadas às comunidades quilombolas:

Eles acham que a gente é besta. A gente ficou sabendo que na verdade eles
queriam é verba do governo e que comunidade quilombola rende verba.
Quando a gente começou a pressionar, aí eles mesmo disseram que a gente
tem direito. Eles foram em Salvador pra pegar a certidão na Palmares, mas o
pessoal só entregava a um membro da diretoria da associação. Ai que não
teve jeito, eles tiveram que avisar pra gente. Daí a gente passou a exigir
outras coisas; hoje a diretora, os professores e todo mundo que trabalha na
escola são da comunidade, antes não era assim, diretora e as professoras
eram da cidade.

A fala do entrevistado faz alusão à verba do Programa Nacional de Alimentação


Escolar (PNAE 82) que equivale a um aumento de 50% dos repasses destinados para merenda

79
O Decreto Lei 4.887/2003, no seu artigo segundo, postula que tem o direito de reivindicar a titulação de
remanescente de quilombo a comunidade que, a partir da “caracterização” será “atestada mediante autodefinição
da própria comunidade”. Ainda determina que deve ser considerados “remanescentes das comunidades dos
quilombos, para os fins deste decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critério de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
80
Em sua tese Matilde Ribeiro discute algumas políticas públicas implementadas entre 2003 e 2010, como a
criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); Estatuto da Igualdade
Racial; Decreto Lei 4.887/2003 que visa a regulamentação e titulação de territórios quilombolas; “Lei de Cotas”
nas universidades, concursos públicos e nos serviços públicos na área de saúde, dentre outras. Ver: RIBEIRO,
Matilde. Institucionalização das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: percursos e estratégias 1986
a 2010. 2013. 286 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2013.
81
Entrevista concedida em 15 de dezembro de 2018.
82
O PNAE “passou a garantir, de maneira suplementar, por meio de transferência direta, os recursos financeiros
para a alimentação escolar dos alunos de (...) comunidades remanescentes de quilombos”, representando uma
importante política pública de segurança alimentar (BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação. Secretaria de Educação a Distância – 2.ed., atual. – Brasília: MEC, FNDE,
SEED, 2008, p. 27).
173
174

escolar das escolas que estiverem qualificadas como unidade quilombola. As prefeituras
queriam ter acesso às certidões que certificam as comunidades negras rurais como
comunidade remanescente de quilombo com o intuito de administrar um volume maior de
verbas destinadas à merenda escolar. Entretanto, também fica evidenciado nas falas dos
entrevistados que há uma consciência dos mesmos quanto ao descompromisso do poder
público local com os interesses da comunidade.

As falas dos sujeitos centrais da pesquisa não foram analisadas de forma cruzada com
outras versões e olhares (como a do poder público local e empresarial do setor agroflorestal).
Essa escolha metodológica visa garantir o lugar de suas respostas enquanto subalternos
históricos que somente agora ocupam seus lugares de fala. Não há expectativa nesta pesquisa
de contribuição das falas históricas que ocuparam espaços de poder. Nesse sentido, outras
vozes são dispensáveis para legitimar a fala daqueles que foram subalternos históricos, porque
agora pode o subalterno falar (SPIVK, 2010).

As outras cinco comunidades tiveram caminhos diversos para suas certificações; em


nenhuma delas o início do processo foi de iniciativa da própria comunidade; agentes externos
atuaram direta ou indiretamente na provocação do Estado, sejam os agentes públicos,
pesquisadores ou visitantes; foram olhares outros que iniciaram a identificação da condição de
remanescentes de quilombo das comunidades negras rurais do Extremo Sul da Bahia.

A despeito de eventuais interesses escusos por parte de algumas prefeituras no


processo de reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombo, há um
entendimento consensual de que, independente das contradições nos processos de
reconhecimento (que inclui a participação de agentes externos na definição da identificação
identitária), as comunidades negras rurais saíram fortalecidas na medida em que assumiram o
protagonismo da (re)apropriação identitária e política enquanto comunidade quilombola. Na
concepção do entrevistado 2, morador da comunidade C83 e membro da diretoria da
associação, houve significativa mudança na relação da comunidade com seus interlocutores:

Eu te digo que antes a gente não tinha voz nenhuma. O que tem de gente que
foi embora daqui não é brincadeira. Até pra São Paulo teve gente saindo. Os
prefeitos tudo culiado84 com os fazendeiros e as empresas de eucalipto
decidiam tudo. Essas terras aí era tudo da nossa família, da gente.
Compraram na marra. Agora que eles tão sabendo que a gente tem esses
direitos, aí ficam tudo muchinho, agradando, dando emprego, montando
viveiro de muda. Mas a gente sabe que é só pra gente não mexer no passado,

83
Entrevista concedida em 13 de março de 2019.
84
Cúmplice.
174
175

porque se mexer vai dar é coisa. Por isso que tudo agora eles vêm conversar
com a gente. Primeiro tem que saber da gente, se a gente concorda. E com
isso a comunidade vai se fortalecendo porque sabe que as coisas tão
mudando”.

A condição de comunidade remanescente de quilombo provocou, inicialmente,


mobilização do poder público local, no sentido de viabilizar políticas públicas básicas nas
áreas de saúde e educação que eram negligenciadas com atendimentos precários ou ausentes
nessas comunidades. Existiam casos de comunidades com mais de 100 famílias sem acesso a
um posto de saúde ou a escola de ensino fundamental II na própria comunidade, exigindo que
as pessoas se deslocassem em longas distâncias.

A condição política das comunidades negras rurais com certificação de remanescentes


de quilombo ou aquelas que têm uma associação quilombola, também contribui para alterar o
cenário das disputas no espaço agrário do Extremo Sul da Bahia. No final da década de 1990
o cenário da expansão do agronegócio com a apropriação de terras de posseiros já havia se
consolidado, sendo que uma parte migrou para as cidades e outra parte dos posseiros expulsos
do campo formavam pequenas comunidades rurais, entre essas comunidades estavam as
comunidades negras rurais espalhadas na região (na etapa seguinte o agronegócio passou a
financiar o cultivo de eucalipto nas propriedades particulares que tinham extensões de terra
suficiente para agregar a produção agroflorestal que atenda as demandas de exportação das
empresas do setor).

Assim, no final da última década do século XX início do século XXI, os conflitos


relacionados à questão fundiária na região envolviam, grosso modo, o setor agroflorestal com
os remanescentes das comunidades negras rurais e o MST. Tal configuração foi construída a
partir de dois contextos consolidados ao longo das últimas três décadas do século XX: no
primeiro, as diversas comunidades de pequenos agricultores formadas a partir de suas relações
de parentescos e de múltiplas tradições culturais 85, nomeadamente as comunidades negras
rurais, que resistiram e permaneceram em seus territórios, já estavam nos seus limites

85
“(...) prática da agricultura familiar, baseada no cultivo de gêneros alimentícios como mandioca, feijão milho,
hortaliças e café; o habito de manter pequenas criações de suínos, aves e bovinos para a produção de carne e a
fabricação de requeijão e manteiga; as pequenas indústrias artesanais, voltadas para a fabricação de beiju, tapioca
e outros derivados da mandioca; a fabricação de rapadura e do melaço de cana açúcar; artesanato com a madeira,
fabricação de carrancas e imagens religiosas, casas de estuque, peneiras samburás, quiçambas, balaios, cestos,
esteiras, vassouras, etc.; no extrativismo vegetal destaca-se a fabricação do dendê, óleos e extratos vegetais
utilizados como antibióticos e outras drogas medicinais. (...) No folclore, destacam como principais
manifestações culturais, os reis de boi, o bate-barriga (...), as festas de São Sebastião, a folia de reis, o ticumbi, o
jongo de São Benedito, o alardo (simulação da guerra entre mouros e cristãos) e principalmente as populares
festas juninas” (ABREU, Eduardo Luis Biazzi de. Identidade cultural: comunidades quilombolas do Extremo Sul
da Bahia em questão. Revista África e Africanidades - Ano 2 - n. 8, fev. 2010, p. 4, 5).
175
176

determinado pela expansão do agronegócio; no segundo contexto, temos o registro da atuação


do MST que está na categoria de movimento social no campo (o MST tem sua atuação
pautada nas reinvindicações de luta de classe (sem representação ou recorte da ou pela
identidade étnico-racial) ou com dificuldades de articular a “unidade do diverso” devido sua
perspectiva/interpretação marxista (FERNANDES, 1989).

Assim, o protagonismo das comunidades negras rurais, a partir da estratégia de


(re)apropriação identitária e política na condição de remanescente de quilombo, tem
possibilitado aos mesmos maior capacidade de negociação junto às empresas de celulose. As
divergências entre os lavradores quilombolas e as empresas produtoras de eucalipto estão
pautadas pela relação estabelecida com a “terra de trabalho” e da “terra de negócio”
(MARTINS, 1991). Na tradição dos agricultores das comunidades negras, via de regra, a terra
não é compreendida apenas como uma propriedade comercial, para além da relação utilitária
entre pessoas e bem imóvel, a terra onde se vive é o centro referencial de pertencimento dos
moradores da comunidade

No contexto das experiências das comunidades negras prevalece um princípio da


relação com a terra voltado para a garantia da vida que exige respeito com aquela que é a
“mãe de todo mundo”. De acordo com a fala do entrevistado 3, morador da comunidade C 86, a
relação desses lavradores com a terra tece elementos da vida cotidiana e de sua cosmovisão:

A terra não foi feita pra usar de qualquer jeito. Tem vida como a gente tem.
Só que a terra é a mãe de todo mundo. Sem a terra a vida acaba, todo mundo
sabe disso. Você sabe desde quando a gente usa essa terra? Desde o tempo
dos antigos a gente usa e ela continua aí. Por que vamos acabar com tudo
agora? Se a gente não cuidar não vai sobrar nada. Tudo já está se acabando,
mas a gente tem que fazer a parte da gente. As empresas não tá nem aí. Pra
ela tanto faz, tanto fez. Querem é o dinheiro, depois fica só a bagaceira pra
quem ficar.

O reposicionamento político das comunidades negras rurais, agora na condição de


comunidades remanescentes de quilombo, no primeiro momento explicitou a tensão entre
essas comunidades e as empresas de agronegócio, sobretudo as empresas do setor de celulose
que formaram grandes latifúndios, promoveram perdas para os pequenos agricultores que
tiveram suas terras apropriadas pelos investimentos expansivos de capital financeiro na
produção rural da região. Isso fica latente na fala do entrevistado 4, morador da comunidade
C87, quando rememora momentos de tensão vividos pela comunidade no dizendo que:

86
Entrevista concedida em 13 de março de 2019.
87
Entrevista concedida em 13 de março de 2019.
176
177

A coisa era feia. Primeiro eles tentavam comprar a terra usando os próprios
parentes da comunidade. Teve pessoas que passou a viver de comissão de
venda de terras. Se você não vendesse a pressão só aumentava. A pessoa se
sentia acuado. De repente chegava no terreiro uns carrões junto com o
pessoal da empresa e dizia que aquela terra já estava vendida, que o
documento já estava com eles. Mas como? Não tinha conversa. A pessoa
acabava recebendo valor que era pago pra não perder de tudo. Quando a
pessoa não aceitava eles voltavam com a polícia. Teve gente que perdeu tudo
na base da violência. Tiveram que sair. Não teve jeito.

Experiências como essas se repetiram em toda a região do Extremo Sul da Bahia ao


longo das décadas de 1980 e 1990. Pessoas foram expostas a uma violência que alterou
completamente suas vidas. Quanto maior o isolamento das famílias mais graves eram os
níveis da violência a que eram expostas. As comunidades negras rurais que resistiram,
acabaram formando bolsões em meio aos grandes latifúndios porque
experienciaram/experienciam um modo de vida muito próximo do comunitário e isso
dificultava/dificulta a remoção dos mesmos, considerando, principalmente a quantidade
dessas famílias. Nesses casos as empresas esperavam vencer com uma tática de isolamento
que, a partir da impossibilidade de atenderem suas necessidades básicas, os moradores não
tivessem outra opção a não ser abandonar as terras.

A partir do movimento inicial que resultou na certificação de remanescentes de


quilombo – mesmo não sendo uma iniciativa endógena às comunidades negras rurais da
região – deu-se início a uma aproximação entre essas comunidades e o Conselho Estadual das
Comunidades e Associações Quilombolas do Estado da Bahia (CEAQ-BA), entidade que
viabilizou o acesso à formação política para que os grupos pudessem assumir protagonismo
na articulação das demandas local e regional; demandas que colocam no centro da discussão o
direito à terra ou a permanência na mesma. A consciência de si tem sido a tônica para
reinvidicar o direito de permanência no espaço de referência histórica desses sujeitos. Para
Santos (2010, p. 229) esse quadro aponta para a identidade quilombola como fenômeno que
precisa ser compreendido pelo contexto da luta por direitos:

A identidade quilombola vem sendo discutida no Brasil a partir da


necessidade de lutar pela terra. A consciência em torno da identidade
constitui o critério fundamental para o reconhecimento de uma comunidade
remanescente de quilombo. Assim sendo, o processo de conscientização da
identidade tornou-se um critério essencial na luta pelo reconhecimento
jurídico das comunidades.

O empoderamento das comunidades negras rurais, a partir da estratégia discursiva de


ressemantização de quilombo, que trouxe tanto para as discussões internas quanto para o

177
178

espaço de embates com seus interlocutores com interesses divergentes dos seus, sobretudo as
discussões sobre permanecer ou retomar a terra por direito, criou um ambiente bastante
desconfortável com as empresas produtoras de eucalipto e celulose.

Configurou-se então um quadro onde se apresentaram atores sociais em um circuito de


disputas que, até então, na história das relações sociais no campo da região do Extremo Sul da
Bahia, não se teve conhecimento, no contexto e em termos de lutas políticas e por direitos
sobre as terras, da presença de comunidades remanescentes de quilombo. Consideremos,
portanto, que o Decreto nº 4.883/03 criou possibilidades, sob competência do Incra, de
assunção da estratégia discursiva de ressemantização de quilombo por parte das comunidades
negras rurais (mesmo que o processo dessa tomada de consciência tenha sido iniciativa de
atores exógenos aos grupos em questão) visando a permanência e retomada de territórios que
outrora estavam sob posse dessas comunidades.

O decreto colocou sob responsabilidade do Incra (Instituto Nacional da colonização e


Reforma Agrária) a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos
quilombos, bem como a determinação de suas demarcações e titulações. A Instrução
Normativa nº 57, de 20 de outubro de 2009 regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto nº
4.887, de 20 de novembro de 2003.

O primeiro passo consiste na identificação do território por parte da comunidade


quilombola, ou seja, os membros da comunidade devem fornecer as informações acerca do
território para que desse modo o órgão responsável possa realizar os procedimentos
necessários para o reconhecimento. O segundo passo é o auto reconhecimento como
comunidades quilombolas, ou seja, a partir dessa definição a comunidade registra um
documento a FCP (Fundação Cultural Palmares) comprovando essa identificação do grupo.
Para a etapa seguinte referente a delimitação todos os lugares utilizados pelas comunidades
quilombolas devem ser incluídos, ou seja, deverá constar nas informações fornecidas pela
comunidade ao órgão responsável pela delimitação do território. No seguimento a
comunidade realiza a construção de um mapa do território quilombola para que a demarcação
do território seja assegurada devidamente, pois é de acordo com a definição da comunidade
que a demarcação é efetuada. Em sequência, após o cumprimento dos itens anteriores é

178
179

realizada pelo INCRA a desintrusão, ou seja, consiste na retirada de qualquer membro que
não faça parte da comunidade quilombola e que esteja exercendo algum tipo de atividade. Por
fim será estabelecido um prazo para que as reivindicações sejam devidamente reconhecidas
perante a lei. É responsabilidade do INCRA emitir um relatório técnico final para o IPHAN,
IBAMA, SPU, FUNAI, FCP e a Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional. Após
essa emissão e não havendo manifestação em contrário no prazo estabelecido, com
concordância com o relatório, é emitido o reconhecimento do território quilombola.

São recorrentes as narrativas que evidenciam o retorno para suas comunidades de parte
dos membros das famílias que se mudaram para as cidades da região, como também migraram
para outras regiões e outros estados do país durante as décadas de 1980 e 1990. De acordo
com a compreensão da entrevistada 3, moradora da Comunidade B, esse retorno está
relacionado com a estratégia discursiva de ressemantização de quilombo:

Muitas pessoas da nossa família começaram a voltar aqui pra comunidade.


Quando começou essa coisa de quilombo todo mundo ficou desconfiado; na
verdade a gente nem sabia direito o que era quilombola porque a maioria não
queria ser isso. O que todo mundo sabia é que esse negócio de quilombo é
coisa dos pretos; inclusive tinha gente que não queria ser quilombola por
causa disso. A coisa já não era boa e podia ficar pior sendo quilombola. A
gente sabe que existe racismo, a gente como a gente é tratado. Então a gente
teve é que se fortalecer mesmo. Agora ser quilombola é chegar com força e
eles é que tem de respeitar a gente agora (risos); precisa é de vê a cara deles
(risos).

Na última década essas comunidades conquistaram maior visibilidade e,


consequentemente, contribuíram para potencializar a projeção dos conflitos fundiários através
do envolvimento de outros atores sociais que atuaram/atuam como interlocutores da questão
agrária no Extremo do Sul da Bahia. Entre os interlocutores estão pesquisadores vinculados as
instituições de ensino superior públicas implantadas na região como a Universidade Federal
do Sul da Bahia (UFSB), a Universidade do Estado da Bahia - UNEB) e o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF-Baiano), representações da sociedade civil
organizada que discutem questões socioambientais, representações sindicais e associações de
trabalhadores/trabalhadoras rurais, dentre outras.

Diante desse processo de organização e articulação com coletivos representados por


instituições públicas e da sociedade civil organizada, as comunidades negras rurais
posicionaram-se e estabeleceram-se como agentes aptos a acessar políticas públicas e direitos
específicos de grupos com representação identitária e étnica classificados como povos
tradicionais.
179
180

Tal reposicionamento das comunidades negras rurais, agora com o


[auto]reconhecimento enquanto descedente de quilombo, impulseram movimentos na disputa
fundiária regional, forçarando as empresas a reorganizarem suas ações considerando a
presença e reinvindicações das comunidades quilombolas. Entre essas ações podemos
destacar três que têm garantido uma permanente ampliação dos investimentos de capitais
financeiros no setor agroflorestal:

A primeira ação estratégica está relacionada aos investimentos em propaganda e


marketing projetando a participação do setor agroflorestal no desenvolvimento da região, com
outdoors espalhados por todas as cidades do Extremo Sul da Bahia, além da compra de
espaços em jornais impressos, digitais – e espaço midiático local/regional de modo geral – e
informativos tem sido estratégias que estão presentes na política das empresas produtoras de
eucalipto e celulose.

Grosso modo, as empresas desse setor são bastante criticadas pela opinião pública
devido sua participação nos danos ambientais na região. Isso explica, em parte, os
investimentos em propagandas do setor agroflorestal que focam na tentativa de apresentar as
empresas do setor (com ampla rede de serviços terceirizados) como responsáveis pelo
desenvolvimento regional. A retórica bem articulada nas propagandas aponta para uma
atividade econômica – essencialmente degradativa de todo ecossistema onde se instala –
compatível com a preservação ambiental e com o desenvolvimento socioeconômico da região.

FIGURA 22- Integração floresta e Agricultura FIGURA 23- Integração da Agricultura Familiar com a
floresta

Fonte: Fibria (material publicitário)


Fonte: Fibria (material publicitário)

Podemos perceber que o foco das propagandas é justificar a presença dessas empresas
no Extremo Sul da Bahia como agentes de um desenvolvimento positivo, mostrando as
benfeitorias resultantes do avanço econômico através da modernização da produção do setor
agrícola referenciado pela produção de eucalipto e celulose na região, ocultando, por razões
óbvias, as denúncias relacionadas a invasão de terras com expulsão de posseiros, uso de
180
181

violência e constante ameaça pequenos agricultores que permanecem no campo; além da


contaminação das águas (comprometendo rios, lagoas, nascentes e os lenções freáticos),
destruição da capacidade produtiva do solo, uso indiscriminado de agrotóxicos e a constante
ameaça a fauna e a flora.

FIGURA 24- Markenting do setor agroflorestal que atua no Extremo Sul da Bahia e no seu entorno

Fonte: Fibria (material publicitário)

Devido às constantes denúncias apontando para graves danos socioambientais


provocados pelas empresas produtoras de eucalipto e celulose, existe a mediação do
Ministério Público Federal (MPF) no sentido de manter diálogo extrajudicial através de
assinaturas de Termos de Ajustes e Condutas (TACs). Nesta segunda ação destacamos a
estratégia das empresas que desenvolvem suas atividades econômicas a custo da degradação
do meio ambiente na região do Extremo Sul da Bahia e consideram viável a assinatura dos
TACs com a representação do Ministério Público por se tratar de um importante instrumento
jurídico para legalizar as ações empresariais/comerciais das empresas. Com esse
procedimento tais empresas podem calcular suas margens de lucros com a exploração do meio
ambiente, garantindo assim o desenvolvimento a partir da expansão de investimentos de
capital financeiro no campo e, a partir da lógica do custo-benefício para o setor agroflorestal,
avaliam como razoável o pagamento de indenizações e execução de projetos sociais enquanto
contrapartidas necessárias para garantir a contínua expansão. Tais ajustes, tipificados como
medidas mitigadoras, cumprem legalmente a legislação ambiental que, mediada pelo Estado
através do Ministério Público, convencem as empresas a atenderem as exigências – previstas
em Lei – dos órgãos competentes que fiscalizam o cumprimento das responsabilidades
socioambientais dos concessionários, mesmo que vozes contrárias considerem essas decisões

181
182

ilegítimas. Consideremos, no entanto, que os aparatos jurídicos que possibilitam as atividades


das empresas de monocultura de eucalipto – mesmo diante dos impactos socioambientais
irreparáveis – não representam, necessariamente, medidas que tenham relação com a
legitimidade, mas, é possível, tratar-se, apenas, de medidas legais.

No estudo realizado pelo engenheiro agrônomo Maicon Leopoldino de Andrade, que


fez um recorte sobre a expansão da monocultura do eucalipto para a Região do Sudoeste
Baiano, o pesquisador analisa o discurso desenvolvimento regional através da “produtividade
e modernidade do agronegócio” e apresenta as consequências dos impactos do avanço da
monocultura na “conformação social e ambiental no campo, tendo a concentração de terra, e a
exploração do ser humano e da natureza como símbolos marcantes dessa relação social”.
Ainda para o autor (ANDRADE, 2015, p.60):

A crise socioambiental desencadeada pelo avanço dos monocultivos e do uso


intensivo dos recursos naturais não se limitaram ao recrudescimento da
exclusão social e da degradação ambiental da região sudoeste da Bahia, mas
também afetaram as unidades camponesas da região Dessa forma, a
dependência tecnológica do modelo do agronegócio, converte-se em
dependência técnico-cultural, como foi o caso dos incentivos da atividade
cafeeira, na década de 1970, na região sudoeste, criando nesse momento um
discurso “moderno” de produção, cerceando as capacidades autônomas de
inovação dos camponeses e com isso, reduzindo a consolidação do modo de
vida camponês e familiar, caracterizados por conhecimentos seculares e
tradicionais antes bem difundidos nessas áreas.

Outra estratégia conhecida e utilizada pelas empresas está relacionada com a sua
capacidade de articulação e influência junto às instituições do Estado. A economia da região
do Extremo Sul da Bahia está inserida em uma racionalidade que, a partir da estrutura estatal,
se constroem relações que projetam uma organização política legal, sob a maestria dos
interesses do capital financeiro. Deste modo, ipso facto, trata-se de uma estreita relação das
empresas ligadas ao setor agroflorestal com instituições públicas (câmaras municipais e
prefeituras dos municípios do Extremo Sul da Bahia, Ministério Público, Secretaria de
Segurança Pública do Estado da Bahia, Poder Judiciário nas esferas estadual e federal) para
garantir a legalidade de suas atividades na região.

Grosso modo, os movimentos de amplos setores sociais criticam a tendência das


decisões do poder judiciário que, quase sempre, segue uma via conservadora, que tende a se
tornar cada vez mais evidente a partir dos alinhamentos com o atual Governo Federal,
sobretudo quando se evidencia posicionamentos contrários à garantia das minorias de

182
183

representação identitárias e étnicas. O aparato da Secretaria de Segurança Pública do Estado


da Bahia está à disposição dos interesses das empresas do agronegócio.

Também há críticas dos representantes de movimentos sociais quanto aos possíveis


alinhamentos de interesses entre empresas do setor de produção de eucalipto e celulose com o
governo do estado (talvez essa desconfiança ocorra pelo fato das últimas campanhas para
governadores eleitos do Estado da Bahia terem entre os financiadores as empresas do setor de
eucalipto e celulose, isso antes da decisão do STF que proibiu doações de campanhas por
empresas, sendo assim, trata-se de financiamentos legais de campanha, ainda que seja
possível questionar sua legitimidade).

Pensar na possibilidade de haver sobreposição e não distinção de interesses pessoais


dos ocupantes de cargo público com as responsabilidades inerentes aos seus cargos político-
administrativos nos levaria a uma reinvenção – nas relações políticas do Extremo Sul da
Bahia – do patrimonialismo enquanto fenômeno discutido por atores clássicos 88.

Quando empresas produtoras de eucalipto e celulose investiram em doações de


campanhas eleitorais de vereadores, prefeitos e governadores (chegando, no caso de eleições
para prefeitos, a doar/financiar a campanha de até dois candidatos da mesma cidade) espera-
se, da parte do pesquisador, um esforço sem medidas para analisar as intenções do capital
financeiro – que protagonizou altruísmo com grupos políticos locais – sob a perspectiva de
uma metodologia analítica compreensiva (MINAYO, 2006).

Espera-se que as interpretações descrevam a conjuntura política e permitam que os


interlocultores desta pesquisa avalie os episódios que delineiam relações que não poderiam
ser descritas sem evidenciar aspectos licenciosos e epicenos que poderiam lançar as bases de
acordos e desdobramentos ilegítimos, como aqueles relacionados a decisões políticas a favor
da expansão de investimentos no agronegócio, com parcos incentivos fiscais para empresas
produtoras de eucalipto e celulose, mas que têm gerado prejuízos sem precedentes para os
pequenos produtores rurais, e tudo isso com a anuência, manifesta e/ou latente, de órgãos que
deveriam mediar os interesses sem posicionamentos, nitidamente, parciais.

Considerando a legislação eleitoral em vigor no Brasil que proíbe o financiamento


privado por parte de pessoas jurídicas, que autoriza apenas financiamento público (fundo
eleitoral e fundo partidário) e doações de pessoas físicas, estas com um teto (Lei nº 13.487, de

88
Ver: FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Politico Brasileiro. São Paulo: Globo,
2008; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1995.
183
184

6 de outubro de 2017), acredita-se que tais mudanças imponha maior controle; mas, na
prática, cria-se novas possibilidades para manter determinadas relações com apoios indiretos.

Reiteramos que, embora as doações tenham sido um procedimento legal, não significa,
necessariamente, que trata-se de um procedimento legítimo, sobretudo quando consideramos
os desdobramentos dessas relações. Os candidatos favorecidos com as doações quase sempre
ocuparam os cargos políticos que deveriam mediar os interesses da sociedade como um todo,
e do seu reduto eleitoral em particular.

É passível de questionamento o fato de, via de regra, os políticos na região


representarem os interesses do agronegócio; e que esses mesmos políticos legislam e
executam leis e baixam decretos que atendem aos interesses das empresas do setor
agroflorestal em nome do desenvolvimento regional, inclusive àqueles interesses relacionados
a licenciamentos ambientais, quando reivindicados junto aos órgãos competentes presentes
nos municípios da região.

Ao analisar as lutas sociais no campo na obra “Origens agrárias do Estado Brasileiro”,


Octávio Ianni (2004) parte da descrição das estratégias daqueles pequenos agricultores com
representações identitárias e étnicas que tinham o objetivo de manter acesso à posse da terra
através de políticas públicas voltadas para a agricultura. Nesse processo os órgãos que foram
criados para mediar os interesses desses grupos rurais sem visibilidade política, acabavam
agindo contrário aos interesses dos lavradores e de suas famílias, favorecendo aos grandes
fazendeiros e latifundiários, que permaneceram ampliando os latifúndios a custo dos
pequenos posseiros.

Octavio Ianni cita o exemplo dos indígenas da reserva de Nonoai, no estado do Rio
Grande do Sul, que foram envolvidos em conflito fundiários com grandes fazendeiros que
invadiram suas terras. O Incra foi acionado para “apaziguar” o conflito; a sugestão foi para
que os indígenas se retirassem para o estado de Mato Grosso. Assim, “o Incra consegue
transformar mais um conflito de terra em um negócio de terras, favorecendo empresas ou
cooperativas de colonização, nas quais os posseiros são submetidos a colonização dirigida”
(IANNI, 2004, p. 157).

Na Região do Extremo Sul da Bahia, entre as décadas de 1970 e 1990, também são
registradas denúncias de situações semelhantes às ocorridas no mesmo período em outras
regiões do Brasil. Fica notório que essas denúncias descrevem a própria formação agrária do

184
185

Estado Brasileiro (IANNI, 2004). Aproximadamente meio século depois ainda persistem
elementos dessas “origens agrárias” sob influência/anuência “do Estado Brasileiro”.

Em compasso com esses contextos múltiplos da realidade brasileira, apresentara na


dissertação de mestrado a conjuntura da experiência do povo indígena Pataxó Hã-hã-hãe da
Aldeia Renascer, localizada no munícipio de Alcobaça89. A Aldeia Renascer, diferente das
demais aldeias indígenas da região (que estão, em sua maioria, cercadas por grandes fazendas
voltadas para criação de gado), encontra-se completamente cercada pela monocultura do
eucalipto e que, curiosamente [se não contraditório], esse cerco do “deserto verde” é uma das
principais causas do retorno e fortalecimento a/da auto identificação Pataxó Hã-hã-hãe.

Considerando a localização isolada da Aldeia Renascer em relação as demais aldeias


indígenas da região; considerando também a especificidade dos conflitos da aldeia com
empresas produtoras de eucalipto (isso permitiria identificação do grupo indígena, mesmo
com uso de pseudônimos), optamos por não incluir e trabalhar nesta pesquisa as narrativas
dos indígenas que expressam seus posicionamentos diante da arbitrariedade das ações de
empresas do setor agroflorestal no Extremo Sul da Bahia. Na atual conjuntura política
nacional, torna-se imperial que sejam tomados todos os cuidados preventivos para não
provocar qualquer tipo de exposição de determinados grupos (em especial, no contexto desta
pesquisa, justificamos o anonimato dos indígenas vivos da Aldeia Renascer) que poderiam,
como ocorrera com os Pataxó Hã-hã-hãe da reserva Caramuru-Paraguaçu, sofrer retaliações
de grupos historicamente muito bem servidos pelo Estado Brasileiro.

A formação da Aldeia Renascer foi resultado de deslocamento forçado de indígenas da


etnia Pataxó Hã-hã-hãe da reserva Caramuru-Paraguaçu (localizada no município de Pau-
Brasil, na Região Sul da Bahia) para a Região do Extremo Sul da Bahia, desde a década de
1950. Os conflitos foram provocados pelas disputas de terras entre indígenas da reserva
Caramuru-Paraguaçu e os fazendeiros “grileiros”, sendo esses últimos responsáveis pela
execução dos massacres e expulsões de indígenas Pataxó Hã-hã-hãe da reserva Caramuru-
Paraguaçu ao longo de toda segunda metade do século XX, sempre com a anuência da força
repressiva do Estado.

Os indígenas sobreviventes começaram a chegar ao Extremo Sul da Bahia a partir da


década de 1960 e se estabeleceram como prestadores de serviços nas fazendas da região.

89
SANTOS, Benedito de Souza. “Sou afro e sou indígena”: reapropriando identidades no contexto das redes de
relações agenciadas pelo Movimento Cultural Arte Manha de Caravelas-Ba. Dissertação apresentada no
Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Estudos Étnicos e Africanos – Pós-Afro/UFBA, 2014.
185
186

Atuaram na derrubada da Mata Atlântica para extensão de pastos, que atendia a demanda da
criação de gado e do fornecimento de madeira para as serralherias que se instalaram na região.
Na década de 1980, dividiam suas atividades entre o trabalho de extração de madeiras, de
vaqueiros e nas primeiras plantações de eucaliptos da região. Até a primeira década do século
XXI não se ouviu falar de indígenas Potaxó Hã-hã-hãe na região.

Esses indígenas eram reconhecidos como “caboclos”. Tal invisibilidade da


representação étnica enquanto indígenas Pataxó Hã-hã-hãe – de acordo com o senhor João
Rocha da Silva90, líder da comunidade que era mais conhecido como Cacique Bawai (nome
étnico Pataxó Hã-hã-hãe) – foi uma estratégia de sobrevivência, considerando o massacre que
vivenciaram na reserva Caramuru-Paraguaçu. A violência expressa no massacre e na
repressão/expulsão desses indígenas, ainda se faz presente nas memórias dos sobreviventes.
Ainda assim, com a consolidação da expansão do agronegócio expresso no setor agroflorestal
(monocultura de eucalipto) com investimento na modernização da produção no campo, os
“caboclos” foram forçados a se reorganizarem e se reconhecerem como Pataxó Hã-hã-hãe. A
partir da organização e reconhecimento da Aldeia Renascer junto a FUNAI em 2012, os
Pataxó Hã-hã-hãe reivindicaram e ocuparam uma parte das terras devolutas que desbravaram
ao longo da segunda metade do século XX.

No início da década de 1990 os indígenas que hoje compõe a Aldeia Renascer


começaram a ser usados como mão de obra nas primeiras plantações de eucaliptos na região.
As fazendas criadoras de gado foram substituídas pelo “deserto verde” (KOOPMANS, 2005).
Desde então, nesse recorte espacial, o território indígena foi cooptado para plantação de
eucalipto.

Em 2013 o espaço físico da aldeia, segundo o relato do cacique Bawai, era de 1000m2,
local onde residiam algumas famílias; outros indígenas moravam em mais dois lotes de terra
isolados; totalizando aproximadamente 35 famílias com cerca de 120 pessoas; os moradores
tinham uma farinheira comunitária e plantações insuficientes para a subsistência devido à
falta de espaço, uma vez que estavam cercados pela monocultura do eucalipto e algumas
fazendas criadoras de gado bovino de corte.

Viviam da produção de mandioca, bananeira e hortaliças; o espaço não permitia mais


nenhuma outra atividade agrícola. Em seu relato, o cacique Bawai afirmou que “O primeiro
eucalipto foi plantado pelos índios, mas a Fibria expulsou os índios, não gostava do índio,

90
Falecido em 09/09/2013.
186
187

gostava do trabalho do índio [...] os fazendeiros também não empregam mais índio”. O
cacique Bawai relatou que ainda não existe processo para demarcação da terra, e que é essa
demarcação que dará mais segurança à comunidade: “A terra registrada ninguém vai sair
daqui”. Primeiro lugar Deus; Segundo lugar a terra é a casa do índio, é a vida do índio”. O
Cacique Bawai demonstrou possuir conhecimento sobre os direitos indígenas ao explicar que
é necessário que os indígenas sejam titulares de suas terras para que passem a ter os direitos
constitucionais e que, segundo ele, esses direitos são garantidos pelos órgãos Governamentais,
Municipais, Estaduais e a própria FUNAI, “que é federal”; e que as terras em que residem os
povos indígenas pertencem à União, sendo assim, os indígenas têm direito ao usufruto.
Também disse que “só a Polícia Federal pode entrar em terra indígena”, pois a terra é, como
já foi dito, “patrimônio da União91”.

Por essas razões, o desenvolvimento econômico na comunidade, segundo informou o


cacique Bawai, é mínimo, sem condições estruturais e sem espaço para produzir. Quando
perguntado sobre como fazem para manter-se no espaço, ele diz que “a gente tá bem enrolado,
não tem como sobreviver, muitas famílias foram para o café no Espírito Santo92”.

As demais fontes de renda provinham de algumas outras atividades econômicas


complementares como artesanato, construído com material recolhido da natureza como
sementes, cipós, penas de aves, dentre outros. Esse material tornou-se cada vez mais escasso,
isto porque os latifundiários e as multinacionais, que exploram as terras e os resquícios de
Mata Atlântica no entorno da comunidade indígena, impôs algumas restrições para a retirada
desse material, inviabilizando a fabricação de artesanato e provocando dificuldades
econômicas para o sustento dos indígenas; os jovens saíram da localidade em busca de
sobrevivência, o que provocou, no entendimento dos que ficaram, enfraquecimento dos laços
e distanciamento da cultura.

Os que permanecem foram expostos aos interesses do poder econômico e suas redes
de relações que envolvem, inclusive, o poder público. Os membros da aldeia não tinham
liberdade de livre circulação, principalmente à noite, quando eram abordados pela Polícia
Militar do Estado da Bahia93 e por guardas que prestam serviço às empresas de eucaliptos.

91
Entrevista concedida no dia 01/08/2013.
92
Entrevista concedida no dia 08/09/2013.
93
A Polícia Militar da Bahia manteve (até 2016) policiamento ostensivo na área de plantação de eucalipto com
operações policiais conhecidas como “Lei e Ordem” onde recebiam apoio das empresas de eucalipto,
principalmente com “doação” de viaturas novas do tipo tração 4X4, onde era feita intensa fiscalização para evitar
“furto” de eucalipto e destruir carvoeiras – fornos artesanais para produção de carvão. Fato relacionado a essa
participação do Estado na “segurança pública”, a FIBRIA, detentora de grande parte dos investimentos na
187
188

Segundo Geovani, os índios ficam com medo de “andar de noite” porque já foram conduzidos
à delegacia sob a acusação de “serem suspeitos” de furto de eucalipto, somente pelo fato de
estarem na estrada à noite.

De acordo com os relatos dos moradores da aldeia os mesmos passam por muitas
humilhações e que uma parte dos indígenas tiveram que ir embora devido as constantes
demonstrações de preconceito e discriminação com requinte de sadismo; experiências não
apenas constrangedoras, mas que agridem a dignidade dos indivíduos94:

Outro dia encontrei uma jaca madura nesse pé que tá onde era quintal de
minha vó antes da gente ser expulso, quando ia saindo os guarda chegou e
me perguntou quem tinha autorizado eu pegar a jaca. Me obrigaram a ir
perto deles e pedir por favor. Eu pedir, mas porque a jaca ia fazer falta na
aldeia. Cheguei na aldeia abrir a jaca mais não comi. Me lembrava daqueles
guardas rindo. Me deu uma coisa, fiquei quieto. O pessoal disse “come
menino” mas eu disse que não queria, estava cheio. Mas não estava. Eu
estava com outra coisa.

Foram essas experiências de exclusão que exigiram desses atores o uso de estratégias
que poderiam ser entendidas como contínuo étnico, ou seja, uma suposta passividade ao
aceitarem a invisibilidade do ser índio para ser caboclo, tendo como representação referencial,
os valores brancos (GUIMARÃES, 2005). Se essa proposição é válida, então podemos dizer
que está em andamento, como afirma Arruti (1997), “a emergência dos remanescentes”
quando a indígena95 afirmou que “Eu não sou caboca, eu sou índia, sempre fui índia”.

Assim, esse tipo de violência, como um paradoxo, tem contribuído para catalisar e
fortalecer um processo de ressurgimento ou retorno à origem étnica daqueles que sempre
foram conhecidos como caboclos. Trata-se do reflexo da tomada da consciência étnica,
enquanto sujeitos, índios Pataxó Hã-hã-hãe, que exigem o cumprimento de direitos, inclusive,
o direito de se autodenominar indígena.

Desde então a Aldeia Renascer organizou-se e exigiu a garantia de seus direitos


fundamentais. Durante o mês de agosto de 2013 o cacique Bawai e suas lideranças
pressionaram as empresas que dominam o setor de exploração do eucalipto para que cedessem
mais espaço para sobrevivência dos moradores da aldeia. A empresa Fibria percebeu
possibilidades de agregar interesses dos indígenas e sua parcela de responsabilidade social

monocultura de eucalipto na região, foi uma das principais financiadoras da candidatura à reeleição de Jacques
Wagner par ao governo da Bahia.
94
Entrevista concedida no dia 01/08/2013.
95
Entrevista concedida no dia 08/09/2013.
188
189

como ação mitigadora para alcançar suas metas junto ao Banco de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), e assim continuar usando o financiamento público.

O cacique Bawai convocou uma reunião para o dia 08 de setembro de 2013, com toda
a aldeia, para tomar algumas decisões. Fui convidado para testemunhar a narrativa de sua
sobrevivência desde a saída da aldeia em Pau-Brasil até aquele momento. O cacique fez uma
breve retrospectiva das experiências dos moradores da aldeia enquanto comunidade indígena
resultante direta do massacre histórico contra os povos indígenas no início da década de
195096: “Pra gente chegar aqui muita gente morreu; mas não foi atoa; se a gente tá aqui é
porque Deus quer que a gente continue. Eu sei que não melhorou muita coisa, mas pelo
menos alguma coisa já melhorou”. E continuou:

Quero começar com minha saída Caramurú. A mortandade de 51 foi dura.


Vi meu pai „estribuchando‟ depois de receber uns „tiro‟ do pistoleiro a
mando de fazendeiro. Ele já tinha ido lá em casa. Disse pro meu pai que já
tinha ido três „vezes‟, só não matou porque „tava‟ trabalhando na roça ou
„tava‟ com um monte de menino, mas que ia ter de matar. Saiu todo mundo
corrido, mas o dinheiro acabou e meu pai parou pra fazer artesanato. Ai
aconteceu. Mataram ele.

Depois da saída de Pau Brasil o cacique Bawai e sua família foram para o norte de
Minas Gerais, onde se refugiou nas aldeias Maxakali (existem laços históricos entre os povos
Pataxós e Maxacali que consiguiram “guardar o sagrado” mutuamente). O cacique Bawai
retornou a Pau Brasil no início da década de 1980:

Fui acompanhado de alguns parentes maxakali porque todo mundo tava com
medo de me matarem; é muita coisa pra falar, se fosse contar tudo aqui não
dava tempo”. Cheguei aqui na região em dois mil e alguma coisa... ai fiquei
sabendo desses parentes e tô aqui como cacique. Quero continuar como
cacique, não abro mão disso.

Bawai ainda falou um pouco dos seus objetivos e o quanto acreditava que a luta daria
resultado. Reafirmou sua disposição e resiliência para permanecer na luta e que estava
acostumado a insistir, caminhar a passos curtos, “às vezes sem sair do lugar”, mas que a
própria experiência histórica de seu povo lhe ensinara que o avanço da negociação se resumia
à manutenção da vida, no sentido estrito da palavra:

Meu sonho é que cada um tenha sua casinha, uma escola pras crianças, um
postinho pros índios, trabalho, isso é importante. As vezes nem durmo
pensando nisso; perco muito sono com isso; eu mesmo que morar aqui com

96
Entrevista concedida no dia 08/09/2013.
189
190

meus parentes mas não tem lugar pra fazer um barraco sequer, e eu também
não tenho como fazer isso também.

As narrativas eram seguidas por longos períodos de silencio. “É isso, acho que isso vai
ser bom pra gente” disse ele. Bawai estava entusiasmado. Exerceu um papel fundamental para
que os demais expressassem suas insatisfações. Disse que “as coisas só mudam quando a
gente começa a reclamar97”. Depois do falecimento do Cacique Bawai a Aldeia Renascer
fortaleceu sua ações reivindicatórias e organizou as reocupações de parte do território que
viveram historicamente98.

Quando traçamos paralelo entre a concentração latifundiária com produção voltada


para a monocultura – ou para a agropecuária – e as representações identitárias/étnicas,
também encontramos nas comunidades negras, que se autoidentificam como remanescentes
de quilombo, uma representação dos equivalentes apresentados no estudo de Ianni, inclusive
àqueles comportamentos questionáveis de órgãos e instituições representantes do Estado.

Os conflitos fundiários permanecem latentes e, nos casos evidenciados no recorte


espacial deste estudo, para os grupos que recorrem à estratégia discursiva de representação
identitária e étnica, torna-se uma condição sine qua non a permanente resistência na luta pela
terra – com toda sua representação de territorialidade – diante dos interesses relacionados com
a expansão do agronegócio, este representado pela monocultura do eucalipto.

Quanto a compreensão da relação entre a representatividade da condição quilombola e


a exposição diante da força política que representa os interesses do capital investidos no
agronegócio , nas palavras do entrevistado 5, morador da comunidade B 99, há uma expressiva
consciência da dessimetria de forças em desfavor dos remanescentes de quilombo:

A gente não tem muita opção; quando a gente não sabia das políticas
quilombolas eles faziam o queriam, era uma humilhação que não gosto nem
de lembrar. Depois que a gente partiu pra essa questão do quilombola, que a
gente passou a saber o que é ser um povo quilombola, esse pessoal da
empresa fica muito incomodado com isso. Uma coisa a gente sabe: eles têm
o dinheiro e todo mundo na mão; a gente fica sozinho. Mas quem disse que a
gente tem medo; não tem essa, eu ando por aí tudo. Já me falaram pra tomar
cuidado, mas eu ando por aí tudo. Por que ter medo? Quem nasceu aqui foi
eu; a trilha da jaqueira, o riacho, eu é que conheço. Não se faça de besta, eles
passam por aqui, e eu nasci aqui.

97
No dia seguinte (09/09/2013), por volta das 04:50 da manhã, recebi a triste notícia do falecimento do Cacique
Bawai, depois que sofreu um infarto fulminante.
98
Documentário produzido em parceria com o Grupo Cultural Artemanha de Caravelas-Ba, sob a direção do
autor da pesquisa: https://www.youtube.com/watch?v=GA_XYxHDBGE
99
Entrevista concedida em 23 de março de 2019.
190
191

A relação das empresas com os pequenos produtores rurais, no intuito de se apropriar


de seus lotes de terras (e de suas histórias e sentidos de vida, por consequência), segue uma
lógica recorrente percebida nas narrativas dos entrevistados das comunidades, que se aplica,
via de regra, em toda região. No primeiro momento ocorreram inúmeros aliciamentos de
moradores das comunidades para que vendessem suas terras. Ainda de acordo com o
entrevistado 5, morador da comunidade B:

Muitos moradores caíram na conversa de que valia a pena vender seus


pedaços de terra. Venderam e se arrependeram. Olha, tem gente que vendeu
e foi mora em Posto da Mata, em Teixeira, em Nova Viçosa. Teve gente,
acredite, não conseguiu comprar nem uma casinha. Teve que voltar pra cá e
morar com os parentes. Quem comprou não quer nem saber, quer é comprar;
e quem vende é que se „lasca‟. Como que uma pessoa vive se tudo que sabe
fazer é com a terra? Vai é passar fome se cair nessa besteira. Rapaz, o
negócio era tão bem feito que até as pessoas da própria comunidade serviam
de vendedor, vendia as terras dos parentes pras (sic) empresas; todo mundo
achava que ia se dá bem, mas quem só ganhou foi a empresa”.

No segundo momento (mesmo que sobreposto ao primeiro) os moradores eram


pressionados a retirarem-se da terra pelos representantes das empresas de eucalipto e celulose,
inclusive, com o apoio da força policial100. A ausência de segurança jurídica e a negligência
na preservação das garantias mínimas no Estado Democrático de Direito no processo que
resultou na apropriação de terras e formação de latifúndios voltados para a monocultura de
eucalipto está presente nas narrativas dos moradores das comunidades que permanecem
ilhados nos eucaliptais. A fala do entrevistado 4, morador da comunidade C, segue na mesma
direção das memórias da entrevistada 4, moradora da comunidade B (que, como ocorre na
maioria das comunidades negras rurais da região, os membros da comunidade,
majoritariamente, moram em uma área coletiva, minimamente urbanizada, de onde saem para
atividades nas suas roças individuais, quando ainda as possuem):

Nossa família hoje mora na comunidade, mas não tem mais a roça.
Chegamos aqui com a roupa do „coro‟. Todo mundo ficou assustado porque
a gente foi tratado como invasor. Eu não entendo isso: eu nasci na roça,
meus irmãos também, mas a gente foi tirado como invasor, com polícia e
tudo. Eu não entendo isso até hoje, ao invés do governo proteger a gente, ele
ajudou os poderosos. Pra piorar as coisas, até hoje a gente continua no
prejuízo porque a própria justiça é contra a gente.

No terceiro momento, com a tendência dessas comunidades negras recorrerem à


estratégia discursiva de ressemantização de quilombo com formação de suas associações de
representação identitária e étnica, as empresas produtoras de eucalipto e celulose utilizaram a

100
Entrevista concedida em 23 de março de 2019.
191
192

velha tática de divide et impera em duas frentes básicas: convencer membros das diretorias
das associações a apoiarem os interesses das empresas ligadas à monocultura do eucalipto
com a promessa de receberem benefícios pessoais em troca; e ainda, essas empresas, a partir
das contradições internas das comunidades quilombolas, atuaram/atuam na tentativa de
formação de outras associações naquelas comunidades onde os membros das associações
quilombolas resistiram/resistem ao aliciamento de vantagens pessoais.

Chamou atenção nesta pesquisa a quantidade de lideranças de comunidades que


afirmam terem sido assediados por intermediários ou pelos representantes diretos das
empresas produtoras de eucaliptos e celulose. Existem casos onde pessoas das comunidades
denunciam que a associação é usada por alguns para atender interesses pessoais e de
familiares. Existem aquelas situações onde a representação jurídica tem perdido legitimidade
para representar efetivamente a comunidade; esses efeitos colaterais pontuais acontecem
porque os membros diretores das associações correm o risco de perder o reconhecimento da
comunidades que viviem e atuam na medida em que, na fala de interlocutores dessas
comunidades, os membros das associações “deixaram a empresa passar mel na boca” ou
deixaram a empresa “molhar a mão”. Embora essas condutas exponham e enfraqueçam
interesses coletivos, a cooptação das lideranças pelas empresas não representa um fenômeno
que inviabiliza a reinserção das comunidades negras rurais na luta pelo direito à terra, embora
seja uma estratégia recorrente na tentativa de desarticular as comunidades autodeclaradas
remanescentes de quilombo.

Paralelo a essas ações supracitadas, para garantir pleno domínio na conquista de seus
interesses, as empresas recorrem à estratégia de manter o subemprego (a partir de empresas
terceirizadas) para membros das famílias dessas comunidades que se comprometem com os
interesses da monocultura do eucalipto.

É recorrente a prática de cooptação, por parte das empresas produtoras de eucalipto e


celulose, de membros das comunidades negras rurais que utilizam a estratégia de
ressemantização do conceito de quilombo. Para aqueles que são contrários a atuação das
empresas em seus territórios, a prática de cooptação dessas empresas que conseguem
convencer algumas famílias, trata-se de uma tentativa de enfraquecer a articulação dessas
comunidades no processo de delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos
quilombos, bem como a determinação de suas demarcações e titulações. Tal interpretação é
confirmada pela fala do entrevistado 4, morador da comunidade C:

192
193

Essa terra toda era da gente, praticamente uma família só. A maioria daqui é
parente, uma „primaiada‟ só. Então o que acontece, esse pessoal da empresa
e os fazendeiros tem muito medo da gente recorrer e não aceitar mais essa
situação. O processo de demarcação da nossa terra tá em andamento, e isso
eles têm medo, eles sabem que a gente tem direito; eles nem documento tem,
porque pegaram a terra no grito e uma hora vão ter que devolver.

As comunidades quilombolas, como qualquer outro grupo social, tem suas


contradições e disputas internas, mas cabe lembrar que os interesses das empresas ligadas ao
setor agroflorestal têm se mostrado incompatíveis e irreconciliáveis com uma agenda de
preservação do modo de vida das comunidades negras rurais; pelo contrário, desestabilizar as
relações internas dessas comunidades é uma pretensão constante das corporações que atuam
no setor. Isso é perceptível na fala do entrevistado 5, morador da comunidade B:

Aqui na comunidade a empresa apoia outra associação pra tentar desarticular


a gente daqui da associação. Quando a empresa é obrigada a cumprir alguma
contrapartida ela usa a outra associação, e aí fica parecendo que tá
cumprindo a lei. Mas quando você vai ver, nessa associação tem até gente
que é fazendeiro. O problema disso tudo é que ela [a empresa] acha uns
„porqueiras‟ da nossa comunidade pra se sujeitar. Mas não vão pra frente. De
vez em quando uns dois „quebram a cara‟ e vem procurar a gente. Mas é
difícil pra quem depende meu irmão, os caras jogam duro e promete tanta
coisa que o „cabra‟ fica balançado. É nessas horas que dá vontade de sumir e
parar com tudo; mas a gente não para e continua, não tem como parar.

As estratégias para evitar o fortalecimento político dessas comunidades inclui o uso da


mão de obra de pessoas dessas mesmas comunidades, principalmente, em atividades ligadas
ao plantio, aplicação de pesticidas nos eucaliptais, na produção de mudas nos viveiros de
eucaliptos (uma importante etapa do manejo florestal que garante maior lucratividade das
empresas do setor agroflorestal). Essas atividades garantem emprego para parte das famílias,
afiançando assim a subserviência e alienação dos demais, sobretudo quando há necessidade de
tomadas de decisões sobre os interesses da comunidade e os interesses das empresas que
operam nas comunidades. A tendência, nesses casos, é a divisão das comunidades que,
contraditoriamente, se envolvem em verdadeiras “guerras tribais”101.

Cito como referência de política desarticuladora contra minorias vulneráveis a Veracel


Celulose S.A. que é uma empresa “atravessadora” focada nos interesses de outras duas (e
maiores) empresas que atuam no setor do agroflorestal na região (Suzano Papel e Celulose
S.A. e Fibria S.A.). Nomeio aqui como empresa atravessadora porque atualmente a Veracel

101
Para lembrar títulos de reportagens de jornais que cobriram/cobrem outros conflitos alimentados ou
potencializados pelos interesses do capital financeiro que se faz presente em grande parte do globo. É necessário
estudos minuciosos que apresentem as multifaces dessas “guerras tribais”, inclusive, aqueles aspectos
considerados contraditórios.
193
194

Celulose S.A. opera em vários campos empresariais do setor agroflorestal e se tornou a maior
referência de produção de mudas, que são produzidas “em parcerias” com “comunidades
tradicionais”. Em outras palavras, a Veracel Celulose S.A. garante emprego para famílias de
comunidades que questionam as ações empresariais das empresas Suzano Papel e Celulose
S.A. e Fibria S.A. (bem como da própria). O objetivo principal é garantir divisões nas
comunidades (entre os empregados e apoiadores das empresas e os que resistem não
submetendo-se como mão de obra assalariada e exigindo afastamento dessas empresas de seus
territórios) através da desarticulação de movimentos de resistência nessas comunidades;
resistências estas que impedem maiores lucros para essas grandes empresas do setor
agroflorestal que atuam na região.

No caso do Extremo Sul da Bahia, nota-se que a busca pela certificação quilombola –
certificação esta que é resultado da luta histórica de movimentos sociais de representação
identitária e étnica – e tornou-se uma das principais estratégias da população negra rural:
quilombola, ou descendente de quilombo, transformou-se, portanto, em uma representação
identitária e étnica apropriada ressemantizada por atores outrora percebidos, do ponto de vista
analítico, como comunidades negras rurais. Esse aspecto político da condição quilombola ou
descendente de quilombo é, se não determinante, condição indispensável para compreender
esses sujeitos nas suas articulações com outros atores e suas representações (como o Estado, o
capital financeiro e seus agentes diretos e indiretos).

Esses atores buscam o fortalecimento político a partir de reivindicações que


perpassam, de um lado, pelo direito (de um grupo com representação minoritária) à
permanência nos territórios que ocuparam historicamente; do outro, os interesses do capital
privado voltado para expansão do agronegócio. Entre esses dois grupos está o poder público
com a responsabilidade de mediar e equacionar as demandas divergentes, mas que, a partir
das inquietações das falas dos interlocutores deste estudo, o Estado tem se mostrado, contudo,
favorável aos interesses do capital financeiro em detrimento daqueles que apresentam estão,
na perspectiva econômica, vulneráveis. O árbitro é visto como estando progressivamente a
tomar partido por um dos contendores do processo. Leva a um descrédito, podendo aumentar
a desesperança, resistências, conflitos e violências ou, então, capitulação. Pois, quem detém o
monopólio do uso legítimo da violência o faz beneficiando um adas partes, a que possui mais
recursos (econômicos, políticos e simbólicos) e, por conseguinte, mais poder.

194
195

Esta pesquisa apresenta um quadro onde evidencia a conjuntura social e política da


região e expõe as tensões causadas pelos investimentos do capital financeiro (representado
pela expansão do agronegócio); analisa as estratégias das comunidades negras rurais do
Extremo Sul da Bahia que se articulam enquanto “comunidades quilombolas” ou
“remanescentes de quilombos” no caminho da [re]construção identitária; como também
discute a resistência dessas comunidades e suas estratégias discursivas de ressemantização da
categoria quilombo. Nesse sentido, as terminologias “quilombolas” e “remanescentes de
quilombos” tornaram-se categorias que se expressam pelo canal da política e, talvez por isso,
permitem-nos abordagens que lhes apresentam como categorias descritivas e, mesmo,
categorias analíticas.

A presente investigação tem evocado as experiências dos sujeitos, a partir de suas


narrativas, como meio de pensar a questão fundiária no Extremo Sul da Bahia sob o reflexo de
suas percepções e vivências que lhes permitem descrever partes dessas relações de produção
rural e as suas itinerâncias no Extremo Sul da Bahia. É bem verdade que as vozes dos
“subalternos” assumem protagonismo e estão a ecoar na presente pesquisa; mesmo que não
seja comum encontrar suas vozes em espaço que, no máximo, costumam apresentar
traduções/decodificações daquilo que podemos compreender como aproximações plausíveis
da fidedigna intenção dos “subalternos”.

A participação de outros agentes (representando suas respectivas instituições102) que


ocupam espaços eminentes – e que formam o conjunto das relações de produção do setor
agroflorestal na Região do Extremo Sul da Bahia – não assumiram protagonismos nesta tese,
exceto nas ocasiões que foram qualificados como objetos de análises. Deve ser considerado o
lugar social desses agentes que utilizam padrões bem definidos (ou institucionalizados) para
informar suas ações; também ocupam espaços que lhes permitem reverberar suas vozes com
poucos ruídos e com o alcance que considerarem conveniente, já que, diferente dos
“subalternos”, os sujeitos gozam do direito de falar por si nos seus próprios espaços.

A partir dessas considerações é possível sinalizar tendências que tem se configurado


neste quadro das relações produtivas e sociais abordadas neste estudo. Os dados econômicos
mostram a cadência progressiva da expansão do agronegócio voltado para o setor
agroflorestal no Extremo Sul da Bahia. De acordo com a Associação Baiana das Empresas a

102
Cito como principais as empresas com atuação internacional que participam de toda cadeia produtiva do setor
agroflorestal na Região do Extremo Sul da Bahia, do Poder Judiciário e Ministério Público, (estadual e federal),
da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, das prefeituras e câmaras municipais.
195
196

Base Florestal (ABAF), na Bahia existem perspectivas de novos investimentos no setor


agroflorestal. Ainda de acordo com a associação patronal, devido à condição “pacificada” da
questão que “envolve investimentos internacionais no setor” (ABAF, 2018, p.2):

(...) estima-se a possibilidade de investimentos no setor florestal brasileiro


na ordem de R$ 50 bilhões nos próximos cinco anos, de acordo com a
Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). E a Bahia, líder mundial em
produtividade de eucalipto, pode trabalhar para assegura boa parte desses
investimentos. (...) De acordo com a Federação das Indústrias da Bahia
(FIEB), o setor de base florestal continua disputando a liderança entre os
maiores exportadores do estado e é o que mais contribui com o saldo da
balança comercial, pois exporta muito e importa pouco. Em 2017, por
exemplo, ficou tem terceiro lugar, com vendas externas na ordem de US$
1,27 bilhão e com um índice de 15,7% do total exportado pela Bahia (em
2015 e em 2016 ocupou o primeiro lugar).

É fato que a expansão do agronegócio e seu desenvolvimento econômico provocam


efeitos que implicam prejuízos para determinados setores sociais, com maior destaque para
aqueles trabalhadores que permanecem com suas atividades no campo e que lutam por sua
autonomia em relação à monocultura do eucalipto. Fala-se em “ações na tentativa de
minimizar os impactos da cultura do eucalipto103” na região sem considerar a necessidade de
garantias jurídicas para aqueles agricultores que formam o conjunto de trabalhadores rurais.

Entre as muitas subcategorias de trabalhadores rurais passíveis de análises, nos


concentramos nas experiências nas comunidades negras rurais que se autoidentificam como
remanescentes de quilombo; esta estratégia, como já explicitado, está no campo da
representação identitária e étnica como meio de resistência e autopreservação. Apesar de
recorrer a instituições e instrumentos jurídicos, grosso modo, essas comunidades negras rurais
certificadas como remanescentes quilombolas ou de quilombo ainda não têm garantias de
acesso ou até mesmo permanência nos territórios que ocupam historicamente.

Esta pesquisa pretendeu e pretende ser um espaço possível – a partir do diálogo com
vozes de comunidades negras presentes no ambiente rural da Região do Extremo Sul da Bahia
– para apresentar perspectivas e leituras de sujeitos/as que se fortalecem a partir de suas

103
“Criação de leis mais severas que incluam maior fiscalização e controle nas áreas de produção, além de
punições mais rígidas àqueles que desrespeitarem os acordos com os governos locais; criação, por parte das
empresas, de centros tecnológicos que trabalhem no desenvolvimento de pesquisas e ações que contribuam para
a preservação e manutenção dos recursos naturais; projetos em parceria com as comunidades que promovam a
conscientização nas escolas, comércio local e empresas da região; políticas públicas que promovam incentivos
fiscais às empresas que se comprometem com a preservação ambiental; manejo das terras cultivadas para que o
solo possa se reestabelecer sem prejuízos ao meio ambiente; etc.” (DIAS, Deusira Nunes Di Lauro. Cultura do
eucalipto na região extremo sul da Bahia e seus impactos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do
Conhecimento. Ano 04, Ed. 07, Vol. 03, pp. 57-68. Julho de 2019, p. 67).
196
197

representações identitárias e étnicas. Dialogam, portanto, com outros agentes exógenos – com
suas vozes –, e utilizam as experiências de seus microcosmos, agora empoderados pela
condição de remanescentes de quilombos, como meio de resistência. Muitas vozes, centenas
delas, que não foram objetivamente ecoadas nesta tese, serão ouvidas através daquelas que
ocuparam espaços neste trabalho. Buscou-se fazer que as narrativas desses atores pudessem
contribuir para tensionar a análise das relações travadas num cenário favorável à expansão do
agronegócio na região. Vozes como a do entrevistado 6, morador da comunidade D 104, que
compreende o contexto que sua comunidade está inserida e faz uma leitura de suas
expectativas quando afirma que:

Hoje a nossa comunidade se encontra ilhada por um deserto verde chamado


de eucalipto, dentro de um território que mal dá para produzir alimento para
o sustento das famílias, muitas pessoas desempregadas e sem perspectiva de
futuro, problemas ambientais que assolam por toda parte, com rios a
nascentes secos, animais extintos. As principais manifestações culturais já se
perderam. Ainda bem que tem conseguido acessar alguns editais do governo,
porque os projetos de empresas não alcançam êxito. O importante é possuir
uma associação com lideranças implacáveis que não se cansam de lutar
sempre e resistir a todo tipo de conflito e desarticulação da comunidade.
Continuar buscando seus direitos, cobrar a demarcação e titulação do
território quilombola, preservar as manifestações culturais que ainda restam,
denunciar as injustiças contra o nosso povo, exigir que as empresas
respeitem as comunidades, buscar o empoderamento das mulheres negras e
dos jovens, fortalecer os movimentos de luta coletivas e sociais para
enfrentar as ações do poder público e privado que tanto tem prejudicado as
comunidades tradicionais.

Foi realizado um esforço significativo por parte deste entrevistado supracitado, que
considerou importante participar desta discussão. Mesmo com as dificuldades de um encontro
presencial, fez questão de se deslocar de sua comunidade e enviar uma mensagem através de
e-mail, escrito em um local de serviço público de uma cidade da região. Considero necessário
dizer “algumas palavras sobre minha comunidade”. Essa liderança comunitária disse e
continua nos dizendo que:

Alguns moradores, muitas famílias foram seduzidas a vender suas


propriedades por promessas de melhorias de vida das pessoas, geração de
empregos, investimentos no social, preservação da cultura entre outros. Na
verdade, quando as empresas percebiam que as pessoas não queriam vender
para plantio de eucalipto, ela utilizava laranjas para comprarem as terras e
repassarem para elas. Ofereciam valores acima de marcado para que os
proprietários não recusassem a oferta. No início quase não houve violência
física, o que mais acontecia era perseguição camuflada de forma que as
pessoas não percebiam o envolvimento das empresas naquelas ações que
estavam lhes prejudicando. Fala-se em falsificação de documento para

104
Entrevista concedida em 23 de julho de 2019).
197
198

compra de terra de quem não era dona da propriedade, aliciação de membro


da família para convencer os demais. Elas sempre tentam convencer,
apresentam propostas que muitas vezes inviabilizam os interesses da
comunidade. Muitas delas enganadoras que não servem para outra coisa a
não ser o benefício delas próprias.

Vozes como a do entrevistado 6, morador da comunidade D, precisam continuar


reverberando enquanto denúncia de injustiças contra os trabalhadores e trabalhadoras do
campo que, neste caso, recorrem à sua ancestralidade étnica para manter resistência frente a
negação história da existência desses sujeitos que atuam na gênese da formação fundiária do
Brasil na condição de agentes históricos invisíveis, mas que mesmo lançados à sombra
disseminaram lampejos que registram a presença desses agentes pelo legado ancestral de
resistências e enfrentamentos ao poder econômico legitimado ontem e hoje pelo Estado.

Enfrentamentos necessários, mesmo quando se trata de “adversários” que deveriam


rever seus papéis para que, de fato, prestem serviços de interesse público. Em tempos de
ameaça aos direitos conquistados, cabe às instituições total vigilância, sobretudo no zelo e
defesa dos direitos de grupos vulneráveis às ações potencialmente inescrupulosas daqueles
que detêm o poder econômico e, via de regra, também político. Um posicionamento ético,
minimamente, ético, é o que se espera. Não é o que se vê, no mais das vezes, nos serviços
prestados por algumas representações de instituições jurídicas e da segurança pública aos
trabalhadores rurais, sobretudo, em atendimento ao recorte desta pesquisa, àqueles que são
identificados como comunidades negras rurais, mas que se autoidentificam como comunidade
quilombola ou comunidade remanescente de quilombo.

Nesse sentido, vale reafirmar que os atores supracitados são o que dizem ser. E agora,
na atual conjuntura política do país, sabemos que precisamos ser ainda mais. O ano de 2019,
em particular foi marcado pelo forte desmonte das já parcas políticas públicas voltadas para
povos tradicionais. Os “afrodescendentes” que vivem no campo, de acordo com o pensamento
do chefe do Estado Brasileiro, tem seus pesos e medidas equivalentes aquelas aplicadas aos
porcos: de acordo com tal pensamento nefasto os membros das comunidades quilombolas são
preguiçosos e improdutivos que pode ser comprovado pela “arroubas” elevadas mesmo
naqueles menos obesos.

Cabe uma resposta acertiva para tais demandas. Nas questões sociais há um grande
fracasso no Brasil porque existe uma corrente que acredita em transformações somente a
partir da militância de setores pontuais da sociedade, em especial das minorias como as

198
199

comunidades quilombolas. Esses grupos, via de regra, são usados porque, ao fim e ao cabo,
trata-se de status quo presentes, marcadamente, nos legislativos estaduais e federais.

Os aproveitadores têm ânsia de alcançar seus projetos de poder pessoais muito bem
conhecidos pelas comunidades negras rurais. A pauta que se apresenta quanto aos direitos
constitucionais dos remanescentes de quilombo, para além do reconhecimento do
ordenamento jurídico, é legítima. Mas devemos considerar que a forma de lutar pelas
garantias de direitos fundamentais contém equivocos estruturantes na medida em que não
prioriza uma proposta de educação escolar emancipatória nessas comunidades.

Ledo engano esperar por iniciativas exógenas para superação dessa exposição histórica
da população negra que vive na zona rural. Há ameaças contínuas que exigem permante
resistência dos remanescentes de quilombo para que não vivam, diria Raimundo Sodré e Jorge
Portugal, “como moinho de homens que nem jerimuns amassados; mansos meninos domados,
massa de medos iguais; (...) quando eu lembro da massa da mandioca mãe (da massa)”.

199
200

VI. MÚLTIPLAS INTERFACES NA PRODUÇÃO AGRÁRIA DO


EXTREMO SUL DA BAHIA

Neste capítulo faremos uma abordagem sobre as múltiplas experiências na cadeia


produtiva rural no Extremo Sul da Bahia para melhor localizar a região no cenário nacional,
alcançando assim o fechamento desse ciclo da pesquisa com possibilidade de compreender o a
dinâmica local/regional e global da produção agrária no Brasil. Pretende-se com isso localizar
também o lugar dos trabalhadores pobres do campo na historiografia e nas ciências sociais,
bem como as contribuições das principais discussões teóricas sobre o tema (CARDOSO,
1987; MARTINS, 1983; PRADO JUNIOR, 1981).

Em seguida, faremos uma discussão sobre o processo de modernização da produção


no campo contextualizado com os desdobramentos da entrada do Brasil na corrida pela
expansão de investimentos de capital no campo e sua relação com os conflitos no interior das
relações sociais, assim como as disputas entre os grupos envolvidos na produção rural, tanto
no cenário nacional como, e de forma mais específica, tendo em conta o escopo da tese, na
Região do Extremo Sul da Bahia.

A abordagem contemplará análises das condições históricas nas quais ocorreu a


disponibilidade de capitais para investimento no agronegócio, bem como os possíveis
alinhamentos das políticas públicas para a modernização da produção rural em grande escala e
as reações dos setores sociais que participam da produção no campo, sobretudo as reações dos
produtores/trabalhadores pobres que se organizaram por não perceberem representação de
suas demandas nas políticas públicas voltadas para produção rural.

Também será contemplado o exame do processo de intensificação da disputa pela terra


polarizada pelos interesses do agronegócio e dos trabalhadores rurais e o imbricado processo
de cooptação de terras para expansão do agronegócio. De posse da compreensão desse quadro
geral, será possível melhor avaliar o fenômeno do êxodo rural nas décadas de 1980 e 1990 no
Extremo Sul da Bahia.

Cabe ressaltar que as atividades ligadas à produção agrária, no recorte espacial desta
pesquisa, têm relação direta com a densidade demográfica dos espaços urbanos, com
destaque, no caso do Extremo Sul da Bahia, para o município de Teixeira de Freitas que
sofreu forte impacto com um crescimento desordenado influenciado pelo êxodo rural na
região e a mobilidade populacional ocorridas em outras regiões do Estado da Bahia e dos
Estados vizinhos, nomeadamente do Norte de Minas Gerais e Espírito Santo.
200
201

6.1 PRODUÇÃO AGRÁRIA NO BRASIL

A historicidade do campesinato enquanto movimento social agrário organizado


encontrou lugar consolidado na história somente a partir da década de 1960; a causa maior foi
a expressão das “Ligas Camponesas” como voz reivindicatória da reforma agrária
(MARTINS, 1983). A análise de José de Souza Martins converge para a clássica interpretação
de Caio Prado Júnior, onde o autor anula a possibilidade de existência de experiência
camponesa no contexto do Brasil nos períodos de produção agrária escravocrata (MARTINS,
1981; PRADO JUNIOR, 1981).

Cabe lembrar que a aplicação do conceito de campesinato nos estudos temáticos da


História do Brasil permaneceu invisível até a década de 1950105, mesmo quando a
historiografia brasileira não negou a existência de trabalhadores rurais livres e pobres desde o
período colonial. Para Palacios (1993, p.42):

(...) não é de se estranhar em demasia que os historiadores – seres


sabidamente caracterizados pela cautela e pela reticência como instrumentos
metodológicos –, tenham tido igualmente grandes dificuldades e profundos
escrúpulos teóricos e conceituais na tarefa de descrever ou definir como
„camponesas‟ as populações rurais livres e pobres que, desde o século XVIII,
se reproduzem no Nordeste brasileiro com base na agricultura de
subsistência e no trabalho familiar.

Palacios (1993) ainda apresenta um quadro geral dos debates e polêmicas da


historiografia na década de 1960 a respeito da “formação do campesinato e seu lugar no
processo histórico geral do Brasil”. Um importante debate que tomou lugar na década de 1960
foi a interpretação ortodoxa marxista. Tal corrente, onde a figura central foi o historiador Caio
Prado Júnior, representava a sociedade colonial composta por dois elementos definidores e
determinantes das relações sociais: escravos e proprietários106.

A negação da condição camponesa daqueles que compunham a “massa da população


rural”, no caso do discurso da historiografia marxista ortodoxa, tratava-se de uma estratégia
metodológica – e política – que visava assegurar a convergência de setores populares para um
único lugar: a luta de classes.

105
Mesmo nas primeiras décadas do século XX a historiografia brasileira não apresentou experiências
camponesas ou quaisquer outras experiências não-escravistas como categorias autônomas e participantes da
formação social e da produção, seja para o próprio consumo ou utilizando excedentes (PALACIOS, 1993).
106
Na análise do sistema de plantation à brasileira não se negava, necessariamente, a existência de “cultivadores
pobres e livres”; o que marca a interpretação é a defesa de inconsistência e ausência de segmento social com
capacidade de se definir como camponeses (PRADO JÚNIOR, 2000).
201
202

Essas bases da reflexão histórica, em especial as contribuições de Caio Prado Júnior,


serviram para a compreensão das relações sociais no Brasil colonial; a “massa trabalhadora”
era formada, principalmente, por escravos dentro de um modelo de produção de monocultura
para exportação e de colonização tipo “exploração”.

O avanço interpretativo foi pensar os “cultivadores de subsistências” em períodos


históricos posteriores ao período colonial. Considerando que a análise da experiência
camponesa, para além do contexto de plantation com mão de obra representada pelos
escravos, não obteve visibilidade na historiografia marxista, é razoável afirmar que tal
invisibilidade deu-se porque, para a historiografia marxista, as relações sociais na produção
colonial estavam desvinculadas da atuação pertinente de trabalhadores rurais livres e pobres
na sociedade brasileira da época (CHADAREVIAN; 2007, 2012).

Nesse sentido, os pequenos produtores que existiram e organizavam suas “pequenas


lavouras” integravam o sistema mercantilista, sendo esses trabalhadores livres, portanto,
dependentes da estrutura econômica hegemônica: mesmo mais tarde – passados cerca de três
décadas de reflexão – Prado Júnior admite um setor “propriamente camponês” ou um
campesinato não assalariado, mas dependente dos grandes proprietários (PRADO JÚNIOR,
1981).

Sabe-se que, mesmo no início do século XX, no Brasil, a organização dos camponês
era bastante vulnerável ou inexistente. Foi após a lei que proibiu a escravidão, no limiar do
século XX, que se possibilitou a identificação conceitual de categorias de trabalhadores
atuando na produção rural. Como vimos nos capítulos anteriores, a grande maioria da
população brasileira vivia na zona rural e atuava diretamente na produção agrária subordinada
aos grandes latifundiários107.

A condição subalterna desses trabalhadores e trabalhadoras deu-se pela estrutura


latifundiária consolidada ao longo do século XIX. Ocorrera desde o fim das sesmarias, da
formação dos minifúndios familiares, avançou com a promulgação da Lei de Terras (1850) e
foi consolidada com a constituição dos grandes latifúndios que marcaram as relações sociais e
de produção do período da chamada “República Velha” (LEAL, 2012; SABOURIN, 2009).

107
“Historicamente, os camponeses do Brasil, principalmente em áreas tradicionais de agricultura camponesa
(Nordeste e Sul), surgem mesmo como classe subalterna dependente da elite local ou regional: oligarquia da
terra do Nordeste, políticos e comerciantes no Sul. Assim, a partir do advento da República, seguido do sufrágio
universal e até faz pouco tempo, os camponeses representaram uma reserva de voto para os políticos locais”.
(SABOURIN, Eric Pierre. Será que existem camponeses no Brasil? Porto Alegre, Sociedade Brasileira de
Economia, Administração e Sociologia Rural, 2009).
202
203

Sobre a primeira metade do século XX, do Brasil republicano, há imensa lacuna na


literatura especializada quanto ao trato da historicidade dos trabalhadores do campo. As bases
conceituais para compreender a realidade das relações sociais do espaço rural brasileiro foram
constituídas a partir do contexto da realidade europeia, utilizando referências de “economia
camponesa”, “sociedade camponesa” ou “agricultura camponesa”, para citar alguns exemplos
(WOLF, 1976; CHAYANOV, 1981).

Não se pretende aqui aprofundar a apresentação do estado da arte sobre o tema;


também não se concentrará na análise conceitual tomando o trabalhador rural livre como tema
presente na historiografia em períodos anteriores à República do Brasil. Nossa expectativa é
evidenciar um quadro panorâmico capaz de sustentar a compreensão do lugar histórico dos
trabalhadores no pós-abolição; isso permite avaliar a presença invisível desses trabalhadores
rurais no limiar do século XX até as décadas de 1960/1970 no Brasil (e possibilita
compreender as experiências lacais/regionais), quando, no final desse recorte temporal,
ocorreram significativas mudanças nos debates sobre a questão agrária no Brasil 108.

O protagonismo do trabalhador rural na primeira metade do século XX representa,


portanto, um hiato na História do Brasil. Isso se deu pelo lugar subalterno desses
trabalhadores diante da indiscutível concentração de terras sob o domínio de uma minoria
privilegiada, representada pela oligarquia rural, que determinava a monocultura para
exportação como principal modelo produtivo do país109.

Foi a partir da crise da proposta de economia liberal em 1929 – quando resultou na


queda do preço do café brasileiro – que o modelo de monocultura começou a passar por um
processo de industrialização. Não há consenso entre os historiadores quanto a industrialização
do Brasil na década de 1930. Há variação interpretativa que oscila entre os que afirmam não
ter ocorrido avanços que possam configurar uma industrialização que tenha alterada as
relações de produção no Brasil da década de 1930; outros mais moderados que compreendem
108
“(...) a industrialização fez com que o Brasil ganhasse propulsão para exportação através dos commoditties, as
elites do agronegócio utilizava as grandes propriedades rurais para produção, e impediu com que a expansão do
mercado interno do Brasil se concretizasse por meio da Reforma Agrária Clássica, porque o exponencial de
acumulação do capital já estava sendo alcançado. Ainda na década de 60 as lutas sociais pela terra se
desencadearam e todo o território nacional, sendo agrupadas em três eixos: lutas sociais dos assalariados
agrícolas, permanentes e temporárias; lutas sociais em torno das condições de comercialização dos produtos
agrícolas e luta pela posse da terra (OLIVEIRA, Sávio Leal; SANTOS, Arlete Ramos dos. Reforma Agrária do
Consenso no Extremo Sul da Bahia. Feira de Santana, VII Encontro Estadual de História - ANPUH-BA, 2016).
109
“No Brasil, como na maioria dos países da América Latina, nunca se configurou um confronto entre a
burguesia industrial e a oligarquia agrária, mesmo porque a economia do Brasil, no final do século XIX e início
do século XX, era comandada ainda pelo café e então a oligarquia rural ainda mantinha o poder e o controle da
economia”. (MIRALHA, Wagner. Questão agrária brasileira: origem, necessidade e perspectivas de reforma
hoje. Revista Nera – Ano 9, Nº. 8 – Janeiro/Junho de 2006).
203
204

a década de 1930 como um período que marcou a passagem de um “país agrário exportador”
para um “país urbano industrial”; e aqueles que interpretam a década de 1930 como a
superação da velha oligarquia e ascensão de uma burguesia industrial no Brasil (FAUSTO,
1995). É plausível avaliar que, a partir da década de 1930, ocorreu uma moderada
reorganização da economia brasileira influenciada pela abertura da produção agrícola para
novas culturas e pela incipiente industrialização. Na perspectiva de Miralha (2006, p.155):

(...) no Brasil, a partir da década de 1930, muda o eixo de acumulação da


economia, passando da monocultura do café para indústria, e assim o Brasil
vai aos poucos deixando de ser um país agrário exportador e passa a se
configurar como um país urbano industrial, pois com a crise de 1929 o
governo brasileiro, com Getúlio Vargas, implanta o modelo de substituição
de importações estimulando a indústria nacional e fortalecendo o mercado
interno.

Nesse contexto, quando os dirigentes da economia brasileira eram representados pela


velha e enfraquecida oligarquia agrária da primeira república, como também pela nascente
elite industrial, por isso não ocorreu uma reforma agrária como meio de “desenvolvimento do
capitalismo” e “modernização do país”. Ao contrário, de acordo com Martins (1997, p.11):

Entre as velhas elites e as novas elites estabelecera-se uma espécie de


compromisso político, mediante o qual os industriais e os grandes
comerciantes tornaram-se grandes clientes políticos das oligarquias, às quais
delegaram suas responsabilidades de mando e direção, reproduzindo os
mesmos mecanismos políticos que vitimavam todo o povo e impediam um
efetivo desenvolvimento da democracia entre nós.

O Brasil chegou na década de 1950, tratando-se da questão agrária, com “uma


agricultura dual: uma de exportação, baseada no sistema latifundiário; e outra de subsistência,
baseada na propriedade capitalista e na camponesa, cuja dinâmica é permanentemente
perpassada pela luta da população pobre contra o monopólio da terra”. Tal composição social
no campo representava um ambiente propício para a continuidade de ocorrências de conflitos
(ANDRADE, 1997, p. 109).

Os estudos realizados pelo grupo de pesquisa de “Sociologia Histórica da USP”


liderado por Florestan Fernandes (1958) como principal nome – que contou com a
participação de Octávio Ianni (1962), Emilia Viotti da Costa (1966), dentre outros 110 – mas
também encontrou eco nos trabalhos de Jacob Gorender (1978); desses autores partiram

110
Fernando Henrique Cardoso (1962), Maria Sylvia de Carvalho Franco (1983), Marialice Forachi (1965),
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976).
204
205

propostas que compreende o escravismo111 não apenas como “um tipo de mão de obra
agrícola”; tratava-se de um conceito determinante para explicar “a organização política e
sócio-econômica (sic)” da sociedade brasileira.

Essas abordagens, embora tenham oferecido importantes contribuições na superação


de interpretações que – a priori – reificava o africano escravizado, receberam críticas – a
posteriori – por apresentar interpretação sem rupturas com análises que priorizaram a
“mitológica plantation” enquanto centro explicativo das relações sociais de produção.
Fernando Henrique Cardoso (1962), membro do grupo de pesquisa da USP e um dos muitos
orientandos de Florestan Fernandes, deixa explícitas as consequências para a camada da
população que não “tem história possível” devido o momento da historiografia não crítica e
conformada pelos “interesses dominantes” (MARTINS, 2001).

Assim, de modo geral, a historiografia brasileira não desenvolveu estudos contínuos


que investigassem as raízes históricas do campesinato. A historiografia sinalizou alguns
avanços quando apresentou dados significativos a respeito da diversidade da economia desde
o período colonial em plena produção de agricultura para exportação. Trabalhos com nova
perspectiva historiográfica chamou à atenção para a representação de pequenos e médios
lavradores desde o Brasil Colonial, quando o Rio de Janeiro registrou a existência de
“pequenos proprietários”. Contudo, ainda não é possível notar visibilidade da participação
desses trabalhadores pobres e livres no período que a produção escravista era
institucionalizada. Também os estudos de Ciro Flamarion Santana Cardoso (1979; 1987)
tratou do chamado protocampesinato escravo como tema de estudos. Defendeu a existência de
uma “brecha camponesa” enquanto modo de produção paralelo e sobreposto ao escravismo no
Brasil, comparando com algumas realidades do Caribe. (FARIA, 1986; CARDOSO, 1979;
CARDOSO, 1987).

Coube aos estudos sociológicos, com destaque para a sociologia rural 112 com suas
contribuições e/ou enfrentamentos – os trabalhos de Antonio Candido, Fernando Henrique

111
“O escravismo, como sistema, não deixa de ser um vencedor de diversos embates contra outras formas não-
compulsórias de organizar a produção, temos pois aí o extraordinário poder da sua versão. (...) Os pobres livres
do campo ou das vilas e cidades aparecem geralmente nessas obras apenas nos capítulos finais, dedicados com
frequência à „transição ao trabalho livre‟, quando o escravismo começava a ser substituído por um outro sistema
de trabalho” (PALACIOS, Guillermo. Campesinato e Historiografia no Brasil. BIB, Rio de Janeiro, nº 35, 1º
semestre, 1993, p.48).
112
“Por muito tempo e para muitos, a sociologia rural foi mais uma sociologia da ocupação agrícola e da
produtividade do que uma sociologia propriamente rural. Mais uma sociologia das perturbações do agrícola pelo
rural do que uma sociologia de um modo de ser e de um modo de viver mediados por uma maneira singular de
inserção nos processos sociais e no processo histórico. Não raro, o mundo rural tornou-se objeto de estudo e de
205
206

Cardoso e Otávio Ianni são exemplos de contribuições pioneiras na sociologia brasileira, ou


“sociologia dos meios de subsistência” no campo, que analisaram a história dos proletários
agrícolas brasileiros, considerando atores sociais como o escravo, o lavrador e o operário rural
– que tornou possível avançar a partir dos resultados alcançados pelo modelo teórico que
evidenciava as experiências macros do processo da expansão econômica e política do mundo
rural, atualmente conhecida como agronegócio. Esforço maior dos sociólogos que
desbravaram/enfrentaram esse desafio, como bem afirma Martins (2001, p.32):

Foi necessária muita coragem, muito atrevimento cívico, à custa de muita


marginalização, para que sociólogos rurais desafiassem esse compromisso,
expusessem suas irracionalidades e reconhecessem no mundo rural um
mundo de criatividade, de inovação e luta contra as aberrações econômicas,
políticas e mesmo acadêmicas que vitimam suas populações. Desde os anos
70 a modernização forçada do campo e o desenvolvimento econômico
tendencioso e excludente nos vêm mostrando que esse modelo imperante de
desenvolvimento acarretou um contradesenvolvimento social responsável
por formas perversas de miséria antes desconhecidas em muitas partes do
mundo. As favelas e cortiços desta nossa América Latina, e de outras partes,
constituem enclaves rurais no mundo urbano, transições intransitivas,
desumanos modos de sobreviver mais do que de viver. O mundo rural está
também aí, como resíduo, como resto da modernização forçada e
forçadamente acelerada, que introduziu na vida das populações do campo
um ritmo de transformação social e econômica gerador de problemas sociais
que o próprio sistema em seu conjunto não tem como remediar.

Os efeitos colaterais da “modernização forçada” repercutiram de maneiras específicas


não apenas nas diversas geografias do globo como da América Latina e, particularmente do
Brasil; com efeito, há especificidades exclusivas no Brasil e com recorte para todas as regiões
brasileiras. Embora as regiões Norte113 e Nordeste tenham semelhanças nas especificidades
quanto à condição dos trabalhadores rurais, cabe considerar que a “modernização” da

interesse dos sociólogos rurais pelo “lado negativo”, por aquilo que parecia incongruente com as fantasias da
modernidade. Não por aquilo que as populações rurais eram e sim pelo que os sociólogos gostariam que elas
fossem. Quando assumiu o mundo rural como objeto, a sociologia rural o fez mais como “adversária” do que
como ciência isenta e neutra. Mais como ciência da modernização do que como ciência aberta à compreensão
dos efeitos destrutivos e perversos que não raro a modernização acarreta. A modernização é um valor dos
sociólogos rurais e não necessariamente das populações rurais, porque, de fato, para estas não raro ela tem
representado desemprego, desenraizamento, desagregação da família e da comunidade, dor e sofrimento”
(MARTINS, José Martins de. O futuro da Sociologia Rural e sua contribuição para a qualidade de vida rural.
Estudos Avançados (43), 2001, p.32).
113
“Aqui no Brasil, tivemos, nos anos 80 e 90, a grande expansão territorial do grande capital moderno que foi o
da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia. Espaços ocupados por populações indígenas, que muitas
vezes jamais haviam tido contato com o homem branco, e por populações camponesas pobres remanescentes das
ondas de povoamento dos séculos XVIII e XIX, foram declarados espaços vazios pelo Estado nacional.
Estímulos fiscais escandalosos foram concedidos a ricos grupos econômicos, nacionais e estrangeiros, para que
fizessem uma ocupação moderna do território. Uma modernização postiça, pesadamente subvencionada pela
sociedade brasileira, mais expressão da ineficiência da grande empresa do que de sua louvada eficiência”
(MARTINS, José de Souza. O futuro da Sociologia Rural e sua contribuição para a qualidade de vida rural.
Estudos Avançados (43), 2001, p.33).
206
207

produção rural na Região Nordeste, na última década do século XIX e ao longo do século XX,
deu origem a movimentos de base popular que marcaram profundamente a história da região,
e do país, por conseguinte.

O messianismo personificado em lideres como Antônio Conselheiro e Padre Cícero


foram exemplos de movimentos de organização popular sob comando de líderes carismáticos
que tinham como principal mote de convencimento (das massas) a promessa de aceso à terra.
Foram esses movimentos que tiveram maior êxito no Nordeste Brasileiro; conseguiram
organizar a oposição ao processo de proletarização dos trabalhadores rurais e demonstraram
capacidade de enfrentamento ao coronelismo dominante nas primeiras décadas do século XX
da realidade brasileira, com destaque, devido a conjuntura social, para a Região Nordeste
(OLIVEIRA, 1985; LEAL, 2012).

O cenário de instabilidade política e a vulnerabilidade dos trabalhadores rurais (bem


como da população pobre em geral) da Região Nordeste, depois do enfraquecimento ou
extinção/massacre dos movimentos messiânicos, forçou a reorganização dos trabalhadores
com as propostas de mobilização das ligas camponesas e da sindicalização dos trabalhadores
rural nas décadas de 1930 e 1940114.

A partir da Constituição Federal de 1946 (que tornou legítima a sindicalização dos


trabalhadores e contribuiu para uma maior articulação das Ligas Camponesas) os pedidos de
sindicalização dos trabalhadores rurais eram encaminhados para o Ministério do Trabalho,
que, não obstante o ordenamento jurídico favorável às organizações de defesa de direitos dos
trabalhadores, os sindicatos acabavam enfraquecidos com a prática de intervencionismo do
Estado que indeferia ou postergava os deferimentos dos pedidos – como resultado da pressão
da Confederação Rural Brasileira (CRB), um sindicato patronal representante dos
proprietários de terra.

Assim, após a década de 1950, as lutas dos grupos com interesses antagônicos pelo
uso da terra continuaram acirradas no Nordeste: contra os grandes latifundiários se
organizaram as Ligas Camponesas e o sindicalismo rural. A principal referência de
organização dos trabalhadores do campo nesse período foram as Ligas Camponesas em

114
“Nesse contexto, vale lembrar que o Nordeste já era identificado como aquela região periodicamente assolada
pela seca. Na literatura, de 1926 aos anos 1930 o movimento regionalista já apresentava as condições de vida dos
nordestinos nas suas representações sobre a seca, a pobreza e as estruturas perversas e resistentes aos novos
tempos, como o coronelismo” (CABRAL, Renan. 1959: das ideias à ação, a Sudene de Celso Furtado –
oportunidade histórica e resistência conservadora. Cadernos do Desenvolvimento vol. 6 (8), maio de 2011, p.
19).
207
208

Pernambuco e “[...] os processos de luta no campo ocorreram pelas mudanças nas relações de
produção e de trabalho, acarretando a expulsão de moradores, foreiros, arrendatários e
posseiros das terras em que moravam e cultivavam. É desta época a criação das Ligas
Camponesas em Pernambuco – que se expandiram por toda a região, caracterizando-se pela
luta de foreiros contra o aumento do „foro‟ e a expulsão da terra em que trabalhavam – e dos
sindicatos rurais, surgidos, basicamente, no início dos anos 60, sob forte influência da Igreja,
e que exerciam uma luta em busca de melhores condições de vida e de trabalho para os
assalariados do campo, dentro de uma linha de observância da legislação vigente”. Cabe aqui
a observação de que as lutas pela terra levaram à organização da União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas no Brasil – ULTAB. Esse grupo era ligado ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB) e tinha o objetivo de “aglutinar as lutas que surgiam em diferentes áreas do
país”. A ULTAB tinha forte atuação no centro-sul do Brasil, mas no Nordeste, de acordo com
Andrade (1997, p.110,111):

(...) sofria a concorrência das ligas Camponesas – surgiram em Pernambucos


nos meados da década de 1950 e se expandindo depois para o conhecimento
nacional sobre os problemas decorrentes da concentração fundiária na
região. As Ligas, orientadas por Francisco Julião, mobilizavam amplos
seguimentos da população e chamava atenção para as fortes tensões sociais
existentes no campo e os desdobramentos políticos que estas poderiam
acarretar. O desenvolvimento das Ligas ocorreu num período em que se
discutiam os principais problemas da região, tendo como marco o Congresso
de Salvação do Nordeste, realizado em 1955, que reuniu políticos,
industriais, intelectuais, etc. Neste encontro, procurou-se analisar a região
não apenas através dos problemas causados pelas secas, mas também sob a
ótica das suas questões políticas-sociais, em que a estrutura concentradora de
riquezas era um dos marcos fundamentais.

Diante dos conflitos em torno das reinvindicações dos trabalhadores rurais que
exigiam a reforma agrária e a pressão dos latifundiários em defesa da proposta de
modernização tecnológica da agricultura – que lançaram suas bases na década de 1930 e se
consolidaram politicamente a partir do início do governo militar, em 1964 – criou-se um
ambiente de significativa convergência dos movimentos sociais no campo em torno da pauta
que defendia os interesses dos trabalhadores rurais. Miralha (2006, p.157) pontua que:

(...) no final da década de 1950 e início da década de 1960, começam a


aparecer no campo, militâncias políticas de diferentes setores de
trabalhadores rurais e movimentos sociais, como as Ligas Camponesas no
Nordeste, que começam a contestar a grande desigualdade social e
concentração fundiária que existe no Brasil, pressionando o governo para a
realização de uma ampla reforma agrária no país. E esses movimentos
sociais ganham força quando João Goulart assume a presidência, visto que
este presidente tinha ideias progressistas e entendia que a reforma agrária era
208
209

fundamental, naquele momento, para a completa modernização do país.


Nesse sentido, o grande e principal momento histórico para a realização da
reforma agrária no Brasil foi no início da década de 1960, pois se conjugou
(sic) vários movimentos sociais e militâncias de trabalhadores rurais
organizados no sentido de pressionar e reivindicar a realização da reforma
agrária.

As grandes questões fundiárias do Brasil incluem os antagonismos dos projetos dos


movimentos sociais do campo e os interesses dos empresários do agronegócio. O discurso
favorável à reforma agrária e modernização da produção agrícola buscava equacionar os
impactos das desigualdades no campo com os interesses do agronegócio e a industrialização
da agricultura.

Ao analisar a sociedade agrária brasileira nas décadas de 1950 e 1960, Octávio Ianni
(2004) evidenciou as relações sociais e produtivas articuladas pelo capital, pela tecnologia,
pela força de trabalho, pelo planejamento governamental e pela violência estatal. De acordo
com o autor, os incentivos governamentais presentes na política agrária para o Nordeste
atenderam ao agronegócio através das agências governamentais, como a Sudene. Esse projeto
de modernização da produção começou sua implementado na região Sul e Sudeste em um
processo de descentralização de investimento de capitais, em deslocamento para áreas ainda
não exploradas. O estudo de Nair Costa Muls (1997), que analisou a implementação,
expansão e consolidação do setor agroflorestal no processo de “modernização” e
industrialização da agricultura, também evidenciou os impactos socioambientais causados
pelo deslocamento desses investimentos que seguiu um itinerário linear, partindo da Região
Sul em direção à Região Norte.

No início da década de 1960, com o governo de João Goulart, surgiu uma conjuntura
política que possibilitava execução de reforma agrária que se dizia capaz de fazer justiça aos
trabalhadores rurais não somente do Nordeste, mas aos trabalhadores rurais espalhados no
território brasileiro115. Na década anterior, no governo JK (1955-1960), foi criada a

115
Na Região do Sul da Bahia, nesse mesmo período, registra-se a primeira experiência de reforma agrária no
município de Ipiaú, com as fazendas coletivas para amparar os trabalhadores considerados vítimas da crise
cacaueira e da expansão da pecuária na região: “O município de Ipiaú encontra-se localizado na Mesorregião Sul
Baiano, Microrregião Ilhéus-Itabuna. Este município dista em torno de 185 km da capital do estado e possui uma
área da unidade territorial de 267,33km² com população de 44.390 habitantes. No que se refere às suas fronteiras
territoriais, limita-se com os seguintes municípios: ao Norte, com o município de Jequié; ao Nordeste e ao Leste,
com o município de Ibirataia; ao Sudeste, com o município de Barra do Rocha; ao Sul, com o município de
Itagibá; ao Sudoeste, com o município de Aiquara; e, ao Oeste, com o município de Jitaúna”. (...) Criada pelo
Poder Público Municipal de Ipiaú no ano de 1963, por meio do Decreto-Lei 965 que desapropriou para fins de
reforma Agrária a Fazenda Santo Antônio, na região do Bom Sem Farinha, nos meses iniciais da administração
do prefeito Euclides Neto, a CRFP foi a primeira experiência oficial de reforma agrária no Estado da Bahia. O
objetivo principal da criação dessa comunidade foi amparar as famílias de trabalhadores rurais demitidos das
209
210

Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) que visava, a partir de


contrapartidas públicas e privadas, “solucionar os problemas sociais e políticos Nordeste”.
Essa expectativa de atendimento à demandas sociais encontrava oposição nos setores
empresariais com suas representações “políticas e ideológicas” bastante insatisfeitas e
resistentes às propostas progressistas (DINIZ, 2010).

Na prática, os investimentos sob a responsabilidade da Sudene em setores estratégicos


como a infraestrutura – bem como garantia de incentivos fiscais – também sustentava a
contínua expansão do agronegócio que favorecia, principalmente, a elite empresarial. A
atuação da Sudene na micro região do Extremo Sul da Bahia – talvez também em outros –
atuou como agência de créditos subsidiados com finalidade principal de reduzir os custos da
implantação e expansão do agronegócio na região. A partir da segunda metade do século XX,
com uma estratégia discursiva de modernização da produção rural, a iniciativa pública por
meios de subsídios e incentivos fiscais, financiou a maior parte dos investimentos no campo
(ANDRADE & OLIVEIRA, 2016).

Embora houvesse áreas estratégicas para o desenvolvimento da Região Nordeste que


eram disputadas também pelos setores populares rurais – representados pelas Ligas
Camponesas –, os desdobramentos do efêmero governo de João Goulart, que foi suplantado
pela chegada dos militares ao poder – através do golpe de 1964 –, garantiu a permanência do
atendimento aos interesses dos latifundiários e dos empresários ligados ao agronegócio 116.

fazendas locais (e outras famílias que posteriormente vieram de diferentes municípios por distintas razões), e em
virtude da grande seca ocorrida na região entre 1962 e 1963, a qual trouxe como consequência a diminuição na
produção de cacau (monocultura predominante na região à época), e, por conseguinte, a demissão de grande
número de trabalhadores, bem como pelas condições precárias de trabalho (submissão e escravização da mão de
obra familiar) a que eram submetidos no período. (...) no ano de 1964 o governo militar aprova o Estatuto da
Terra (Lei Nº 4.504). (...) Com a implantação do regime militar, vários governantes municipais (gestores
públicos) de tendências socialistas foram investigados, perseguidos, ou mesmo depostos. Esse foi o caso de
Euclides Neto que, em razão da criação da Comunidade Rural Fazenda do Povo, foi investigado e teve um
processo contra si instaurado, no entanto, não chegou a ter seu mandato de prefeito cassado. Conquanto a criação
da CRFP seja um marco no processo de assentamento de trabalhadores rurais sem terra à terra, ela difere, em sua
origem, da maioria dos outros tipos de assentamentos de reforma agrária presentes atualmente na Microrregião
Ilhéus-Itabuna, e a nível de regiões do país, sobretudo por ter sido criada por iniciativa do Poder Público
Municipal, e ainda ser administrada por este (ou seja, não envolveu a ocupação, o acampamento e o conflito pela
terra), enquanto os outros assentamentos (Projetos de Assentamento Rural - PAs), sob a égide do Incra,
normalmente tiveram sua origem por meio da ocupação, do acampamento e do conflito pela terra (BRUNO,
Nelma Lima et al. A Socioeconomia da Comunidade Rural Fazenda do Povo de Ipiaú, Bahia, Brasil. Revista
Geográfica de América Central, vol. 2, núm. 57, julho-dezembro, 2016, pp. 289- 331 Universidad Nacional
Heredia, Costa Rica, p. 296,299-301).
116
“Desde sua criação, a Sudene enfrentou fortes reações político-ideológicas de parcela significativa das elites
empresariais, políticas e intelectuais do Nordeste, no que se refere às suas linhas de orientação e proposições. (...)
As mudanças políticas decorrentes do golpe militar de março de 1964 alteraram a ênfase nas linhas de ação.
Essas foram concentradas em apenas duas frentes: expansão da malha de infraestrutura (transportes, energia
elétrica e saneamento) e suporte à industrialização. A primeira, com a aplicação direta de 60% a 70% dos
210
211

6.2 MÚLTIPLAS INTERFACES DA PRODUÇÃO RURAL NO EXTREMO SUL DA


BAHIA

No contexto da proposta desenvolvimentista para a Região Nordeste, quando


observamos o Extremo Sul da Bahia, identifica-se a dinâmica do processo de “modernização”
do campo no modelo de investimento de capitais voltados para a monocultura de eucalipto,
que também fomentou cenários de relações sociais com antagonismos históricos, mas que,
paradoxalmente, apresenta contradições a partir de sobreposições de modelos produtivos que
se organizam, dependem e completam um sistema macro de produção (MARTINS, 1997).

A atuação da Sudene na micro região do Extremo Sul da Bahia – talvez também em


outras – atuou como agência de créditos subsidiados com a finalidade principal de reduzir os
custos de implantação e expansão do agronegócio na região. A partir da segunda metade do
século XX, com uma estratégia discursiva de modernização da produção rural, a iniciativa
pública por meios de subsídios e incentivos fiscais, financiou a maior parte dos investimentos
no campo (ANDRADE, OLIVEIRA; 2016).

Atrelada às demandas do setor metalúrgicos do Estado de Minas Gerais, a trilha dos


investimentos de capitais no setor agroflorestal penetrou territórios da Região Nordeste via
Extremo Sul da Bahia que, na década de 1960, estava inserida em um modelo de produção
extensiva, mas apresentava expressivo potencial para a exploração da agricultura intensiva,
que foi confirmado na década de 1970 (CERQUEIRA NETO, 2001; PEDREIRA, 2008).

A tese de Santos (2012) oferece elucidação quanto à entrada do Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra ou Movimento Sem Terra (MST)117 na região do Extremo

recursos aprovados nos Planos Diretores. A segunda, pelo sistema de incentivos fiscais canalizados através do
mecanismo conhecido como “34/18”,7 que conjugava a isenção tributária sobre a produção e o financiamento
dos investimentos mediante o uso de parcela do imposto de renda devido pelas empresas, transformados em
debêntures e, portanto, não reembolsáveis. Ficou estabelecido também que tanto os recursos orçamentários
quanto os recursos advindos da isenção de imposto de renda para aplicação em projetos de investimento no
Nordeste deveriam ser depositados no Banco do Nordeste do Brasil, reforçando seu papel de agente financeiro”
(DINIZ, Clélio Campolina. Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Nova Economia, Belo Horizonte, 19
(2), 227-249, maio-agosto de 2009, p. 240,241).
117
“O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surgido no Brasil na década de 1980 se destaca
como movimento social do campo brasileiro que tem como bandeira de luta a reforma agrária e a transformação
da sociedade. Tem também se destacado, dentre os movimentos sociais da atualidade, pela capacidade de
agregar valores sociais e culturais, com base nos ideais marxistas. (...) O MST surgiu na Bahia em 1987, na
região Extremo Sul, por ser um local que apresentava as condições objetivas naquele momento, e,
posteriormente, ele foi se expandido por todo o Estado. Atualmente, está organizado em nove regionais, sendo
dividido nas seguintes regionais: Sul, Extremo Sul, Baixo Sul, Chapada Diamantina, Recôncavo, Sudoeste,
Oeste, Nordeste e Norte” (SANTOS, Arlete Ramos, 1970- “Ocupar, resistir e produzir também na educação!”: o
MST e a burocracia estatal: negação e consenso. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais-
UFMG, 2013, p. 97 e 128).
211
212

Sul da Bahia; como tal entrada na década de 1980 acompanhou o mesmo itinerário dos
investimentos de capitais no setor agroflorestal da região do Extremo Sul da Bahia; e como tal
conjuntura representou assim uma inerência entre a expansão do capitalismo no campo e o
próprio MST, sendo este, do ponto de vista da teoria e interpretação marxista, uma expressão
da contradição daquele118.

Mesmo que o MST, em determinados aspectos, constitua-se como resistência ao modo


de produção capitalista, é indiscutível que “em outros, acontece o consentimento devido às
contradições vivenciadas por estar imerso nesse sistema” (SANTOS, 2013, p.7). Para Ademar
Bogo (um intelectual e dirigente fundador nacional do MST que atualmente desenvolve
atividades acadêmicas no Extremo Sul da Bahia), “Estas são contradições que se enfrentam,
por isso, uma mesmo sendo oposta à outra, depende dela para existir com suas próprias
características, novos contrários aparecem interligados” (BOGO, 2008, p. 27). Seguindo a
mesma tendência teórica e interpretativa, Santos (2013, p.220) argumenta que a atuação do
MST na Região do Extremo Sul da Bahia:

(...) enfrenta uma grande contradição que é a luta em buscar a garantia de


direitos sociais universais, conciliando-os com a luta de classe e, ao mesmo
tempo esses direitos sociais correspondem à democracia representativa em
que o Estado se posiciona ativamente para garantir as relações globais do
livre mercado, enquanto que a emancipação humana se inviabiliza. Para
enfrentar o capital, é preciso, realmente, preparar os cidadãos para a
emancipação humana, o que só será possível numa democracia plena, que
acontecerá somente com a superação do sistema capitalista.

Os caminhos percorridos, bem como as estratégias e ações do MST no Extremo Sul da


Bahia mergulha o Movimento em densos paradoxos que têm se mostrado semelhantes aquelas
encontradas nas “relações globais do livre mercado”; consideramos aqui que, diferente do
movimento social em questão, uma das muitas características marcantes do capitalismo, na
perspectiva dos seus “irreconciliáveis críticos” – como o discurso presente no MST –, não se
prever viabilização da “emancipação humana” (SANTOS, 2013, p.220).

Vale ressaltar que, no caso do Extremo Sul da Bahia, os dados empíricos gerados no
contexto das relações de produção travadas no meio rural apontam para situações e impactos
demasiadamente desiguais e, como consequência, geram impactos socioambientais
devastadores. A análise aponta para uma realidade concreta como resultado de uma
interpretação que denuncia a responsabilidade desses impactos que provocam desequilíbrios

118
A autora ainda salienta que “o Extremo Sul foi o primeiro lugar da Bahia e do Nordeste, em que em que
foram registradas as primeiras ocupações do MST, ocorridas desde a década de 1980, por ser uma região onde já
predominavam fecundas discussões de luta pela terra por meio da CPT” (Ibidem, 2012, p.22).
212
213

na disputa entre as forças produtivas; desequilíbrios estes que viabilizam o surgimento de


movimentos sociais (como o MST) que, também, em si mesmos, são contraditórios. Para o
senhor Pedro119, que atua como coordenador em um assentamento na região:

É difícil compreender o MST hoje, eu sei. Nós mesmos sabemos que as


contradições são imensas. Quem vai entender que precisamos alugar terras
da reforma agrária para os latifundiários que não tem mais onde colocar seus
gados? E que sem esse dinheiro do aluguel dessas terras fica difícil de
manter as ações do MST? Ninguém é obrigado entender uma coisa dessas!
Eu mesmo sou um problema pro Movimento. Questiono essas coisas.
Dificilmente vão deixar eu ocupar mais espaço no Movimento. Eles me
engolem com as coisas que eu penso porque sabem que isso é um problema,
independente de qualquer coisa. Mas pro outro lado, eu sou do Movimento.
Defendo o Movimento porque sei das dificuldades. Mas também reconheço
que é um troço chato. É um caminho difícil.

Fica evidente – na fala de interlocutores que atuam como militantes e outros que
atuam como pesquisadores – que o MST organiza-se “no interior de uma sociedade de
mercado; ao mesmo tempo em que faz a luta contra a propriedade privada, uma luta
revolucionária, precisa inserir-se no mercado, caso contrário não tem como dar respostas
imediatas aos seus participantes”. Assim, se apresenta como uma contradição do “sistema
hegemônico”, mas ele próprio tem contradições internas que desconstroem sua estratégia
discursiva e faz com que o “Movimento” viva um “dilema entre a luta política e a inserção no
mundo do capital” (ARAÚJO, 2007, p. 65).

Também fica manifesto que os impactos socioambientais impõem uma dinâmica que
influencia as orientações teóricas das pesquisas realizadas na região, especialmente àquelas
realizadas pelos programas de pós-graduação das universidades públicas. Via de regra, não
apenas para os estudos sobre o MST, a tendência das pesquisas sobre a “modernização” da
produção agrícola e da expansão do agronegócio no Extremo Sul da Bahia com suas
contradições, tem se embasado na perspectiva teórica do materialismo histórico influenciado
pela interpretação que destaca o lugar subalterno ou a condição periférica e dependente da
região no sistema mundial capitalista (ARAÚJO, 2007; BOGO, 2008; CERQUEIRA NETO,
2001; PEDREIRA, 2008; SANTOS, 2013).

Há, inclusive, uma conclamação subjetiva nos espaços acadêmicos, no sentido de


evitar a “fragmentação das lutas em um momento tão decisivo nos rumos do confronto entre
as classes que se expressa hoje na contradição entre agronegócio e agricultura familiar
camponesa” (SANTOS, 2013). Não há de se negar que tais posicionamentos “desestimulam”

119
Entrevista concedida em 07 de março de 2019 com uso de pseudônimo do entrevistado.
213
214

estudos específicos no meio acadêmico que façam inflexões teóricas e interpretativas sobre as
relações no processo de modernização da produção rural no Extremo Sul da Bahia.

No entanto, também existem pesquisas que superam a ortodoxia teórica e


interpretações hegemônicas nos estudos sobre as contradições das forças produtivas rurais na
região do Extremo Sul da Bahia (GOMES, 2009; SANTOS, 2007). Apresentam-se ainda
como exceções quando apontam para possibilidades de análises que abordam as relações
sociais e seus antagonismos estruturados para além do fator econômico. Trata-se de análises
das estratégias protagonizadas por atores sociais que recorrem, por exemplo, às
representações étnicas e se apresentam como novas categorias analíticas120. Desse modo,
compreende-se que é considerável o desafio de discutir contradições de forças produtivas
superando o caminho que prioriza a economia como fator determinante.

Como vimos nos capítulos anteriores, quanto à produção agrária brasileira, a década
de 1960 foi um período marcado pelo avanço da produção capitalista no campo. O Extremo
Sul da Bahia registrou significativas alterações quando comparada à década anterior. Os
dados dos censos agrícolas do IBGE nas duas décadas em questão, com recorte sobre a
quantidade de tratores na região, demonstram as mudanças em curso quando registram, na
década de 1950, apenas 3 tratores nos municípios da região; já na década de 1960 foram
registrados 48 tratores (IBGE, 1960).

O aumento do número de tratores serve para exemplificar o contexto do alinhamento


ao modelo de produção rural que estava em curso. As matas da região estavam sendo
derrubadas para atender a agricultura extensiva e a pecuária. Ao mesmo tempo, ocorria, na
década de 1960, o início do incremento da produção de agricultura intensiva devido ao fato do
setor agrícola, na época, não ser “ainda mecanizado e nem utiliza instrumentos modernos já
introduzidos há muito tempo em outras áreas do país (DEELEN, DONIDA, 1966, p. 32).

Torna-se plausível, assim, a hipótese de que uma causa estruturante para o lento
avanço da mecanização na agricultura da região está relacionada com a presença de excedente
de mão de obra barata, fato que dificultava a substituição de “trabalho braçal pela máquina. Se
houvesse maior pressão salarial, haveria certamente um recurso maior à máquina” (DEELEN,
DONIDA, 1966, p. 32).

120
As novas categorias analíticas podem, dependendo das estratégias assumidas, recorrerem ao uso de velhas
terminologias, como é o caso das “comunidades remanescentes de „quilombo‟”.
214
215

A análise também nos permite compreender a geografia da distribuição agrária da


região do Extremo Sul da Bahia quando cruzamos os dados do censo agrícola com as
memórias locais. Destarte, é possível compreender algumas questões importantes como o
aumento de maquinários na região a partir da década de 1960, para atender a demanda da
expansão da agricultura intensiva na região (IBGE, 1960).

As décadas de 1950 e 1960 demarcaram o processo de consolidação das atividades


econômicas que possibilitaram a exploração predatória da Mata Atlântica com a abertura de
campos para a produção do setor agropecuário, sobretudo nas últimas quatro décadas do
século XX. A pesquisa realizada por Ednice de Oliveira Fontes e Sylvio Carlos Bandeira de
Melo e Silva, e que buscou compreender as desigualdades sociais e econômicas na região,
concluiu que tal tendência solidificou-se (FONTES, MELO e SILVA; 2005, p.358):

(...) sobretudo da década de 70, quando surgem novas atividades econômicas


com a implantação da BR 101. Esta região passou a concentrar atividades
industriais, em especial as do ramo madeireiro, mola propulsora do
desenvolvimento econômico da região desde seus primórdios com a
exploração do Pau Brasil e de outras madeiras nobres.

A BR 101 permitiu a expansão da área de exploração, considerando que até a década


de 1970 o escoamento era realizado de maneira precária, tanto por estradas vicinais quanto
pelo litoral. Nesse sentido, ao longo da rodovia foi se configurando uma área central que
contribuiu para o surgimento de importantes centros comerciais e de escoamento na região,
com destaque para Teixeira de Freitas.

Durante toda década de 1970 a demanda do mercado para exploração das madeiras das
matas do Extremo Sul da Bahia convergia com as necessidades do setor agropecuário que
exigia maiores áreas de terras para os bolsões de monoculturas (cacau, cana-de-açúcar,
eucalipto) e, em seguida ou como atividade sobreposta, para criação de gado. Essa conjuntura
inicial na região foi consolidada com a construção da BR 101.

A partir do que já foi explicitado, podemos delinear um quadro geral que possibilite
compreender a concentração de terras na Região do Extremo Sul da Bahia. Fato é que as
grandes propriedades concentradas nas mãos de um número pequeno de latifundiários foi
construída ao longo da primeira metade do século XX e consolidada na década de 1960.

No capítulo “„Na rota do progresso‟”: a lógica do desenvolvimento regional no Extremo Sul


da Bahia” analisamos as décadas de 1950 e 1960 como período demarcador tanto do
crescimento do número de cidades quanto do crescimento populacional nas zonas urbanas da
215
216

região do extremo sul da Bahia. Também vimos que os dados121 demonstram que as datas das
emancipações da maior parte dos municípios da região do Extremo Sul da Bahia ocorreram
entre as décadas de 1960 e 1980.

A região como um todo, sobretudo na primeira metade do século XX, tinha baixa
densidade demográfica. Mas, devido à localização que permitia maior mobilidade de pessoas
e menos dificuldade para escoamento de mercadorias, a zona litorânea era, até então, a mais
povoada e concentrava as atividades agropecuárias dos médios e pequenos produtores
(FONTES, MELO e SILVA, 2005).

Quando consideramos as exigências dos desafios da produção em terras consideradas


isoladas, há de se considerar também que tal empreendimento exigia maior esforço em
logística, portanto, maior investimento de capital financeiro. Logo, ocorre uma seleção de
pretensos investidores. Sendo assim, na primeira metade do século XX, devido às exigências
para explorar as terras do Extremo Sul da Bahia, foi delimitado os agentes que participaram
da formação dos atuais latifúndios, ocupando a maior parte das terras produtivas da região.
Para melhor compreensão, o próximo mapa (figura 20) nos serve como ferramenta ilustrativa
e explicativa:

FIGURA 25 - Região do Extremo Sul da Bahia

121
Ver tabela 1 no capítulo I.
216
217

FONTE: FONTES & MELO e SILVA (2005, p. 5359).


Consideremos que a zona litorânea, composta atualmente por nove municípios
(Belmonte, Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro, Prado, Alcobaça, Caravelas Nova Viçosa e
Mucuri), forma uma faixa que, antes da década de 1970 – período anterior à construção da BR
101 – concentrava a produção e escoamento de produtos agrícolas diversificados. Havia
produtos que exigiam maior extensão de terra para seu cultivo como o cacau e o café, mas
nada se compara com a concentração de terras provocada pela monocultura de eucalipto que
se desenvolveu ao longo da década de 1980122.

A zona central assumiu maior protagonismo na região a partir da década de 1970 com
a construção da BR 101; a rodovia possibilitou e concretizou-se como a principal alternativa
para o escoamento da maior parte da produção agropecuária da região. Com isso, a construção
da rodovia federal acabou favorecendo a concentração da movimentação econômica e

122
“Nas áreas litorâneas, mais próximas ao litoral, você tem a presença das frutas típicas da região: da mangaba,
do caju, palmito, dendê, plantas nativas que acabam gerando alguma renda para esses pequenos produtores,
pequenos sitiantes que ocupam terras da faixa litorânea da região. Devido a vassoura-de-bruxa, desmatamento e
a redução das chuvas o cacau praticamente deixou de ser produzido na nossa região. Muita gente tem trabalhado
com a banana e também com o urucum, tudo isso vem adicionar alguma renda para o agricultor. Também a
pimenta tem sua participação pequena, mais tem a pimenta, por ser uma commodity, é uma mercadoria que
vende pra fora, atrelada ao preço do dólar, por isso ela tem seu momento de altas e baixas, e agora estamos
passando por um momento de baixa. O maracujá também teve seu momento mais pesa muito por agora por ser
uma agricultura mais cara e muito sensível na questão dos fungos e doenças, mas ainda tem alguma coisa do
maracujá na nossa região. Os capixabas vieram ou aqui já estavam e plantaram áreas razoáveis de café, vários
pequenos, vários dos nossos conterrâneos entraram também na cultura do café, de modo que o extremo sul tem
um potencial muito grande também na cafeicultura. O eucalipto também é algo mais concentrado, no café você
consegue ter uma melhor distribuição dessa riqueza porque ele está também na mão do pequeno e médio
produtor, muitos dos quais são capixabas já enraizados na região ou pessoas da própria região que migraram pra
essa atividade” (entrevista cedida por José Sérgio de Almeida no dia 25 de agosto de 2018).
217
218

populacional em alguns municípios da zona central, com destaque para Eunápolis, Porto
Seguro e Teixeira de Freitas123.

Vale lembrar que antes disso toda a faixa central representava o limite da zona
litorânea com o interior. Antes de formar essa zona central, existiam importantes entrepostos
que faziam conexão entre o litoral e o interior da região. Nos limites dos municípios de
Teixeira de Freitas e Alcobaça, às margens do Rio Itanhém – e, posteriormente, às margens da
BA-290 – foi formada, por exemplo, a Fazenda Cascata; um empreendimento que representou
um importante centro produtivo e de distribuição da produção agropecuária da região.

De acordo com o senhor José Sérgio de Almeida Figueiredo, a Fazenda Cascata teve
seu início na segunda metade do século XIX e consolidou sua capacidade produtiva ao longo
do século XX. José Sérgio de Almeida Figueiredo nasceu em 11 de janeiro de 1954, na cidade
de Salvador e passou a infância na Fazenda Cascata. Estudou em Caravelas que era o
principal centro econômico e cultural da época. Depois foi para Vitória, capital do Espírito
Santos, e de lá foi para Brasília. No Distrito Federal trabalhou no Ministério da Saúde. Na
década de 1980 voltou a morar na Fazenda Cascata e participou ativamente no processo de
emancipação do município de Teixeira de Freitas, quando foi eleito vereador do recém-criado
município e assumiu a presidência da Câmara Municipal: “ajudei a assinar a Certidão de
Nascimento de Teixeira de Freitas”. Ainda de acordo com as memórias do senhor José Sérgio
de Almeida Figueiredo, herdeiro da Fazenda Cascata124:

Foi Joaquim Muniz de Almeida fundador, filho de João José de Medeiros,


português da Ilha de São Miguel dos Açores que veio explorar terras em
Alcobaça, por volta de 1780, quando subiu o Rio Itanhém e tomou posse
dessas terras; eram terras devolutas do Estado e aqui começou a cultivar café
e mandioca no meado do século XIX. E ai a fazenda foi passando de geração
à geração, de Joaquim Muniz de Almeida para Joaquim Muniz de Almeida
Filho, até que chegou a Joaquim Muniz de Almeida Neto, esse que
impulsionou o desenvolvimento da fazenda e fez algumas ações para a
colonização, abertura da região do Extremo Sul no início ao meado do
século XX. Na época de Joaquim Muniz de Almeida Neto, o Quincas Neto,
meu avô, a fazenda tinha mais de 40 famílias que moravam aqui. Na década
de 1930 já tinha aqui uma escola, professora Carmélia, veio de Salvador para
lecionar aqui na fazenda; então era uma escola estadual aqui na fazenda
cascata. A escola continuou em atividade até a década de 1980. Nesse
período foi construída uma casa de farinha, as barcaças para secagem do

123
A crise da economia cacaueira na Região Sul da Bahia gerou um contingente de mão de obra de trabalhadores
rurais que a zona urbana dos municípios da região cacaueira – como Ilhéus, Itabuna, Pau-Brasil e Camacan –
ficaram impossibilitados de absorvê-los. Isso provocou uma mobilidade populacional inter-regional sem
precedentes (envolvendo, principalmente, municípios do Sul e Extremo Sul da Bahia) favorecendo o crescimento
demográfico do Extremo Sul (com ênfase nos municípios de Eunápolis, Porto Seguro e Teixeira de Freitas).
124
Entrevista cedida no dia 25 de agosto de 2018.
218
219

cacau. No final da década de 1940 Joaquim Muniz Neto comprou, na cidade


mineira de Teófilo Otoni, um caminhão que foi utilizado para construir uma
estrada de 60 km, que ligaria a fazenda ao município de Caravelas, que na
época era o principal centro de abastecimento e distribuição de mercadorias.
Quincas Neto teve três filhos e uma filha que foi minha mãe: Maria José de
Almeida Figueiredo, nasceu em 1925. Foi a última a falecer dos quatro
irmãos. Eu sou a quinta geração de administradores da fazenda.

Situada a noroeste do município de Teixeira de Freitas, a Fazenda Cascata manteve


suas atividades como entreposto na região até a década de 1980. A fazenda fazia parte do
município de Alcobaça, e passou a fazer parte de Teixeira depois da emancipação da mesma.
Está localizada às margens da BA-290, a apenas 6 km da BR-101 e a 10 km do Centro da
cidade. Os limites da fazenda são margeados pelo Rio Itanhém que servia como tráfego para
escoamento de mercadorias produzidas na própria fazenda e nas áreas produtivas adjacentes.
Nesse sentido, a Fazenda Cascata, situada nos limites das zonas litorânea e central, tinha alta
capacidade de escoamento das mercadorias pela via fluvial em canoas (batelões) de até 30
metros de cumprimento.

O transporte das mercadorias era realizado nos batelões movidos por força motrizes
dos remadores que reversavam os remos ao longo dos sessenta quilômetros entre Alcobaça e a
Fazenda Cascata. A viagem precisava contar com as marés favoráveis. Considerando que as
marés de enchentes eram contrárias para a navegação da direção da fazenda para o município
de Alcobaça, eram necessários planejamentos para aproveitar as marés vazantes e contabilizar
as paradas devido as marés de enchentes que impediam a navegação devido as fortes
correntezas contrárias. Além disso, como o espaço de tempo das marés variam de acordo com
a Lua (Cheia ou Minguante), as viagens poderiam durar entre um a três dias, dependendo da
fase da Lua e das condições meteorológicas. A Fazenda Cascata era o ponto mais distante que
utilizava o Rio Itanhém para transportar mercadorias para o município de Alcobaça, mas não
era o único: todos os produtores que utilizavam esta via fluvial como meio de transporte de
pessoas e mercadorias, tinham que se preparar para as mesmas condições e dificuldades.

As mercadorias eram distribuídas em Alcobaça para consumo local e para Caravelas


que, além do consumo local, representava o principal centro de distribuição das mercadorias
para outros estados. A partir de Caravelas os produtos eram escoados, na sua maioria, para as
cidades da Região Nordeste do Estado de Minas Gerais e, uma menor quantidade, para os
estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, ou seja, essas mercadorias chegavam a
todos os estados da Região Sudeste.

219
220

Uma terceira zona, localizada à oeste do mapa da figura 20, até a década de 1970, era
considerada uma área de difícil acesso, o que favoreceu para que se tornasse uma zona pouco
explorada. A formação populacional dos municípios dessa zona tem origem no Estado Minas
Gerais que migraram ao longo do século XX, mas o período com maior fluxo dessa
mobilidade populacional ocorreu entre as décadas de 1950 e 1970. Esse período coincide com
dois eventos: o último ciclo da agricultura intensiva na região do Extremo Sul da Bahia (que
foi o maior fornecedor de madeira para a indústria mineira); e a expansão da monocultura do
eucalipto na região Nordeste de Minas Gerais (CERQUEIRA NETO, 2009).

Com suas grandes áreas identificadas como “terras devolutas”, intercaladas com a
formação e avanços dos latifúndios, além de pequenos lotes de posseiros, esta zona
permaneceu com essa configuração até a construção da BR 101. De acordo com Koopmans,
2005, p. 28, 29):

O movimento da ocupação das terras cresceu, sobretudo a partir da primeira


década do século XX, quando o alto valor e a procura crescente do cacau,
fizeram dele uma das lavouras comerciais mais lucrativas. (...) O avanço pela
qual se efetivou a ocupação encontrou muitas vezes o chão ocupado pelos
„posseiros‟, resultando daí lutas e demandas disfarçadas, quase sempre, em
rivalidades políticas. O alto valor da madeira nobre fez com que a região
fosse penetrada pelos madeireiros, em conjunto com os criadores de gado
que vieram de Minas gerais e Espírito Santo. (...) Assim se desenhou o perfil
da região durante a primeira metade do século XX. Até meados da década
cinquenta, todas as sedes municipais estavam localizadas no litoral. (...)
Desde o início do século XX havia um movimento de „migração‟ por
famílias que saiam do estado vizinho, Minas Gerais. „Todo o oeste da região,
conhecida como Mata, era atraente para nós aventureiros‟, assim falavam os
primeiros „ocupantes‟ que vieram de Minas. Os aventureiros eram
camponeses que pretendiam melhorar de vida. Assim aumentava o número
de propriedades dentro da Mata. Surgiram os primeiros povoados no interior,
completamente isolados e afastados das sedes municipais que ficavam no
litoral.

Esse quadro é confirmado pela narrativa do senhor Jacson Lacerda Santos que é um
memorialista regional. Nasceu em Vitória da Conquista-Ba em 17 de agosto de 1971, cresceu
no município de Almenara-MG (Norte de Minas Gerais); em 1985 se mudou para Itaitinga,
um pequeno vilarejo rural do município de Alcobaça-Ba (município localizado no Extremo
Sul da Bahia). Em 1996 se mudou para a sede do município onde atuou como secretário de
obras entre 2001 a 2003. Foi eleito prefeito quando geriu o município de Alcobaça-Ba entre
os anos 2005-2008 pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e, atualmente, está secretário de Meio
Ambiente do mesmo município. Apresenta-se como “homem da agricultura familiar e
estudioso autodidata das movimentações e transformações sociais”. Segundo o mesmo foi um

220
221

período marcado por intensa mobilidade populacional regional, com destaque para a chegada
de um grande número de pessoas que vieram do Estado de Minas Gerais, Oeste da Bahia e
uma menor parte do Espírito Santo que tinham maiores recursos para explorar terras que
começavam a se afastar do litoral. Também afirma que125:

Desde a primeira metade do século XX que os grandes agricultores


começaram a usar as terras férteis situadas na Zona Oeste da região. Dos
municípios mais próximos do litoral da nossa região, à exceção de Itamarajú,
que tem terras com solos altamente férteis, os outros municípios que dispõe
de solos tão bons ou tão férteis como o de Itamarajú, eles foram voltado mais
para a pecuária extensiva: vale pra Lagedão, Ibirapuã, Medeiros Neto,
Vereda, Jucuruçu (...) são municípios de terras mais férteis aonde a pecuária
extensiva prevalece. É na sua grande maioria médios e grandes proprietários,
que desenvolvem suas atividades na pecuária. Ficando para a agricultura
familiar e de subsistência os municípios de solos mais frágeis, mais fracos,
mais arenosos, como os de Alcobaça, Caravelas Nova Viçosa, Mucuri,
Prado. Então esses municípios, por incrível que pareça, é que são os
municípios com mais gente na Zona Rural, mais agricultura familiar,
justamente os municípios com terras mais frágeis. Os municípios de terra
mais férteis, que nós já falamos quais são, além da pecuária extensiva eles
recebem grandes áreas de cana-de-açúcar como Lajedão, Ibirapuã e
Medeiros Neto, exploradas por dois ou três grandes grupos. Essa atividade
sucroalcooleira está também no Norte de Minas, na região da Serra dos
Aimorés; já existem duas usinas lá e duas usinas cá na porção baiana, que
divide com Minas Gerais essas usinas de cana-de-açúcar. Nos terrenos mais
férteis a pecuária de leite é uma atividade importante e interessante na nossa
região.

A expansão da produção rural no Extremo Sul da Bahia, como já abordado nesta


pesquisa, seguiu a clássica lógica da agricultura expansiva com exploração de madeira nobre
e derrubada da mata nativa. A criação de gado começava antes da organização dos pastos
propriamente dita: o gado era solto na mata logo após a retirada da madeira nobre, em seguida
realizava-se a preparação de pastos para consolidar a pecuária bovina 126. Na análise do censo
agrícola, Koopmans (2005, p. 40) conclui que:

A lavoura era praticada em função da ampliação dos pastos. Uma das mais
rudimentares era a técnica agrícola adotada. A rotação das terras primitivas,
que introduz a agricultura itinerante com todos os seus aspectos de economia
predadora dos recursos naturais. Após processo clássico da derrubada e da
queimada, a lavoura, por consistir em culturas de subsistência, é feita
durante alguns anos, sendo a terra usada em seguida para a formação dos
125
Entrevista cedida no dia 01 de agosto de 2018.
126
“Geralmente temos nestas fazendas de gado uma pequena atividade agrícola de subsistência, ou cujos
excedentes podem abastecer os mercados locais. São culturas de milho, feijão, banana, mandioca, e ainda café,
cuja produção era de pouco valor econômico. Uma cultura de destaque era a da cana-de-açúcar, trabalhadas em
alambiques para a fabricação de aguardente. No entanto coexistiam na mesma propriedade a lavoura e a criação,
sem se completarem, pois o bovino é o único produto comercial” (KOOPMANS, Padre José. Além do Eucalipto:
O papel do Extremo Sul. CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul -
BA, 2005, p. 39, 40).
221
222

pastos, ou abandonada para a reconstituição da capoeira. As roças situavam-


se geralmente na periferia dos remanescentes de matas ou capoeiras, em
áreas sempre cercadas com toscas cercas de madeiras. Os lavradores
geralmente eram meeiros, que recebendo tanto a terra para plantar, como
sementes e ferramentas, dão a metade da produção aos proprietários.

Essa configuração da produção agropecuária no Extremo Sul da Bahia manteve-se até


o final da década de 1980 quando houve expressivo êxodo rural de pequenos produtores. A
mobilidade populacional desse período (que se estendeu ao longo da década de 1990) explica
o surgimento da maioria dos municípios do Extremo Sul da Bahia (14 dos 21) que foram
emancipados entre as décadas de 1950 e 1980.

Antes da década de 1980, o êxodo rural, como se percebe, atingia os pequenos


produtores da região em questão, que davam lugar a agricultura expansiva, principalmente
para a pecuária127. No pós década de 1980 houve uma mudança na cadeia produtiva com a
implementação no setor do agronegócio voltado para a monocultura do eucalipto (IBGE –
Censo Agrícola).

A alta mobilidade populacional e crescimento demográfico nas áreas urbanas do


Extremo Sul da Bahia como resultado do êxodo rural está relacionado a quatro recortes que
formam um quadro panorâmico da experiência da produção rural com suas múltiplas
interfaces e contradições na região:

1. Disponibilidade de capitais para investimento no agronegócio enquanto produção rural


compatível com a lógica da economia de mercado;
2. Políticas públicas para a modernização da produção rural e as reações dos setores
sociais que participam na produção no campo;

127
“Os dados estatísticos a respeito da criação de gado bovino mostram que certos a lavoura era praticada em
municípios são cada vez mais marcados pela criação de gado. A expansão da pecuária está estreitamente ligada
ao desmatamento da região. Grandes madeireiros do Norte de Minas Gerais e do Espírito Santo vieram para abrir
as matas que existiam em grandes áreas. Foram os madeireiros que abriram as primeiras estradas, mesmo
primitivas, mas que serviam para transportar madeiras nobres. Juntos com eles, grandes criadores de gado do
sertão baiano entraram na região, para soltar o gado nas terras vazias, onde a madeira desapareceu. Geralmente
os criadores não se preocupavam com o cultivo ou a mecanização da terra. Foi notado um crescimento bastante
elevado na pecuária, sobretudo nos municípios de Itanhém, Medeiros Neto, Lagedão e Ibirapuã entre [as décadas
de] 1950 e 1960. O censo agrícola de 1960 acusa que na região tinha 3.775 estabelecimentos com média de 25
cabeças, 600 estabelecimentos com média de 200 cabeças e 90 estabelecimentos com média de 900 cabeças. O
número absoluto de bovinos era 297.683 cabeças. Esse número ia crescer bastante nas próximas décadas. Assim
a região contava com 1250.000 bovinos no fim dos anos oitenta. No seu conjunto, o extremo sul se tornou uma
importante área de pecuária no Estado, suprindo as necessidades de carne bovina, não só no mercado local, como
ainda no Rio de Janeiro, via Vitória (ES), Campos (RJ) e Belo Horizonte, via Teófilo Otoni e Governador
Valadares, tendo como centro distribuidor a cidade mineira de Nanuque, às margens do Rio Mucuri” (Ibidem,
2005, p. 38, 39).
222
223

3. Intensificação da disputa pela terra polarizada pelos interesses do agronegócio e do


campesinato;
4. Cooptação de terras para expansão do agronegócio e o êxodo rural das décadas de
1980 e 1990 no Extremo Sul da Bahia.

A partir dessas delimitações concentraremos a análise nos grupos que atuam na zona
rural dos municípios de Teixeira de Freitas, Alcobaça e Caravelas (consideramos a
emancipação do município de Teixeira de Freitas – que tem o maior desenvolvimento
econômico da região – com seus limites territoriais compostos a partir do desmembramento
de áreas pertencentes aos municípios de Alcobaça e Caravelas). Atualmente o monopilio da
exploração direta e indireta do setor agroflorestal em todos os municípios da região do
Extremo Sul da Bahia é da empresa Fíbria S.A. (Votorantim Papel e Celulose).

Com objetivo de compreender as múltiplas interfaces compostas por diversas


experiências sociais – agrupadas com suas contradições internas, portanto, passíveis de
problematizações – que protagonizam na produção rural, faz-se necessário apresentar e
proceder à análise dos quatro recortes selecionados.

O primeiro recorte que nos interessa desse quadro panorâmico, no contexto da década
de 1980 e que introduz o Extremo Sul da Bahia na modernização da produção rural de larga
escala, está relacionado à disponibilidade de capitais para investimento no agronegócio, que
representa, por sua vez, a consolidação da penetração e expansão do agronegócio na região.

Vimos que na década de 1960, com a concentração de investimentos na região sudeste


e com o cenário externo e interno favorável para expansão e modernização do agronegócio, a
produção rural recebeu novos investimentos e iniciou a expansão programática para as demais
regiões do país128.

Na década de 1960 as políticas públicas que visavam a modernização da produção


rural ainda não tinham representação na estrutura do Estado para incluir os diversos setores
que participavam/participam dessa produção rural; e quando se tratava de acesso às políticas
públicas, os pequenos produtores já representavam uma minoria majoritária, cujos interesses

128
“A partir de políticas públicas implementadas na década de 1970, a agricultura brasileira obteve padrões de
excelência e competitividade, impondo o processo de internacionalização. Essas políticas viabilizaram ainda
mais o salto tecnológico vivenciado pelo agronegócio. Tanto na agricultura como na agroindústria, a adoção de
nova base tecnológica foi no intuito de reduzir os custos de produção e de ampliar ganhos” (ZILLI, Julio César;
PINTO VIEIRA, Adriana Carvalho; SOUZA, Izabel Regina de. Pauta Exportadora do agronegócio e a sua
dinâmica nos portos de Santa Catarina. In: CRUZ, José Elenilson; TEIXEIRA, Sônia Milagres; MACHADO,
Gláucia Rosalina (Org.). Programa de pós-graduação em agronegócio, Estudos em agronegócio, vol. 2. Goiânia,
Gráfica UFG, 2016, p. 139).
223
224

dificilmente tinham eco nas instituições definidoras e implementadoras dessas políticas.


Consideramos aqui “minoria majoritária” a categoria dos pequenos agricultores que do ponto
de vista numérico eram/são majoritários, mas na perspectiva qualitativa, de representação
política ou de acesso às políticas públicas, esses trabalhadores são identificados como minoria
devido sua condição vulnerável na sociedade brasileira.

Embora se tratasse da expansão da produção agrícola intensiva, o processo se


desenvolvia também com uso e recurso ao modelo de produção extensiva. Essa sobreposição
se explica pela dimensão continental do país, com realidades distintas na dinâmica de
expansão do capitalismo no campo (CERQUEIRA NETO, 2001; MATO, MELO, 2012;
MULS, 1997; PEDREIRA, 2008).

O período que remonta às décadas de 1960 a 1980 demarca a estruturação da produção


capitalista no campo (mais especificamente, o agronegócio) no Brasil, impulsionada pela
modernização de toda a cadeia produtiva da agricultura e pecuária. O agronegócio passou a
dominar a produção de insumos – fertilizantes, defensivos químicos e equipamentos –, as
técnicas de presetor paro do solo com uso de tecnologias, bem como toda logística de
transporte que potencializou a comercialização dos produtos. De fato, como afirma Stefanelo
(2008, p.1), quando faz referência ao domínio do agronegócio na cadeia produtiva:

O agronegócio, que engloba as operações de suprimento dos insumos, a


produção agropecuária, florestal, a aquicultura dentro das propriedades, seu
beneficiamento e transformação em produtos intermediários e finais e a
distribuição deles no mercado interno e externo, representa 22% do PIB
mundial e 23% do PIB brasileiro, além de empregar no Brasil 37% das
pessoas e ser o responsável, em 2007, por 36% do valor das exportações.

Nesta perspectiva, a pesquisa de Júnia Cristina Peres R. da Conceição e Pedro


Henrique Zuchi da Conceição, a serviço do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –
IPEA, demonstrou que “a agricultura brasileira atravessou um forte processo de
transformação, crescendo a taxas expressivas, alterando suas fontes de crescimento”. Ainda
de acordo com as pesquisadoras (CONCEIÇÃO, CONCEIÇÃO, 1990, p.8):

A agricultura brasileira passou, portanto, por um grande impulso entre as


décadas de 1960 e 1980, devido ao desenvolvimento da ciência e tecnologia,
proporcionando o domínio de regiões antes consideradas inadequadas para a
agropecuária. Isso fez surgir a oferta de um grande número de produtos. O
país passou, então, a ser considerado como aquele que dominou a
“agricultura tropical”.

224
225

Assim, a região do Extremo Sul não se desloca, historicamente, do movimento da


macroeconomia brasileira. Todo o processo de desflorestamento e reflorestamento, por
exemplo, foi influenciado pelo fluxo de capital disponível para investimento na região 129.
Como consequência, tais investimentos impuseram nova configuração no uso do espaço rural,
bem como no desenvolvimento econômico e nos efeitos colaterais socioambientais com todos
os seus desdobramentos (PEDREIRA, 2008).

O segundo recorte, para melhor compreensão do processo histórico da produção rural


no Extremo Sul da Bahia, está relacionado às políticas públicas focadas no desenvolvimento
da produção rural brasileira; produção esta que historicamente ocupou espaço dominante na
economia do país. Mas, a decisão política para orientar um programa de desenvolvimento 130
da produção no campo deu-se na década de 1960, no mote do discurso da modernização a
partir do setor agrário ou da “modernização da agricultura” brasileira (PALMEIRA, 1989;
NAVARRO, 2001).

Em meio à euforia do discurso de desenvolvimento econômico, os avanços da


modernização da produção agrícola trouxeram à tona os interesses antagônicos presentes nas
contraditórias experiências da produção rural no Brasil. A década de 1960 demarcou e
constituiu um período de intensa disputa pela terra que ficou polarizada entre os interesses
voltados para o agronegócio e os interesses do campesinato; tais embates provocaram tensões

129
“A expansão do reflorestamento voltado para setor celulósico e papel a partir dos anos 1980 representa o auge
do processo de apropriação e inserção da região ao circuito do capital. Formam-se novos arranjos territoriais com
base em uma especialização produtiva (florestas eucaliptos/celulose) que organiza o território a partir de
imposições de caráter ideológico e de mercado. Consolida-se, assim, a redefinição da posição da região na
divisão regional do trabalho, ao tempo em que se acirra a desintegração e reestruturação dos espaços rural,
agrários e sociais vigentes até então. Ou seja, o agronegócio, a lógica da competitividade e a ideologia de
mercado urbano-industrial como portadores de progresso e desenvolvimento ganham força, expressão e
materialidade na região por meio da implantação, expansão e consolidação do complexo florestal-celulósico”
(PEDREIRA, Marcia da Silva. O Complexo Florestal e Extremo Sul da Bahia: inserção competitiva e
transformações socioeconômicas na região. Tese de Doutorado em Ciências Sociais: Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade – CPDA, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências
Humanas e Sociais, 2008, p. 90).
130
“(...) desenvolvimento é, antes de tudo, uma construção política e ideológica, que se encontra ancorada em
determinados condicionantes históricos. Por isso, uma das expressões concebidas foi desenvolvimento agrícola –
ou agropecuário. Essa definição pretende abarcar, apenas, os elementos produtivos atinentes ao ambiente rural,
de maneira que o mote inerente ao desenvolvimento agrícola são os elementos materiais atinentes à produção, tal
qual a área plantada, economicidade e uso de mão de obra. Não bastasse isso, outra expressão aventada para dar
conta da complexidade inerente ao ambiente rural é desenvolvimento agrário. Com pretensões mais ambiciosas,
esse conceito almeja compreender o rural com toda sua complexidade, não pretendendo tratar, somente, dos
aspectos inerentes à produção, mas, também, as questões referentes à disputa de classes, conflitos sociais, enfim,
da teia de relações inerentes ao meio rural. Uma terceira expressão, também utilizada é desenvolvimento rural.
Por meio desta, almeja-se expressar uma proposta cujo conceito central é a intervenção numa dada realidade,
buscando alterá-la”. (GONÇALVES, Diego Marques & PEDROSO, Adriana Martini Correa. Políticas Públicas
para o Desenvolvimento Rural e Valorização da Agricultura Familiar: Uma Análise do Programa de Aquisição
de Alimentos – PPA. Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, XXII Seminário Nacional Demandas Sociais
e Políticas Públicas na Sociedade Brasileira, 2016, p.9).
225
226

sociais que ameaçaram a governabilidade do país131. Para Grisa e Schneider (2015, 23,24), a
estratégia política do governo nacional defendia que:

(...) a agricultura precisava modernizar-se para cumprir suas funções no


desenvolvimento econômico do país. O ajuste entre o setor da agricultura
(„referencial setorial‟) e a industrialização da economia do país („referencial
global‟) passou a ser realizado por um conjunto de ações e políticas públicas,
como crédito rural, garantia de preços mínimos, seguro agrícola, pesquisa
agropecuária, assistência técnica e extensão rural, incentivos fiscais às
exportações, minidesvalorizações cambiais, subsídios à aquisição de
insumos, expansão da fronteira agrícola, e o desenvolvimento de
infraestrutura (...) que apresentou um caráter triplamente seletivo,
beneficiando principalmente os médios e os grandes agricultores, localizados
nas regiões sul e sudeste, produtores de produtos direcionados à exportação
ou de interesses de grupos agroindustriais.

Tanto o cenário da política que defendia a modernização da produção no campo como


meio de garantir a competitividade do Brasil 132, quanto a tendência de participação econômica
focada no setor agrário brasileiro contribuíram para a “inserção competitiva da região nos
circuitos da economia nacional e internacional, criando espaços de modernização e
propiciando o crescimento econômico da região” do Extremo Sul da Bahia (ALMEIDA et al,
2008, p.9).

A posse da terra no Brasil ficou nas mãos de umas poucas famílias que se apropriaram
da riqueza como “benefícios por direito”, práticas oriundas do modelo patrimonialista da
velha república oligárquica ainda bem atuante no modo de operar a governança do país
(BUARQUE DE HOLANDA, 2015; FAORO, 2008). Na clássica análise de José Graziliano
da Silva (1996, p.10) fica evidenciado que:

131
“A partir do golpe militar, as Ligas Camponesas, que já estavam desgastadas pela evolução das estratégias de
lutas no campo, foram legalmente extintas e os sindicatos rurais sofreram intervenção do governo. Estas
medidas, entretanto, não conseguiram abafar os problemas relativos à questão agrária, que tantas mobilizações
havia ocasionado. (...) Em termos efetivos, observou-se que o programa de desenvolvimento da agricultura,
implantado a partir de 1964, definiu-se por uma política de modernização excludente, que provocava uma
intensificação da concentração fundiária, ao mesmo tempo em que provocava um aumento do êxodo rural e o
crescimento das formas de relações de trabalho temporários no campo” (ANDRADE, 1197, 113).
132
“Na década de 1970 o Governo Federal passou a estimular o plantio de eucalipto no território nacional. Nos
anos de 1980, surge na região Extremo Sul da Bahia as primeiras unidades de produção e empresas, atraídas em
função de relevantes fatores locacionais, especialmente, segundo os estudos da Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia - SEI, pelas condições edafoclimáticas, preço da terra, escoamento da produção
via porto de Vitória no Espírito Santo e de Ilhéus na Bahia, disponibilidade de mão de obra e grandes extensões
de terras para implantação dos cultivos de eucalipto. Nesse cenário favorável, a produção estadual expande-se,
levando a Bahia a despontar e ocupar a segunda posição no setor de produção de papel e celulose do país,
destinada ao mercado externo, sendo o Extremo Sul o maior produtor entre as regiões baianas” (ALMEIDA,
Thiara Messias de et al. Reorganização socioeconômica no Extremo Sul da Bahia decorrente da introdução da
cultura do eucalipto. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 20 (2): 5-18, DEZ. 2008, p. 24).
226
227

Enquanto a mão de obra era escrava, o latifúndio podia até conviver com
terras de "acesso relativamente livre". (...) Mas quando a mão de obra se
torna formalmente livre, todas as terras têm que ser escravizadas pelo regime
de propriedade privada. Quer dizer que se houvesse homem “livre” com
terra “livre”, ninguém iria ser trabalhador dos latifúndios.

Ao longo da história do Brasil os trabalhadores pobres do campo tiveram “dificuldade


de acesso ao principal meio de produção agrícola, a terra”. Por outro lado, “a elevada
concentração de propriedade de terra no Brasil é um dos principais fatores responsáveis pela
expulsão da população rural” que ficou à mercê dos interesses daqueles que têm a posse da
terra e dos privilégios econômicos e políticos (LEITE, 2016, p. 89).

Desse modo, considerando a intensificação da pobreza no campo, temos uma terceira


conjuntura no interior desse quadro panorâmico das experiências da produção rural do Brasil,
com suas históricas contradições estruturais: trata-se da intensificação das disputas pela terra,
polarizadas pelos interesses divergentes dos latifundiários do agronegócio e dos pequenos
produtores/trabalhadores rurais133.

Nas décadas de 1950 e 60, a reforma agrária entrou na pauta da política nacional
brasileira134 no intuito de “modernizar suas produções agrícolas ao mesmo tempo em que
buscavam atenuar os conflitos disseminados pelo campo”. O contexto efervescente da
organização de trabalhadores no campo impôs ao Estado um reposicionamento que
considerasse, ainda que de maneira desigual (considerando o zelo histórico a favor dos
latifundiários), os interesses dos pequenos proprietários/produtores e trabalhadores rurais135.

133
Disputas pela terra que, mediados pelo Estado, passaram a atender aos interesses do agronegócio. Sabe-se,
por exemplo, que a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG, apoiada pela Igreja
Católica e pelo governo, foi a única entidade representante dos trabalhadores rurais que sobreviveu. O apoio do
governo militar à CONTAG foi motivado pelo interesse de “organizar e modernizar as entidades sindicais no
país” e por isso “pôde ter sua estrutura preservada, apesar de sofrer intervenção em várias de suas unidades.
Assim, essas representações sindicais estavam dentro de um sistema que se apropriavam dos movimentos sociais
para garantir o controle das ações, mesmo utilizando discurso defensor dos direitos dos trabalhadores
(ANDRADE, 1997, p. 113).
134
No capítulo IV retornaremos à questão quando faremos contextualização histórica dos contornos da reforma
agrária ao longo do século XX, como entrou na pauta, que atores sociais e políticos estiveram nela envolvidos,
bem como sua dimensão e impactos.
135
“Traço marcante e em larga medida definidor do período, tais projetos assentavam-se tanto na preocupação
em promover uma modernização planejada do agro, sem que para isso fosse preciso tocar na estrutura fundiária
caracterizada pela grande propriedade, quanto na arregimentação colaborativa do trabalhador rural para as
reformas estatais, visto que proliferavam nesse momento organizações coletivas de interesses camponeses e
ações autônomas que tencionavam os limites dos projetos de reforma agrária estatais” (ESTEVE, Carlos Leandro
da Silva. Posseiros e invasores: propriedade e luta pela terra em Goiás durante o governo Mauro Borges Teixeira
(1961-1964). São Paulo, Revista Brasileira de História, v. 36, nº 71, 2016, p. 108).
227
228

As relações sociais no campo são marcadas pelo registro crescente da violência 136.
Vale lembrar que, embora haja uma simetria histórica entre Estado e latifundiários no Brasil,
o recorte das décadas de 1960/1980 (para análise da violência no campo) tem relação
intrínseca com a modernização da produção “dos campos brasileiros” e a organização política
dos movimentos sociais no campo (GONÇALVES, 2006).

Portanto, a violência no campo137, tratando-se da realidade brasileira, é resultado das


relações desiguais que gera “assimetria de poder entre as classes, frações de classe e grupos
sociais no campo”, que, por sua vez, “é evidenciada por todos os indicadores, historicamente
mantidos na sociedade brasileira, assim como a impunidade dos agentes das ações violentas”
como continuidade da ausência de defesa da cidadania dos trabalhadores rurais, ainda que
tenha ocorrido algum avanço (BUAINAIN, 2008, p.19).

A concentração da propriedade da terra e o caráter excludente do modelo de


desenvolvimento agropecuário (com seus demarcadores de “relações arcaicas”) foram
substituídos por relações de assalariamento temporário. Esse novo arquétipo de relações no
campo possibilitou a manutenção da exploração dos trabalhadores com o agravante de total
ausência (em muitas regiões) da proteção legal. Não raras vezes, a violência extrapola a
subjetividade. Lembra-nos Buanain (2008) que:

Em algumas áreas subsistem ainda hoje, de forma disfarçada, regime de


trabalho compulsório que se aproximam perigosamente da semi-escravidão,
utilização de crianças e condições de trabalho totalmente condenáveis. A
produção de subsistência foi em grande medida eliminada, e os produtores,
expulsos para os centros urbanos. Parcela significativa dos atuais
minifúndios são hoje mais “lugares de moradia” que unidades de produção;
os excedentes populacionais são rapidamente “escoados” para os grandes e
médios centros urbanos, onde são absorvidos de imediato, em condições de
vida miseráveis.

136
Consideramos a análise de Carvalho (2018) quando cria uma distinção entre “conflito no campo” e “conflito
do campo” para não cair na ideia generalista e sensacionalista que as abordagens teórico-metodológicas estão
passíveis. Para isso o autor parte da seguinte premissa: “para que se tenha um „conflito agrário‟, é preciso que se
analise sua motivação, não sendo o critério da „localização‟ suficiente para assim classificá-lo. Por isso, nem
todo conflito „no campo‟, ou seja, que acontece no meio rural brasileiro, pode ser chamado de agrário,
tipicamente „do campo‟, ou seja, ligado à „questão agrária‟”. (CARVALHO Lucas de Azevedo. Os dados sobre a
violência “do campo” no Brasil: Análise Crítica. Brasília, Consultoria Legislativa, 2018, p. 11).
137
“A realidade brasileira apresenta uma ampla conflitualidade e um aumento da violência nos espaços sociais
agrários, nos quais existem fortes violações de direitos humanos. No período da Nova República, manteve-se
elevado o número de conflitos no campo, envolvendo conflitos de terra, ocorrência de trabalho escravo, conflitos
trabalhistas e outros tipos de conflitos.” (JOSÉ VICENTE, Tavares dos Santos. Conflictos agrários e violência
no Brasil: agentes sociais, lutas pela terra e reforma agrária. Pontificia Universidad Javeriana. Seminário
Internacional, Bogotá, Colômbia. Agosto de 2000, p. 2).
228
229

Os conflitos no campo pela posse da terra estão presentes em todas as regiões


brasileiras, mas, de acordo com os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT 138) os registros
dos conflitos estão concentrados nas regiões norte e nordeste do país, embora esses conflitos
tenham aumentado anualmente na região Centro Oeste. (PORTO-GONÇALVES, 2006). Fica
evidenciado que os litígios dão-se de acordo com o desenvolvimento do processo de expansão
da industrialização no campo que, via de regra, seguem procedimentos de apropriação de
terras pela exploração intensiva (extração de madeiras e queimadas), seguida pela
agricultura/pecuária extensiva (GONÇALVES, 2006).

Assim, as disputas explicam-se a partir das relações sociais no campo; trata-se de


disputas intrínsecas aos litígios inerentes da demarcação dos interesses dos grupos envolvidos.
Esse conjunto de experiências históricas reafirma os conflitos em um ciclo que agrega a
disponibilidade de capitais para investimento no agronegócio; a modernização da produção
rural; a disseminação da disputa pela terra; e a captação de terras para expansão do
agronegócio com o consequente êxodo rural.

No Extremo Sul da Bahia, as décadas de 1980 e 1990 foram determinantes para a


compreensão do êxodo rural como fator determinante na explicação das altas taxas de
crescimento demográfico das zonas urbanas dos municípios da região139; assim, a partir do
fenômeno do êxodo rural é possível delinear um quadro panorâmico e explicativo da questão
rural no Extremo Sul da Bahia e suas múltiplas interfaces e contradições.

Nesse processo os pequenos agricultores, a maioria deles sem a posse legal da terra,
são atraídos – direta ou indiretamente – pelos empresários do agronegócio no sentido de
convencê-los a abandonarem suas “ilhas” em meio aos grandes latifúndios. Pressionados, os
pequenos produtores tendem a migrar para os centros urbanos, e, não raras vezes,
contraditoriamente, retornam para o campo como prestadores de serviços assalariados
(D‟INCAO E MELLO, 1975; GONÇALVES, 2006).

Por fim, para atender a proposta desta análise, a cooptação de terras para expansão do
agronegócio ocorreu a partir da expulsão de parte dos pequenos agricultores nos municípios
do Extremo Sul da Bahia, se desdobrou não sem existência de conflitos envolvendo os
pequenos agricultores e os interesses dos latifundiários (principalmente as empresas de

138
Desde 1985 a Comissão Pastoral da Terra através do Centro de documentação Dom Tomás Balduino tem
organizado dados sobre violência no campo brasileiro.
139
No capítulo I analisamos a evolução demográfica, a mobilidade populacional e a relação entre campo e cidade
nos municípios do Extremo Sul da Bahia.
229
230

celulose). A mobilidade populacional, impulsionada pela lógica do êxodo rural, impõe


desdobramentos que nem sempre são percebidos como resultantes do rompimento do homem
do campo com a terra. As consequências são catastróficas para esses sujeitos e para a
sociedade de modo geral, sobretudo quando consideramos índices de violência nos espaços
urbanos de alguns municípios. Nas cidades do Extremo Sul da Bahia, àquelas localizadas
mais próximas ao litoral, registra-se nos homicídios e nas conduções para o sistema prisional
um alto índice de jovens negros. O levantamento realizado no município de Alcobaça-Bahia
registrou que o percentual acima de 80% das famílias de origem negra são oriundas da zona
rural. Quando cruzamos esses dados percebemos fortes relações do êxodo rural com questões
ligadas à violência urbana com recorte racial (voltaremos a essa abordagem no capítulo IV).

Fato é que, não apenas na região do recorte da pesquisa, mas na Bahia e na região
Nordeste140 como um todo, verifica-se um grande número de conflitos no campo – no Estado
da Bahia e do Maranhão, majoritariamente –, inclusive de “violências contra a pessoa e contra
a posse e a propriedade fundiária” (BUANAIN, 2008, p.198).

Nesta conjunção podemos utilizar o conceito de colonialidade esboçado por Quijano


(2005), considerando que aplicação da ideia de colonialismo é anacrônica, mas os elementos
da submissão de determinados grupos (nesse caso, de trabalhadores rurais) a outros (como os
latifundiários) se faz presente em tempos presentes.

As décadas de 1980/1990 presenciam o período da expansão da monocultura de


eucalipto na Região do extremo Sul da Bahia – que significa, portanto, ampliação dos
latifúndios. Esse processo também caracteriza a continuidade de desequilíbrios na posse da
terra; e, mais do que isso, identifica o processo que representa a transformação e submissão
dos antigos pequenos proprietários em trabalhadores sub-remunerados no campo.

Esse contexto de exploração, bastante presente nas relações sociais no campo,


contribuiu para o aumento do êxodo rural no Extremo Sul da Bahia, com maior ênfase nas
décadas finais do século XX. A mobilidade de pequenos agricultores do campo para as
cidades resultou, como vimos, no crescimento desordenado dos municípios – mesmo que
parte desses trabalhadores tenha retornado para o campo na condição de boias-frias, ainda
140
“A distribuição dos conflitos de terra por região, para o mesmo período indica a Região Nordeste com maior
número de conflitos, concentrando 45% do total, seguida pela região Centro-Oeste, com 16%, e as outras regiões
com igual percentual, 13%. No que se refere ao número de famílias envolvidas em conflitos de terra por região,
novamente a Região Nordeste tem o maior percentual, 42%, seguida pela Região Norte, 17%, seguindo-se as
demais regiões com percentuais equivalentes (SANTOS, José Vicente Tavares dos et al. Conflitualidade e
violência nos espaços agrários do Brasil contemporâneo. Universidade Federal do rio Grande do Sul, Revista
Crítica de Ciências Sociais, nº 57/58, Junho/Novembro 2000, p. 151).
230
231

assim continuaram residindo nas cidades (D‟INCAO E MELLO, 1975). De acordo com
Jackson Lacerda Santos importantes políticas públicas que poderiam contribuir pra
permanência das famílias no campo não chegaram antes da década de 1990141:

A luz pra todos que revolucionou o campo, se tivesse aparecido lá nos anos
60 com os governos militares, com certeza teríamos mais gente na zona
rural, já que a energia traria um conforto de vida e daria chance de uma
qualificação e de uma melhora da produção há três, quatro décadas atrás.
Quando surgem esses programas, como luz pra todos, ai já tinha pouca gente
na zona rural. Que dizer, essa demora de chegar esses benefícios, esses
confortos, com mais a presença do eucalipto, ai junta uma coisa com a outra
as famílias acabam vendendo suas propriedades em função das dificuldades.
No afã de que aquelas aplicações no banco ou a vinda pra cidade sem ter
nenhuma postura de cidadão urbano, não era a realidade dele, então acabou
com que as cidades tivessem esses bolsões. No plano maior, claro, que o
poder dominante não tem interesse de fortalecer ninguém na zona rural
porque precisa de muita terra. A terra ainda é símbolo de poder, símbolo de
força. Essa é nossa realidade agrária. Aliado a tudo isso, mais a presença do
eucalipto, mais a ausência do Estado na agricultura familiar, da agricultura
de subsistência, acabou fazendo com que as cidades tivessem esse
gigantismo de população em suas periferias. Teixeira, por exemplo a cada
dez, quinze anos, dobra sua população”.

Todas as cidades da região em questão tem essa característica na formação: parte


significativa da população é formada por famílias que deixaram o campo e migraram na
esperança de uma vida melhor nas cidades. Muitas famílias foram convencidas a vender suas
propriedades para colocar o dinheiro no banco; no entanto, muitas dessas famílias acabaram
perdendo tudo devido à falta de meios para sobreviver nas cidades, levando a consumir todas
as economias e sendo forçadas, não poucas vezes, a retornar para o campo para prestar
serviços142.

Entre as décadas de 1960 a 1990 eram as empresas Suzano Papel e Celulose S/A e
Veracel Celulose S/A que atuavam no Extremo Sul da Bahia; e os meios utilizados pelas
empresas de eucalipto para cooptação dos pequenos agricultores autônomos dependiam da
condição jurídica do trabalhador quanto à posse da terra. De acordo com narrativas como a do
senhor Rogaciano Tertulino (mais conhecido como “Roguimha”), 79 anos, morador do
município de Alcobaça, muitos foram “expulsos na base do grito e do cartucho”. A violência
no campo subsidiada pelo aparelho policial do Estado forçou a saída de drande parte dos

141
entrevista cedida em 11 de junho de 2018
142
“A chegada da Aracruz foi uma derrota pras pessoas. A chegada do eucalipto nos castiga de todo jeito. A
gente não fala porque os poderosos e a gente fraquinho, que não sei pra vou, sei onde estou mas não sei pra onde
vou; fico fechado, quietinho. Muitos já se foram, então não quero o mesmo destino”. (Entrevista do senhor
Josuel Santos no documentário “Atravessando o deserto verde”, acessado em 12/08/2018
(https://www.youtube.com/watch?v=OG3Q3WaSGkc).
231
232

moradores dos municípios da região. São essas pessoas que, majoritariamente, integram as
estatísticas do êxodo rural regional143.

Se você tivesse documento da roça eles conversavam e iam te convencendo


aos poucos, mas se você não tivesse o documento, ai eles vinham com tudo;
muita confusão, dava medo porque eles vinham com gente importante pra
cima, a polícia não queria nem saber, tinha que sair de qualquer jeito.

Até o final da década de 1980 a família Tertulino vivia na zona rural, mas atualmente
moram em bairros periféricos do município de Alcobaça. A narrativa do senhor Rogaciano
expressa parte da saga de tantos outros que viveram a mesma experiência de saída forçada da
zona rural e sobrevivem nas cidades da região.

Também existem muitos processos, tanto na justiça da Bahia quanto do Espírito


Santos, contra as empresas de celulose por desrespeito à legislação trabalhista e ambiental. A
partir do levantamento de Casara (2012, p.11) ao analisar informações coletadas na esfera do
Poder Judiciário Federal, no Ministério Público da Bahia e no Ministério Público Federal, foi
constatado144 que “uma das empresas que fazem parte dessa cadeia produtiva, a Veracel,
controlada por Fibria e Stora Enso, responde a mais de 900 processos”. E continua Casara
(2012, p.12):

Em 2011, o coordenador do Ministério Público em Eunápolis, João Alves


Neto, acusou a empresa de “crime organizado”. Disse que a Veracel estava
lavando dinheiro por intermédio de contas correntes em nome de
agricultores fomentados por ela. O promotor identificou também a
falsificação de documentos de limites de áreas que tinha o objetivo de
ampliar o plantio de eucalipto em terras fomentadas. Em diversos municípios
do sul da Bahia, o Ministério Público identificou que as licenças ambientais
foram “compradas” pela Veracel, principalmente em localidades sem
estrutura fiscalizatória, sem Secretaria de Meio Ambiente e sem Conselho
Municipal de Meio Ambiente. Em cidades de maior porte, como Eunápolis,
o Ministério Público descobriu que a Veracel interferiu diretamente na
nomeação do secretário de Meio Ambiente ao indicar quem ela queria no
cargo. O caso está sob investigação. A empresa também é acusada de
sonegação de impostos. Diversos autos de infração foram lavrados nos
últimos anos. A prefeitura de Eunápolis reconhece, formalmente, por meio

143
Entrevista concedida em 01 de agosto de 2018.
144
“A metodologia da fraude – usada pela Aracruz e por suas controladoras, com suporte financeiro do BNDES -
era a de escalar funcionários como laranjas. A coisa funcionava da seguinte forma: um funcionário da empresa
se diz agricultor e dá entrada a uma requisição de terra devoluta. No processo, a pessoa anexa uma série de
documentos que comprovam que é um agricultor enraizado na terra e que se dedica à atividade agropecuária ou
agropastoril. A estrutura fundiária que sustenta a produção de celulose no Espírito Santo e na Bahia está
alicerçada na grilagem de terras, em crimes contra os direitos humanos, em diversos tipos de fraude, em
incontáveis crimes ambientais e no uso de servidores públicos para expulsar moradores tradicionais” (CASARA,
Marques. Falso verde. São Paulo, Revista Observatório Social, Edição Especial de 15 anos, Dezembro de 2012,
p.11).
232
233

de ofício enviado ao Ministério Público, a prática de sonegação de impostos


e de ISS.

Outras denúncias estão sendo investigadas na Assembleia Legislativa do Espírito


Santo, como os “diversos depoimentos de pessoas ligadas à Empresa de Celulose Aracruz,
que nunca foram agricultores e entraram com a requisição de terras para atender ao pedido da
empresa” (CASARA, 2012, p.13). De acordo com a denúncia, eram pessoas contratadas pelas
empresas para servirem como laranja no processo de grilagem de terras das regiões do
Extremo Sul da Bahia e do Norte do Espírito Santo. “Vários disseram que sequer conheciam a
extensão da área requerida ou a localização das terras. Após receberem a propriedade da terra,
simplesmente repassavam” para as empresas de celulose (ibidem, 2012, p.14).

Nesse conjunto de interfaces da questão da produção rural, estando presentes tanto no


Extremo Sul da Bahia quanto no cenário nacional, cabe evidenciar outras narrativas que se
contrapõem a posicionamentos bastante disseminados nos meios acadêmicos e na sociedade
de modo geral; desse modo será possível realizar uma melhor compreensão do complexo
quadro que projeta múltiplas realidades de cunho econômico, político, social e ambiental do
mundo rural brasileiro.

A política econômica do governo federal da década de 1960, que visava modernizar a


produção rural do país, apoiou a produção de celulose com financiamento do BNDES 145. Com
a participação do banco público garantiu-se a competitividade internacional do setor, que se
consolidou ao longo das duas décadas seguintes (CARNEIRO, 1994).

O projeto de desenvolvimento nacional para o setor específico de papel e celulose


ganhou consistência em 1974 com o I Programa Nacional de Papel e Celulose (I PNPC)
“cujos objetivos eram tornar o país autossuficiente tanto na produção de papel quanto em
celulose, prevendo, para esta última, a geração de excedente em escala para exportação, além
de garantir o suprimento do mercado interno de celulose” (ARAÚJO, 2006, p.15).

No final da década de 1970 e ao longo da década de 1980 a produção de papel e


celulose ganhou envergadura para atender na linha de frente o mercado internacional. Nesse
período foi lançado pelo governo federal o II Programa Nacional de Papel e Celulose (II

145
“Dentro desse contexto, no ano de 1967, o Conselho de Administração do BNDES, por meio da resolução
276 decide conceder projetos de implantação ou ampliação de capacidade instalada para produção de papel e
celulose. Além de tal, duas medidas de políticas governamentais influenciaram substancialmente o seguimento
de papel e celulose na segunda metade da década de 1960. São elas: o Decreto lei 5.016/66 e a decisão 196/68 do
BNDES” (ARAÚJO, Leandro Guimarães. A expansão da indústria de papel e celulose no Extremo Sul da Bahia
e seus impactos sobre a estrutura agrária. Salvador, Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA, 2006, p.16).
233
234

PNPC) com financiamento do BNDES. O II PNPC garantiu as condições necessárias para


consolidação e competitividade do setor de papel e celulose (BNDES, 1996).

A crise econômica que iniciou na década de 1970 e continuou na década seguinte não
impediu que o setor continuasse recebendo subsídios estatais146. Na década de 1980 e 1990, o
BNDES manteve investimentos de capital público no setor e ofereceu condições para o
surgimento das grandes empresas do setor, com destaque para a Aracruz Celulose, com sede
no Estado do Espírito Santo com extensão de atuação no Extremo Sul da Bahia147; Bahia Sul
Celulose148 e Veracel Celulose (com sede em Mucuri e Eunápolis, respectivamente). Para
Araújo (2006, p. 54) o setor de papel e celulose se caracteriza:

(...) pelas grandes escalas de produção, pela vasta disponibilidade de terras


plantadas de eucalipto (cultivadas em terras próprias, na maioria, e em
programas de fomento florestais com produtores rurais), tecnologia de ponta
e a produção voltada para o mercado externo, podendo assim dizer que são
dois grandes megaprojetos do setor que se condicionaram para que o
Extremo Sul se integrasse, de forma competitiva no cenário nacional e
internacional no que tange, em particular, à comercialização de produtos do
setor. No entanto, ao mesmo tempo, em que a indústria de papel e celulose
integra a região, de forma competitiva, na esfera global, provoca, por outro
lado, modificações na estrutura socioprodutiva do espaço agrário.

A interpretação da condição histórica da região do Extremo Sul da Bahia com ciclos


produtivos de agricultura intensiva e extensiva (inicialmente pelo setor madeireiro, seguido
pela agropecuária e reflorestamento/monocultura para produção de papel e celulose) dialoga
com o discurso da “modernização” da produção agrícola e seus desdobramentos.

As “modificações na estrutura socioprodutiva do espaço agrário” ou impactos


socioambientais ocorridos ao longo do processo de modernização do campo têm sido, desde
então, a razão de importantes debates nos meios acadêmicos, Ministério Público, Poder

146
Apesar da crise econômica sob a qual foi marcado esse período – conhecido como a „década perdida‟ – o
BNDES continuou a financiar investimento no setor florestal, tanto que na segunda metade da década iniciou-se
um novo ciclo de investimento em modernização do parque industrial e ampliação da capacidade produtiva das
empresas. Esse ciclo de investimentos previstos pelo II PNPC era de cerca de 9,6 bilhões para o período de 1987
a 1995, dos quais 2/3 direcionava-se para a ampliação de produção de celulose. Sendo assim, vale destacar que o
objetivo principal do II PNPC era obter linhas de financiamento de longo prazo via BNDES para viabilizar essa
nova fase de investimentos para o setor. Dentro desse programa a capacidade da Aracruz Celulose foi duplicada,
além disso surgiu o Projeto Bahia Sul, em Eunápolis, no Extremo Sul da Bahia, em que o BNDES participa com
capital de risco, a qual mais tarde viria a ser uma das maiores produtora e exportadoras de celulose no Brasil (op.
cit. ARAÚJO, 2006, p. 20, 21).
147
A Fibria S.A. foi formada em 2009 a partir da compra da Aracruz Celulose pela Votorantim Papel e Celulose.
148
Em 2004 a Bahia Sul Papel e Celulose S.A. incorporou a Companhia Suzano Papel e Celulose S.A. que
passou a ser denominada Suzano Bahia Sul Papel e Celulose S.A.; em 2006 ocorre reestruturação societária e
implementação do novo modelo organizacional que alterou a denominação social da Companhia para Suzano
Papel e Celulose S.A.
234
235

Judiciário, nos amplos setores da sociedade civil organizada e nas interlocuções das empresas
ligadas ao setor florestal na Região do Extremo Sul da Bahia.

As perspectivas das empresas, por razões óbvias, apresentam a modernização da


produção no campo não somente como necessária, mas, uma vez garantido o cumprimento
das medidas mitigadoras (e todas as empresas garantem que são cumpridoras), mais do que
uma compensação, essas medidas representam um ganho social e ambiental sem precedente
na história da região149. Seguindo este ponto de vista, o anuário Bahia Florestal (2017, p. 3),
da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (ABAF), apresenta a seguinte “síntese
do setor florestal da Bahia”:

Inegavelmente, a Bahia possui uma expressiva importância e ativa


participação no setor de base florestal nacional. Detentor de 647,8 mil
hectares plantados principalmente com eucalipto, o estado está entre os
líderes do ranking de área florestal plantada. Possui ainda 32,3 mil hectares
plantados com seringueira, que alimenta a indústria de borracha (látex) no
estado. (...) observa-se que municípios com operações florestais, via de
regra, apresentam melhorias do índice (variação percentual) superior à
variação estadual no período (18%). Isso evidencia o alto grau de
desenvolvimento proporcionado pelo setor de base florestal em áreas em que
atua diretamente, ressaltando sua importância socioeconômica para as
famílias em que está inserido, para os municípios, estado e para o país como
um todo. (...) a ABAF, junto à outros atores locais e estaduais também age
diretamente na promoção de programas socioambientais com destaque ao

149
“Trata-se de um marco histórico para o extremo sul da Bahia e para o Brasil, pois a Veracel é uma das mais
modernas empresas do setor no mundo, utilizando o conceito de Produção Mais Limpa e diretrizes de
sustentabilidade em todas as suas operações, legitimadas por sua produção 100% certificada pelo Cerflor e FSC,
e, ainda assim, mantendo custos muito competitivos”, explica com orgulho Alípio, presidente da empresa. A
fábrica ainda é um modelo de parceria dentro do setor, com dois investidores que dividem a produção: a
brasileira Fibria e a sueco-finlandesa Stora Enso. “É gratificante ver os resultados concretos alcançados desde o
início das operações florestais, em 1991, pois temos uma empresa de primeira linha, geramos impacto positivo
na região e criamos ali parâmetros ambientais inovadores”, conta. Ele ressalta que levar indústrias para áreas de
baixo desenvolvimento socioeconômico ajuda a criar alternativas econômicas que promovam avanços sociais e
melhor distribuição de renda. “A Veracel pode destacar em sua experiência o seguinte aprendizado: não é
possível avançar significativamente sem que haja um plano articulado com todos os agentes sociais. A iniciativa
privada pode contribuir, mas não tem condições de assumir sozinha esta missão”, afirma. Para realmente fazer a
diferença, ele conta que é importante buscar o equilíbrio diante de interesses diversos e o alinhamento saudável
com a sociedade civil organizada e o poder público. “Cada um, cumprindo seu papel, já garante resultados
prodigiosos”, diz. Em relação à possível expansão da Veracel, Alípio confirma que os acionistas já anunciaram
total interesse em retomar os planos, mas o processo de licenciamento ambiental é um dos pontos que ainda
precisam ser trabalhados para sua concretização. “Mesmo com o anúncio por parte dos acionistas, no ano
passado, de adiar a expansão em função da crise financeira, a Veracel deu continuidade ao processo com o
Instituto do Meio Ambiente (IMA), iniciado em dezembro de 2007. É o órgão ambiental que conduz o
andamento dos trabalhos, atualmente na fase de análise do primeiro relatório”, conta. Para a Veracel II, os
investimentos feitos até agora se destinam a estudos, diagnósticos e projetos, já que tanto o plantio quanto as
obras só podem ser iniciados a partir dos licenciamentos ambientais. Para o executivo, o setor de celulose
brasileiro é um case de sucesso das políticas públicas nacionais. “O setor criou polos de desenvolvimento
regional em torno de sua cadeia produtiva e é responsável, paralelamente aos seus plantios comerciais, por um
dos maiores investimentos em recuperação de áreas de floresta nativa desde o descobrimento, fato do qual
podemos nos orgulhar”, conclui (entrevista a Antonio Sergio Alipio, presidente da Veracel Papel e Celulose S.A.
Fonte: Revista O Papel. Março de 2010, p 20).
235
236

programa “Ambiental Florestal Sustentável” e ao programa “Mais Árvore


Bahia”. Através destes dados e informações fica evidente a intensa e
crescente preocupação do setor florestal da Bahia com o desenvolvimento de
atividades florestal-industriais com a preservação de ecossistemas, geração
de emprego e renda, bem como a disseminação de treinamentos e
capacitações.

É importante pensar na condição histórica a que a Região do Extremo Sul está


submetida: não é possível pensar uma história regional deslocada do processo histórico
nacional ou mundial. Também é importante pensar o lugar da narrativa dos que ocupam
espaços de poder e o lugar da finalidade última da economia capitalista: a hegemonia na
sociedade, na política, na cultura, nas relações sociais, no meio ambiente e/ou quaisquer
outros elementos que a compõe.

Não apenas no Extremo Sul da Bahia, mas de Norte a Sul do Brasil, vimos os conflitos
de interesses pela exploração da terra, sobretudo os conflitos históricos entre latifundiários e
pequenos proprietários. Em última instância, cabe ao Estado legislar e executar políticas
públicas que possibilite a coexistência de importantes forças produtivas, que se compreendem
como antagônicas.

Embora algumas interpretações contrárias “as relações globais do livre mercado”


questionam a neutralidade da burocracia do Estado150, as empresas do setor agroflorestal
instaladas na Região do Extremo Sul da Bahia acreditam que por meio da modernização da
produção capitalista no campo, com investimentos na monocultura do eucalipto, têm
contribuído para a superação da sua condição de “região carente”. A implantação de empresas
ligadas ao setor florestal representa, no seu lugar de fala, o catalisador de investimentos
industriais que garantiriam o desenvolvimento da região (PEDREIRA, 2008).

150
A título de exemplo, não deixa de ser pertinente para pensarmos a neutralidade da burocracia estatal na
justificativa da Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia quanto à autorização (que permanece em
vigor) para o “Zoneamento dos Distritos Florestais do Estado da Bahia”. A autorização é também uma defesa à
abertura para garantir investimentos e desenvolvimento das regiões a serem contempladas com os investimentos.
Léa Lameirinhas Malina ao analisar tal documento irá nos dizer que o estado argumenta usando a seguinte
justificativa: “que haveriam contrapartidas tão positivas que resultariam na introdução de novas tecnologias no
campo, na ampliação da renda da população, na promoção de economias externas e abertura de mercados que
levariam ao desenvolvimento destas regiões. E a criação dos polos ainda traria as seguintes vantagens:
possibilidade das modernas técnicas utilizadas nos plantios de árvores serem incorporadas por outras atividades
agropecuárias; fixação de mão de obra não qualificada no campo e sua valorização com regularização jurídica
das relações de trabalho; melhoria ou criação de infraestruturas regionais de transporte, necessária à circulação
da riqueza; e a criação de demanda de serviços como educação, saúde, habitação e alimentação, entre outros”
(MALINA, Léa Lameirinhas. A territorialização do monopólio no setor celulísticopapeleiro: a atuação da
Veracel Celulose no Extremo Sul da Bahia. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013).
236
237

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa acolheu como tema principal o processo de expansão da produção e da


industrialização agrícola representada, mormente, pela monocultura do eucalipto no Extremo
Sul da Bahia (correlacionada com a expansão ocorrida no norte do Espírito Santo e Noroeste
de Minas Gerais) que se instalou a partir da década de 1960; que iniciou um processo de
consolidação a partir da década de 1970, ajustando-se até o limiar do século XXI. A partir dos
desdobramentos, se propôs analisar os impactos socioambientais na região.

A região do Extremo Sul da Bahia foi marcada por ciclos produtivos que a identifica
como um espaço que teve uma experiência tardia de colonização: na segunda metade do
século XX a região foi “descoberta” como um território com potencialidades produtivas que
remetia a períodos coloniais (que, a partir do modelo de produção agropecuária extensiva
alcançou, ao longo de um século, modelo de produção agrícola intensiva).

Talvez seja esse o lado mais perverso da industrialização do campo: com modelo da
agricultura extensiva se exploram os recursos naturais até o limite, depois se muda para um
tipo de cultura que seja possível usar para além do limite determinado ambiente. Os discursos
legitimadores perpassaram pelos incentivos das políticas públicas, pela disponibilidade de
capitais para investimentos, pelo crescimento populacional nos centros urbanos e pela
modernização do campo como referência do progresso.

Na questão da modernização da produção capitalista no/do campo, não apenas do


ponto de vista do discurso, mas também considerando o conhecimento da agronomia, por
conveniência não se discutiu o problema da insustentabilidade ambiental: o objetivo era
explorar e dominar o campo para rentabilizar, no processo de modernização da produção
rural. Nesse contexto estamos a falar de um processo de neocolonização (relações produtivas
que tem na base uma nova economia de plantation demarcada, inclusive, pela monocultura).

Ainda sobre o processo de expansão da produção capitalista no campo, cabe ressaltar a


participação do Estado que, via de regra, esteve alheio à preservação ambiental e aos
interesses das pequenas comunidades de agricultores. Ao fim e ao cabo, essa indiferença do
Estado pode ser “compreendida” quando fica explícito que a meta era modernizar a
agricultura com maior produtividade por hectare.

237
238

A proletarização e a expulsão de parte dos produtores do campo foram apenas


consequências do progresso e da modernização do campo para atender o setor agroflorestal,
que detém o discurso que se impõe a qualquer consideração que leve em conta interesses
outros, como a pauta da luta dos camponeses (com suas múltiplas interfaces) e povos
indígenas, pra citar categorias que representam perspectivas divergentes quanto aos interesses
do agronegócio no Brasil de modo geral, e no Extremo Sul da Bahia em particular.

Cabe ressaltar que a abordagem desta pesquisa não se funde em e nem confunde-se
com posicionamentos políticos contrários à modernização da produção no campo. Há
registros de experiências de modernização do setor agrícola que agregam/agregaram
desenvolvimento da economia local/regional e melhorias na qualidade de vida dos
trabalhadores rurais, inclusive garantindo a permanência de parte das famílias rurais no campo
(sendo a experiência mais bem sucedida o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar-PRONAF).

O que se coloca em evidência são as relações de produção do agronegócio


(concentrador e funcional à ordem do capital) referenciadas pela monocultura, exploração de
trabalho assalariado, produção em grande escala, produtividade insustentável para o meio
ambiente; enquanto que na produção familiar vincula-se a possibilidade de biodiversidade,
predominância do trabalho familiar, produção em menor escala e compatibilidade entre a
produção e a conservação do meio-ambiente.

Não se trata de uma tentativa de imaginar uma experiência endêmica. “Como seria de
outro modo” não serve como referência para elaboração do pensamento crítico. Para pensar o
fenômeno local/regional da questão agrária/fundiária, esta pesquisa partiu de um fenômeno
concreto: desdobramentos socioambientais a partir da expansão do capitalismo no campo com
suas itinerâncias no Região do Extremo Sul da Bahia.

Tal percepção implica em compreender a produção industrial no campo como a


culminância de um projeto que desenvolveu sua última fase ao longo da segunda metade do
século XX na região, e se consolidou na primeira década deste século; que, apesar de coexistir
com outras experiências produtivas (que historicamente atuaram/atuam na região), demarca
um modelo que potencializa os conflitos e disputas fundiárias sem precedentes na história
regional. Por conseguinte, o agronegócio com sua dinâmica de penetração/expansão da
produção capitalista no campo, apresenta as seguintes facetas na Região do Extremo Sul da
Bahia:

238
239

1. Trata-se de uma experiência tardia de exploração tipo plantation (neocolonização) por


apresentar características peculiares como o uso de grandes áreas de terra, produção
marcada pela monocultura do eucalipto visando o mercado externo e a intensa e
crescente acumulação de capital custeada pela exploração de uma mão de obra
caracterizada pelo lugar geográfico da Região do Extremo Sul da Bahia na divisão
internacional do trabalho;
2. O contexto da neocolonização na região implica em validação de discurso da
sustentabilidade visando maquiar e relativiszar os impactos ambientais através de
persistente retórica que defende a possibilidade de equacionar aumento de produção e
consumo com a manutenção do meio ambiente;
3. A agricultura intensiva, sobretudo a pecuária, desde a década de 1940, já havia
contribuído para a ocupação de grande parte de áreas outrora ocupada por pequenos
produtores. A expansão do agronegócio capitaneado pelo setor agroflorestal, a partir
da década de 1970, assumiu o núcleo da modernização da produção capitalista
agroexportadora na região, período em que foi potencializada a proletarização da
população que vive/vivia na zona rural. O agronegócio, nesse sentido, foi responsável
pelo aumento da mobilidade da população rural para áreas urbanizadas (muitos desses
camponeses retornaram/retornam como boias-frias para prestarem serviços nas áreas
de plantação de eucalipto);
4. A discussão sobre a modernização da produção capitalista no campo encaminha, logo,
para os conflitos inerentes aos contextos onde coabitam grupos com interesses,
aparentemente, divergentes – nomeadamente, setor empresarial do agronegócio de um
lado e pequenos agricultores inseridos no modelo de agricultura familiar, do outro;
5. Para além da clássica representação dos interesses de classes dicotômico-antagônicas,
o agronegócio, mormente, representado pelo setor agroflorestal, convive com o
incômodo da resistência de grupos de atores sociais de representações étnicas, com
maior recorrência para os indígenas e as comunidades negras rurais.

Esse processo de industrialização da produção no campo, atrelado à lógica da


economia capitalista, se tornou o principal responsável pela reapropriação de etnicidades, com
referência maior, no mote desta pesquisa, para as comunidades negras rurais que recorreram à
estratégia política de ressemantização identitária do conceito de quilombo como meio de
articulação para garantir a permanência no campo.

239
240

A pretensão particular do texto é, sem abrir mão das convenções que legitimam um
texto científico, apresentar uma panorâmica da Região do Extremo Sul da Bahia de maneira
que o/a leitor/a que conhece a região possa, a partir do texto, ampliar as possibilidades de
abordagens nos seus múltiplos aspectos; já aqueles/aquelas que não conhecem a região, a
expectativa é que o texto contribua para se localizarem e sejam instigados/as a construírem, a
partir do caminho traçado por esta tese, possibilidades outras.

Há, também, expectativa de apresentar um texto acessível, sobretudo para os


participantes do processo que constituiu o percurso desta pesquisa. Trata-se (para além da
reverência com os/as coautores/coautoras) da cumplicidade da coautoria de alguns sujeitos da
pesquisa que – considerando, sobretudo, aqueles atores sociais das comunidades negras rurais
– exigiu esforço exaustivo do pesquisador no sentido de manter uma linha analítica que
permitisse compreender o fenômeno da penetração do capitalismo no campo na Região do
Extremo Sul da Bahia a partir dos dados do processo de modernização da produção rural na
região.

É inegável que as vivências do pesquisador no campo empírico em que se processou a


pesquisa, seja no levantamento ou tratamento dos dados, exigiram constante exercício
reflexivo e ético, bem como percepção e aplicação oportuna das estratégias de abordagem ou
metodológica – que ora lhe permitiu se apresentar como sujeito de fora e de longe, ora como
sujeito de dentro e de perto – que possibilitaram o aprofundamento sem adotar
comportamento panfletário.

Não se aspirou, no contexto desta pesquisa, à verossimilhança de realizar uma


pesquisa autobiográfica. Existe, no entanto, interesse de continuidade com aprofundamento da
análise a partir de cruzamentos da experiência pessoal do pesquisador com as dos sujeitos da
pesquisa, nomeadamente, aqueles identificados como participantes das comunidades negras
rurais. Trajetórias que perpassam pelas vivências individuais e coletivas, relação com a terra
em uma concepção de territorialidade, de pertencimento, de sentido da própria existência.
Trajetórias codificadas. Que, talvez, alguém de dentro e de perto, assistido por ferramentas
teórico-metodológicas ajustadas, organize uma versão dessas vozes agora decodificadas.

De forma sintética, e articulando os objetivos fixados com os resultados da pesquisa,


pode-se sustentar:

1. A penetração do capitalismo no campo imbricado ao processo de industrialização da


monocultura do eucalipto no Extremo Sul da Bahia, que é tipificado como expansão
240
241

do agronegócio na região, impõe aos camponeses múltiplas experiências seja no


campo ou nas cidades. Mesmo que se considere os movimentos e articulações visando
a organização dos trabalhadores, há uma relação social e produtiva assimétrica no
campo que resulta na proletarização e pauperização da mão de obra empregada. A
pesquisa aponta para a existência de lacunas que exigem levantamento e análises de
dados sobre a condição camponesa regional; tanto sua permanência quanto a
mobilidade populacional dessa massa de trabalhadores e trabalhadoras do campo que,
quando forçados pelo êxodo rural, influenciam a demografia nas áreas urbanas.
2. As múltiplas formas de resistências dos trabalhadores e trabalhadoras rurais no
Extremo Sul da Bahia, embora tenha sido contemplado nesta pesquisa, continuam a
exigir olhares minuciosos que considere a relevância das mobilizações sociais em
torno de novas experiências produtivas no campo. Uma das tendências de produção
agrícola que tem se apresentado como uma resposta alternativa ao modelo
agroexportador na região é a prática da agricultura agroecológica: uma experiência de
produção no campo que se identifica como prática capaz de superar, inclusive, a
produção orgânica, dada sua proposta de conciliar a produção agrícola sem alterar a
paisagem nativa. A agroecologia tem se tornado uma referência de resistência com
potencial de fortalecimento com suas exigências específicas, inclusive, para aplicação
de recursos em programas de financiamentos públicos como o PRONAF,
considerando sua viabilidade econômica, social e ambiental.
3. Ainda para melhor problematizar as experiências de resistências dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais no Extremo Sul da Bahia contra a produção rural hegemônica,
bem como pelas lutas pra garantir o direito à terra, será relevante colocar sob
perspectiva – para comparar com os posicionamentos dos agricultores organizados em
sindicatos, associações ou representação étnica e identitárias – os posicionamentos dos
trabalhadores e trabalhadoras que atuam na prestação de serviço em empresas ligadas
ao setor do agronegócio.
4. Consideramos também como contribuições pertinentes o levantamento e tratamento de
dados empíricos daqueles trabalhadores rurais que residem nas cidades e são
qualificados como “boias-frias”. Essa categoria de trabalhadores oriundos da zona
rural e que prestam serviços para os empreendimentos do agronegócio nos municípios
do Extremo Sul da Bahia carecem de estudos que apresente e aprofunde a participação
desses sujeitos nas relações produtivas e sociais no campo.

241
242

5. A ressemantização do conceito de quilombo no Extremo Sul da Bahia é resultado do


legado das experiências históricas da população negra rural. Tal ressignificação foi
provocada a partir dos conflitos tensionados, de um lado, pela exigência de
apropriação das terras ocupadas, mas agora demandadas pela/para expansão da
produção capitalista no campo e, do outro, as comunidades quilombolas representam a
crescente consciência das relações de territorialidades das comunidades negras rurais
da região.

Permanece, portanto, a contínua expansão do agronegócio com os consequentes


impactos socioambientais; e por isso, como que por ambivalência, permanece a presença de
lavradores/camponeses históricos que na experiência de reinventar-se pela necessidade de
sobrevivência acabam por [re]apreender elementos de sua essência étnica por meio de
bricolagem dos resíduos culturais presentes nos seus modos de vida.

242
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