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Eliakim Ferreira Oliveira

EL I — 1/2022 — Paula Martins

FICHAMENTO SINTÉTICO: SOUZA, Paulo Chagas de; SANTOS, Raquel Santana.


“Fonologia”. In: Introdução à linguística. II. Princípios de Análise. 3 ed. São Paulo:
Contexto, 2014, pp. 33-58.

O problema do capítulo diz respeito ao estabelecimento e ao delineamento, em


diversos aspectos, do objeto de análise da fonologia. É possível tomar a seguinte
questão como diretora: qual o objeto da fonologia e como ele determina um modo de
análise, isto é, a investigação das relações existentes entre os sons no interior de
uma língua específica? A resposta a essa questão depende da retomada de conceitos
teóricos oriundos da linguística geral, como os conceitos de significado, significante e
valor, que remetem, em primeiro lugar, à linguística de Saussure; os conceitos de
conteúdo, expressão e função semiótica, que remetem à linguística de Hjelmslev; e os
conceitos de plano do conteúdo e plano da expressão, que remetem à linguística de
Martinet. Fazendo uso desses conceitos, é possível defender que a fonologia, em lugar
de tratar da concretude e dos sons particularizados (substância da expressão,
significante), trata das relações que os sons estabelecem entre si, privilegiando a forma
da expressão e o modo como os sons, ao estabelecerem distinções de significado,
participam da função semiótica. Pode-se afirmar, em suma, que a fonologia trata das
relações que os sons estabelecem entre si “e das relações que os unem ao plano do
conteúdo” (SOUZA & SANTOS, 2014, p. 3). Dado esse ponto de vista, é preciso
compreender, tanto de uma perspectiva objetual (no sentido de focar no estabelecimento
do objeto) quanto de uma analítica (no sentido de propor abordagens para investigar o
objeto), qual é a unidade de estudo da fonologia. Se a fonética, enfocando na substância
da expressão, estuda o som enquanto realização concreta, seja de um ponto de vista
acústico, auditivo ou articulatório, e a fonologia, enfocando na forma da expressão,
estuda relações regulares entre sons, o fone não poderá ser a unidade da fonologia. Se a
fonologia estuda as relações entre sons e como essas relações incidem no plano do
conteúdo, ela deverá partir de uma unidade sonora que é distintiva quando pensada no
plano do conteúdo. A essa unidade se chama fonema. Se os fones são representados
entre colchetes, como [a], os fonemas são representados entre barras: /a/.

O problema, a tese e a perspectiva postos desse modo implicam um sobrevoo


pelas relações possíveis entre os fonemas. A primeira delas, notavelmente, é a relação
que um fonema estabelece com um conjunto de fones que possam ser distintas
realizações dele. Nesse caso, é preciso que levemos em consideração, de novo, que o
fonema remete à forma da expressão em seu vínculo com a forma do conteúdo, ao passo
que o fone, à substância, portanto, à realização do fonema. Nesse caso, pode haver
diferentes realizações de um fonema sem que elas modifiquem o plano do conteúdo. A
essas diferentes realizações de um mesmo fonema chama-se alofones. Um exemplo do
português são os alofones do fonema /a/: pode-se realizar /a/ como [a], em sílaba tônica,
quando a cavidade oral apresenta o grau máximo de abertura; mas também pode realizar
como [a invertido], em sílaba átona final, ou como [ã], casos em que o grau de abertura
da cavidade oral é menor.

Mas como é possível determinar os fonemas de uma língua? Na medida em que


o fonema se vincula ao valor distintivo de significado, é necessário que se faça um teste
de comutação: “alteramos o significante em um único ponto e verificamos se há
alteração de significado” (SOUZA & SANTOS, 2014, p. 39). Em outros termos,
tomam-se pares de palavras, como bata e pata, em que a única variação são os sons ou
fones em teste ([b] e [p]), candidatos a serem fonemas. A esse par sob investigação
chama-se par suspeito. Se se verificar regularidade, isto é, muitas palavras em que,
variando os fones em teste, mudam de significado, pode-se dizer que são pares
mínimos. No entanto, caso esses pares sejam imperfeitos, isto é, caso haja suspeita de
que sejam distintos fonemas que os constitui, porém não variem apenas naquele fone,
mas em outros sons, dá-se o nome de par análogo.

Na medida em que a fonologia se debruça sobre a relação entre sons no interior


da língua, também pode estudar a relação entre alofones. Nesse caso, há muitas palavras
em que os alofones de um mesmo fonema podem ser modificados livremente, em
quaisquer contextos; há também casos em que, em todos os contextos em que ocorre
um, não pode ocorrer o outro. O primeiro caso é a chamada variação livre. Um
exemplo, na língua portuguesa, de variação livre é a pronúncia do fonema /d/ como
alveolar ou linguodental, em que onde um ocorre, o outro também pode ocorrer, sem
modificação de significado. O segundo caso é o da distribuição complementar: no
contexto em que um alofone ocorre, o outro não pode ocorrer. Em português, é o caso
da realização do fonema /t/ como oclusivo alveolar ou como africado. A pronúncia
africada ocorre apenas antes de [i]. O mesmo ocorre com o fonema /d/, africado também
apenas antes de [i].

No entanto, pode acontecer também de, em alguns contextos, um fonema e outro


se neutralizarem, produzindo um fonema intermediário, a que se chama arquifonema.
É o caso da variação /e/ :: /i/ em sílaba final átona (como chave, quente, bote), em que
se produz um fonema intermediário [I].

Dentro desse contexto, a fonologia também estuda os processos de modificação


dos sons, a depender do contexto em que ocorrem. Nesse sentido, é possível elencar
modificações como assimilação (que pode ser ou total ou parcial), dissimilação e
redução. A assimilação total ocorre quando um som adquire características ou traços
dos sons que o rodeiam, como é o caso do sufixo transitivador em ainu, língua falada no
norte do Japão. Já a assimilação parcial pode ser em um comum ponto de articulação,
pode ser assimilação enquanto nasalização ou assimilação enquanto harmonia
vocálica.

A assimilação parcial no ponto de articulação é uma das mais comuns e pode


ser notada quando um segmento adquire o mesmo ponto de articulação de um outro
segmento vizinho. No caso do português, isso pode ser verificado na variação da
pronúncia da palavra samba, em que o [m], que é oclusiva nasal, pode ser pronunciado,
mesmo em coda silábica, em função da influência de [b], consoante oclusiva labial.
Caso essa consoante nasal seja pronunciada nessa palavra, ela sempre será um [m], e
não simplesmente um [‘sã]. Esse tipo de assimilação pode ser tanto progressiva quanto
regressiva. Progressiva quando a assimilação se propaga em direção ao fim da palavra,
regressiva quando se propaga em direção ao início.

É também um processo fonológico bastante comum em português a nasalização.


É o caso geral em que quase toda vogal tônica que precede consoante nasal também se
nasaliza, como em palavras como cama, tema, time, dono e rumo. Já nas pretônicas há
variação: alguns nasalizam a vogal da sílaba inicial de panela e outros não. É também
obrigatória a nasalização regressiva se a sílaba anterior for tônica, mas é opcional se for
átona.
Outro fenômeno de assimilação é o da harmonia vocálica: em muitas línguas,
“as vogais dentro de um determinado domínio concordam com relação a um ou mais
traços, ou seja, apresentam características semelhantes” (SOUZA & SANTOS, 2014, p.
49). Vê-se esse fenômeno em algumas desinências de casos do finlandês, como o
nominativo, o inessivo e o elativo, em que, se o radical possui vogais posteriores, a
desinência acrescentada também terá vogais posteriores; se o radical tiver vogais
anteriores, a desinência terá vogais anteriores.

Um processo menos frequente é o da dissimilação, quando um som adquire


características distintas dos sons que o rodeiam. No caso do ainu, isso se percebe em
alguns sufixos, cujas vogais têm valor oposto às da raiz.

Um processo que não só pode ser determinado por certos traços distintivos, mas
também pela prosódia (tonicidade e atonicidade, estrutura da sílaba) e pela morfologia
(como a distinção entre raízes e sufixos) é a redução vocálica, que “afeta algumas ou
todas as vogais em certos contextos prosodicamente menos privilegiados, como as
sílabas átonas finais” (SOUZA & SANTOS, 2014, p. 51). Um desses tipos, como já
tratado, é o da variação /e/ :: /i/ em sílaba final átona. Há outros casos, como a elisão e a
degeminação. A elisão é o apagamento de um som em determinado contexto, como em
português hora errada, em que o /a/ final de hora deixa de ser pronunciado. No caso da
degeminação, a sequência de duas vogais idênticas é pronunciada como se fosse uma
só, como em hora agá.

Por fim, esses processos podem exprimir em regras, veiculadas por notações. O
esquema de representação é: “o que muda (o foco da regra), em que ele se transforma (a
mudança estrutural da regra) e em que situação isso ocorre (o contexto ou descrição
estrutural da regra)” (ibidem).

Essa relação pode ser representada do seguinte modo:

A  B / C____D, que indica que o som A (foco) se transforma em B (o que


caracteriza uma mudança estrutural) se estiver entre C e D (o contexto).

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