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SANTOS, Daniel Limeira; SOUZA, Anderson Alves.

Segurança pública e direitos


humanos: Novas práticas discursivas na formação e atuação do policial militar. Cadernos
de Linguagem e Sociedade 2016.

3º Sgt QPM 1-0 Lucas Alves de Oliveira

Neste artigo, os autores analisam a prática discursiva dos direitos humanos,


proposta na nova Matriz Curricular Nacional implementada pela Secretaria Nacional de
Segurança pública, destinada a formação dos policiais militares.
Esta pesquisa analisa a construção da representação do policial militar em
situações de interação com a sociedade durante instruções da ação de abordagem e busca
pessoal baseadas nas novas práticas trazidas pela MCN, com ênfase nos direitos humanos.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, os autores levantam os seguintes
questionamentos:
1. Como o policial militar é representado dentro das novas epráticas
discursivas da MCN?
2. Que relações de poder estão envolvidas nessa representação?
3. Como os direitos humanos têm sido abordados no material didático
empregado na formação desses profissionais?

Os autores iniciam a pesquisa realizando uma contextualização histórica acerca


das polícias militares do Brasil. Para tanto, consideram dois momentos históricos vividos
por estas instituições.
O primeiro remete ao governo militar, notadamente ao período de ditadura que se
instalou no país no ano de 1964 a 1985. Neste momento, estabeleceu-se uma vinculação
legal das Polícias Militares ao Exército Brasileiro. Essa ligação ao exército, resultou em
um distanciamento da sociedade, contribuindo para a construção de uma imagem do
policial associada ao desrespeito aos direitos e garantias individuais, em razão dos abusos
vividos no período ditatorial. Além disso, a preservação da ordem pública sempre esteve
relacionada ao controle de manifestações civis que muitas vezes acarretam em confronto
com manifestantes, independentemente da legitimidade das manifestações. Portanto, as
práticas discursivas no âmbito da formação destes policiais, sempre refletiram o discurso
autoritário militar, perpetrado na matriz curricular de formação destes policiais.
O segundo momento histórico, presente no momento atual, se deu com o
estabelecimento da democracia no país após a promulgação da constituição de 1988, que
implicou em diversas mudanças ideológicas e institucionais. Sendo nosso governo
democrático ainda jovem, tanto o povo brasileiro quanto a polícia militar, ainda estão se
adequando a esse novo contexto social. Com a influência do estado democrático de
direito, a MCN foi instituída como um dos passos necessários para a mudança nas práticas
discursivas das polícias militares brasileiras e também para a construção de uma nova
imagem desses agentes de segurança pública. Esse processo está baseado na
reestruturação dos currículos utilizados em sua formação. Com esta reestruturação,
espera-se obter mudanças no âmbito da formação das novas gerações de policiais
militares.
Como processo metodológico para o desenvolvimento da pesquisa, os autores
utilizam-se da análise do texto de duas cartilhas elaboradas pela SENASP (Atuação
Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade)
e pela ONG Centro de Direitos Humanos de Sapopemba.
Na Cartilha da SENASP, analisa-se o trecho presente na página 20 e 21 intitulada
“Procedimentos na Abordagem Policial”. Tal capítulo busca orientar os policiais acerca
de como abordar indivíduos suspeitos, por meio de figuras representativas e mensagens
textuais, por exemplo: “Parado! Polícia!... “Mãos na Cabeça!”, “Realize a busca pessoal”,
etc. Ressalta-se que esta cartilha foi elaborada por policiais militares da Força Nacional,
ou seja, oriundos de diferentes Estados do Brasil, partindo do pressuposto de que seu
conteúdo demonstra a percepção dos policiais militares frente a sua atuação nestas
circunstâncias.
O Segundo texto investigado, foi o da Cartilha de Sapopemba, que é baseada em
textos legais, tais como a Constituição Federal, Código Penal, Código Processual Penal
etc., foi elaborada por uma equipe composta por civis ligados a instituições de direitos
humanos. Tal documento foi criado com vistas a esclarecer a comunidade a respeito dos
procedimentos legais que os policiais devem observar durante uma busca pessoal, de
forma que se preserve os direitos humanos durante a atuação das polícias no país. O trecho
analisado trata da legalidade da abordagem policial, desde que cumprido os requisitos de
fundada suspeita. O material ainda informa o leitor que não é permitido o policial realizar
xingamentos quando da abordagem, devendo tratar com respeito o cidadão em situação
de abordagem, incorrendo em crime de abuso de autoridade a depender do caso, em caso
de descumprimento destas premissas.
Para análise do texto, os autores utilizaram-se do método de análise de
transitividade, que consiste em: segmentar o texto em orações e criar tabelas de
concordâncias, com vistas a identificar de forma detalhada, os papeis dos participantes:
quem faz o que com quem e sob quais circunstâncias.
Os autores concluíram na análise de transitividade dos dois texto que, ao todo
foram encontrados 61% de processos materiais, 26% de processos verbais, 11% de
processos relacionais e 2% de processos mentais. Os processos materiais, são aqueles
utilizados para representar ações físicas como: correr, dirigir, bater, prender, etc.
Processos relacionais são aqueles em que se utiliza relações de atribuição, identificação
e posse entre vários participantes. Processos verbais estão relacionados às atividades de
comunicação e expressão simbólica de significados, sendo verbais ou não, como por
exemplo: pedir, mandar, oferecer, declarar, mostrar, indicar etc.
A partir dos dados analisados, os autores concluíram que o foco da Cartilha da
SENASP e a ação (procedimentos técnicos) dos policiais no momento da abordagem, ou
seja, um manual de instruções de como abordar suspeitos sob o aspecto da segurança do
policial. Enquanto os policiais são representados em 14 processos materiais (70%), a
pessoa abordada aparece como Ator em apenas 6 ocorrências (30%), em que sua função
é virar, cooperar, reagir ou tentar agredir. Esta cartilha revela a autoridade dos policiais
sob o abordado e o poder de agir sobre ela.
Já na Cartilha de Sapopemba, a análise de transitividade revela que o policial
militar participa como Ator em 9 (42%) ocorrências, enquanto a pessoa abordada aparece
apenas em 6 (26%). Os verbos associados a ação do policial são: parar, revistar, tratar,
bater, constranger, e revelam a ação e o poder do policial sob o abordado.
A análise de transitividade permitiu constatar que a atividade de abordagem
policial é caracteriza em elevado número de processos Materiais e Verbais, nos quais o
policial militar é representado, preponderantemente, nos papéis de Ator. Esta
representação não difere da construída nos anos dos regimes de exceção, pois, devido ao
poder de polícia, que lhe é legalmente conferido, e à natureza do evento (abordagem), a
relação de poder é clara: o policial está no comando e é ele quem emite ordens, conforme
se constata pelas primeiras orientações dadas pela Cartilha da Força Nacional: “assuma o
controle da situação” e “emita ordens curtas e claras”.
Sob outra ótica, o abordado encontra-se sob domínio do poder do policial. Em tais
situações, deve ficar em silêncio e obedecer às ordens do policial. Sua representação
constitui na recepção das verbalizações do policial.
Deste modo, é possível afirmar que do ponto de vista do abordado, a situação é de
constrangimento, pois tais pessoas se vem muitas vezes, e sem justificativa, tendo seu
direito de ir e vir cerceado, seu corpo apalpado e seus pertences revistados sem poder
falar até que o procedimento seja completado pelos policiais.
Por fim, os autores ainda afirmam que a cartilha produzida pela SENASP, apesar
de possuir diversas referências aos direitos humanos e à necessidade de se preservar a
dignidade da pessoa, não os insere no texto que foi analisado, que trata das abordagens,
resultando apenas em instruções essencialmente técnicas. Tal Cartilha apresenta elevados
processos materiais e ausência de processos mentais.
Já a Cartilha de Sapopemba, passou mais a impressão do que o policial pode e não
pode fazer quando da abordagem a um cidadão. Dessa forma, há mais ênfase no que fazer
do que na ação reflexiva que é essencial para atuar em conformidade com os Direitos
Humanos.
Desta forma, os resultados apontaram na necessidade de novas práticas
discursivas a serem propostas pela MCN, com vistas a construir mudanças nas relações
de poder estabelecidas entre a polícia e o cidadão, tornando-as mais respeitosas frente aos
Direitos Humanos.

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