Você está na página 1de 3

ALBUQUERQUE, Carlos Linhares; MACHADO, Eduardo Paes.

O batizado dos
recrutas: trote, socialização acadêmica e resistência ao novo ensino policial
brasileiro. Revista Capítulo Criminológico, v. 31. Abril, 2003.

3º Sgt QPM 1-0 Lucas Alves de Oliveira

Os autores deste artigo pretendem apresentar uma crítica a respeito da prática do


trote em academias policiais, e a urgente necessidade de reforma do ensino policial
brasileiro.
O trote, é visto pelos autores como prática caracterizada por abusos que nada
contribuem para a valorização humana e profissional do policial militar. Trata-se de uma
reprodução de práticas arcaicas de socialização.
O estudo foi desenvolvido a partir de observações do cotidiano da Academia
Policial Militar da Bahia, com o uso de entrevistas e registros em caderno de campo. A
informações foram obtidas dos próprios alunos. Também foram realizados debates em
sala de aula sobre o tema, verificando-se discordâncias quanto a validade do trote quando
do ingresso na academia policial.
Os autores iniciam o artigo apresentando as “Cenas de um Trote”. Neste capítulo,
é nos demonstrado como são recepcionados os calouros nas academias policiais militares.
Eles são chamados de calouros, bichas, lesos, dentre outros. A alvorada, é realizada em
plena madrugada, entre três e quatro horas da manhã, onde os alunos mais velhos
arrancam os chamados bisonhos de seus beliches, como forma de marcar o caráter
penitente do trote. Há tiros de festins, sopros de apitos, xingamentos e gritarias. Os dias
destes alunos são fatigantes, entre gritos e escárnios, os jovens são obrigados a participar
de uma corrida de carros onde os motores estão desligados, e eles são os motores que
empurram os veículos cheios de alunos veteranos. Em relação às refeições, os recrutas
comem farinha de boca aberta, o intuito é cuspir enquanto fala com outro calouro, que
receberá a comida ejetada.
Assim os autores levantam o seguinte: deve-se questionar se tais práticas
estão atreladas a atitudes de desenvolvimento do espírito de liderança do oficial da polícia
militar.
Os autores ainda abordam a seguinte questão:

A tônica se dá na redução dos participantes, todos devem ser reduzi dos,


amaciados mediante o ato de rastejar. Por que há tanto rastejamento, horizontalidade,
em uma cultura onde a hierarquia pretende a verticalidade máxima?

Ainda, há uma breve descrição do currículo da academia policial militar da Bahia,


quanto às disciplinas que o compõem, bem como a duração do curso que justificam a
permanência dos alunos na instituição de ensino da PMBA.
O protagonista do trote é o veterano do último ano da academia, em vias de se
tornar oficial. O trote a princípio, se apresenta como um programa de iniciação de estágio
de coordenação e liderança, ensaiando o jeito policial de liderar, mas no entanto, não
apresenta nenhuma das atividades relacionadas às disciplinas de gestão organizacional
administrativa.
O trote apenas reproduz o tradicionalismo da liderança associada ao grito, não
importando se a utilização da voz normal atinja-se resultados mais eficazes. Assim, torna-
se difícil instaurar outras formas de aprendizado e estudos de estratégias que podem
melhorar a performance dos novos policiais.
Observe a seguir o relato de João (23 anos), que dá sua opinião a respeito do trote
em sua instituição policial militar:
Nos trotes da APM, procura-se trabalhar bastante o psicológico. Somos levados
a participar de situações que consideramos ridículas como contar piada para estátuas,
dizer coisas engraçadas quando alguém chama o nosso nome etc.. Trabalha-se muito o
psicológico também através da pressão e do estresse como acordar às três horas para
correr até as seis, ouvir ordens diferentes ao mesmo tempo, obedecer a uma delas e ainda
ser considerado errado... Alimenta-se a ideia que pode-se extrapolar nos exercícios, há
um poder secreto e opressor, o trote é um mergulho no melhor estilo militar da pura
pressão.

Com isto, deve-se questionar se tais práticas não anulam o currículo policial
militar. Afinal, onde estão as atitudes de integração e liderança, que devem ser objeto de
estudo do oficial da polícia militar?
Por fim, no capítulo Reprodução e Transformação, os autores realizam um
contraste entre o trote tradicional e um novo modelo de adaptação a está prática. Deve-se
transformar tal erito num verdadeiro meio de integração e não de negação das diferenças
e direitos dos novos recrutas, como ocorre com o atual modelo.
Deve-se perceber que o trote tradicional, apresentam práticas inúteis (irracionais
e sem sentido educacional), e deve ser substituído por práticas úteis voltadas ao
desenvolvimento profissional.
Por trotes úteis, os autores consideram aqueles que dão lições de vida, que
disciplinam a convivência nos quarteis, que aproximam os veteranos dos recrutas e que
estimulam atitudes militares como coragem, abnegação, resistência à dor, privação e
exposição a situações de limite.
Ainda, os trotes úteis incluem sem problemas a exploração da força de trabalho
dos calouros para cuidar do fardamento, limpar bostas, lustrar fivelas de cintos, polir as
armas dos veteranos, e provas de esforço físico, já que há uma correspondência com as
atividades policiais.
Inúteis são aquelas desprovidas de valor, que caracterizam o trote como uma
forma velada de realizar vingança, arbitrariedades e humilhações.
31 alunos da APMBA foram confrontados com a hipótese de se acabar com o rito
do trote, onde 29 se posicionaram a favor do mesmo, mas com modificações. Mesmo os
recrutas mais adversos, não se posicionaram no sentido de excluir a prática em sim, mas
em reelabora-la no sentido de evitar lesões corporais e humilhações gritantes (Liliane, 19
anos). Existem aqueles que chegam a propor a substituição do trote por uma semana de
confraternização, com palestras e explicação do funcionamento da academia policial.
“Deveria ser mais instrutivo e não basear-se no besteirol” (Pedro, 21 anos).
Aqueles que se voltam para sua manutenção, a justificam como: força e sabedoria
na tradição que serve para testar a capacidade psicológica dos novos alunos.
Percebe-se as críticas e resistências ao trote, como as que acabamos de ver, não
são suficientes para acabar com esta prática, o que leva a gerações replicá-las no âmbito
da caserna.
Assim, os autores defendem o fim do trote, ou até mesmo a sua substituição por
práticas que favoreçam as virtudes militares a partir de celebração coletivas que
contribuam para o desenvolvimento profissional.

Você também pode gostar