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Jornalismo diversional:
a diversão pela forma1
Francisco de Assis
Doutor em Comunicação Social pela Universidade
Metodista de São Paulo (Umesp)
Docente do Mestrado Profissional em Jornalismo
do Centro Universitário Fiam-Faam
E-mail: francisco@assis.jor.br
idioma, e que, de fato, se remete transver- voltamos nossa pesquisa de mestrado ao “jor-
salmente à ideia de diversão. Ideia por vezes nalismo de variedades”, especialidade focada
incompreendida, a bem da verdade, porque “na informação e na orientação a respeito das
não raramente confunde-se conteúdo com opções de lazer” (Assis, 2009, p. 233). Ocorre,
forma, como veremos a seguir. porém, que conteúdo (o teor) se difere de for-
Pautando-nos, então, por um quadro te- ma (o exterior), ainda que sejam apresentados
órico alinhado à proposta classificatória de sempre juntos – ou seja, não há forma sem
Marques de Melo, de ordem funcionalista conteúdo e tampouco o inverso (Marques de
(reconhecendo de que o jornalismo cumpre Melo, 2009b, p. 19). Mas ambos nem sempre
funções variadas no meio social), buscamos têm o mesmo atributo.
também ouvir, por meio de entrevistas, o Explicamos melhor: o gênero a que nos
que nove renomados jornalistas brasileiros, dedicamos no doutorado diverte por meio
escolhidos por serem notáveis cultivadores de formatos “que mimetizam os gêneros fic-
cionais”, embora “permaneçam ancorados na
realidade” – para usar a definição de Marques
Na perspectiva funcionalista de Melo (2010b, p. 6) –, e que, exatamente
na qual nos apoia por assim ser, se configuram pela soma de
mos, são os contornos dois fatores: 1) a materialidade, isto é, a for-
estabelecidos em ma concreta, com certos caracteres essenciais,
consonância com uma propiciada por 2) rituais específicos que condi-
cionam os fazeres responsáveis pela constitui-
função que configuram
ção das matérias. Ou, se quisermos recorrer
os gêneros jornalísticos a outro referencial teórico, podemos indicar
que se tratam dos fatores “estilísticos” e “orgâ-
nicos” – nessa ordem – apontados por Mikhail
do gênero, percebem a respeito de seu traba- Bakhtin (1986, p. 60. Tradução nossa).
lho. A análise, portanto, recai no cruzamento No entanto, seu conteúdo – isto é, os te-
entre a base teórica e o relato sobre a prática mas destacados, os assuntos focalizados, os
do que chamamos de jornalismo diversional. casos trazidos à tona, os personagens descri-
tos, dentre outros elementos – nem sempre
está ligado ao que podemos entender como
O jornalismo e sua forma: a questão
divertido. E tampouco tem a pretensão, a
dos gêneros
obrigação ou a expectativa de sê-lo. Muitas
Este tópico versa, em linhas gerais, sobre o vezes, consiste em dramas humanos, assassi-
horizonte de fundo do qual brotam a questão natos, casos de tortura, histórias de pessoas
dos gêneros e, consequentemente, a discussão já falecidas, e assim por diante. A finalidade
aqui proposta: a forma do jornalismo. Trata- de diversão, por isso mesmo, se cumpre e se
se de uma particularidade pouco destacada estabelece no relato com requintes literários.
em pesquisas da área, as quais buscam mais Quando tratamos do jornalismo diversio-
evidenciar os assuntos pautados pela mídia e nal, estamos, por essa razão, nos reportando à
os discursos dela provenientes. No tangente forma que se mostra capaz de divertir,4 e não a
ao caso particular que nos importa, observa-
mos um grande número de estudos que rela- 4
Esse problema se revela até quando versamos o termo para ou-
cionam informação de atualidade e entreteni- tras línguas. Em espanhol, como exemplo, a expressão “perio-
dismo diversional”, pela qual optamos (Assis, 2013), pode soar
mento pela perspectiva do conteúdo, isto é, o estranha aos hermanos que desconhecem a classificação. Porém,
jornalismo que se pauta pelo divertimento ou se usássemos a fórmula “periodismo de diversión”, distorceríamos
o conceito, uma vez que não estamos discutindo um jornalismo
por possibilidades de diversão. Nós mesmos sobre a diversão, mas um jornalismo que diverte.
conteúdos que versem sobre diversão, entrete- ao longo do tempo e nos espaços em que cir-
nimento, lazer ou similares, apesar de eles po- cula. Além disso, devemos levar em conta a
derem ser evocados em muitos casos. Forma, “referência à realidade” – que McQuail indica
nos diz Fayga Ostrower (1995, p. 174) – desde como substância dos gêneros –, a qual liga os
um ponto de vista próprio do campo das ar- anseios da sociedade às funções do jornalismo.
tes –, “significa, sempre: estrutura, organiza- Lorenzo Gomis (2008, p. 107-108.
ção, ordenação. Isto é muito importante, pois Tradução nossa) não deixa de notar que os
só podemos perceber formas, ou ordenações gêneros refletem a evolução do jornalismo
que sejam delimitadas. O que não consegui- e surgem em paralelo à necessidade de a im-
mos delimitar, nem conseguimos perceber”. prensa oferecer conteúdos diversificados, de
Na perspectiva funcionalista que assumi- naturezas variadas e/ou com funções distintas,
mos como fundamento e na qual nos apoia- acompanhando as expectativas sociais. Além
mos, são os contornos estabelecidos em con- disso, devemos atentar ao fato de que, mesmo
sonância com certa função que configuram havendo uma relação direta entre os gêneros e
os gêneros jornalísticos. Marques de Melo as funções desempenhadas pelo jornalismo –
(2005, p. 129), inclusive, afirma, categorica- significando que eles vão surgindo conforme
mente: “o gênero jornalístico não se define o avanço do campo –, sua identificação e/ou
pelo conteúdo, mas pela forma de expressão”. categorização esbarra numa série de impasses,
Essas ideias bebem da fonte teórica dos “sendo possível adotar diversos critérios” e, in-
gêneros midiáticos, articulada por Denis clusive, “reduzir didaticamente essa variedade
McQuail (2003, p. 336), que os considera a alguns poucos, de sentido relevante” (Gomis,
“um mecanismo prático para ajudar qual- 2008, p. 110. Tradução nossa).
quer meio de massas a produzir, de modo Em geral, o que se costuma rotular como
consistente e eficiente, e a relacionar a sua gêneros jornalísticos são as composições ela-
produção com as expectativas das suas au- boradas por jornalistas ou por colaboradores
diências”. O gênero, de acordo com o au- (notícia, reportagem, artigo, editorial, etc.),
tor, deve atender a quatro características: 1) sempre submetidas a finalidades/funções,
identidade coletiva, capaz de ser reconhecida independentemente do nome que se atri-
por produtores e receptores; 2) relação des- bua a esses propósitos. Os próprios manuais
sa identidade com finalidade (informação, de redação revelam a tendência de reduzir
entretenimento ou correlata), formato (as- o termo aos “textos que mais comumente
pectos que o configuram, como estrutura, são publicados em seus respectivos jornais,
linguagem) e significado (“referência à rea- limitando discussões e/ou possíveis classi-
lidade”); 3) permanência dessa identidade, ficações” (Assis, 2011, p. 14). Desse modo,
estabelecida consensualmente através dos aparece como o que anota Fernando Cascais
tempos; e 4) uma estrutura narrativa e/ou (2001, p. 98): um “conceito operacional que
um ordenamento sequencial previsíveis, que designa as diferentes formas que o texto jor-
se moldem a padrões estabelecidos. nalístico pode revestir e que correspondem a
Portanto, um gênero que tem a diversão diferentes rotinas de produção informativa”,
como propriedade se configura pela combi- sendo “opções de hierarquia de uma redac-
nação de uma finalidade específica (diver- ção”, dependentes de vários fatores (organi-
tir) com uma estrutura narrativa (que adota zacionais, editoriais, de recursos humanos e
recursos da literatura em sua composição), técnicos, bem como da natureza do aconteci-
reconhecida pelos agentes sociais que atuam mento pautado). Consistem, nessa perspec-
no processo jornalístico (produtores e recep- tiva e conforme Juan Gargurevich (2004, p.
tores) e que se mantém “relativamente está- 9. Tradução nossa), em “formas que o jorna-
vel” (Bakhtin, 1986, p. 60. Tradução nossa) lista busca para se expressar, devendo fazê-lo
bem como sua subordinação a um conjunto produção. E embora “formato” seja palavra
maior, foi incorporado, pelo autor que nos encontrada mais no vocabulário dos profis-
ampara, em conformidade com a terminolo- sionais de TV (Aronchi de Souza, 2004, p.
gia comum aos estudos midiáticos (Mcquail, 45) do que no ambiente das redações, esse
2003, p. 339). Contudo, tratando do jorna- termo nos ajuda a entender os limites e as
lismo, especificamente, “formato” diz respei- possibilidades das composições jornalísticas.
to às várias disposições textuais – expressões
concretas dessa atividade profissional – que A natureza diversional
repórteres e cooperadores empreendem.
desse novo tipo de
No dicionário da língua portuguesa, a
palavra formato é descrita como sinônimo jornalismo está
de “feitio, forma” (Ferreira, 1986, p. 800). justamente no resgate
Corresponde, logo, à “dimensão objetiva” das formas literárias
dos gêneros jornalísticos, referida por Josep de expressão, relegadas a
Maria Casasús e Luis Núñez Ladevéze (1991, segundo plano
p. 87. Tradução nossa), a qual nos “nos con-
duz à apreciação de modelos estruturais e
estilísticos cujos conjuntos prototípicos re-
sboço teórico sobre o jornalismo
E
cebem diversas denominações”, como notí-
diversional
cia, crônica, artigo, reportagem, etc., como se
observa no Quadro 1. Em decorrência, for- Retomando colocações precedentes, subli-
mato jornalístico “é o feitio de construção da nhamos que o conceito de “gênero diversio-
informação transmitida pela mídia, por meio nal” projeta a diversão no campo do jorna-
do qual a mensagem da atualidade preenche lismo, reconhecendo-a como função legítima
funções sociais legitimadas pela conjuntura e assumindo que há produção e consumo de
histórica em cada sociedade nacional” material jornalístico que diverte. José Marques
(Marques de Melo; Assis, 2013, p. 32). de Melo (2006b) apresenta-o como aquele que
Os formatos são definidos, por Denis se robustece como “contingência do jornalis-
McQuail (2003, p. 340), como “sub-rotinas mo no sentido de sobreviver num ambiente
para lidar com temas específicos dentro de midiático dominado pelo entretenimento”.
um gênero”, sendo dependentes das circuns- Obviamente, o divertimento – ou en-
tâncias em que há necessidade de se fazer uso tretenimento – a que estamos nos referindo
deles. Isto é, o formato não tem finalidade não é exatamente o mesmo proporcionado
própria, isolada, mas, sim, acompanha aque- por espaços humorísticos vigentes na
la a que o gênero ao qual está subordinado imprensa, como seções de piadas, histórias
pressupõe. Um exemplo: o formato “roteiro” em quadrinhos, entre outras formas que
é adotado quando se espera o uso do “gênero não têm a obrigação de abordar assuntos,
utilitário”, o qual se presta ao serviço (a ser quaisquer sejam, de maneira verossímil.
útil), por meio de pequenas doses de infor- Também não é o mesmo entretenimento
mação, organizadas de modo a auxiliar os oferecido por outras produções midiáticas, de
cidadãos em tomadas de decisão cotidianas. natureza ficcional. Desse modo, condescender
A lógica parece-nos clara. Os formatos que o jornalismo proporciona certa dose de
materializam o papel que o gênero deve diversão a seu público, por meio de conteúdo
cumprir, tendo suas características definidas interessante, agradável de ler – ou de assistir/
não apenas pela superfície do texto (a ma- ouvir, já que essa prática não é restrita aos
terialidade, os elementos linguísticos), como, suportes impressos –, é acatar a vigência de
principalmente, pelas lógicas internas de uma classe de mensagens independente e que
se diferencia pelas condições que pressupõe e na mesma tese, tratar-se “de narrativa jorna-
que possibilitam a efetivação desse propósito. lística que exige sensibilidade, envolvimento
Entretanto, nem sempre se pensou assim. afetivo e profunda observação dos protago-
Em sua tese de livre-docência, defendida em nistas das notícias e dos ambientes em que
1983, na qual propôs sua primeira classifi- atuam”:
cação dos gêneros, Marques de Melo (2003,
p. 64) chegou a desconsiderar essa autono- A natureza diversional desse novo tipo de
mia, alegando que a diversão não passava de jornalismo está justamente no resgate das
“mero recurso narrativo que busca estreitar formas literárias de expressão que, em nome
os laços entre a instituição jornalística e o seu da objetividade, do distanciamento pessoal
público e não transcende a descrição da re- do jornalista, enfim da padronização da in-
alidade, apesar das formas que sugerem sua formação de atualidades dentro da indústria
dimensão imaginária”. A justificativa foi não cultural, foram relegadas a segundo plano,
ter encontrado “ancoragem” dessa tendência quando não completamente abandonadas
“na práxis jornalística observada no país” (Marques de Melo, 2003, p. 33-34).
naquela conjuntura, ainda rescaldo da re-
O desacerto entre a explicação teórica e
a proposta classificatória deixou, por muito
Não há razão para que tempo, a legitimidade do gênero em suspenso.
Hoje, porém, após reexaminar essa dinâmica,
notícias de importância
o autor aponta, com precisão, que, na história
econômica e social do jornalismo, o século 20 figura “como um
deixem de ser caldeirão de novos gêneros e formatos, reci-
apresentadas ao lado clando os gêneros informativo e opinativo, e
de matérias menos testemunhando o aparecimento de gêneros
importantes e mais atrativas complementares”; entre eles, “embora de-
notando intensidade sazonal”, “aparece um
segmento de natureza emotiva e hedonística,
pressão da ditadura militar (1964-1985), que nutrido pela civilização do ócio, configuran-
cerceou a atuação dos jornalistas brasileiros. do o gênero diversional, cuja identidade vacila
O que se expôs naquele momento ainda entre o mundo real e a narrativa imaginária”
gera dúvidas, especialmente motivadas por (Marques de Melo, 2010b, p. 2-3).
leituras desatentas. Embora sem categorizar É nesse panorama que se situa o gênero
o jornalismo diversional – por constatar que “complementar” e de caráter “emocional”
a imprensa diária brasileira não se dedicava
aqui estudado. É complementar porque, hege-
a essa possibilidade –, o autor não deixa de
reconhecê-lo no plano conceitual. Aceitando monicamente, o jornalismo permanece pola-
a analogia feita por Mário Erbolato (2006, p. rizado na informação e na opinião (Marques
43) entre essa nomenclatura e o “novo jorna- de Melo, 2010a, p. 92); logo, os demais agru-
lismo” – ou new journalism6 –, ele explicou, pamentos, que surgiram ao longo do último
século, ofereceram novas possibilidades ao
que já era – continua sendo – de praxe no jor-
6
Demarcando uma revolução – ou uma evolução, ao menos nalismo. E emocional pelo fato de atender aos
– na imprensa dos Estados Unidos, o new journalism teve seu
início na década de 1960 (embora haja algumas controvérsias
anseios de uma sociedade hedonista que espe-
quanto ao seu provável começo). Não chegou a ser um movi- ra encontrar em várias frentes – até mesmo no
mento formal, pois os repórteres não o promoveram de maneira jornalismo – algo a lhe dar prazer (incluindo
organizada; pode-se dizer que agiam mais de maneira intuitiva
(Wolfe, 2005, p. 27-28). Distinguiu-se pelo “estilo de reportagem prazer estético) e que, pelo mesmo motivo,
inovador” – conquanto questionável –, “que veio com a intenção valoriza cada vez mais as emoções.
declarada de reformar o jornalismo e que, ao se espalhar pelo
mundo, conseguiu abalar o cânone das rotinas produtivas e da
De volta à questão privilegiada no tópico
estilística em muitas redações” (Castro, 2010, p. 47). anterior, isto é, a da forma, é justo fazer um
como ditava a fantasia”. Tratava-se da “era da compreender que diversão não necessaria-
notícia sentimental e de expressão jornalística mente corresponde a algo engraçado, àquilo
quase sem limite” (Hohenberg, 1962, p. 242). que promove o riso, ao jocoso ou ao deboche.
Contudo, ainda na primeira metade do mes- O ato de divertir-se pode ou não ser estimu-
mo século, esse contraste deixou de ser persis- lado pelo que é hilário. Além do mais, tam-
tido, uma vez que a própria prática fazia sepa- bém nem sempre pressupõe a alienação que
rações. Em 1940, pesquisa realizada por Helen os frankfurtianos atribuíram à indústria cul-
MacGill Hughes, discípula de Robert Park e tural e aos seus feitos. Também se estabelece
integrante da Escola de Chigago, “examinou por meio de gratificação estética. Uma pes-
a relação entre as duas formas de conteúdo e soa pode muito bem ter diversão em contato
concluiu que os jornais norte-americanos se com histórias dramáticas, de sofrimento ou
tinham ‘transformado de uma forma mais ou de superação. O teor não precisa ser espiritu-
menos sóbria de registro para uma forma de oso para tanto. Os filmes (ficcionais ou não)
literatura popular’”, como nos conta McQuail exploram essas particularidades. As teleno-
(2003, p. 344). A equação, em seu modo de velas também. Os livros, igualmente. Sempre
ver, é algo aparentemente simples: se a ativida- com a mesma finalidade, ou seja, a de diver-
de jornalística deriva, em parte, “de tradições tir. Com o jornalismo seria diferente? É cer-
muito antigas de contar histórias”, os leitores to, em nosso modo de ver, que não. Inserida
do jornalismo “são, certamente, muitas vezes no ambiente midiático, essa atividade busca,
mais atraídos para o ‘interesse humano’ do como se observou, encontrar meios para dis-
que para ‘notícias’ sobre política, economia e putar espaço, ainda que indiretamente, com
sociedade”. A curiosidade e o encantamento outras ofertas feitas pelos media.
despertados nos ouvintes dos contadores tam- A segunda divergência, surgida principal-
bém mobilizam os receptores da imprensa. mente no mercado, diz respeito à diversão
No “jornalismo moderno”, finaliza John como caractere do jornalismo. Há um des-
Hohenberg (1962, p. 243), “o arco-íris do in- conforto, entre os profissionais, em associar o
terêsse humano arqueia-se por todo o cam- que fazem ao entretenimento. Por isso mes-
po”: tanto nas revistas – ilustradas, semanais, mo, como antecipamos no princípio, entre-
mensais, de circulação geral – quanto nos vistamos, durante a elaboração de nossa tese,
jornais, que “transformaram o velho des- nove jornalistas tidos como cultivadores do
taque jornalístico em trabalho eficaz, colo- gênero classificado por Marques de Melo, na
rido e bem documentado, que destronou o intenção de compreender como percebem
seu desleixado e limitado antecessor”. Nessa tal questão. Esses sujeitos, nomeadamente
contextura, o interesse humano se estabiliza Audálio Dantas, Carlos Wagner, Consuelo
como recurso expressivo, técnica adequada Dieguez, Daniela Pinheiro, Eliane Brum,
para a composição da forma dessa natureza. João Moreira Salles, José Hamilton Ribeiro,
Ricardo Kotscho e Zuenir Ventura, foram es-
Ecos na prática colhidos com base no cruzamento de critérios
devidamente estabelecidos e justificados em
O aspecto gerador de mais entraves nas nosso trabalho (Assis, 2014, p. 171-174).
discussões sobre o gênero diversional não Nossos entrevistados notadamente se
está relacionado à sua estrutura ou às suas preocupam que outros interpretem equivo-
características, mas, sim, ao próprio termo cadamente essa aproximação, seja pensando
que o nomeia, remetido que é à diversão. que a função capital do jornalismo, a de in-
E isso se dá por duas divergências aparen- formar, está sendo sufocada por essas práti-
tes. A primeira, especialmente levantada no cas afeitas a pormenores, seja taxando suas
âmbito acadêmico, é uma dificuldade em produções como literatura ou algo nesse
sentido. Reforçam, então, cada qual de uma chegaram a comparar seus trabalhos com
maneira, que a feição por eles dada às ma- elementos da teleficção, do mercado edi-
térias – a que denominamos “jornalismo di- torial, do cinema. O exercício de lidar com
versional” – não se exime do compromisso essas particularidades, sem sair do território
com a informação, com a checagem, com a da imprensa, é desafiador, confirmaram-nos.
precisão e, principalmente, com a realidade. E essa percepção não é só deles. A constata-
O que se busca não é ignorar as perguntas ção é universal, acreditamos. Por isso mes-
do lead, mas, sim, trabalhá-las de maneira mo, os profissionais que se propõem a tal
mais atraente, adicionando-lhes elementos fazer – e o realizam, com visível talento –
capazes de respondê-las e, de quebra, trans-
formar o que se está contando em peça jor-
nalística interessante, atraente, com estilo. Não é demérito entreter
De seus discursos, extraímos falas que con- por meio da atividade
firmaram um esforço em escrever textos que jornalística; é, ao
não sejam “chatos”, uma expectativa em des- contrário, uma
pertar sensações (fazer rir e chorar) com o que
resistência à simplificação
produzem, um equiparar de suas matérias a
um “microlivro”, a compreensão de que atraem
que os formatos
seus leitores justamente pela forma – e não ne- informativos tendem a adotar
cessariamente (ou nem sempre) pelo conteúdo
que abordam – e, principalmente, a manifes-
tação de quererem ser lidos e de fazer algo que acabam se destacando entre os demais. Seu
agrade aos outros e, antes disso, a eles mesmos. mérito é o de capturar elementos do mundo
Se, por um lado, poucos foram o que ver- real capazes de sustentar narrativas que não
balizaram haver proximidade entre infor- só informem como também ofereçam uma
mação de atualidade e diversão naquilo que gratificação a mais: uma estética que, tradi-
fazem, todos eles, por outro, reconheceram cionalmente, é da literatura, mas que o jor-
que suas matérias intentam, além da essên- nalismo toma emprestado.
cia informativa, oferecer algo agradável aos A função de divertir – motivadora da clas-
leitores, para ser lido não na pressa com que sificação que adotamos – se confirma, então,
se costuma acompanhar o noticiário, mas em na voz desses sujeitos, seja na dos que assu-
momentos à parte da correria diária. Quando mem haver uma busca por composições que
questionados sobre suas percepções a respeito informem e entretenham, seja na dos que dão
do que possivelmente levaria as pessoas a te- indícios a permitir essa dedução. Fique claro,
rem apreço por essas matérias, não incomum porém: o que eles fazem não é entretenimen-
surgiam respostas que sinalizavam, como mo- to. Tampouco é literatura. E muito menos
tivos, o apreço pela forma, a procura por algo ficção. É jornalismo, acima de tudo. Tem apu-
que fuja do padrão-comum – haja vista que os ração, tem precisão. Mas a isso se somam tem-
veículos (impressos, eletrônicos ou digitais) peros que possibilitam textos aprazíeis.
estão cada vez mais iguais uns aos outros – e o
interesse por conhecer histórias interessantes, Considerações finais
contadas de um jeito especial, humanizado.
Complementarmente, sobressai-se uma Devemos enfatizar, por tudo o que se
busca do repórter por transformar o jorna- viu, que o cumprimento da função de di-
lismo em um produto com qualidade similar vertir, subentendida pelo gênero diver-
a uma boa obra ficcional. Durante as entre- sional, não consiste apenas em definição
vistas que fizemos para a tese, os jornalistas acadêmica, sem vínculo com o mundo
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