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Mário Cláudio, . $ % , 1999

No Catálogo “/ 0 1 ”, o crítico de arte austríaco Kristian Sotriffer refere que o


primeiro simpósio de escultura foi organizado na Áustria, em 1959, pelo escultor Karl Prantl
(192302010), tendo o mesmo sido realizado em St. Margarethen, localidade da região de
Burgenland, junto à fronteira com a Hungria, onde existe uma pedreira abandonada que
remonta à época romana, e cujo recinto há mais de setenta anos tem servido de palco à
realização de representações teatrais e, mais recentemente de ópera, espetáculos que atraíam,
e atraem, invariavelmente, um numeroso público.
As imagens da edição de 1959, a par da representação teatral, registam um acontecimento
artístico notável: uma mostra de escultura moderna exibida no local da sua própria produção,
e criada, a um tempo, à revelia do sistema de encomenda e fora do âmbito da mera produção
individual.
Com aquela mostra, originava0se um regime inovador de produção escultórica. Um regime
que se distinguia pela autonomia da prática escultórica face ao regime oficial ou curadorial
de encomenda, assumindo, em contrapartida, o caráter de criação e de celebração coletiva,
aspetos que se repercutem de forma eloquente na etimologia da própria palavra simpósio,
demonstrando dessa forma que a escolha daquela designação não havia sido fortuita, já que
simpósio deriva da expressão latina 2 , a qual por sua vez tem origem no grego antigo
2 , cujas raízes 2 e exprimem o significado de beber conjuntamente.
Na Grécia Antiga, 2 (συCποσιον) designava portanto uma festa. Melhor, um convívio
que invariavelmente compreendia música, tertúlia filosófica, poesia e bebida. Um convívio
intelectual, portanto, cujo testemunho mais expressivo nos chega através dos diálogos
socráticos e platónicos, devendo assinalar0se que se intitula 13'041546 (ΣΥΜΠΟΣΙΟΝ)
o texto de Platão que discute o tema do amor, e onde é explicitada a ideia de amor platónico.
Nos simpósios de escultura organizados de acordo com o modelo austríaco, um escultor ou
uma organização local, convidam escultores para produzirem escultura a partir de materiais
disponíveis localmente, tal como pedra, madeira ou barro, trabalhando em regime de
aberto, à vista do público. Aos escultores é0lhes fornecido alojamento, alimentação e matéria0
prima, e por vezes também um subsídio de viagem e honorários, sendo que as esculturas
resultantes geralmente permanecem com a entidade anfitriã.
Trabalhando e convivendo em estreita proximidade, já que os escultores comem, bebem e
discutem os seus trabalhos conjuntamente, além dos momentos de camaradagem que
proporcionam, os simpósios servem para debater ideias e partilhar experiências no campo
da criação e da execução escultórica, podendo por isso afirmar0se que os simpósios de
escultura constituem uma verdadeira escola de escultura.
Serve este preâmbulo para explicitar os factos que estiveram na origem da organização dos
simpósios de escultura, pois não somente estes aspetos estão pouco estudados, como os
mesmos são úteis para se entender, por um lado, esse regime de produção e, por outro, as
linguagens escultóricas que o mesmo tem propiciado, designadamente em Portugal, onde a
partir da edição inaugural de 1981, em Évora, e depois de 1985, no Porto, uma autêntica
proliferação de Simpósios de Escultura varreu de Norte a Sul o País, encontrando0se hoje
implantadas nalgumas das mal0amadas rotundas das cinturas e eixos rodoviários das
principais cidades da província, uma parte da produção resultante desses mesmos simpósios.
Encontramo0nos nesses casos perante uma óbvia distorção do que deve entender0se por um
simpósio de escultura, já que alguns dos simpósios que se realizaram em Portugal mais não
foram do que uma forma camuflada de encomenda oficial, muitas das vezes não se
diferenciando com clareza da própria encomenda pública, talvez por não se encontrar na sua
génese nenhuma coletividade cultural ou artística autónoma, nem nenhum programa
integrado de arte pública, onde a inserção de obras de arte no espaço público houvesse sido
estudada em conjunto com os próprios artistas desde o início, sendo estes chamados apenas
depois de tudo já estar decidido, quando não construído, sendo0lhes reservada unicamente a
tarefa de implantar adereços estéticos em espaços específicos, exatamente ao contrário do
que sucedeu na 789, com os resultados exemplares que se conhecem.
Relativamente ao simpósio de escultura em pedra 4 0 . % , que se realizou, em
regime de aberto, entre 16 de maio e 1 de junho de 2013, não é mais uma distorção do
modelo de simpósio que felizmente nos é apresentada, e não foi só por causa desse mesmo
simpósio se ter realizado no magnífico espaço da Quinta das Virtudes – que entre outros
aspetos é um lugar de memória do excecional horto0floricultor que foi José Marques
Loureiro – que resolvemos chamar a este “o simpósio das virtudes”.
Pelo contrário, mais do que as virtudes do lugar, são outras as virtudes que queremos aqui
sublinhar, já que as três esculturas que resultaram deste simpósio, desde o início foram
pensadas em função do seu espaço de implantação, tendo os artistas começado por selecionar
o local para a sua intervenção, circunstância que permitiu não somente tirar o máximo partido
da sua criatividade, como contribuiu ainda para tornar mais explícitas as distintas linguagens
escultóricas e as respetivas singularidades poéticas de cada autor, aspetos que a criação em
conjunto não suprime, mas ao invés até intensifica, enriquecendo o resultado final com a
singularidade de cada artista, para benefício do público a quem foi oferecido um conjunto
escultórico simultaneamente coerente e diferenciado, que funciona como contraponto dos
excessivos e invasivos estereótipos da cultura mediática, proporcionando valiosos estímulos
capazes de potenciar uma mais rica experiência percetiva e uma mais profunda e lúcida
reflexão sobre a presente condição cultural.
Mas as virtudes deste simpósio não se esgotam nas virtudes do processo de produção que
lhe subjaz, devendo desde logo observar0se que o conjunto criado se concebe fora do
limitado modelo da estatuária comemorativa ou apologética que ainda prolifera entre a
encomenda oficial, tendo o presente simpósio por isso a virtude de introduzir no panorama
das mais recentes implantações escultóricas na cidade, a presença de uma linguagem poética:
uma poesia em pedra que afinal também serve para assinalar efemérides, já que estas
implantações se inseriram no programa de celebração dos 50 anos da Árvore, de certa forma
coroando0o, facto que não deixou de ser porventura uma das suas maiores virtudes.

A Cooperativa Árvore detém, por sua vez, uma experiência consolidada de organização de
simpósios de escultura. Em primeiro lugar, importa referir os três Simpósios de Escultura
em Pedra de Alfândega da Fé, organizados conjuntamente pela Árvore e pela Câmara
Municipal, a partir de 2002, que puderam reunir um importante acervo de obras públicas (ao
todo 15 esculturas), e que produziram catálogos, simpósio esse entretanto interrompido, de
forma brutal, pelo trágico acidente que vitimou a escultora Lídia Vieira, sua Diretora
Artística.
Para além dos Simpósios de Escultura de Alfândega da Fé, importa referir0se também os
Simpósios de Escultura de Penafiel, que contam com duas edições, respetivamente em 2004
e 2007, tendo o primeiro como tema agregador . : ; < : ,
do mesmo resultou a implantação de quatro esculturas no Castro de Monte Mozinho,
enquanto o segundo tendo como tema agregador ( : ' , do mesmo
resultou a implantação de outras quatro esculturas no Parque da Cidade, somando portanto
oito no total.
A série de simpósios organizados pela Árvore, completa0se com o Simpósio de Escultura em
Pedra de Armação de Pera, organizado, em 2005, conjuntamente com a Câmara Municipal
de Silves, ao que sucede o Simpósio de Escultura em Pedra, Arte na Cidade, que se realizou
em Braga, em Setembro0Outubro de 2008, a que se segue por fim o simpósio de Escultura
Soares da Costa, que se realizou no Campo 24 de Agosto, no Porto, entre 10 e 25 de
Setembro de 2010, tendo, então, os escultores convidados criado as suas obras a partir de
materiais reciclados originários dos estaleiros da Soares da Costa.
Não é este o momento nem o lugar para discorrer sobre estas iniciativas, nem para as
submeter a um necessário exame crítico, mas tratando0se o atual Simpósio o primeiro
organizado pela Árvore, no Porto, que logrou produzir um catálogo, pareceu0nos que se
impunha apresentar à cidade, a listagem das iniciativas que no domínio da escultura feita e
exposta publicamente a Árvore promoveu, pois não apenas por aí podem ser melhor
entendidos e avaliados os fundamentos e os objetivos do presente simpósio, como por outro
se documenta a ação que a Cooperativa tem exercido em prol da Arte Pública, desde o Minho
até ao Algarve, e se mostra que a mesma esteve na origem da implantação de largas dezenas
de novas esculturas no espaço público, naquele que constitui um palmarés que elege a
Cooperativa como um parceiro, senão como protagonista, particularmente ativo da
promoção da obra de Arte Pública Contemporânea no País, mostrando capacidade para
adaptar o seu a diferentes realidades e intervenientes, designadamente
demonstrando capacidade para mobilizar artistas, angariar apoios e gerar a motivação
necessária para colocar em ordem de marcha a máquina do simpósios de escultura, o que
não deixa, por si só, de ser notável e obviamente louvável.

Antes de tecermos outro comentário à produção que resultou do Simpósio 4 0


% , pretendemos de imediato assinalar o reduzido número de obras que resultou da
realização deste Simpósio, já que foi de todos os que a Árvore organizou o que produziu um
menor número de peças, aspeto que por sua vez contrasta com a extensão do espaço e
sobretudo a quantidade de recintos e de recantos que compreende a Quinta0Horto das
Virtudes.
A circunstância de terem sido implantadas apenas três esculturas, parece0nos no entanto uma
outra virtude deste simpósio, pois não apenas isso permite realçar e distinguir melhor o
caráter de cada intervenção, como acaba por afirmar melhor a presença e a personalidade de
cada peça, desde logo em função da forma criteriosa e eloquente como os artistas escolheram
o lugar de implantação de cada escultura, importando de passagem referir que a análise dessa
seleção, por si só poderia dar azo a relevantes desenvolvimentos, já que para a obra de arte
que se instala no espaço público, e por maioria de razão, na paisagem, o lugar é algo mais do
que um sítio, pois para lá daquilo que ele é e nele está, o lugar fornece ainda um determinado
ponto de vista sobre a realidade circundante, ao mesmo tempo que se oferece também como
ponto de mira, para o observador que para ele dirige, e nele (re)pousa, o seu olhar.
Quem entra na Quinta das Virtudes a partir da Rua de Azevedo de Albuquerque, depois de
transposto o espaço onde, coadjuvados pelos seus assistentes, os escultores esculpiram, aos
olhos do público, as suas peças, a primeira escultura com que depara é a “Roda” de Paulo
Neves: uma roda ovalizada formada pela justaposição de dez placas horizontais de granito
que se torcem, rodando ao longo do eixo vertical, e que se encontra esculpida com
numerosos sulcos em espiral, nos flancos e na orla que a delimita, apresentando0se
firmemente implantada sobre um afloramento granítico, em prodigioso equilíbrio no limite
de um socalco do terreno, estabelecendo estreita conexão visual com o edifício de
Cooperativa Árvore.
Insere0se a presente escultura na série das “impressões”: esculturas de caráter marcadamente
gráfico que o autor passou a desenvolver a partir de 2005, quer escavando superfícies planas
de madeira, quer rasgando sulcos em pedra, sugerindo o desenho formado pelas fossilizações
de conchas espiraladas de espécimes imaginárias, quando não reenviando para os sulcos dos
/ japoneses – jardins de pedra construídos para servir de enquadramento propício à
prática da meditação Zen – como já sugeriu Francisco Providência.
Contrariamente, porém, às rodas de pedra que Paulo Neves expôs na Galeria Valbom, em
2006, a presente Roda está esculpida em granito e não em mármore, distinguindo0se também
das primeiras por não se encontrar vazada no centro, muito embora apresente uma torção
similar que confere apreciável plasticidade e leveza.
A peça de Paulo Neves apresenta0se, portanto, como uma obra de sentido eminentemente
literal e autorreferencial. Sentido literal, na medida em que a peça dialoga com o material que
lhe serve de suporte. Sentido autorreferencial, na medida que dialoga consigo própria e com
a série donde provém. Contudo, para lá do diálogo que brota e se encerra em si mesmo, pela
sua implantação algo acrobática, a escultura ao mesmo tempo afirma0se como um elemento
marcante do lugar, dialogando com a envolvente numa dialética de tensão0peso0instabilidade.
Prosseguindo o seu caminho, o visitante do Horto das Virtudes deparará mais adiante com
a surpreendente escultura de Isaque Pinheiro: um par de asas de granito implantadas na
vertical junto a uma elevada escarpa voltada ao vale do Douro. As asas cuja configuração e
desenho sugerem a penugem das águias, apresentam na parte frontal uma espécie de alças de
ferro que convidam o visitante a interagir com a escultura, assumindo0a como adereço lúdico,
ou como dispositivo simbólico, a fim de se lançar no voo imaginário (ou metafísico), dando
asas ao desejo de transgredir as dimensões terrenas de espaço e de tempo, pairando bem
acima do labirinto das ruas, das edificações, das embarcações que cruzam o rio e do afã
laborioso das gentes, ciente ao mesmo tempo da certeza da sua impossibilidade.
Escultura de sentido eminentemente metafórico, a peça de Isaque Pinheiro recupera para a
escultura modernista iconografias da imaginária religiosa (ou da mitologia pagã), que
incorpora com contornos surrealizantes, confrontando jocosamente a deriva imaginária do
fantástico com a sua terrena denegação, construindo, como já observou o crítico e curador
brasileiro Fernando Cocchiarale, uma paródia que se encena no seio dos conflitos que opõem
realidade e mito, razão e imaginação.
Essa mesma paródia tem caracterizado de resto a arte de Isaque Pinheiro, devendo a
propósito desta escultura referir0se a peça “1
! =. >”, de 2006, onde Isaque Pinheiro construiu uma incongruência equivalente
àquela que aqui apresenta, e onde a iconografia das asas de águia é igualmente usada.
Prosseguindo o seu périplo, o visitante depois de descer para um socalco particularmente
belo e espaçoso, depara0se com a “Árvore das Virtudes” de Vítor Ribeiro: uma árvore
esculpida em granito, de tronco largo cuja configuração sugere ser um carvalho, que se
desmultiplica em numerosos e robustos ramos, encimado por uma copa de volumetria, por
assim dizer, compactada, que lhe serve de remate. Obra de dimensão considerável, tal como
a “Árvore da Vida” que se erguia no centro do Jardim do Éden, também a “Árvore das
Virtudes” se ergue no centro de um vasto recinto retangular (porventura o espaço mais
alargado da Quinta das Virtudes), junto à plataforma superior de uma escadaria monumental,
que conduz à entrada nobre por onde originalmente se acedia à Quinta das Virtudes.
Árvore da Vida ou Árvore do Conhecimento, a “Árvore das Virtudes” insere0se na vasta
galeria de árvores que povoam a produção escultórica de Vítor Ribeiro, denotando
preocupações simbólicas, antropológicas e arquetípicas que se têm mantido constantes, com
o seu tratamento a constituir matéria de investigação artística, conotando0se a obra agora
apresentada com a árvore que o escultor implantou, na Caparica, junto à Biblioteca do
Campus da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
Vítor Ribeiro é um escultor que trabalha quase exclusivamente a pedra, importando referir
que participou nos dois Simpósios Internacionais de Escultura em Pedra, realizados
respetivamente, no ano de 1981, em Évora, e no ano de 1985, no Porto, no primeiro caso
como assistente do prestigiado escultor húngaro Pierre Székely, no segundo caso como autor
de uma das esculturas produzidas no âmbito desse simpósio, obra que se encontra
implantada nos jardins da : : # < 6 .
Também Paulo Neves e Isaque Pinheiro são artistas com experiência em participação em
Simpósios de Escultura, quer em Portugal quer no estrangeiro, sendo juntamente com Vítor
Ribeiro assíduos participantes nos Simpósios organizados pela Árvore.
No simpósio das virtudes, reviveu0se, pois, excecionalmente, o espírito dos simpósios, sendo
dada aos escultores a possibilidade de escolherem livremente os locais de implantação das
suas esculturas, de desenvolverem sem condicionamentos as suas linguagens e poéticas
plásticas, de trabalharem lado a lado, juntamente com os seus assistentes, como se documenta
pelas fotografias que o registam e, , discutindo, comendo, bebendo e
confraternizando entre si, como pudemos de resto testemunhar.
Confinando0se a uma plasticidade estritamente escultórica, marcada pela técnica subtrativa
do talhe da pedra e caracterizando0se pelo com o material, se se mantiverem
operativos os fundamentos que suscitaram a sua génese e levaram ao desenvolvimento de
uma cultura artística de expressão e difusão internacional, os simpósios de escultura poderão
preencher adequadamente um nicho específico do alargado âmbito de intervenção que
oferece a Arte Pública, designadamente em programas concebidos para espaços naturais e
enquadramentos paisagísticos, tirando assim partido, também aqui, das virtudes da produção
, pelo aprofundamento do diálogo com o caráter do lugar e pela exploração dos valores
de ancestralidade e perenidade que unicamente a pedra esculpida detém.
Com espaço de sobra para instalação de novas obras de arte, e começando desde já a pensar
na fase seguinte, perguntamos se para dar continuidade ao que agora se fez, não poderia
organizar0se um outro tipo de simpósio, por assim dizer, mais experimental, onde, por
exemplo, o público para lá de se manter na condição de espectador passivo da produção das
obras e de fruidor contemplativo, pudesse, ele também, intervir ativamente na sua criação?
Fechamos com esta interrogação, nada inocente. Uma pergunta que é sobretudo um desafio.
O ideário marcusiano de encarar a sociedade como uma obra de arte.

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