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INICIATIVA CRESCER COM COMUNICAÇÃO E DIREÇÃO

PROTEÇÃO DE ARTE
Instituto Camará Calunga Marcos Vinícius Ellero
Agenda Pública
Ministério Público do Trabalho PESQUISA
- MPT Érika Cristina Zordan -
Fundo das Nações Unidas Jornalista e consultora
para Infância - UNICEF
REDAÇÃO
REALIZAÇÃO Érika Cristina Zordan
Instituto Camará Calunga Cássio Viana

EQUIPE INSTITUTO REVISÃO DE TEXTO


CAMARÁ CALUNGA
Cássio Viana
João Carlos Guilhermino da
Franca - Coordenação
Cássio Viana - Sistematização PROJETO GRÁFICO,
EDIÇÃO DE ARTE E
José Eduardo Gama Noronha DIAGRAMAÇÃO
- Educativo
Camila Carrera
Kidauane Regina Alves -
Educativo
Marcos Vinicius Ellero ILUSTRAÇÃO
- Comunicação e Maria Rodrigues
Educomunicação
Fátima Carolina Muniz Baeta - FOTOGRAFIA
Administrativo Eduardo Petrini
Marcelo Colmenero
EQUIPE UNICEF Marcos Vinícius Ellero
Adriana Alvarenga - Chefe do
escritório em São Paulo
CAPA
Raniere Pontes - Gerente
de projetos de proteção às Ilustração de Maria Rodrigues
crianças e adolescentes em
São Paulo camaracalunga.com
Thaís Santos - Consultora @camara.calunga
de desenvolvimento e
participação de adolescentes /Projeto.Camara
em São Paulo (13) 3467-4723
Mayara Barbosa - Oficial de
Comunicação em São Paulo Endereço: Rua Professor
André Retz, 283, Esplanada
DIREÇÃO E ORGANIZAÇÃO dos Barreiros, São Vicente -
SP, CEP 11340-250
Cássio Viana
ÍNDICE

6 A iniciativa Crescer com Proteção e os


NUCAs

12 O que é esse inventário?

14 Mapa de Navegação

20 Cananéia

34 Ilha Comprida

48 Iguape

62 Peruíbe

76 Itanhaém

90 Mongaguá

104 Praia Grande

118 São Vicente

132 Porto-Camará

148 NUCAs

© Marcelo Colmenero
SOBRE A INICIATIVA
CRESCER COM
PROTEÇÃO
Crescer com Proteção é uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF) em parceria estratégica com o Ministério
Público do Trabalho (MPT), e parceria técnica com a Agenda Pública
e Instituto Camará Calunga, que acontece em oito municípios
da Baixada Santista e do Vale do Ribeira: Cananéia, Iguape, Ilha
Comprida, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande e São Vicente.
A iniciativa mobiliza famílias, comunidades, governos, adolescentes
e jovens para criar mecanismos e processos capazes de prevenir,
detectar e superar todas as formas de violência contra crianças,
adolescentes e jovens. Dessa forma, o Crescer com Proteção atua
para fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos e a oferta de serviços
especializados para meninas e meninos vítimas de violência. E, ainda,
para a formulação e implementação de políticas públicas, programas
e protocolos em respostas às violências.
© Eduardo Petrini

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Quer saber mais
sobre os NUCAs?

NUCA - NÚCLEO
DE CIDADANIA DE
ADOLESCENTES E
JOVENS
É um grupo composto por adolescentes e jovens de 12 a 21 anos
de idade, que se organizam em rede, discutem questões importantes
para seu desenvolvimento e mobilizam suas comunidades e o poder
público em torno de seus direitos. O núcleo reúne adolescentes e
jovens de diferentes raças e etnias, gêneros, sexualidades, com
deficiência, moradores(as) de várias regiões da cidade, pessoas
engajadas em outras iniciativas e também outras que nunca
participaram.

PRINCIPAIS OBJETIVOS
DE UM NUCA
• Garantir a realização do direito à participação cidadã de
adolescentes e jovens que é, ao mesmo tempo, um direito e um
instrumento para conhecer e reivindicar seus direitos, enfrentar
vulnerabilidades e superar desigualdades que afetam suas vidas.
• Ampliar os conhecimentos sobre direitos humanos e políticas
públicas para infância, adolescência e juventude.
• Compreender a perspectiva de adolescentes sobre esses temas e
levá-la à gestão municipal para que a considerem em suas decisões.
• Apoiar adolescentes em seu processo de desenvolvimento

© Marcelo Colmenero
integral, e garantir que participem da melhoria das condições de vida
em seu município.

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QUEM PROPÕE A PARCERIAS TÉCNICAS

INICIATIVA CRESCER O Instituto Camará Calunga foi


fundado em 1997 na cidade de São

COM PROTEÇÃO?
Vicente e tem como principal objetivo
defender e promover os direitos
humanos, em especial de crianças
e adolescentes. Atua em processos
REALIZAÇÃO de formação a partir da realidade de
seus participantes, desenvolvendo
O Fundo das Nações Unidas para questões como coletividade,
a Infância (UNICEF) trabalha em cidadania e pensamento crítico.
alguns dos lugares mais difíceis do
planeta, para alcançar as crianças
A Agenda Pública é uma Organização
mais desfavorecidas do mundo. Em
da Sociedade Civil de Interesse Público
190 países e territórios, o UNICEF
(OSCIP) com o propósito de tornar
trabalha para cada criança, em todos
os serviços públicos brasileiros mais
os lugares, para construir um mundo
inteligentes, simples e humanos. Para
melhor para todos.
isso, combina esforços de governos,
iniciativa privada e sociedade civil
O Ministério Público do Trabalho
para fortalecer equipes, instituições
(MPT) tem como atribuição fiscalizar
e territórios, ampliando capacidades,
o cumprimento da legislação
oportunidades e bem-estar para
trabalhista quando houver interesse
um desenvolvimento sustentável e
público, procurando regularizar e
inclusivo.
mediar as relações entre empregados
e empregadores, seja no âmbito
judicial ou administrativo. Compete
também ao MPT propor as ações
PARCERIAS TÉCNICAS
necessárias à defesa dos direitos e
interesses dos menores, incapazes
Prefeitura de Cananéia, Prefeitura de Ilha Comprida, Prefeitura de
e índios, decorrentes de relações de
Iguape, Prefeitura de Peruíbe, Prefeitura de Itanhaém, Prefeitura de
trabalho.
Mongaguá, Prefeitura de Praia Grande e Prefeitura de São Vicente

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as experiências que têm nos
essas características estão territórios em que vivem.
presentes em nós, hoje. O Inventário das Juventudes
Ne s s e i nve nt á r i o q u e do Litoral Sul também convida
apresentamos aqui você vai você a fazer esse movimento.
conhecer essa história. A história Ao passo que nos conhece
coletiva da nossa região, contada mais de perto ao ler o que
por nós, e a história singular vivemos, queremos que você
de cada um dos adolescentes possa se identificar conosco e
e jovens mobilizadores. São se juntar a nós na garantia dos
Nossa experiência de pouco essas histórias: geográficas, direitos das juventudes.
mais de um ano na construção para nós - e aquilo que estamos territoriais, ancestrais, Como o Crescer com Proteção
dos NUCAs nas oito cidades passando adiante (querendo ou contemporâneas, concretas, foi feito está sendo contado
do Litoral Sul e Vale do Ribeira não). O segundo movimento foi subjetivas, singulares e aqui a partir das histórias que
gerou muitos aprendizados. inventar, isto é, criar algo novo coletivas que construíram essa fizeram ele acontecer. E onde
Talvez um dos mais importantes nesse momento que vivemos, experiência que, certamente, ele aconteceu.
tenha sido conhecer nossas atitudes inéditas para inspirar e modificou nossas vidas e deixa
histórias, singulares e coletivas, comunicar. E agir, claro. um legado.
e, a partir delas, inventar novos E seguimos.
Esse movimento foi dialético: Toda realidade é produzida
rumos para como elas seriam
inventariamos-inventamos- por alguém, e nunca é pura
escritas - e contadas - daqui em
inventariamos... e assim por ou absoluta: ela tem contexto.
diante. Se levarmos em conta
diante. Sempre cientes de A realidade contada aqui
essa pandemia, que alterou
que estamos escrevendo a está apresentada a partir da
todos os nossos planos e modos
história ao mesmo tempo que nossa ótica e nosso corpo,
de viver, parece mesmo um
lemos e aprendemos com as no cotidiano de nossas vidas.
contexto propício para pensar
histórias daqueles que vieram Aqui está, acima de tudo, nossa
isso.
antes de nós. E elas são para experiência: como estamos
Nesse sentido, fizemos dois além de cada um: são coletivas. conhecendo e reconhecendo
movimentos: o primeiro foi de Intimamente ligadas com os a nós mesmos e ao mundo
inventariar (fazer um inventário), territórios que vivemos e com e também as pesquisas e
que tem a ver com recuperar a região. estudos que fizemos durante
as heranças que temos, aquilo todo o processo de inventariar
Nossa região é marcada pela
que foi gerado ou criado antes e inventar. Escritas feitas a
colonização, afinal, somos as
de nós, e transmitir isso para partir das entrevistas de todos
primeiras terras brasileiras
as próximas gerações. Ou os jovens mobilizadores,
a serem invadidas pelos *Esse trecho faz parte
seja, aprendemos juntos as alguns integrantes dos NUCAs
europeus. Mas ela também do texto ‘O dojo do BPI:
ancestralidades que possuímos, e educadores da iniciativa,
lugar onde se desbrava
é marcada por muita luta, um caminho’ de autoria de
os valores que nos formaram repleta de informações sobre Ângela Mayumi Nagai, em
resistência e revolução. Todas 2008. Ele está disponível
e foram deixados de herança publicamente no
Repositório da Produção
Científica na Unicamp.
12
O Vale do Ribeira está
localizado no sul do estado
de São Paulo, incluindo um
pouquinho do norte do Paraná:
Podemos dizer que o Brasil, uma divisa que combina o sul
como conhecemos hoje, pelo com o sudeste do país, mistura
olhar da história clássica e o natural e o concreto, abrange
colonizadora, tem como porta o litoral e o interior. A região é
de entrada o Litoral Sul de São bastante famosa pelo turismo
Paulo e o Vale da Ribeira. Uma pois conta com uma beleza
região composta por algumas natural riquíssima e paisagens
cidades como São Vicente, Praia e s to nte a nte s , f r u to d a
Grande, Mongaguá, Itanhaém, preservação ambiental, mesmo
Peruíbe, Ilha Comprida, Iguape que por vezes ameaçada.
e Cananéia. É justamente Entretanto, conserva mais de
por essa região que trafega o 2,1 milhões de hectares de
barco da iniciativa Crescer com florestas, aproximadamente
Proteção. Venha navegar com 21% dos remanescentes da Mata
a gente e descubra um pouco Atlântica brasileira. Além disso,
mais deste cenário tão cheio de compõem o lugar hectares e
diversidades. mais hectares de restingas e
manguezais.

14 15
Infelizmente, muito foi
que o compõem. Enquanto
destruído ao longo dos séculos remanescentes como
muitos turistas querem chegar autoconhecimento ao mesmo
de história, ao serem extraídos quilombos, povos caiçaras,
até os municípios, os jovens tempo que mergulhamos
sem qualquer discernimento, diversas aldeias indígenas,
da iniciativa relatam precisar nas histórias e vivências das
principalmente os cobiçados juntamente aos pescadores
fazer o caminho oposto: juventudes da cidade. E,
metais preciosos. Embora tradicionais e produtores
migrar em busca de melhores também, conhecendo com
algumas políticas públicas r i b e i r i n h o s e s t a b e l e ce m
oportunidades em outros mais atenção adolescentes e
tenham sido capazes de frear o conexões abundantes de
lugares. jovens que têm transformado a
processo, ainda restam muitos vivências locais e diversidades,
região a partir de mobilizações
desafios a serem enfrentados e Apresentado pelo Diagnóstico que caracterizam a região de
coletivas.
o prejuízo já sentenciou dezenas do Sistema de Garantia maneira muito plural.
de Direitos da Criança do As manifestações cotidianas
de espécies e costumes à Em um dos estados mais
Adolescente, as circunstâncias da população do Litoral Sul e
extinção. urbanizados do país, o Vale
reduzem a capacidade produtiva do Vale do Ribeira mantém
Seus quase 500 mil habitantes do Ribeira e todo o litoral do
das gerações futuras, além de viva, até hoje, as tradições
convivem com a riqueza sul de São Paulo são legítimas
não assegurar os direitos desses e raízes dos povos que se
natural, mas também com exposições a céu aberto da
jovens cidadãos. O Diagnóstico formaram ali ao longo de toda
desafios econômicos. O Vale variedade natural e cultural do
recomenda expansão de ações a história. Elas ensinam sobre
é historicamente uma das país, tornando-se, inclusive, uma
de prevenção, com políticas a convivência equilibrada entre
regiões que enfrentam maior das seis áreas brasileiras que
públicas mais qualificadas e homem e natureza, respeitando
vulnerabilidade nos estados de passaram a ser consideradas
com participação popular, e seus ciclos e defendendo seus
São Paulo e Paraná. O IDH (Índice pela Unesco (Organização
também a proteção contra recursos. Aqui, você começa
de Desenvolvimento Humano) das Nações Unidas para a
todas as formas de violência, sua rota seguindo os ventos que
das famílias residentes está em Educação, Ciência e a Cultura)
com ações que se voltem para vêm do sul, margeando o litoral,
patamares inferiores à média como Patrimônio Natural da
as juventudes, cujos registros parando, cais por cais, até guinar
do estado todo. De acordo com Humanidade.
de violência acendem um alerta rumo ao porto.
dados do governo estadual, a Nossa viagem começa por
vermelho para uma realidade
região alcançou o nível médio Cananéia, passa por Ilha
que precisa ser enfrentada com
de IDH, com 0,711, enquanto a Comprida e Iguape. Depois,
compromisso e prioridade.
média estadual, considerada seguimos para Peruíbe, de
alta, é de 0,783. O processo de colonização
lá Mongaguá e Itanhaém. Aí
da região deixou heranças
O cenário é de uma realidade chegamos nas cidades mais
fortes na cultura popular. O
que estimula e valoriza o populosas como Praia Grande, e
território conta uma história
turismo, mas também enfrenta por fim, em São Vicente. Vamos
que tem identidade europeia,
problemas na garantia de da primeira vila brasileira até o
mas também muitas histórias
direitos para jovens, no que primeiro município com registro
dos que resistiram bravamente
diz respeito à educação de oficial, em um percurso de
à exploração da metrópole em
qualidade, emprego, saúde
relação à colônia. Comunidades
e oportunidades nas cidades

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18 19
O Vale do Ribeira possui Sabe-se também que Cananéia
uma intrincada história com não possuía uma terra de onde
a chegada dos europeus ao era possível extrair riquezas
Brasil, e essa terra foi uma das imediatamente exploráveis
primeiras portas de entrada pelos colonizadores. Ainda no
para a colonização brasileira. século XVII, a cidade tornou-
Por isso, muitas dessas cidades se um lugar de passagem para
compartilham as narrativas quem queria chegar até a região
clássicas sobre ocupação do sul do país. Com isso, diversos
território pelos portugueses, e estaleiros, lugares onde se
há uma certa controvérsia em constroem e reparam navios,
relação à história de Cananéia. foram instalados na região. Em
Para alguns historiadores 1782, Cananéia contava com
portugueses e espanhóis, 16 estaleiros e mais de 200
Cananéia é a cidade mais antiga embarcações produzidas.
do Brasil, fundada em agosto Até o século XVIII, os
de 1531 por Martim Afonso de moradores da cidade pescavam
Souza. No entanto, como não e plantavam apenas para a
há documentos que provem sua subsistência, cultivando
a data de quando foi fundada, também arroz, cana-de-
Cananéia acaba perdendo açúcar e mandioca. A partir do
esse título, que ficou para São século XIX, com o incentivo ao
Vicente. processo de industrialização
A outra versão, dos dados da cidade, a pesca também
oficiais, de acordo com o passou a se tornar a atividade
Instituto Brasileiro de Geografia econômica principal da região
e Estatística (IBGE), é de que a e a maior fonte de renda para
Vila de Cananéia foi criada em os habitantes.
1601, após as terras da região Com o desenvolvimento e
terem sido doadas pelo capitão crescimento de Cananéia, não
Diego de Medina ao Padre demorou muito para a região
Agostinho de Matos. A prova também se tornar uma estância
de que o território é mais antigo, balneária pelo estado de São
entretanto, seria a igreja de São Paulo por conta do seu atrativo
João Batista, fundada em 1577, turístico. Além disso, a cidade
de acordo com os registros. Mas foi tombada pela Organização
também não há comprovação das Nações Unidas para a
oficial de quando realmente a Educação, Ciência e Cultura
capela foi construída. (Unesco) como patrimônio

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natural da humanidade. A revista
americana Condé Nast Traveler (Núcleo de Cidadania de
definiu a região como o melhor Adolescentes e Jovens) a
roteiro ecológico do mundo. mundo, que pesava cerca de colorido dos lambe-lambes
partir da iniciativa Crescer com
3,5 toneladas e foi capturado prova que os adolescentes
Os motivos para essa escolha Proteção, promovida pelo
por pescadores locais. As e jovens da cidade, também,
parecem ser as várias paisagens UNICEF, em parceria com o
opções são tantas que no site constroem outras paisagens no
paradisíacas espalhadas pela Ministério Público do Trabalho
da prefeitura há um convite território somando arte urbana
cidade. Por exemplo, há muitas (MPT), a Agenda Pública e o
para vir a Cananéia em todas as às cenas paradisíacas.
ilhas abertas para a visitação, Instituto Camará Calunga.
estações do ano: no verão, para
como Cardoso, Bom Abrigo, Nas atividades, os jovens
conhecer as praias e cachoeiras,
Filhote, Cambriú, Castilho, se reúnem e debatem sobre
no outono para fazer as trilhas,
Figueira, Casca e Pai do Mato. as maiores necessidades da
no inverno para a Festa do Mar
Há destaque também para as cidade, sobretudo, para construir
e na primavera para ver a Mata
praias: Pereirinha, Itacuruçá, uma Cananéia que tenha a
Atlântica desabrochar.
Ipanema, Cambriú, Bom Abrigo cara da juventude. Apesar de
(Farol), Marujá, Fole Pequeno, Não há como negar que
existirem algumas alternativas
Foles, Lages, Enseada da Baleia Cananéia possui um roteiro
para quem vem de visita, não
e Pontal do Leste. muito atraente para quem adora
há, por exemplo, um cinema
viajar e conhecer novos lugares.
na cidade com uma agenda

Colmenero
Na verdade, Cananéia torna-
Mas, como realmente é, para os
se muito atraente por conta atrativa e qualificada, queixa
seus 12.542 habitantes, residir na
da quantidade de opções comum entre os jovens. Além
cidade?
disso, os jovens afirmam que

© Marcelo
disponíveis para se conhecer.
O Parque Estadual da Ilha do No setor educacional, de grande parte da programação
Cardoso (PEIC) Núcleo Perequê acordo com os dados do IBGE, voltada à cultura e lazer estão
também recebe muitas visitas. Cananéia conta com 15 escolas limitadas aos eventos e festivais
Só nesse espaço é possível de ensino fundamental e 4 locais da cidade, os quais muitos
encontrar museu, laboratório e de ensino médio. Fora isso, têm um forte apelo religioso.
aquário. Além de trilhas, morros, há algumas ações pontuais e
Neste cenário, em coletivo, a
costões, cachoeiras, rios, lagoas, locais que buscam entusiasmar
juventude vem se mobilizando
piscinas naturais, comunidades e ensinar sobre a diversidade
para criar e recriar seus lugares
caiçaras e o farol, onde também ambiental da região, a maioria *O Tratado de Tordesilhas foi um acordo selado em
no município, com autonomia 1494 entre Portugal e Espanha. Ele dividiu a América
está o marco do Tratado de deles direcionados a estudantes
e propriedade. Lambe-lambes do Sul: a parte oriental passou a pertencer a Portugal

Tordesilhas*. do ensino fundamental. e a ocidental à Espanha.


espalhados pela cidade, em *Lei de Aprendizagem (Lei 10.097/2000) foi criada

No município também é Com o intuito de ter um espaço uma ação cultural promovida para fomentar emprego a jovens de 14 a 24 anos,
através de programas de formação e aprendizagem
possível conhecer inúmeros onde fosse possível pensar por eles, buscaram provocar a que pudessem capacitar para o mercado de

sítios arqueológicos. No Museu propostas para criar e qualificar população para pensar sobre
trabalho. É assim que surge a categoria “jovem
aprendiz”.
Municipal, está exposto o as oportunidades e políticas os direitos das juventudes
segundo maior tubarão do públicas voltadas às juventudes e também para divulgar
é que nasceu o NUCA Cananéia informações sobre a Lei da
Aprendizagem*. Todo esse

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© UNICEF/BRZ/Fabio Hirata

melhor, na internet, e com


não só alcançou como superou, palavras, rabiscos e cores ela
e agora, vem somando sua mostra como a arte é uma via
voz a de outros jovens pela de metamorfose do olhar, da
construção de um futuro melhor vida e da história de tudo ao
e com mais possibilidades para nosso redor.
a juventude da sua cidade e Uma simples paisagem
região. cotidiana, ao ser colocada
em desenho, (des)cobre o
A arte é uma potente
“Eu me aproximei de mundo, o revela por meio de
ferramenta para quando as
mais pessoas, fiz mais muitas camadas. Junto a outras
palavras e os gestos não são
amizades e gosto muito meninas cheias de qualidades
suficientes para expressar tudo Desde pequena, sente uma
de participar das reuniões, e aptidões artísticas, ela tem
que pulsa dentro de nossa imensa dificuldade em se
principalmente aquelas que aprendido a se orgulhar de
alma. É assim que Júlia rompe relacionar e se abrir para as
são mais práticas, essas sua sensibilidade e a comunicar,
o silêncio e se joga no mundo: pessoas. Ela lembra que, ainda
são muito divertidas. Com agora com mais ferramentas, a
munida de papéis, tintas, na infância, chegou a ter dias de
as atividades, eu acabei me beleza daquilo que sentimos em
canetas e lápis. não querer ir para a escola, pois
soltando e melhorei muito nossa intimidade, muitas vezes
sofria bullying e isso dificultava
a minha comunicação, é tão pouco acessada e pouco
muito sua integração.
“Eu gosto muito de um espaço onde me sinto acessível. E a imaginação, amiga
desenhar. Para mim, uma à vontade para manifestar de infância de Júlia, é uma
folha em branco é o que “A maior parte da minha minha opinião.”. ferramenta valiosa no NUCA e
preciso para expor minhas lembrança da escola é agora ajuda a criar caminhos
ideias e sentimentos, pois ruim, pois meus colegas e soluções para uma cidade
implicavam comigo e faziam A iniciativa se apresenta para
nunca fui muito boa em me com mais direitos garantidos a
brincadeiras de mau gosto. E ela como uma verdadeira
comunicar com as palavras.”. crianças e jovens.
eu cheguei a ter épocas de via de mão dupla. Com as
nem querer mais frequentar metodologias de estudo e de
Júlia tem 17 anos e é moradora planejamento de ações que
a escola.”.
de Cananéia. No meio de 2020, tem em grupo, todos ensinam e
em plena pandemia, ela se abriu todos aprendem. Júlia aprendeu
a novas experiências buscando Júlia se candidatou à iniciativa a se comunicar melhor, mas
justamente melhorar suas Crescer com Proteção, uma também vem ensinando muito
habilidades de comunicação parceria do Fundo das Nações com a criatividade que vibra do
e troca. As lembranças de sua Unidas para a Infância (UNICEF) seu interior. A intervenção que
infância são repletas de uma com o Ministério Público do fizeram espalhando cartazes
imaginação um pouco solitária. Trabalho (MPT), a Agenda de lambe-lambe pela cidade
Muitas vezes, sozinha, Júlia Pública e o Instituto Camará estimulando a população a
brincava de ser fada, sereia, Calunga, logo que soube da contar sua própria história foi a
vampiro e tudo que a cabeça seleção de jovens. Tinha a primeira potente ação de muitas
de uma criança pudesse criar. intenção de conhecer mais que Júlia vem construindo
gente e debater assuntos coletivamente. Recentemente,
importantes. Expectativa que colocou a cara no mundo, ou

24 25
para Cananéia, cidade que
“Sempre vivi em Cananéia,
tanto gosta. Convidada por
então quase toda minha
uma amiga, passou a integrar
memória de infância se
o grupo de sua cidade e logo
baseia em lembranças...
quando chegou, já sabia bem o
como a primeira vez que
que ia encontrar:
pesquei de rede, das vezes
jogando bola na rua e de
subir em árvore, e isso é

© Eduardo Petrini
“Eu sempre tive vontade de muito bom.”.

participar de projetos assim,


Quando se fala em crescer
“(...) a gente acaba mas nunca tinha tido a com proteção, é essa imagem
A maneira como a nossa passando nossa juventude
sociedade se organiza não planejando nossa vida fora
oportunidade de fato. Entrei no que vem à mente: uma infância
saudável, com segurança e
é justa. A desigualdade se da cidade, estudando para CCP e agora também participo garantia de direitos. O contato
apresenta das mais variadas sair e guardando dinheiro
formas em diferentes esferas para isso.” do NUCA, e essa é minha com a natureza é essencial, mas
a Lê quer também expandir
de nossas vidas. Letícia, de 16
anos, moradora de Cananéia,
parte favorita, pois nunca os horizontes da cidade e

sabe bem sobre isso. Dizer isso é um tanto revoltante, tinha visto os jovens tomando construir, juntamente com
o poder público, incentivos
afirma Letícia. Ela não queria
Atualmente, ela cursa
precisar investir seu dinheiro a frente mesmo, participando para pesquisa e educação de
Mecatrônica integrada ao qualidade, a fim de construir
Ensino Médio no Instituto
e tempo em possibilidades ativamente.”. uma cidade em que os jovens
de futuro fora da cidade,
Federal de Registro*. Com a que queiram ficar por ali,
mas sim que houvesse mais
pandemia, passou a estudar oito possam assim fazer de maneira
acessibilidade em educação
horas por dia em frente à tela, Nascida e criada em digna e com oportunidades de
superior e tecnológica para os
dentro do seu quarto. O que, Cananéia, sua atuação como expansão.
jovens que moram ali.
para ela, tem sido um imenso jovem mobilizadora busca
desafio. Letícia sabe que parte de transformar para melhor esse
ser jovem é justamente ter a lugar, sobretudo para jovens
Toda essa dedicação é por
vontade de fazer a diferença e adultos, pois a cidade tem
conta do sonho que tem
por si mesmo e superar os muito potencial para qualificar a
em trabalhar com Ciência
limites impostos, mas isso não educação e a profissionalização
e Tecnologia. Morando em
pode ficar só na perspectiva em tecnologia. Mesmo sendo
Cananéia, Letícia diz que, na
individual, pois não alteraria uma cidade rica em natureza,
*Registro fica a 70km de Cananéia.

área que escolheu estudar, fica


as estruturas de desigualdade. Letícia acredita que isso não se
mais difícil ter perspectivas para
Ainda que cansada da rotina de opõe às inovações e lembra,
construir sua vida na cidade. De
estudos imposta pela pandemia, com carinho, de uma infância
toda forma, ao passo que vai
ela encontrou na iniciativa marcada por liberdade e
construindo seu futuro, também
Crescer com Proteção uma aventuras:
pensa muito sobre o futuro de
maneira de se juntar a outros
Cananéia.
jovens para pensar mudanças

26 27
exatamente como ela é, e que muito importante fazer dela, e
dão todos os estímulos para de toda a região, um lugar cada
que ela sonhe e construa a sua vez melhor, principalmente mais
história com autenticidade. E inclusiva.
o que não falta são asas para Ela afirma que é importante,
os desejos dela. Ainda que não principalmente em uma cidade
tenha entrado na universidade pequena, discutir sobre as
ainda, ela pensa em uma carreira mais diferentes expressões de
como comissária de bordo. gêneros e sexualidades. Colocar
Viajar pelo mundo e morar em pauta os direitos LGBTQIA+
© Eduardo Petrini em lugares diferentes. É por para todos, expandir para as
Enquanto a pandemia isso que segue investindo nos cidades que são menores essa
deixava tudo suspenso, Júlia estudos de idiomas, e já pode se discussão, que é urgente em
Rosa, roxo, platinado... é considerar uma poliglota.
experimentou a vida de um todo lugar.
também nas cores do cabelo
jeito diferente, se jogou em No movimento de se envolver E que a cidade precisa ser
que Júlia mostra ao mundo
novas vivências, aprendizados com coisas novas, Júlia recebeu segura para as juventudes.
uma boa dose de rebeldia e
e no amor. Há um ano namora o convite de se juntar ao NUCA Que os jovens têm que poder
autenticidade. Ela tem muito
uma outra jovem, uma relação em Cananéia e acabou se caminhar sem medo de ser
a dizer sobre o acolhimento a
à distância que começou pelas tornando mobilizadora no CCP. violentados por serem quem
diferentes formas de viver e
redes sociais, de um jeito A descoberta desse grupo foi são. É por isso que ela tem
se expressar, e quer andar por
bem geração Z. A orientação muito positiva. Ela conta que entrado em ação junto aos mais
uma cidade onde seja possível
sexual nunca foi um grande participou de intervenção de 30 jovens do CCP: para que
exibir as diferenças sem ter
mistério para Júlia, e admitir artística e política no CRAS, perto Cananéia seja mais do que um
que combater, a todo tempo,
sua diversidade foi um de onde mora, em Cananéia, e lugar bonito para se visitar, mas
preconceitos.
caminho natural, processo que está muito feliz de fazer parte do também um município em que
18 anos, formada no ensino reconhece contar com alguns grupo de jovens mobilizadores. a diversidade seja desejada e
médio, ela mora com os pais privilégios: respeitada.
e optou, para cuidar de sua
saúde mental, deixar a escolha “(...) me senti muito bem © Arquiv
o Pessoa
l
da profissão para o próximo ano. “Meus pais sempre me nas atividades, tanto
deram apoio, e eu sei nas reuniões como na © Arquivo Pessoal

que isso é um privilégio. intervenção que fizemos,


“Eu estou me dando um Muitas pessoas enfrentam colamos lambes e fizemos
tempo, estou cuidando dificuldades em casa e são desenhos nas paredes
da minha saúde mental até expulsas, mas minha do CRAS e isso foi muito
e me dedicando a outras família sempre foi uma base divertido.”.
coisas importantes. Estou para mim.”
estudando outras línguas
como libras e espanhol, e Criada quase a vida toda
treinando meu inglês: são Filha de um artesão e uma em Cananéia, ela carrega um
estudos que vão me ajudar professora de artes, Júlia tem carinho imenso por onde mora,
mais pra frente.” verdadeiros aliados dentro de e ainda que queira conquistar
casa. Pessoas que a aceitam o mundo e sair da cidade, acha

28 29
com uma postura madura e
música clássica. Até chegar
consciente sobre como a vida
aqui, precisou encarar muitos
vai se dando, ela está cada
desafios, afinal, de acordo com
vez mais convencida que não
ela, o cenário atual não é muito
construímos nosso destino
animador no investimento à
sozinhos, precisamos ter
cultura musical. No entanto,
sempre com quem contar e
agradece por sempre poder
dividir, principalmente quando
contar com o apoio da mãe,
o assunto é repensar a cidade
que é faxineira, e do pai, que
e o futuro. Cananéia parece
é funcionário público de uma
precisar de uma nova trilha
escola. Aliás, foi esse cuidado
sonora, mais coletiva, assim
Maria Eduarda segue o som da mãe que, sempre atenta aos
como uma orquestra. A aposta
do coração e faz da música o interesses da filha, fez com que
cheia de cuidado e amor. Na sua é que a melodia composta
seu caminho. As matérias da ela sugerisse a inscrição no CCP
infância, a família passou por pelos jovens possa sensibilizar
escola ou a leitura nunca a - e acertou em cheio.
perdas importantes, inclusive os ouvidos e inspirar essa nova
fizeram brilhar os olhos como a de seu irmão, episódio que Como a maioria dos composição.
as melodias fazem. A música a deixou uma marca importante participantes, ela achou que
transporta para um universo de em quem ela é hoje. seriam aulas com temática
paixão. E é assim, que, hoje, aos de cidadania e política, uma
Eduarda gosta muito da
19 anos, ela se dedica ao estudo formação bem tradicional. E
cidade onde viveu toda sua
do eufônio, um instrumento da como nunca foi uma entusiasta
história desde que nasceu, em
família dos metais. do ensino tradicional, tinha
Cananéia, mas, infelizmente,
alguns receios. No entanto, uma
precisou sair dali para construir
bela surpresa a esperava:
“Comecei a estudar a carreira na profissão que
música no Conservatório escolheu:
e escolhi o eufônio para
*Tatuí fica a 278km de Cananéia.
seguir meu aprendizado.
“Eu vou precisar voltar para

© Marcelo Colmenero
É um instrumento muito
Tatuí* para continuar meus
importante pra mim, que
estudos e conseguir uma
me trouxe uma família e é
oportunidade de construir
fundamental para quem eu
minha vida profissional.
sou.”.
Mas, se eu pudesse escolher,
não iria embora. Eu amo
A pandemia fez com que Maria Cananéia, mas a cidade
Eduarda, ou só Eduarda, como não oferece possibilidades
se apresenta, voltasse para para quem busca uma área
a casa dos pais depois de já de atuação diferente como
ter ido morar em outra cidade a minha.”. O grupo de adolescentes
para estudar. Ela afirma que e jovens do NUCA tem
voltar não foi um problema, ganhado muito espaço no
Duda estuda música no
a convivência com os pais é coração de Maria Eduarda, e,
Conservatório Musical de Tatuí,
uma instituição referência em
30 31
Aqui queremos fazer a você um convite para navegar conosco pelo
Litoral Sul e Vale do Ribeira. Nessa viagem, queremos te conhecer e
também te provocar a se conhecer melhor, topa?

Para começar, preencha aqui sua Ficha de Embarque: nela você se


apresenta e, também, revela um pouco do seu lugar no mundo.

* Nem sempre o nome civil (aquele que está no nosso


registro de nascimento) expressa como nos reconhecemos
ou nos autoidentificamos. Por isso a expressão “nome
social”, que significa o nome que você gostaria - e tem o
direito de - ser conhecido pela sociedade.

* As etnias brasileiras são oriundas de três grandes grupos


étnicos: indígenas originários, africanos e europeus. A
classificação do IBGE pode te dar um norte (Branco, Pardo,
Preto, Amarelo ou Indígena) mas há uma vasta literatura
disponível para pensar a diversidade das nossas origens
étnicas. É sempre interessante pesquisar sobre isso, pois
nos ajuda a conhecer melhor quem somos.

* Identidade de gênero é a maneira como expressamos


o gênero com o qual a gente se identifica. Isso não
necessariamente está vinculado à anatomia de nossos
corpos. É comum vermos identidades de pessoas
cisgênero (pessoas que se reconhecem com o gênero
idêntico ao sexo que lhes foi atribuido ao nascer) e pessoas
transgênero (que não se identificam dessa maneira) como
transexuais, travestis, intersexuais, identidades não-
binárias, agênero ou de gênero fluido, por exemplo). Mas
são múltiplas as expressões possíveis de nossa identidade.
Que tal pesquisar sobre essa diversidade?

* Orientação sexual se refere a uma direção ou uma


inclinação de desejo afetivo e/ou erótico por outra
pessoa. Há um espectro enorme de possibilidades
dessa orientação, mas comumente podemos destacar:
heterossexuais, lésbicas, gays, bissexuais, assexuais,
polissexuais, pansexuais e mais uma série de outras
expressões possíveis. E nossas orientações não precisam
ser estáticas ou permanentes, também podem ser fluidas.
Pesquise sobre esse tema e as lutas que existem nesse 33
campo!
Como o nome bem diz, caiçaras, com direito a apreciar
Ilha Comprida é um litoral comidas típicas, fazer passeios
extenso banhado pelo mar e de barco e, de quebra, comprar
de uma riqueza nativa não só alimentos orgânicos cultivados
exuberante, como substancial localmente.
à fauna e à flora marinha As pequenas comunidades
brasileira. Não à toa, em 1987, caiçaras compõem a população
a área obteve o título e a de cerca de 11.552 habitantes de
custódia como uma Área de Ilha Comprida, de acordo com
Proteção Ambiental (APA), visto dados do Instituto Brasileiro de
que sua restinga, com cerca de Geografia e Estatística (IBGE).
70km, protege um dos últimos Um número que, em épocas
complexos de ecossistemas de alta temporada, entre os
ainda conservados do litoral meses de dezembro e fevereiro,
brasileiro. Tais características muda radicalmente, e pode
rendem paisagens incríveis chegar a 600 mil circulando
constituídas por ambientes de pelo município. Esse número
mata de restinga, dunas, praias expressivo aponta que a
e manguezais. Cenário que, maior parte das atividades
obviamente, torna-se destino desenvolvidas na cidade tem
de muitos turistas, e esta é uma como objetivo o atendimento
das principais características da desse enorme fluxo de
cidade. visitantes.
De fato, há muito o que se Apesar da emancipação oficial
aproveitar no local, e toda a do município ter acontecido
população nutre um grande somente em 1991, Ilha Comprida
orgulho pelas belezas do lugar. tem uma história muito

* Documentos que Coroa Portuguesa promulgava,


distribuindo lotes de terras a serem ocupados e
administrados por beneficiários em nome de Portugal.
As praias e suas paisagens antiga. Ainda no século XVI,
paradisíacas, além dos colonizadores eram atraídos
passeios pelas ilhas caiçaras, para a região por conta das suas
com destaque para as vilas madeiras nobres, ouro e pedras
da Trincheira, Boqueirão Sul, preciosas. Com a movimentação
Juruvaúva, Pedrinhas, Vila do lugar, a coroa portuguesa
Nova, Ubatuba, Viaréggio, decidiu dividir as terras de Ilha
Araçá e Ponta Norte, são, sem Comprida, através das “Cartas
dúvida, algo que não pode sair de Sesmarias*, e com isso
do roteiro de visitantes. Nessas várias vilas foram surgindo. Até
visitas é possível mergulhar o começo do século XX, a região
na cultura das comunidades ainda era dividida em vilas, que

34 35
© Eduardo Petrini
cresciam separadamente e de Adolescentes e Jovens, esportivas e culturais. A Como uma cidade ainda jovem
em níveis diferentes. Em 1938, que faz parte da iniciativa prefeitura também é parceira administrativamente, com muito
o território de Ilha Comprida Crescer com Proteção, que do espaço e oferece atividades apelo turístico, é capaz de gerar
foi dividido entre Iguape e eles se encontram para pensar ali. Apesar de fazer uma grande cultura, lazer e educação para
Cananéia e só a partir dos anos soluções e estratégias que diferença para os jovens da a população que vive ali o ano
50 é que começou, de fato, um fomentem a participação cidadã região, os jovens mobilizadores todo? As juventudes de Ilha
desenvolvimento urbano mais para construção de políticas avaliam que ainda faltam Comprida estão cientes que
expressivo na região. públicas que visem a garantia incentivos à produção cultural é dever do Estado oferecer
A junção de todos esses de direitos das juventudes. juvenil na cidade. políticas públicas efetivas e
aspectos históricos e Juntos, os jovens atuaram na de qualidade, mas também
geográficos resulta em uma criação de uma biblioteca móvel “Eu considero a Ilha um sabem que precisam cumprir
cidade pequena com população com o intuito de estimular a lugar de turismo. Quando um papel cidadão. E por
que colhe os benefícios de viver cultura literária na cidade. A é feriado você vem pra cá, meio da mobilização social,
em tranquilidade, cercada de intervenção cultural recebeu pra conhecer e aproveitar tem provocado a pequena
uma natureza exuberante, o nome de “Você Tem Fome mesmo. Se você quer população da cidade a olhar
mas que também sofre com de quê?”, inspirada na canção estudar, aqui não tem com mais cuidado para os
faculdades grandes, por direitos dos adolescentes e
algumas ausências. No campo “Comida”, da banda Titãs (1987).
exemplo”, declara Layssa, de jovens que ali vivem e apoiarem
da educação, por exemplo, de Os adolescentes revitalizaram
14 anos, que mora no centro de a participação popular das
acordo com dados do IBGE, coletivamente uma geladeira
Ilha Comprida. juventudes para uma cidade
há 1.578 alunos matriculados para servir de estante de livros
nas 5 escolas de ensino doados e disponíveis para mais digna, e também mais
fundamental e 393 na única troca a quem circulasse pelas criativa. A metáfora da geladeira
instituição de ensino médio ruas da cidade. E assim nasceu literária é um exemplo dessa
da região. De acordo com os a biblioteca móvel promovida inovação, e parece oferecer
jovens, essa estrutura acaba não pelo CCP. ingredientes para um cardápio
atendendo suas necessidades, enorme de invenções possíveis.
Ações como essa também

©E
que enfrentam restrições para ocorrem no espaço Ilha Jovem,

du
formação e também de inserção

ard
que atualmente faz parte de

o
no mercado de trabalho, tendo

Pe
um dos anexos do complexo

trin
como referência o ensino Espaço Cultural Plínio Marcos,

i
técnico da cidade vizinha, atendendo pessoas de 10 a 29
Iguape. anos. O local oferece diversos
A conjuntura de falta de cursos como Teatro, Fotografia,
oportunidades diversas gera Expressão e Movimento, Violão,
demandas da juventude da Capoeira, Informática, Dança,
cidade. É no NUCA Ilha, um Desenho Criativo, Crochê
dos Núcleos de Cidadania Criativo e outras atividades

36 37
“Os educadores disseram

* A extinção do arco-íris: ecologia e


história”, Jozimar Paes de Almeida, 2008
que mandariam algo
pensado especialmente para
O esporte, uma política pública
nós. E quando chegou aqui o
que requer estruturação e
livro ‘A extinção do arco-íris’*,
investimento mais eficazes e
eu fiquei muito feliz, achei
inclusivos, acabou virando um
que eles acertaram em cheio
passatempo das horas vagas,
e foram muito atenciosos,
e a rotina foi sendo preenchida
guardo com muito carinho.”
com outras atividades: a escola
e também o NUCA. Apesar de
Bruno carrega dois interesses ser muito corrido somar todas
que muitas pessoas acreditam essas ações, Bruno sentiu
O ano de vestibular, por si só, Bruno cursa a modalidade de não combinar nada: ser na pele a importância de ter
já é desafiador. Agora já pensou ensino integral técnico na ETEC, um estudante aplicado e políticas públicas eficazes para
se ele é atropelado pela maior em Iguape, com formação interessado em agronomia e poder investir em seus sonhos
crise sanitária da história recente em técnica em agropecuária. um jogador - quase profissional! e carrega, no histórico da sua
mundial? É exatamente isso que Com um interesse nato pelas - de futebol. A adolescência família, a luta por manter viva
milhares de jovens brasileiros questões da natureza, ele já toda ele passou nas escolinhas as tradições locais. No coletivo
enfrentaram no ano de 2020. escolheu fazer faculdade de de base da cidade. Jogou nas com outros adolescentes e
Bruno foi um deles. Engenharia Ambiental. Esse é um categorias sub-13, sub-17 e o no jovens tem se fortalecido para
Decidido e dedicado, o sonho compartilhado, inclusive, time amador de Ilha Comprida. construir uma Ilha Comprida
jovem de 17 anos, morador com seu melhor amigo Pablo, No entanto, com o pé no chão, em que seja possível valorizar
de Ilha Comprida e estudante um grande parceiro de estudos, assim que foi crescendo e a história e concretizar sonhos,
do terceiro ano do Ensino lazer e militância que Bruno faz chegou a hora de escolher sua na cidade e no campo.
Médio, sabe muito bem o que questão de reconhecer. profissão, deixou o sonho de ser
quer cursar e para onde quer O interesse pela área não jogador de lado para se dedicar
ir, e sabia que o ano seria de veio apenas do curso técnico ao que achava mais real.
dedicação. O que ele não sabia que já faz, mas do exemplo
é que tudo isso seria vivido em casa. Bruno mora com a
dentro de casa, em frente a um mãe e as duas irmãs. Desde
computador e com o mundo lá que ele nasceu, sua mãe é
* A extração do musgo (Sphagnum sp) beneficia a
economia das comunidades tradicionais e, de maneira
regulamentada, garante o extrativismo sustentável,
direitos trabalhistas e valorização da cultura local.

fora desesperado sem saber o extrativista de musgo*, uma


que seria do futuro do planeta. atividade comum às tradições
dos caiçaras da cidade. Toda
essa relação com as atividades
tradicionais e ancestrais da
cidade despertou o interesse
do jovem pelas relações
colaborativas e sustentáveis
entre a comunidade e a
natureza. Seu entusiasmo com

i trin
o assunto é tão aparente, que,

rdo Pe
logo que entrou para a iniciativa
do CCP, ganhou um presente

© Edua
super a sua cara:
39
importância desse cuidado! E São tantas atividades
é pensando em aprimorar as interessantes que Melyssa já
políticas públicas de saúde que viveu no CCP que foi bem difícil
Melyssa integrou ao CCP ao lado escolher uma só. Ela adorou
de outros jovens. Se tornando fazer o formulário das violências,
uma jovem mobilizadora na bater um papo com a ColetivA
segunda chamada da seleção, Ocupação*, criar o NUCA e a
e mesmo com dificuldades na festa de lançamento que teve
conexão com a internet, tem no youtube. Apesar de estar de
conseguido fazer muita coisa olho no mundo lá fora, ela está
junto dessa galera. muito orgulhosa do que vem
Muita gente acha que jovens Ela mora com os pais em Ilha fazendo, e vai continuar, com
são avoados e desfocados, Comprida, cidade que acha muita disciplina, dando conta de
mas isso está bem longe de muito bonita e que costuma tudo. Sua postura proativa deixa
ser verdade, e Melyssa é um aproveitar bastante as belezas evidente, para quem duvida da
grande exemplo do contrário. naturais. Seu lugar favorito é capacidade dos adolescentes,
Aos 15 anos, ela já tem um o deck, onde ela pode ver o que é possível uma mobilização
sonho muito definido na cabeça, nascer e o pôr do sol: uma vista organizada para transformar as
se dedica com muito afinco a que acha incrível, pois mistura coisas.
realizá-lo e vem se preparando o mar e a avenida principal da
para conquistar uma vaga em cidade formando uma paisagem
uma universidade no exterior. cinematográfica. Melyssa sabe
Para isso, dedica parte da sua que há muito o que melhorar
rotina aos estudos de um novo na cidade, e gostaria de mais
idioma, o inglês. Então, além das investimento em serviços que
atividades do colégio, todos os ela acha fundamental para a
dias ela para pelo menos um população.
pouquinho para entrar em
contato com a língua através
“A cidade é linda, mas
de filmes e podcasts.
alguns bairros não têm luz,
nas praias, faltam lixeiras
“Eu acordo, ajudo minha apropriadas. Se eu pudesse
mãe com as tarefas de casa, tentaria criar alguma forma
ajudo a fazer o almoço, faço de oferecer atendimento
as atividades do colégio e à saúde mental dos jovens
depois sento para ver filmes da cidade, isso é muito
e séries com a minha família. importante.”.
É uma forma que eu tenho de

© Eduardo Petrini
estudar o inglês para tentar
Saúde mental é coisa séria e
passar em uma faculdade
nesse momento de pandemia
fora.”.
ficou ainda mais evidente a
* A ColetivA Ocupação foi criado em 2017 por
performers e artistas que se conheceram durante o
levante do movimento secundarista e as ocupações de
40 escolas públicas em São Paulo.
descobrir que também há outros
jovens cheios de questões como
ela. Convidada por uma de suas
melhores amigas, a Melyssa, ela
entrou para o grupo e diz que
foi uma das melhores coisas
que já fez e, se não lhe trouxe as
respostas, ao menos lhe trouxe
alguns bons caminhos.

“Criar o NUCA foi a coisa

i
rin
mais legal que eu já fiz na

et
oP
Ao longo da vida vamos vida, me deu a oportunidade

rd
passando por muitas fases coisas diferentes para serem

ua
de conhecer outros jovens,

Ed
e tomamos muitas decisões feitas.”.
saber o que eles estão

©
importantes. No entanto, pensando, e perceber que
quando somos jovens, ainda Ela mora com a mãe e mais são as mesmas coisas,
descobrindo as possibilidades, três irmãos, ou seja, casa cheia, preocupações e ideias. E
precisamos fazer não uma, o que também não ajuda na isso é muito legal porque
nem duas, mas várias escolhas concentração. A solução que podemos nos juntar para
decisivas, e que parecem Layssa tem encontrado então mudar Ilha Comprida.”
definir todo o nosso destino. É é avançar nos estudos de inglês,
exatamente assim que Layssa e, ultimamente, está investindo
se sente aos 15 anos: em busca Na entrevista de seleção, os
em assistir filmes e séries
de respostas para essas várias educadores lhe perguntaram se
legendadas para unir o útil ao
decisões. ela realmente queria melhorar
agradável.
Ilha Comprida a fim de que
Layssa é estudante do nono
fosse um lugar melhor para a
ano e mora na cidade de Ilha
“Ser jovem é difícil, é juventude. Ela conta que foi
Comprida. Apesar de ainda
como se a juventude fosse para casa pensando muito
não estar no Ensino Médio, sua
a fase da nossa vida que sobre isso, mas que, hoje, não
sensação é de que há muito o
precisamos descobrir quem tem a menor dúvida: o que eles
que se decidir. E a rotina ainda Conhecendo gente nova,
nós vamos ser, eu não tenho estão fazendo juntos realmente
foi atropelada pela pandemia: artistas, educadores, gestores.
nenhuma dessas respostas. está cumprindo este objetivo.
Eu estou muito em dúvida, e L ays s a a p rove i t a c a d a
“Minha rotina está bem as pessoas colocam muita oportunidade para aprender
bagunçada, porque antes pressão e quanto mais e se inspirar. E parece que
a gente tinha escola, tinha pressão, mais eu fico na a literatura tem despertado
um horário para seguir dúvida pensando o que eu um carinho especial e feito
direitinho, mas como não vou fazer.” seus olhos brilharem. Quem
está tendo aula presencial sabe você não encontra ela
fica tudo bagunçado. Eu não por aí fomentando bibliotecas
Participar do CCP e integrar comunitárias? O NUCA Ilha já
tenho uma rotina fixa, cada
o NUCA Ilha tem ajudado a começou essa história.
dia é um dia diferente com
compartilhar essas angústias e

42 43
“Meu pai trabalha com
elétrica, de vez em quando
eu o ajudo em alguns
serviços. Eu gosto bastante
de fazer isso e quero estudar
para ter meu próprio
negócio no ramo.”

A educação superior em Ilha


Comprida não oferece muitas
opções, então o plano é sair
“Eu cheguei com 11 anos por um tempo da cidade, e
na Ilha, e aqui é um cantinho seu melhor amigo Bruno vai
de sossego. Apesar de junto.Talvez seja difícil pensar
Com tanto amor pela cidade
Morar em uma cidade precisar melhorar muita em deixar a Ilha, mas entende
que o acolheu, integrar o CCP e
pequena é aprender a coisa, eu sou muito feliz em que é preciso e está aberto à
ajudar a pensar melhorias para
dar valor às felicidades morar aqui e só tenho o que mudança.
Ilha Comprida tem sido uma
simples. O benefício de uma agradecer.” tarefa executada com muito
maior segurança pública, a A dupla Pablo e Bruno são
prazer e orgulho e podemos
tranquilidade de um ritmo Sua ida para a Ilha foi depois grandes companheiros na vida
afirmar que a política pública
menos acelerado e a facilidade da separação dos pais, um e no CCP. A ideia de entrar na
da cidade já sente os efeitos
em estar aqui ou ali. E Pablo capítulo decisivo e marcante iniciativa veio de Pablo, mas
de uma juventude engajada
é esse tipo de pessoa, que em sua trajetória. Na época, o no primeiro momento quem
em ter planos específicos para
reconhece e se satisfaz com pai tinha melhores condições entrou foi Bruno, brincadeira
essa população.
cada um dos detalhes de uma de vida para criar os filhos do que eles fazem dizendo que
vida à beira-mar. que sua mãe, o que ele nunca Bruno roubou a vaga de Pablo.
viu com maus olhos, sabe que No entanto, pouco tempo
Sua percepção, na verdade, foi uma escolha difícil para depois, assim que surgiu
tem tudo a ver com a sua ela, porém necessária para uma oportunidade, Bruno
infância na maior capital do o bem-estar de todos. A vida indicou o amigo para uma
país: São Paulo*. Pablo se compartilhada com o pai lhe vaga remanescente, e, hoje,
lembra bem de como era morar rendeu muita admiração, e ambos participam juntos das
em uma cidade tão grande: o hoje pensa em seguir os seus atividades.
barulho, o custo de vida alto, passos.
a falta de segurança, a falta
de espaço. E ainda que tenha No terceiro ano do ensino
um enorme carinho pelas médio, Pablo estuda para
lembranças vividas por lá, é entrar na faculdade e cursar
convicto em dizer que morar Engenharia Elétrica. Seu sonho
com o pai em Ilha Comprida é é continuar a mesma profissão
muito melhor. e conseguir ter o mesmo futuro
de quem o criou:

44 * São Paulo fica a 233km de Ilha Comprida. 45


© Eduardo Petrini
Bora embarcar?
Quem você gostaria que fossem os tripulantes na sua viagem?
Aqueles que dividem o barco contigo, dia a dia, com quem você divide
e partilha seu cotidiano... Quem é que tá com você? Que fecha contigo?
E que você levaria junto pro desconhecido?

Utilize esse espaço para representá-los como quiser, vale listar,


desenhar, fotografar, fazer colagens…

46 47
Existem algumas dúvidas em No século XIX, a cidade
relação à história do surgimento tornou-se referência na
de Iguape. A região começou produção de arroz, produto
a ser povoada em 1538, uma responsável por boa parte da
formação populacional de povos economia regional. A riqueza
nativos e os recém-chegados obtida com a exportação
europeus. No entanto, o decreto do grão fez com que a área
de emancipação do município ganhasse grandes construções,
só passou a ser um debate por residências, jornais, engenhos,
volta de 1940, quando uma fábricas e até espaços culturais.
comissão especial da prefeitura Com formação histórica de
resgatou a memória do local e séculos, Iguape tem hoje 31 mil
finalmente estabeleceu uma habitantes. O que não significa
data de “nascimento”, após que já não sinta os efeitos das
a separação entre Iguape e desigualdades sociais e das
Cananéia, em 3 de dezembro precariedades urbanas.
de 1958. Hoje, assim como as
Acredita-se que por conta das outras cidades do Vale do
riquezas naturais, muito antes Ribeira, Iguape possui várias
da invasão dos portugueses ao programações e lugares
Brasil, o local já era utilizado voltados para quem a visita,
como ponto de passagem por como as praias de Porto das
navegantes que paravam para Dunas, Barro Preto e Batoque.
descansar e também aproveitar Há também o Museu de Arte
o local. Assim como já havia a Sacra e o Museu Municipal de
ocupação do território por povos Iguape localizados no Centro
originários. Com a colonização, Histórico, tombado em 2009
Iguape também passou a ser um como patrimônio nacional. As
ponto de fuga de escravizados e fontes do Senhor e da Saudade,
a descoberta de ouro na região, o Mercado de Artesanato e
ainda em 1537, contribuiu para Cultura, o Estuário Lagamar, a
a formação de um povoado Orla do Valo Grande, a Barra
miscigenado, já que, em meados do Ribeira e Icapara são outros
do século XVII, a região atraía lugares que se destacam no
muitos exploradores em busca município.
de ouro. Mas, com o declínio De acordo com os jovens
das atividades mineradoras no mobilizadores, tudo isso é
século XVIII, ela deixou de ser funcional para quem chega,
tão buscada. mas um dos maiores obstáculos

48 © Marcelo Colmenero 49
dos jovens da cidade tem Iguape acontece anualmente a organização social de toda
sido encontrar oportunidades em agosto e atrai milhares de população, produzindo um
de educação e trabalho que fiéis à cidade, sendo considerada estigma de quem mora “da
garantam uma vida digna sem a segunda maior festa religiosa ponte pra lá”, além de influenciar O exercício do direito de
precisar sair de Iguape. Os do estado de São Paulo. As o acesso às políticas públicas de pertencer é algo que se
adolescentes relatam que as ruas se tornam verdadeiros qualidade. destaca historicamente, com as
opções para quem cresce no corredores humanos de tradições quilombolas, caiçaras
Com demandas de
município vão diminuindo com romeiros em peregrinação até e a população periférica da
aprimoramento no campo
o tempo. Atualmente, a cidade a Paróquia Nossa Senhora das cidade que se organiza na
da educação e dificuldades
possui oito escolas voltadas para Neves e a Basílica Santuário do luta por direitos. A valorização
de inserção no mercado de
o Ensino Médio, vinte a menos Senhor Bom Jesus de Iguape. das ancestralidades do povo
trabalho, o movimento cultural
comparado ao número de tem mobilizado, sobretudo,
As jovens mobilizadoras faz resistência social. O que é
instituições voltadas ao Ensino os jovens do NUCA, que
afirmam que a forte cultura possível perceber pela atividade
Fundamental. O acesso ao carregam essas marcas em
católica influencia para o do Centro Cultural Caiçara,
ensino superior é mais restrito, suas trajetórias. Organizadas e
conservadorismo que, de acordo da Associação de Jovens da
e com isso, é comum que os fortalecidas coletivamente, as
com elas, acaba gerando uma Jureia. Com o objetivo de
jovens deixem a cidade após a juventudes demonstram ver
marginalização, manifestada valorizar e dar continuidade à
formação por não encontrarem na cidade, também, aquilo que
em intolerância religiosa cultura caiçara, a Associação
formas de se estabilizarem. vai além de suas estruturas: a
estrutural, principalmente em já existe há mais de 25 anos e
persistência de seu povo em
Os desafios se intensificam relação às práticas culturais vive em busca de criar formas
manter viva sua história e criar
para quem vive em zonas de matriz africana. Elas ainda sustentáveis de sobrevivência
uma cidade mais digna para se
rurais ou quilombolas. Iguape dizem que as características para as comunidades da região.
viver, com respeito às tradições
conta com quilombos como tradicionais presentes conferem O centro cultural existe desde
ancestrais e às diversidades
a Comunidade Quilombola um caráter conservador aos 2017 e conta com espaço para
contemporâneas
do Morro Seco e o Quilombo costumes, o que, muitas vezes, diversos eventos.
Aldeia, que têm suas terras é hostil às diversidades sexuais No início de 2021, a prefeitura
demarcadas e têm preservado e de gênero das juventudes do começou a se preparar para
a cultura ancestral, por meio município. receber o projeto Fábrica de
da agricultura local e também Outro traço específico de Cultura. O espaço busca trazer
ofertando experiências de Iguape é sua disposição cursos regulares, atividades,
turismo de base comunitária, geográfica, que se formou como exibições, shows e espetáculos
que contribuem para a uma cidade partida, ligada pela para o município. Além disso,
subsistência econômica. passarela sobre o Valo Grande, oferecer aulas de dança,
Um circuito que caracteriza que separa o centro das áreas teatro, música, circo, artes
bastante Iguape e influencia mais periféricas da cidade. Os visuais, literatura e multimeios.
diretamente o cenário de jovens que moram no bairro A ideia é ofertar espaços de
convivência desta diversidade do Rocio, do “outro lado da capacitação e formação para
é o turismo religioso católico. A ponte” afirmam que esse os jovens, também com vistas
festa do Senhor Bom Jesus de aspecto influencia diretamente à profissionalização.

50 51
“Eu fico muito triste porque
aqui em Iguape não tem
onde comprar livros”.

Quando as crianças se
aquietam, Thays explora as
palavras e as cores, e se joga
na combinação entre a poesia e
Há uma lógica imperativa que a pintura. Nos versos, um pouco
nega os sonhos, mas que os do que chama de realidade.
livros subvertem e conduzem, Gosta de escrever sobre os
pelas palavras, a qualquer Os dias e as perspectivas de temas sociais que a atravessam,
devaneio da imaginação. O Thays mudaram bastante com a “as coisas que não aceita”, e
ruim é que isso só é possível chegada da pandemia. Embora consciente das condições de
nas horas vagas, apenas nas fossem grupo de risco, os pais ser mulher, transforma em
de Thays nunca pararam de © Marcelo Colmenero
horas vagas. Este é o cenário poesia as violências sofridas
de Thays, jovem que, aos 20 trabalhar fora de casa e, com as por elas:
anos, divide sua rotina entre a creches fechadas, ela precisou transformar o lugar onde vivem:
paixão pelos livros e as quatro dividir a atenção dos livros com “Eu quero explorar o mundo,
crianças que ocupam todos os o cuidado das crianças. Com “(...) falo sobre isso porque conhecer novas culturas,
cantos de sua casa enquanto a isso, o acesso à faculdade de é algo muito comum na vida mas eu quero melhorar este
vida se ajusta às limitações da biblioteconomia precisou ser de toda mulher, e é uma lugar para o meu irmão,
pandemia. adiado, assim como a ambição coisa que não aceito de meu sobrinho. São eles que
de ser uma próxima Agatha forma nenhuma, acho uma me inspiram a continuar
Ela mora com sua família do
Christie, escritora de livros de monstruosidade quando lutando.”.
outro lado da passarela sobre o
suspense e terror. Com o sorriso acontece.”
Valo Grande, que liga o centro
da cidade de Iguape, no Vale do e os traços de uma menina, ela
Talvez Thays tenha aprendido
Ribeira, e o bairro do Rocio, onde parece mesmo driblar o tempo Quando viu a chamada com Liesel Meminger, a
vive desde que se conhece por para se aventurar, sempre que para a iniciativa Crescer com personagem principal de sua
gente: dá, nas páginas dos livros que Proteção enxergou uma primeira viagem literária, que,
exibe orgulhosa na prateleira possibilidade de aprender quando a vida lhe rouba, às
feita pelo pai. sobre o que lhe inquieta, mas
“Minha família diz que vezes é preciso encontrar
Sua quase bibliomania a experiência acabou indo
eu sou do contra, porque formas de roubar de volta, e
começou aos 13 anos, quando muito além. As atividades que
todo mundo nasceu em tomar posse daquilo que, por
*Pariquera-Açu fica a 49km de Iguape.
*Juquiá fica fica a 71 km de Iguape.
* Autoria de Markus Zusak (2005).

descobriu em cima do guarda- misturam expressões artísticas


Pariquera*, mas eu fui direito, é seu. É nosso.
roupa o livro “A menina que e o debate sobre direitos
nascer em Juquiá*. Mas é
roubava livros”*. Com a sorte humanos a inspirou ainda mais
que isso é normal por aqui,
de pais atentos ao seu interesse e, acostumada à intimidade
as gestantes de Iguape
pela literatura, vai preenchendo do diário, hoje também
precisam se deslocar para
a estante com os livros que a aproveita sua criatividade em
outras cidades para ter os
mãe consegue trazer para ela, ações diretas com o grupo,
bebês, todo mundo vai lá só
mas lamenta: mobilizando seu território para
para nascer.”

52
admiração, além de uma grande
“Uma vez escutei que se eu
Disruptiva no cabelo, na forma possibilidade de mobilização
fosse um pouco mais clara
de falar, nas escolhas que faz e coletiva para reinventar os
a pessoa gostaria mais de
na essência de ser: irreverente territórios que vivem.
mim... na época eu achei isso
na teimosia em existir. Samarah A metodologia do Instituto normal. Foi o projeto que me
é uma mulher que já chegou Camará foi um grande mostrou porque é mais fácil
rompendo as previsões da diferencial na trajetória de as pessoas gostarem de
medicina. A gestação da mãe, Samarah. Assim como quase mim quando eu estou com
com 17 anos, era considerada todo o grupo, ela imaginava o cabelo liso ou quando não
de risco e exigiu da família a uma formação tradicional. pego sol -no verão eu sou
escolha entre “a mãe ou o bebê”, Entretanto, a peculiaridade em preta demais - e hoje eu sei
mas a força de um ser que só falar sobre garantia de direitos que isso é racismo.”.
queria chegar deu a resposta: as por meio das artes e da cultura
duas. Não é à toa que seu nome despertou o entusiasmo da
vem composto de vitória: o ato “Eu tinha vergonha de jovem: O caminho agora é sem volta.
ou o efeito de triunfar. declarar a pessoa que eu Enquanto vai se descobrindo
Mulher sim, porque como a sou, falar sobre onde eu vim, e descobrindo o mundo, ela
feminista Simone de Beauvoir contar que sou favelada, desfila sua coragem e sua
esclarece “não se nasce assumir a cor da minha pele, autenticidade, seja dançando
mulher, torna-se mulher”. Aos mas o CCP me ajudou muito nos bailes ou nos palcos que
18 anos, Samarah sabe bem a me identificar e ter orgulho sonha estrear.
o que é isso. Filha de mãe desse lugar.”.
jovem, precisou muito cedo

i
rin
assistir cenários conflituosos

Pet
Ela conta que, no início
e encarar consequências

rdo
das atividades do Crescer
árduas, enquanto amadurecia

dua
com Proteção, sentia-se
juntamente com a mãe. Embora

©E
completamente deslocada.
sempre acolhida pela avó, ela
Achava que sua vida era
conta que a infância é marcada
bagunçada demais quando
por lembranças difíceis que, a
comparada a dos outros jovens.
Samarah de hoje, transformou
No entanto, com o tempo, ela
em singularidade. Filha de mãe branca e sem
foi rompendo seu próprio
Fã de um bom funk, preconceito e percebendo que memórias do pai, ela é uma
apaixonada por exercícios tinha mais semelhanças com representação incontestável
físicos e apreciadora da boemia, os outros do que ela imaginava. da miscigenação brasileira.
ela combina esse estilo de rua Afinal, cada qual com sua Teve dificuldades em entender
com a delicadeza da sua paixão particularidade, todos tinham sua cor e não se via nem branca
pelas artes cênicas, pelos em comum a juventude nos o suficiente, nem preta o
podcasts de histórias policiais territórios periféricos da região. suficiente. Mas Samarah ampliou
e pela defesa dos direitos A experiência foi desconstruindo seu olhar sobre si mesma, e as
humanos. Um perfil que rompe sua resistência e virou uma tranças agora são símbolos de
qualquer estereótipo: fonte de (re)conhecimento e empoderamento e conexão
com suas ancestralidades:

54
© Ma
“Eu moro no bairro do
Rocio, bairro que ninguém

rcelo
olha com bons olhos nada

Colm
que sai daqui, mas por mais
que as políticas públicas não

ero en
cheguem para nós e que, de
alguma maneira, nós vamos
precisar lutar para conseguir
garantir esse direito, a
vivência que se tem aqui
não se encontra em nenhum Trocando, experimentando,
A consciência da outro lugar.”
“Eu sou feita de luta”. lendo e ouvindo.... aos poucos,
ancestralidade que Luana vive
Conversar com a jovem Luana vai se conhecendo
e comunica vem da história
Luana é conversar com toda Não é possível escrever a e reconhecendo, por meio
de luta da sua família. Os avós, © Arquivo
a sua ancestralidade: uma via Pessoal biografia de Luana sem falar das atividades coletivas que
já passados dos 70 anos, são
expressa pela história do povo sobre a realidade social que a constrói com o grupo, a força
quilombolas e seguem atentos
preto. Apesar de seu povo ter atravessa e que ela faz questão que eles têm em visibilizar as
e ativos na militância pelos
sofrido inúmeras tentativas para de se apoderar e se mobilizar questões de seus territórios e
direitos da população negra. O
apagar suas trajetórias, essas para transformar. Energia qualificar as políticas públicas
pai e a mãe, exemplos para ela,
histórias estão registradas, pulsante que encontrou solo para a juventude na cidade.
transformaram a casa de um
geração após geração, por cômodo em uma casa própria, fértil para florir ao lado de Dessa forma, ela coloca
meio da resistência de homens digna e confortável no bairro do outros jovens do Vale do Ribeira em prática o que Emicida,
e - sobretudo - de mulheres Rocio, em Iguape, onde mora no Crescer com Proteção e no uma referência para ela, traz
que proporcionaram à Luana a desde os dois anos: NUCA. Ela conta que, no início, na rima: “Se a benção vem a
coragem e o orgulho em afirmar: encarou a chamada para o mim, reparto. Invado cela, sala,
sou uma mulher preta e pobre. CCP com muita desconfiança. quarto. Rodeio o globo e hoje tô
“Em um mundo onde as Sentia uma profunda carência certo de que todo mundo é um.
São 16 anos e um repertório
pessoas tentam menosprezar de espaços para movimentos E tudo, tudo, tudo, tudo que nóis
centenário, que mistura sua
uma garota preta e pobre, o sociais e ativistas em Iguape, e tem é nóis!”*.
própria existência à existência
apoio deles é a minha base.” já estava frustrada por procurar
de irmãs de cor, irmãs de bairro
e irmãs de luta. Uma jovem e não encontrar formas de
que pulsa juventude com Embalada pela música participar ativamente de
um cotidiano aparentemente marginal, o funk e o rap, Luana
© Arquivo Pessoal movimentos jovens. Porém, no
comum: acordar, estudar, ajudar diz se encontrar nos versos meio da pandemia, a iniciativa
a família com alguns afazeres da justamente por abordar a chegou para mudar os seus
casa, cuidar dos irmãos, mexer realidade que vive e observa dias e potencializar sua força
no celular, passar várias horas no em seu bairro. Mas faz questão militante em mudanças reais
Instagram. Nada extraordinário, de enaltecer e valorizar os para os jovens da cidade:
a não ser a postura de quem benefícios de crescer em um
anda pela vida como quem faz território onde os vizinhos são
* Música Principia, Emicida (2019).
revolução. como família e as ruas como
parques de diversão.

56
ni
tri
Pe
do
uar de diferentes mobilizações e
Ed
© atividades que buscam intervir
para muitos jovens que buscam nos espaços urbanos com a
ter um futuro digno com uma ideia de transformar a cidade
boa formação, uma profissão e em um local onde os jovens
recursos para cuidar de quem se identifiquem e ocupem.
ama. Sabe também que, para Com isso, percebe que quanto
jovens como ela, chegar até mais os jovens compreendem
lá é, além de uma batalha sobre os direitos e conhecem,
individual, uma luta coletiva com senso crítico, as políticas
pela garantia de direitos, e que públicas, mais eles se unem:
só podem ser alcançadas com
transformações que perdurem
No fone, rap nacional, no e assegurem oportunidades
andar, a vontade de circular pelo (Centro de Referência de para todos.
mundo e na mochila as raquetes Assistência Social). Logo de Ainda assim, ela não deixa
de tênis de mesa. É assim que cara ele já pensou na irmã de sonhar. Quer conhecer
Ana Teresa transita pelas ruas caçula, lembrou do seu lugares novos, descobrir outras
de Iguape, dividida entre o interesse, desde muito jovem, culturas e fazer novas conexões,
carinho pela cidade e as tantas por saber mais sobre os direitos exatamente como fazia quando
percepções de uma sociedade humanos e políticas públicas, criança ao viajar com a mãe e
desigual que fervilham na sua principalmente àquelas que só a tia. Nossa sorte é que, mesmo
cabeça. Aos 16 anos, distribui estão no papel e não são vistas
Essa leitura crítica, voltada depois dos treinos de tênis de
sua atenção entre os estudos do na vida real.
para o coletivo, foi bastante mesa, Ana Teresa ainda tem
ensino médio na escola pública,
Ana entrou para o grupo provocada pelos encontros com energia para sonhar e agir,
os treinos de tênis de mesa e os
acreditando que seria uma os outros jovens do seu território porque como gosta de ouvir nas
encontros da iniciativa Crescer
oportunidade de estudar mais e da região no NUCA. Com letras de Negra Li, o papo é reto:
com Proteção.
os temas que costuma ler e uma metodologia bastante “aqui estou para somar, atitude
Iguape é o território de Ana escutar nas músicas de Negra responsa tem que ter em todo
diferente do que esperava,
desde que nasceu. Gosta da Li e Aninha, suas referências no lugar.”*.
a forma como construíram
cidade e suas belezas, conhece rap - movimento que acredita análises e pensaram maneiras
as trilhas, pontos para apreciar fazer críticas sociais pertinentes de mobilizar outros jovens a
uma boa vista, espaços com e verdadeiras: surpreendeu:
muito potencial de ocupação
e exploração. Mas relata
também enfrentar ausências e “Eu gosto de estilo de rap “Além de aprender, a gente
a falta de oportunidade para as que traz essa vivência da debate, a gente expressa
juventudes. periferia, de quando mostra a nossa opinião, pois eles
nossa realidade, como existe dizem bastante sobre a
Foi pensando nisso que viu no
violência policial e como a importância dos jovens
CCP uma grande oportunidade
gente é tratado diante disso.” fazerem isso, e eu acho muito
de intervir nesta realidade.
Descobriu a chamada pelo incrível.”
irmão que, por sua vez, ficou A violência policial é um tema
sabendo através do CRAS bastante importante para ela, Ao lado de outros jovens de
e que vê como um impeditivo Iguape, ela tem participado
* Exército do Rap,
Negra Li e Helião, 2005.
Quase todo mundo tem algo que carrega consigo e representa ou
simboliza proteção e/ou sorte. Geralmente isso está vinculado às
nossas histórias e nossas ancestralidades e é guardado com muito
carinho e apreço.

Quais são seus amuletos? Elementos que trazem sorte, proteção


ou revelam suas heranças ancestrais…

60 61
Um passado marcado pela nas atividades econômicas
resistência. É assim que surgem, da região dando os primeiros
ainda no início da colônia, os passos para o desenvolvimento
primeiros registros da história urbano que se configura hoje.
de Peruíbe, em 1530, época Em dezembro de 1958, o
em que a região pertencia vereador de Itanhaém, Geraldo
à Capitania de São Vicente. Russomano, defendeu a
Neste período, o território era autonomia do território e, em 18
marcado pelo intenso processo de fevereiro de 1959, Peruíbe foi
de catequização dos indígenas elevada ao estado de município.
pelos jesuítas, que durou mais Em 1960, Russomano tornou-se
de 60 anos. No entanto, um o primeiro prefeito da cidade e
levante de indígenas nativos, inaugurou a Rodovia Padre
em todo o litoral paulista, impôs Manoel de Nóbrega, fato que
fim às determinações jesuítas estimulou o turismo da região
e suas obras catequizadoras e acendeu o interesse externo
ao povo local, e registrou um pela exploração turística da
importante movimento de luta cidade.
e proteção das culturas e raízes
As praias de Desertinha,
indígenas.
Tatuíra, Guarauzinho, Baleia,
Este capítulo transformou Arpoador, Parnapoã, Brava,
os rumos desse território, Juquiazinho, Preta, Caramborê
e, em 1789, com a expulsão e Barra do Una são só algumas
de padres jesuítas de todo o das belezas únicas que
Brasil, a região deixou de ser compõem os 32 quilômetros de
fortemente ocupada pelos litoral da cidade. As cachoeiras
europeus e as terras seguiram Ouro, Guanhanhã, Vilão e Antas,
sendo de pertença somente também completam o cenário
dos indígenas e uma pequena natural da região. Além delas,
população de pescadores. há também aberto à visitação
Este cenário gerou um hiato o Mirante da Torre, o Museu
nos registros históricos oficiais Histórico e Arqueológico,
até 1914. Neste ano, devido a Ruínas do Abarebebê, Aquário
construção da Estrada de Ferro Municipal, Complexo Termal
Santos-Cajati, novos imigrantes da Lama Negra, Feiras de
chegaram ao local, o que deu Artesanato, Praça Monsenhor,
origem a Aldeia de São João Boulevard, entre outros.
Batista. A partir da década de
1950, houve uma crescente
i
© Eduardo Petrin
62 63
A convergência da formação Castan. Todavia, muitos desses de fato proporcione espaços
histórica ancestral do povo pontos estão localizados genuínos para que crianças e
peruibense e as riquezas na região central da cidade, adolescentes contribuam, a
naturais do lugar configuram afastados dos bairros periféricos partir de suas experiências e
um cenário muito atrativo para e das comunidades tradicionais, perspectivas, na construção
a região. Aspectos culturais de o que faz com que muitas de políticas públicas que
Peruíbe que ligam a população das atividades não contem respondam às suas demandas
caiçara e a gastronomia são com participação e ocupação e garantam seus direitos. Na
apresentados em festas popular. iniciativa Crescer com Proteção,
populares, como Festa Caiçara, No campo da educação, de os jovens já vem pensando os
Festa do Peixe e o Festival acordo com as informações do espaços da escola e da cidade,
Gastronômico de Inverno, e Instituto Brasileiro de Geografia e como mostra Nauany Pótu-
fazem um enorme sucesso Estatística (IBGE), até 2020, havia Coereguá, de 18 anos:
em cartaz, a única opção é se
entre moradores e visitantes. 10.206 crianças matriculadas em deslocar para cidades vizinhas,
Essa cena turística coloca escolas do Ensino Fundamental. “A gente começou a como Itanhaém, circunstância
a cidade como um dos Já no Ensino Médio, o número criar um ambiente de
que evidencia desigualdades
15 municípios paulistas de matrículas era de 3.099. Ao troca, de construção,
no acesso à cultura.
considerados estância todo, são 43 escolas de Ensino de reconstrução, de
reconhecimento, de Com 62 anos de história,
balneária, o que permite que Fundamental e 17 direcionadas
reavaliação. E nesses Peruíbe é uma cidade que está no
a região tenha um orçamento ao Ensino Médio. Um quadro
‘res’, a gente acabou nos processo de conectar de forma
privilegiado do estado para positivo, inclusive reconhecido
construindo como jovens, mais funcional suas atividades
investir no turismo. Porém, pelo Índice de Desenvolvimento construindo um senso para atender sua população
ainda que basilar na economia da Educação Básica (Ideb), que crítico maior, adquirindo e qualificar a participação
municipal, os adolescentes em 2020, apontou uma evolução conhecimento maior sobre cidadã, principalmente das
do município relatam que há na cidade: em 2017, a nota diversos temas sociais
diversas juventudes que ali
falhas na fiscalização e na média das escolas de Ensino muito importantes. É um
vivem. A região, rica em cultura,
gestão eficiente desse setor, Médio foi 3.8. Para 2019, a meta lugar de troca sobre tudo o
história, belezas naturais
apontando debilidades na era de 4.0, mas, felizmente, o que forma o ser humano.”.
e, essencialmente, rica na
produção cultural de interesse município conseguiu atingir 4.3,
diversidade de seus moradores,
das juventudes. um resultado maior do que o
Uma das pautas centrais é um lugar habitado por jovens
Nos períodos do ano esperado para 2021.
na discussão dos jovens de que não só querem, como já
considerados baixa temporada, Para além dos resultados dos Peruíbe é a urgência em garantir estão criando, uma Peruíbe que
o circuito cultural fica restrito indicadores, os jovens afirmam às juventudes o direito à cultura valoriza o brilho de suas origens
às opções do Espaço Cultural que Peruíbe precisa colocar e à literatura no município. Até e acredita que a juventude pode
Chico Latim, às feiras de esforços no investimento em 2015, era possível frequentar ir muito além de construir um
artesanato nas praças Redonda processos educativos para além o Eco Cine Peruíbe, único da futuro melhor para a cidade.
e Flórida, ao Museu Histórico da sala de aula. Eles indicam a região. Hoje, os munícipes que Como eles costumam afirmar:
e Arqueológico e a Biblioteca necessidade de estabelecer desejam assistir a um filme a juventude é o presente.
Pública Municipal Manoela um plano pedagógico que

64 65
tema de discussão: direito à
comunicação e acesso à internet
informações sobre as atividades, de qualidade, para todos,
despertou ainda mais seu inclusive para as comunidades
interesse. Nauany acreditava rurais e indígenas.

©
Ed
que seria uma espécie de

ua
rd
sala de aula sobre cidadania e

o
“A gente nunca tinha

Pe
direitos humanos, mas bastou

tri
parado para pensar o que

ni
pouco tempo para perceber
éramos e como éramos, e o
que era muito além disso.
autorretrato nos fez praticar
isso, e foi ainda mais legal
depois. (...) a gente acabou
nos construindo como jovens
críticos e conscientes sobre
Conhecer e se reconhecer nas diversos aspectos sociais.”.
raízes originárias da história de sobre sua cultura, o que refletiu
uma nação. Para Nauany e seu na sua própria aceitação.
O sonho de Nauany já
povo, existir é, por si só, resistir No Ensino Médio, ela entrou na começou a se concretizar, e
a um verdadeiro e constante ETEC, com o objetivo de realizar está batendo na sua porta.
massacre. o sonho de entrar na faculdade Recentemente foi aprovada
Nauany e sua família são de medicina. Para chegar até em medicina na Universidade
descendentes dos povos a escola eram duas horas de Federal do Rio Grande do Sul
indígenas da etnia tupi e trajeto e este foi só o primeiro (UFRGS), e agora pretende
moradores da Aldeia Bananal, desafio que enfrentou. Nauany atravessar o país levando pra
na zona rural de Peruíbe. A também atravessava um lá a riqueza que carrega em
menina de 18 anos nasceu e caminho interno de se apropriar sua ancestralidade e retornar,
viveu toda a sua vida junto à sua de seu lugar na sociedade, um depois, para devolver à sua
comunidade. Costuma carregar, processo ainda mais intenso. aldeia atendimento médico de
orgulhosa, a identidade no Mas foi nessa escola que ela qualidade.
nome Pótu-Coereguá, mas nem teve apoio e reconhecimento e,
sempre foi assim. aos poucos, foi reaprendendo
quão importante e valorosa é Como tudo começou durante
Criada na aldeia e nos
a sua identidade. Colegas e a pandemia, grande parte da
costumes centenários de seu
professores não só a aceitaram, programação do CCP aconteceu
povo, sua formação educacional
como lhe ajudaram a perceber no digital. Na aldeia de Nauany,
começou com a própria mãe e
a história viva que Nauany a internet nem sempre funciona,
os tios na escola local, que fica ali
representa. e, tanto para os estudos do
dentro da aldeia mesmo e tem
pré-vestibular, quanto para
um currículo condizente com os Assim também vem sendo
os encontros do grupo, ela
saberes populares. Quando foi no CCP, iniciativa que participa
precisou se virar para conseguir
para a escola regular, no centro desde o início, e onde já se
ter acesso. Muitas vezes, subia
urbano de Peruíbe, conta que considera uma veterana. A
nos morros por perto para que
passou por dificuldades de indicação veio da mãe, mas
o sinal chegasse com mais
acolhimento e compreensão assim que buscou saber mais
precisão. Esse obstáculo que
enfrentava era inclusive um
66 67
do ser humano, e é assim que
ele pretende seguir sua vida

enero
profissional: botando muita

Colm
lenha na fogueira.
Apesar de ter chegado um

rcelo
pouco depois no CCP, Luís

© Ma
acredita muito no potencial da
iniciativa, sobretudo a do NUCA.
Está empenhado em pensar
maneiras de financiamento
para apoiar a continuidade do
trabalho para os próximos anos.
Luís Felipe é semente. Chegou
Fala da importância também do
ao CCP mobilizado pelas ações e com pouca troca entre os apoio financeiro para que jovens
do NUCA Peruíbe. Uniu-se ao participantes e os educadores, possam construir ações como
grupo assim que conheceu, como costuma ser em outros essa, com ajuda de custo para
e foi se tornando uma figura espaços de formação. Mas algo si mesmos e subsídios para as
importante de mobilização a o surpreendeu muito: ações práticas. E isso tem tudo
partir das ações do coletivo. Por
a ver com políticas públicas de
conta de seu perfil propositor,
“O projeto em si me chamou permanência estudantil, que
assumiu o lugar de jovem
muita atenção, mas quando podem ser inspiração para
mobilizador no município:
conheci os educadores foi pensar com gestores da cidade Luís chegou oxigenando
um pulo para eu entrar. Eles como ampliar ações do NUCA e impulsionando as ideias,
“Eu sempre achei a cidade são muito atenciosos, dá ou aprender com ele, pensando contribuindo ativamente para
meio parada, o rolê jovem para ver que gostam do que também em outros dispositivos. deixar marcas na cidade. Ele
era meio improdutivo, mas estão fazendo, eles são muito Recentemente, Luís participou é um exemplo de que jovens
quando eu ouvi as propostas dedicados e nos acolhem de uma manifestação, em podem mobilizar outros
de intervenção para a com muita disposição.”. apoio às mães enlutadas jovens. E daí multiplicamos a
realidade daqui, aquilo me por perderem seus filhos em capacidade de transformação.
chamou muito a atenção.”. conflitos armados. Em Peruíbe,
Luís compartilha que os
uma menina de 2 anos foi
educadores são uma inspiração
Estudante e professor atingida por um disparo de arma
para ele. Conta que, assim que
de filosofia, identifica na de fogo. O conflito aconteceu
entrou para a faculdade de
iniciativa uma oportunidade em Caraguava, bairro periférico
filosofia, em uma universidade
de integração com diferentes onde Luís também mora, e
em Santos*, descobriu que
jovens e de ações práticas mobilizou a comunidade e
a matéria para a qual estava
que interfiram na realidade a cidade. O NUCA Peruíbe
se formando não seria mais
do município. A princípio, ele esteve presente nos protestos
obrigatória no currículo da
achava que a metodologia das e mobilizou também outros
educação básica. E isso
ações educativas entre os jovens NUCAs da região para fortalecer
colocava desafios no seu desejo
mobilizadores (que os preparam a luta contra as diversas formas
de ser educador também. Ele
para engajar outros jovens) de violência contra crianças e
defende que o questionamento
fosse bastante hierarquizada jovens.
filosófico é essencial para a vida
* Santos fica a 83km de Peruíbe
68 69
aula, e quem sabe fazer tudo tem aprendido a importância
que não fizeram por mim.” de se colocar com firmeza,
se fortalecer coletivamente
para enfrentar situações de
O dia a dia na pacata cidade
violência e dar sua opinião
de Peruíbe não é muito
sem que isso seja motivo de
movimentado, como ela
vergonha. Essas são lições e
mesma descreve, mas Bianca
aprendizados que afirma serem
gosta muito do que faz. Além
fundamentais para o exercício
dos estudos, costuma passar

© Vin
da sua formação profissional, no
os dias envolvida com os
trabalho educativo.
icius compromissos da iniciativa
lleroE
Crescer com Proteção e o Pode não parecer à primeira
“A minha infância foi boa, aprendizado de violão e violino, vista, mas se olharmos de
com exceção da escola. Eu duas atividades que ela faz com perto, vemos em Bianca uma
A vida bem que poderia não tinha muitos amigos, e os épica resistência: acreditar no
imenso prazer.
ser uma estimulante história que tinha não costumavam processo educativo, na escola
em quadrinhos, em que os me tratar muito bem... um e nas artes como ferramentas
superpoderes nos permitissem dia descobri que eles se de transformação social.
viver contos inesquecíveis e aproveitavam de mim.”. Mesmo em cenários adversos,
nos dessem forças para bater Bianca vem demonstrando
de frente com nossos inimigos. que muito se parece com os
Para Bianca, este teria sido um O bullying marcou sua infância personagens que admira nas
ótimo jeito de experimentar a e sua trajetória escolar, mas histórias em quadrinhos: tem o
infância e a juventude. Mas Bianca pretende ressignificar desejo de enfrentar os inimigos
enquanto a vida não sofre esse espaço e ajudar a construí- e transformar a cidade. A
uma metamorfose heróica, a lo de forma diferente. O que diferença é que Bianca não faz
jovem de 19 anos, da cidade deseja é que escolas sejam isso sozinha, e daí, o enredo fica
de Peruíbe, segue a rotina espaços de acolhimento das muito mais interessante.
entre os desenhos, os livros, diferenças, e não perpetuem
os cadernos, os instrumentos práticas tão nocivas para o
musicais e os filmes de super- desenvolvimento das crianças
heróis da Marvel, que tanto ama. e jovens.
Bianca é estudante de
pedagogia. A vontade de fazer “Uma boa lembrança é
este curso vem desde muito quando eu estava estudando
nova. Ela conta que se lembra na escola e fiz amizade
de sonhar em ser cantora e com uma faxineira que era
professora. A motivação é muito amorosa comigo, eu As marcas deixadas pelos
simples: quer trabalhar para contava meus sonhos de ser episódios da escola fazem • Viúva Negra (2021)
fazer o ambiente escolar menos cantora e professora para parte de Bianca, mas ela vem
hostil do que foi para ela: ela, e quando lembro disso • Pantera Negra (2018)
aprendendo a ressignificar
fico muito feliz em estar a partir da participação nas • Vingadores: Ultimato (2019)
realizando isso e poder dar atividades do NUCA. Nelas

70 71
Além de fazer teatro, Bruna
também tem um canal no
youtube, onde publica vídeos Bruna mora em um bairro
seus fazendo versões covers afastado da cidade. O NUCA
de músicas nacionais e e o CCP têm sido uma ótima
internacionais. Rotina que ela forma de se conectar com as
vem dividindo com as atividades pessoas e criar novos vínculos.
do CCP, iniciativa que conheceu Dessa forma, ela tem conhecido
durante uma ação promovida e estudado sobre políticas
Saúde mental é algo pelo NUCA enquanto trabalhava públicas de incentivo à cultura
fundamental e ela estava como auxiliar de bibliotecária. e à arte para jovens. A fim de
fazendo terapia, porém convidar os gestores para
precisou abandonar diante das pensar esses direitos, com mais
dificuldades orçamentárias da espaço para participação social
família, justo no momento que na construção de políticas.
Enquanto o mundo lá fora
mais precisava. Para enfrentar Assim como ela foi impactada,
parecia ruir, no quarto, com
o cenário, ela recorria ao que acredita que a gestão pública
sua guitarra na mão, Bruna se
mais ama fazer: cantar. Bruna pode também ser, a partir de
refugiava na música tentando
se formou em marketing mobilização coletiva. Um belo
manter ações de autocuidado.
digital recentemente, mas não plano para quem conhece a
Foi assim que a jovem de 21
conseguiu emprego na área, criatividade e potência dessa
anos, moradora de Peruíbe,
ainda que tenha enviado muitos galera que faz acontecer.
passou os difíceis dias de
pandemia. currículos, as respostas não
chegaram. Enquanto elas não
Em casa, ela, a mãe, o © Acerv
o Pesso
vêm, vai investindo no que, de al
padrasto e o irmãozinho,
fato, é seu maior desejo: viver
tentavam encontrar formas de
da música. Incentivada desde
lidar com as dificuldades que só
pequena pelo pai, de quem
iam chegando e aumentando.
ganhou uma guitarra aos 12
Assim que a quarentena foi
anos, ela quer fortalecer sua
decretada, toda a família ficou
carreira artística. E para isso, tem
desempregada:
usado a internet a seu favor e,
do quarto de casa, mostra sua
“A pandemia foi muito arte e seu trabalho.
complicada, cumprimos os
quatro meses de quarentena
em muito desespero. A gente “Eu quero ser cantora, viver
até conseguiu os benefícios disso. Por isso eu tenho feito
sociais e, poupando, teatro, para melhorar minha
conseguimos dar conta, consciência corporal, eu
mas foi bem desesperador, preciso aprender a performar
a saúde mental colapsou.”. mesmo, eu sou muito tímida.”.

72 73
Sempre que a Terra e a Lua se alinham, a lua exerce atração sobre
a água e a maré sobe, o mar fica revolto e nem sempre é seguro para
navegar.

Quais são os perigos que te ameaçam? Quais seus maiores medos?

74 75
Grande parte da memória em 1906. Momento em que
da região da Baixada Santista a gestão da região passou a
é atravessada pelos primeiros ser pensada especificamente
capítulos da invasão portuguesa para atender à população e
às terras brasileiras. Com às necessidades locais. Uma
Itanhaém não é diferente, das iniciativas mais antigas de
a cidade está localizada no políticas públicas é o Gabinete
litoral sul do estado de São de Leitura, projeto promovido
Paulo e é reconhecida como a por volta de 1888, com objetivo
segunda cidade mais antiga do inicial de instituir a língua
Brasil, fundada em 1532, pelo portuguesa e o conhecimento
português Martim Afonso de europeu aos moradores locais.
Souza. Hoje, 489 anos depois, No modelo educacional
prioriza a preservação desta colonizador, o plano teve êxito,
parte de sua história para os e o analfabetismo da língua
mais de 104 mil habitantes e imposta foi erradicado de
também para os turistas, que, Itanhaém ainda no século XIX.
anualmente, visitam o município O histórico de interesse e
para conhecer a beleza de suas investimento na educação
praias e ilhas oceânicas. parece ainda ecoar até hoje.
A história de Itanhaém também De acordo com os dados do
se relaciona bastante com a Índice de Desenvolvimento
história do catolicismo no Brasil. da Educação Básica (Ideb),
Uma das primeiras construções de 2019, o desempenho dos
no povoado foi o Convento estudantes do Ensino Médio da
Nossa Senhora da Conceição, rede pública vem crescendo e
construído no alto do Morro do atingindo índices positivos, que
Itaguaçu, para proteger o clero e geralmente ficavam restritos
os moradores do convento das ao Ensino Fundamental. A
disputas com os indígenas que média, em 2017, era 3,7, o que
habitavam aquela terra. Além levou a administração pública
disso, a área também serviu de a adotar a meta 3,9 para 2019.
base para uma das primeiras Mas o município conquistou 4,2,
igrejas católicas no novo superando, também, a proposta
território europeu na América. para 2021 de 4,1. A cidade
Apesar dos registros históricos também executa o Programa
da região desde o início da Social Escolar, que tem o
colonização, Itanhaém só foi objetivo de combater casos de
elevada à condição de município infrequência e evasão escolar,

77
© Eduardo Petrini
mantendo a escola e a família tem gerado dificuldades de as necessidades dos jovens do Logo, não é à toa que os jovens
mais próximas da vida escolar acesso aos serviços que se município: mobilizadores do Crescer
do estudante. A evolução dos concentram na região central da com Proteção escolheram a
Índices de Desenvolvimento cidade. Algumas ações buscam pista de skate para promover
da Educação Básica mostram descentralizar as opções
“Itanhaém é bem tranquila, uma ação do grupo, que
que a cidade tem evoluído disponíveis, como os projetos contou com uma mobilização
nos marcadores sociais de Caminhos Culturais, Escola Vai têm tudo perto e praias local intensa para reforma e
desenvolvimento urbano, mas, ao Cinema, Fanfarra nas Escolas muito bonitas. O que eu também para visibilização dos
segundo a juventude local, isso e Iniciação Cultural. grupos artísticos da cidade,
não significa acesso direto ao A história de Itanhaém é
gosto de fazer é que puderam expor artes
que os jovens desejam e têm marcada por uma predisposição encontrar os amigos e em grafite, por exemplo. Foi
por direito. a maneira que encontraram
progressista, no campo da
frequentar a ladeira, um de ocupar o espaço urbano,
No campo do lazer e da representatividade. Lá atrás,
cultura, o Centro Municipal em 1936, o mais alto cargo lugar onde os jovens se espalhando suas cores pelos
muros e expressando um pouco
Tecnológico de Educação, da administração pública foi reúnem. Mas, no geral, não de quem são e o que desejam
Cultura e Esportes, que fica ocupado pela primeira vez
localizado na sede da Secretaria no estado de São Paulo - e
tem muita coisa para para o lugar onde moram.
de mesmo nome, é um dos a segunda no Brasil - por fazer.” Itanhém é uma cidade de muito
equipamentos ofertados pela uma mulher: Spasia Albertina potencial e também recheada
política pública. O espaço conta Bechelli Cecchi, um marco de jovens com trajetórias que
com uma quadra, utilizada para importante e uma inspiração O município possui mesmo um podem inspirar - e contribuir
as atividades do Projeto Lugar para a ocupação das mulheres caráter pacato, mas algo vibra com uma participação genuína
ao Sol, a Sala de Leitura e o nos cargos públicos. Porém, em suas ruas e os jovens do - a feitura de políticas públicas
Complexo Educacional Harry fica o questionamento: este NUCA estão atentos a isso. O que dialoguem ainda mais com
Forssell, onde há aulas de passado vanguardista se reflete skate, modalidade que ganhou as experiências da vida real nos
dança e natação. Além disso, na sua atual realidade? os holofotes nas Olimpíadas diferentes territórios. Mais do
o Centro Municipal, que se Talvez a resposta venha de Tóquio 2021, tem sido um que representatividade, como
encontra na região central da das juventudes, que não só movimento de manifestação foi na história, as juventudes
cidade, divide o bairro com conhecem muito bem as artístico-cultural potente na querem escuta, reconhecimento
a Biblioteca Municipal, Casa ausências locais, como tem cidade. Exemplo disso é a e horizontalidade para exercer
da Música, Espaço Gabinete buscado, coletivamente, “Caverna House”, um ponto de uma cidadania propositiva e,
de Leitura, Museu Conceição resgatar o espírito insurgente de cultura e disseminação da street claro, propulsora de mudanças.
de Itanhaém e a Pinacoteca sua origem. Como conta o jovem art promovida por um jovem
Municipal. Aspecto que já Eduardo Martins de Oliveira, de que transformou a própria
dificulta o acesso aos que vivem 20 anos, que, envolvido com casa em local para a prática do
nas zonas rurais e periféricas. o NUCA da cidade, participou esporte.
Jovens mobilizadores relatam da comissão organizadora de
que o crescimento acelerado uma intervenção que buscou
de Itanhaém nos últimos anos provocar a política pública para

78 79
ni
tri
Pe
o
rd
ua
Ed
do NUCA. Quando fala sobre ©

futuro, se imagina ativamente


nestes espaços, atuando na
sua cidade com outros jovens
como ela, construindo um
projeto melhor de sociedade.
Seu desejo é que Itanhaém
seja um lugar onde as pessoas
sintam que seus direitos estão
todos assegurados.
mãe acabou perdendo aos 14
anos, um marco de saudade e
Ao se encontrar com a Lídia, amadurecimento, episódio que
você praticamente consegue tempos depois ainda a embarga
ouvir ao fundo os versos de a voz.
Moraes Moreira: “vou mostrando
Uma jovem que foi, aos
como sou, e vou sendo como
poucos, reconhecendo a força
posso, jogando meu corpo no inspirou muitas das meninas
de sua existência, e parte
mundo”*. Ela é uma menina da época, assim como sua mãe.
disso vem da participação
apropriada de si, que está
entusiasmada na iniciativa CCP.
pronta para ocupar o universo
Foi lá que fez seu autorretrato, A vida de Lídia também
ao redor. Uma personalidade
uma atividade que possibilitou daria um filme com enredo
que inspira e inunda logo nos
que ela se conhecesse de interessantíssimo e uma trilha
primeiros papos, onde somos
forma mais honesta - e criativa! sonora cheia de poesia. Sua
presenteados por um sorriso
aberto que não se limita aos mãe, certamente, estaria na
lábios, mas também se expressa “Eu achei o autorretrato primeira fileira do cinema,
no olhar. Sorriso este que é uma sacada genial! Foi completamente encantada
quase um ato de resistência, muito profundo, porque pela protagonista corajosa e
pois o caminho até aqui foi conhecemos pessoas que intensa que Lídia se tornou em
uma estrada um tanto quanto nunca vimos, pelo seu sua própria vida. E tranquila,
tortuosa. autorretrato e, também, em saber que Lídia tem outros
Além das memórias do jovens como companhia, com
Sua história é marcada pela nos fez mergulhar em nossa
coração, Lídia leva da mãe um poder de transformação
despedida da mãe, e o bullying própria piscina.”.
o filme favorito: “Grease, nos muito grandioso.
sofrido na escola: um percurso tempos da brilhantina” (1978),

© Arquivo Pessoal
que ela transforma em versos A proposta que tanto a nos tempos da brilhantina. Um
e se define com convicção: “eu encantou foi decisiva para clássico dos anos 70, recorde
sou poeta”. provocar um reencontro com de bilheteria, cuja personagem
Aos 18 anos, Lídia mora com a autoestima e um embarque principal se apropria de seus
a irmã mais nova e a família direto para ações coletivas do próprios desejos e se nega a
da irmã mais velha, no Jardim Instituto Camará Calunga e viver o que a família e o mundo
Magalhães, em Itanhaém. esperava dela, ousadia que
O pai, nunca conheceu, e a
* Música “Mistério do Planeta”,
Moraes Moreira, 1972.
ni
tri
Pe
o
rd
ua

“Eu nem gosto de falar do Os adolescentes do município


Ed
©

meu futuro pensando em que têm colado com a Mari para


profissão, tudo isso pode pensar uma nova Itanhaém
mudar muito ainda, eu só têm aprendido que, com
quero é ser feliz. Espero sensibilidade, é muito mais fácil
que eu esteja trabalhando se conectar com as pessoas
com o que eu gosto, e possa para criar movimentos coletivos.
fazer o que eu mais gosto (...) Em um mundo de correria como
quero viver o que me deixe esse que temos vivido, por
tranquila.”. tantas vezes, seguimos nossos
caminhos sem notar o próximo
diminuísse a frequência deles. ou sem perceber o impacto da
Mas ela sabe que para alcançar
existência humana na natureza.
Mariana é filha única de uma tranquilidade, muitas
E nesse ponto ela tem muito a
Mariana parece ter seu próprio uma professora aposentada vezes, é preciso arregaçar as
ensinar. Afinal, não é todo dia
tempo. Essa é uma missão e um técnico de eletrônica mangas. Junto aos jovens do
que encontramos quem deixa
difícil em um mundo onde a e sua infância, passada toda CCP, tem sido mobilizadora
de olhar a tela do celular para
velocidade é um imperativo. em Itanhaém, é cheia de de outros adolescentes para
apreciar a imensidão do céu.
Aos 18 anos, seus dias são lembranças tranquilas na casa transformar a cidade que mora
preenchidos com livros, dos avós. Acordava, comia pão há tanto tempo, e fazer isso
cadernos e muito estudo. de queijo com guaraná e assistia envolvendo sua comunidade.
aos programas infantis na tv. Ela passou a integrar a iniciativa
Além disso, é também amante logo no começo, e, desde então,
“Acordo e ajudo nas coisas
dos animais, e nunca esqueceu mostra muita empolgação ao
da casa, estudo um pouco,
o episódio da morte do seu contar o que tem feito:
paro para ler outras coisas
cachorrinho, ainda quando ela
e ver coisas na internet...
era criança. Isso é um episódio
estudo mais um pouco, faço
que ficou bastante marcado na
e fazer
“Eu gosto muito d
alguma outra coisa, estudo
sua trajetória e talvez tenha sido
um pouco e durmo: assim é
e ajudar
coisas diferentes
seu primeiro grande sentimento
minha rotina.”.
de perda. Hoje em dia, ela é a
m trabalho
outras pessoas co
dona de um gatinho preto muito

do NUCA é
Mas dar uma pausa nos fofo. Mari acredita que ele tem
estudos não é sinônimo de a mesma personalidade dela.
social, e a criação
er isso e
uma forma de faz
tédio para ela... Amante da E talvez tenha mesmo, afinal,
natureza, contemplar o céu ela afirma e reafirma que sua
meu lado.”.
representar esse
está entre suas atividades felicidade depende de pouco.
favoritas. A combinação disso
com os livros na praia é o
© Arquiv

combo perfeito. Moradora de


Itanhaém, fazia muito esse rolê,
o Pessoa

mas a pandemia e a pressão do


vestibular fizeram com que ela
l

82 83
©E
dua
rdo
pela Secretaria de Cultura e “O projeto é muito grande,

Pet
Economia Criativa do Estado
bem maior do que eu

rin
de São Paulo, com unidades

i
em 282 municípios do estado. imaginava. Isso me impressionou
Lá ele podia fazer cursos e
conhecer muitas atividades
muito e superou todas as
novas na área de música, uma minhas expectativas. E algumas
característica que leva até hoje atividades foram muito
consigo e costuma ser um dos
seus principais interesses. legais, como o autorretrato
O skate nos pés, um bom rap
Foi também pelo Projeto que fez a gente pensar
dia aos amigos, pessoas que foi Guri que ficou sabendo da mais sobre nós mesmos.”
tocando nos fones de ouvido
conhecendo pelas esquinas de chamada para a iniciativa CCP.
e uma galera ao redor dele: é
Itanhaém e que, hoje, ocupam Chegou sem saber muito bem
muito provável que essa seja
um lugar fundamental em sua onde estava se metendo, mas
a cena que você veja se um João sabe que, para além de
vida. Para ele, amizade é como quando soube ficou muito feliz.
dia você cruzar com João nas boas companhias, uma vida
canta o rapper Emicida, “quem A atividade do autorretrato foi
ruas de Itanhaém. João é um digna necessita de boas políticas
tem um amigo tem tudo”*. uma das grandes atrações da
cara que está construindo públicas, que garantam direitos
formação e colocou muitos
sua história entre os corres para a população. Desde o lugar
jovens para pensar um pouco
de trabalho e os pequenos e “Os amigos são uma onde mora até as oportunidades
mais sobre si. O próprio João
verdadeiros prazeres de uma parte importante de mim, que teve em organizações
diz muito que uma de suas
vida em uma cidade pequena. são eles que construíram sociais de fomento à cultura,
maiores características é o fato
Nascido e criado em Itanhaém, grande parte de quem eu sua vida, como a de muitos
de ser mais na dele e que nunca
ele reside com o pai, a mãe sou e da minha vivência. outros jovens, é atravessada por
foi muito de puxar assunto
e o irmão em Guapurá, um Eles influenciam em tudo políticas públicas de qualidade
e sempre foi de esperar que
conjunto habitacional erguido a que faço ou deixo de fazer. e também pela ausência de
falassem com ele.
partir do programa “Minha Casa Eu nunca ando sozinho, essa * O PMCMV foi um programa de habitação federal do Brasil criado
várias outras.
em 2009. Ele subsidia ou facilita a aquisição da casa ou apartamento
próprio para famílias com baixa renda.
* “Quem tem um amigo tem tudo”, Emicida e Wilson das Neves, 2019
Minha Vida” *. Lugar animado e é real, sempre estou com Envolvido no NUCA, com
que, logo de cara, já fez João alguém.”. a sua experiência de vida,
avisar: “desculpa pelo barulho, João compartilha com outros
aqui onde eu moro é muita João é aquele tipo de jovem jovens as possibilidades de
barulheira.”. que acredita que se tem uma transformação da cidade, a partir
Aos 19 anos, ele divide sua boa companhia, não precisa de de discussões aprofundadas
rotina entre dois trabalhos: um muita oferta para se divertir. Por sobre a garantia de direitos.
cargo na equipe de recursos isso, quando está fora de casa Se todos os amigos de João
humanos em uma unidade de está com os amigos na pista de chegarem junto vai rolar uma
saúde, e os “bicos” de garçom skate, jogando bola, sinuca, e revolução jovem em Itanhaém.
aos finais de semana, onde como ele mesmo diz: “é mais E se não é isso que a gente
vai sempre que é chamado. nóis mesmo”. quer, o que mais vai ser não é
E faz também a faculdade, mesmo?
Durante nove anos, João
cursa “Processos Químicos” frequentou o Projeto Guri, uma
em Praia Grande. Além disso, organização social mantida
dedica boa parte do seu dia a
85
“(...) os encontros são
bem divertidos, e eu são pensadas assim, para
quem são e a quem servem.
gosto das reuniões e de E se fortalecendo, com outros
adolescentes e jovens, para
interagir com a galera uma postura de luta. Postura
conhecendo gente nova.” construída passo a passo,
somando cada encontro, cada
pessoa, cada lugar e cada
Além de dedicar algumas discussão a uma complexa
horas da semana jogando equação - que não se explica
xadrez, Dudu gosta de nem se resolve somente com
Um jovem em plena conversar sobre a experiência operações numéricas, mas com
descoberta do mundo e da juventude, sobre o que é escuta, diálogo e acolhimento
suas infinitas possibilidades. não era uma pessoa de muitos ser jovem atualmente. Pode- às diversidades.
Eduardo, ou só Dudu, caberia amigos. Até porque, parte de se afirmar com segurança que
perfeitamente nesta descrição. sua história foi um recorrente ele é ótimo em fazer perguntas,
Aliás, é bem assim que ele vai e vem entre as cidades de interessado em complexidades.
define a sua juventude: uma fase Itanhaém e Embu das Artes*. O

i
As provocações das atividades

in
trabalho do pai o fez trocar de

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da vida onde a gente começa a sobre o lugar e o potencial dos

oP
ter conhecimento do mundo e cidade por sete vezes. Foi de

ard
jovens na sociedade parecem
um lado para o outro até que

u
de si próprio.

Ed
ser algo que lhe despertam
se estabeleceram, finalmente,

©
É desse jeito que ele vai muita reflexão.

* Embu das Artes fica a 130km de Itanhaém.


* O Rotary Internacional é uma associação de clubes com objetivo de
prestar serviços humanitários, tem cerca de 1,3 milhões de membros no mundo.
pelo litoral.
aprendendo e experimentando Para ele, é na juventude que se
quem ele é. Atualmente, experimenta tomar decisões e
Dudu é o cara das exatas, faz “Um sentimento que me como gerar impacto no mundo.
graduação em licenciatura de marcou muito, na infância, E na maioria das vezes, é onde
matemática. Para amanhã, o foram as várias despedidas se aprende a respeito das
plano é desvendar as ciências dos amigos.”. consequências de cada escolha.
humanas do conhecimento, E mesmo que haja uma aparente
quer tentar entrar no curso de maior liberdade nessa fase da
A iniciativa do CCP surgiu
filosofia. vida, as consequências fazem
como mais uma oportunidade
de experimentar algo novo. Ele parte do amadurecimento.
“A gente muda muito, eu achava que já havia participado Dudu compartilha que o
comecei a me conhecer de algo parecido pelo Rotary*, envolvimento com outros
melhor, conhecer mais e por isso acreditou que seria jovens, tão diferentes dele,
pessoas, e o jovem vive uma bacana se envolver. Após o vem rompendo fronteiras na
constante mudança.”. convite da amiga Mariana, topou sua trajetória. E ele tem entrado
entrar. Embora não tenha sido de cabeça, peito e alma livre
exatamente como imaginou, neste mar de descobertas.
Morando com o pai e a mãe,
a vivência tem sido bastante Conhecendo as complexidades
Dudu costumava aproveitar os
positiva: das estruturas da sociedade,
dias de forma mais tranquila, e
investigando a fundo como
políticas são formadas e porque
86 87
O nó de marinheiro costuma representar, no conhecimento popular,
um nó muito firme e seguro. Feitos com as cordas presentes nas
embarcações, entre um ponto e outro do barco ou para sinalizar para
outros barcos um espaço seguro, os nós são importantes artifícios de
uma embarcação, com a função de serem pontos de sustentação.
Vários são os tipos de nós: há nós de bloqueio que travam o curso da
corda para que ela não corra, há nós específicos para conectar cordas
de mesma espessura e permitir uma conexão segura ou ainda nós que
são essenciais para atracar o barco.
As funções que os diferentes nós exercem na embarcação podem
ser comparadas às políticas públicas, que podem sustentar, conectar,
travar ou sinalizar modos de viver uma vida em sociedade.

Que nós você considera essenciais para uma viagem segura e,


claro, divertida?

88 89
A história registrada de destaque para aquelas voltadas
Mongaguá aponta que, lá pelos para a educação.
anos de 1500, a região já era De acordo com os jovens da
território ocupado pelos índios cidade, o incentivo à formação
tupi-guarani, que moravam às escolar é insuficiente. Os
margens dos rios Mongaguá dados do Instituto Brasileiro de
e Aguapeú. Com o avanço Geografia e Estatística (IBGE),
da apropriação portuguesa até 2020, revelam que há 31
das terras brasileiras, a região escolas de Ensino Fundamental
também passou a ser um e 10 de Ensino Médio, e apenas
importante local de pouso instituições privadas de ensino
no percurso de viagem de superior. São 8.759 matrículas
emissários. Até 1892, o local era ativas no Ensino Fundamental
uma propriedade única que e 2.289 no Ensino Médio. Com
passou por diferentes donos faculdades apenas privadas,
e foi espaço de muita disputa adolescentes e jovens afirmam
territorial entre colonizadores enfrentar desafios de acesso
e nativos. O processo de ao ensino superior. É o caso
emancipação da cidade, de Ingrid Revollo, jovem
entretanto, só se deu no século mobilizadora, de 17 anos, que
XX. A partir de 1945, Mongaguá revela gastar muito tempo
começou a se desenvolver e, e dinheiro no percurso até a
em 1948, foi criado o Distrito faculdade, e, por isso, optou
de Mongaguá, incorporado ao pela possibilidade do ensino à
município de Itanhaém. distância:
A autonomia da cidade só veio
mesmo em 1959. Ou seja, apesar
“Todo mundo fala que
de ser uma região explorada
entrar na faculdade é o
desde o início da colonização,
mais difícil, mas na verdade,
estamos falando de um
entrar e sair dela é o que
município novo em relação às
mais me aterroriza. Passar
organizações administrativas
é o de menos, sobreviver na
republicanas - até o momento
faculdade é desesperador, eu
a p e n a s n ove p refe i to s
o

teria que gastar muito para


er
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assumiram este cargo. Com


ir até outra cidade, além do
m
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um crescimento acelerado nos


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tempo no transporte público,


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últimos anos, a cidade também


rc

inviável. O ensino à distância


Ma

busca o amadurecimento de
tem sido minha melhor
©

políticas públicas para seus


opção.”.
mais de 58 mil habitantes, com

90 91
O município tem propostas realmente impressionantes, meta o reconhecimento e
afirmam que há uma agenda
de ensino integral e bilíngue, com ressalvas pois a maioria a valorização da identidade
irregular e pouco horizontal das
iniciativas que vêm sendo das praias, constantemente, são guarani e do bioma da Mata
atrações no local, o que acaba
implementadas com vistas a consideradas impróprias para o Atlântica.
por desestimular a participação.
qualificar as políticas públicas banho. Segundo os integrantes
de educação. Outro ponto Durante os meses de
A emergência ambiental, do NUCA de Mongaguá,
importante para o município, dezembro, janeiro, fevereiro
entretanto, tem mobilizado a essas iniciativas trazem uma
de acordo com os jovens, é e o Carnaval, é realizado o
população. Projetos voltados perspectiva positiva para a
realizar mais investimento na Show de Verão, evento com
para a preservação da cidade cidade, mas ainda é preciso
valorização dos profissionais apresentações de artistas
contam com a mobilização da valorizar a energia que mobiliza
da educação. Com a pandemia, locais e nacionais, atividades
juventude mongaguana. Por a população local. A proposta é
ficaram evidente as dificuldades recreativas e esportivas na
meio do Instituto Biopesca e a que gestores públicos e jovens
de implementar o ensino remoto, praia. Assim como, entre junho,
ONG Surf Vida, há mutirões para possam estabelecer parceria
já que muitas escolas não julho e agosto, o Festão na Praia,
a limpeza das praias e também para, juntos, criarem políticas
possuíam internet de qualidade, tradicional festa junina que traz
ações para a preservação da públicas de qualidade. O
o que dificultou muito o acesso comidas típicas e espetáculos
vida marinha. Além disso, há Campeonato de Skate realizado
ao ensino escolar para crianças culturais. Há também outras
também atividades promovidas neste ano, promovido pelo
e adolescentes da cidade. atividades como a Feira de
pela comunidade indígena de NUCA Mongaguá, parece já
Artes Vera Cruz, Feira de
Já quando o papo é sobre Aguapeú, o projeto “Jaguatareí dar pistas de que a juventude
Artes Plataforma (Agenor de
cultura, os jovens também têm Nhemboé - Caminhando e mobilizada, devidamente
Campos) e Feira do Artesanato,
críticas e propostas. Atualmente, Aprendendo”, que tem como ouvida e apoiada, pode dar
que acontecem regularmente
Mongaguá possui um único novos rumos à cidade.
nas regiões centrais da cidade.
equipamento, o Centro Cultural
Dessa forma, os jovens de
Raul Cortez, inaugurado em
Mongaguá sentem que as
1996, que oferece cursos
programações locais priorizam
gratuitos de música, pintura,
a satisfação dos turistas em
teclado, violão, violino, hip hop,
detrimento da satisfação de
ballet, jazz, dança de rua, dança
seus próprios moradores.

© Vinicius Ellero
do ventre, teatro, dança de salão
e coral. Além de também abrigar De toda forma, é importante
o Teatro Municipal Ronaldo ressaltar as belezas naturais da
Ciambroni, com capacidade região, como o Poço das Antas,
para 320 espectadores. Porém, o Parque Turístico Ecológico A
a distância entre o Centro Tribuna, o Complexo Zona Rural,
Cultural, que fica na região Morro da Padroeira e, claro, as
central da cidade, e os bairros praias: Agenor de Campos,
mais afastados dificulta o Centro, São Paulo, Flórida Mirim,
acesso dos jovens aos serviços Itaóca, Santa Eugênia e Vera
oferecidos. Além disso, eles Cruz. Essas são riquezas nativas

92 93
Foi com este contexto que
Ingrid conheceu a iniciativa
` Crescer com Proteção, depois
de ser convidada por outra
participante. Em sua trajetória,

ro
o grupo tem sido um divisor

lmene
de águas, pois

elo Co
é um espaço
- para falar com

© Marc
liberdade e
fazer política no
seu território. De
Ingrid é uma menina de 17 acordo com ela,
anos, amante da fotografia e muitos jovens,
A solução foi recomeçar em principalmente
consciente de que o mundo
outra faculdade, um curso em Mongaguá, querem fazer
parece se dividir entre aqueles
Moradora de Mongaguá, totalmente online e sem apoio isso, só não sabem como
que muito têm e aqueles a
município da região financeiro. Para ela, a decisão começar. Ela mesma é um
quem faltam oportunidades.
metropolitana da Baixada foi acertada pois, sem todo o exemplo disso. Para Ingrid,
Ela pretendia unir a paixão pela
Santista, Ingrid precisou tempo de deslocamento, teria ser jovem é “ter dificuldade
foto e a carreira profissional, mas
abdicar de alguns desejos para mais disponibilidade para dar ao tentar entrar no mundo
precisou adiar um pouco esse
conseguir acessar o ensino atenção a outras partes de profissional, ser questionada
sonho. Pela lente da realidade,
superior em pedagogia. Ainda sua vida. Lazer? Infelizmente sobre suas habilidades e se
tem se percebido como retrato
teve de concluir o ensino não. A preocupação de Ingrid descobrir a todo instante.”.
fiel da juventude brasileira.
médio em plena pandemia da com o futuro a fazia pensar nos
E é assim, em meio a
Covid-19, o que não facilitou próximos passos profissionais.
descobertas e superações
em nada a preparação para o Queria se inserir no mercado
de obstáculos, que Ingrid vai
vestibular. de trabalho e, recentemente,
amadurecendo, com muito
A felicidade pelo fim desta conseguiu um estágio que
pé no chão, enfrentando a
etapa se misturou a muitas sonhava. Em outra cidade, há
realidade com resiliência, mas
aflições ao perceber um uma hora de distância, mas está
também com muitos planos. Ela
cenário de colapso sanitário e contente com a oportunidade.
sabe que, vinculada ao NUCA,
econômico. É em meio a esse ela não está sozinha na sua
turbilhão que aparecem as suas “Eu nunca tinha feito uma caminhada..
inseguranças, principalmente entrevista de emprego na
“Meu sonho da vida era
em relação às pressões para vida, procurei na internet
ser jornalista de moda,
decidir um caminho profissional. e fiquei desesperada, mas
mas percebi que era um
curso muito elitizado, Prestou vestibular e foi deu tudo certo e eu passei,
completamente longe da aprovada em uma faculdade começo segunda-feira e
minha realidade. Desisti da cidade vizinha, com bolsa estou muito feliz.”
para ser professora e ainda integral para financiar os
precisei ouvir muitas pessoas estudos. Mas, logo em seguida,
criticarem minha escolha.” já vieram muitas preocupações,
e algumas novas desilusões:

94 95
lembro que ela costumava Giovanna traz aquela energia
dizer que nosso brilho potente de uma jovem
ninguém pode apagar.” perfeitamente capaz de mover
estruturas, com irreverência
e afetividade. Uma força que,
Com essa premissa inspirada
como ela mesmo define, é
nas palavras da avó foi que ela
capaz de sonhar, ir atrás, buscar
encarou o primeiro dia do CCP.
e mudar o mundo. Envolvida
A primeira apresentação no
com um coletivo tão motivado
grupo foi um verdadeiro desafio
quanto ela, parece que o brilho
Com a doce voz de uma para Giovanna, que “tremia
a que sua avó se referia tem
menina sonhadora de 14 anos, aula online ou vídeo, é tudo de nervoso”. Aos poucos,
chegado ainda mais longe e
Giovanna conta o desejo de muito simples. E eu quero com o acolhimento do grupo,
contagiado toda a cidade.
fazer mudanças - por ela e fazer medicina, mas é difícil percebeu que o espaço era
pelos jovens de sua cidade. de passar e muito caro.” um verdadeiro caminho para
Mobilizadora da iniciativa a realização do que ela mais
Crescer com Proteção e pretende no mundo:
Ao contar sobre isso que está
integrante do NUCA Mongaguá, vivendo, Giovanna compartilha
ela vem conciliando as que, para além de seus esforços
atividades da escola e as ações em se adaptar, ela conta com
ao lado de outros jovens da alguns amuletos da sorte: a
região. pulseirinha da maternidade, a
Não foi fácil adaptar a vida roupa que usou ©A
rqu
ivo

© Eduard
estudantil ao mundo virtual. no batizado e Pes
soa
l
No início, ela mal sabia uma fotografia.
mandar e-mail, mas aos O amor da avó

o Petrini
poucos foi entendendo como materna, que
as ferramentas funcionam, faleceu quando ela tinha 7 anos,
e, com o apoio da mãe, dos é representado por uma foto
colegas e educadores do CCP, que carrega consigo para onde
foi se virando. Mas o contexto vai. Com os olhos marejados,
nada facilitador de uma ela fala sobre uma das pessoas
aprendizagem efetiva parece mais importantes de sua vida:
distanciar o sonho de cursar
medicina:
“Eu acho importante ter
esses símbolos, porque
“As lições que estão quando eu ficar maior eu
passando pra mim não é terei coisas para relembrar
lição de nono ano, parecem momentos e pessoas
que estão só cumprindo importantes da minha vida,
obrigação. Eles mandam como a minha vó. Quando
arquivo PDF, mas não tenho ela morreu eu sofri muito,
eu ficava sempre com ela e
96 97
vezes, produzem situações “A gente morou em uma
de violência. Ele convive com casa de frente para o mar,
memórias de amigos e colegas mas ela era muito pequena,
que se envolveram com forças era só uma sala e uma

© Marc
muito fortes em seu território, cozinha, a gente dormia em
e acabaram ficando imersos um sofá e um colchão. Foi

elo Colm
em um ciclo que os violenta uma época difícil, minha mãe
e também produz violência era faxineira de casas de
contra outros. O desejo de veraneio e tinha dificuldades

enero
querer compreender melhor de sustentar a gente.”
como todo esse cenário se
Ao ouvir a história de Cadu forma o aproximou de um
você certamente traçará um Mesmo se dividindo entre
coletivo que nascia na cidade e
mapa imaginário na sua cabeça. A dureza da vida real parece os vários trabalhos que tem, a
que conheceu por meio de sua
Ele talvez represente uma ter se apresentado muito agenda que vem criando junto
namorada:
característica importante da precocemente em sua vida. Aos aos outros jovens do NUCA
população do litoral sul de São 20 anos, Cadu é cobrado a se Mongaguá e das cidades
Paulo, a migração nordestina movimentar com muita destreza “Eu sempre gostei de falar vizinhas convidam a política
para o sudeste do Brasil. para alcançar seus objetivos. pública das cidades a pensar
sobre política, e lá era um espaços de proteção contra
Sua história começa lá em Talvez os equipamentos de
Quebrangulo, cidade do interior Cadu contem um pouco dos espaço legal de debate e violências, e nem sempre por
alagoano, no nordeste. Cadu movimentos que tem feito para aprendizado. Eu esperava meios tradicionais. Batalha de
enfrentar as dificuldades. O rap, intervenções artísticas e o
reside, hoje, em Mongaguá que fosse um lugar intuitivo skate são espaços de expressão
e mora com sua mãe. Uma microfone, instrumento que usa
para produzir seus beats, revela e interessante, e acabou das juventudes também, e
trajetória marcada por um
recorrente vai e vem entre a paixão que Cadu carrega sendo mesmo, gostei produzem um cenário que os
desde pequeno, a música, e diz protege de várias violências.
casas e cidades. Mongaguá, bastante de participar de
mesmo, é um destino recente. não conseguir viver sem ela um Cadu faz vários corres
dia sequer. A aquisição de outro várias atividades.”. para trilhar um caminho que
Eles chegaram em agosto de
2020, depois de perderem a equipamento, seu computador, realmente seja seu. E, envolvido
casa onde moravam em Praia lhe permitiu um universo de no CCP, ele sabe que não está
Grande. Um amigo acabou possibilidades para trilhar, e tem sozinho. Ele veio morar em
sido uma ferramenta que abre Nesse processo de aprender
emprestando um imóvel para Mongaguá por conta de uma
uma porta para o mercado de mais sobre o assunto, ele foi
que morassem até que a vida situação difícil, mas a cidade
trabalho. convidado a também revisitar
se reestruturasse. Aqui, talvez, tem sido, hoje, também, um
sua história e identificar, em sua
ele seja um exemplo de mais As experiências que viveu lugar em que ele se fortalece e
vida, muitas dessas violências.
um cenário social brasileiro: nos vários lugares que morou constrói boas memórias.
Memórias que ele carrega e
as dificuldades que afetaram permite que Cadu conheça
que o inspiram a compor uma
várias famílias pelo contexto da muitas histórias, e saiba
rede de enfrentamento dessa
pandemia. identificar quão complexos
realidade:
são os contextos que os
jovens vêm enfrentando.
Direitos não garantidos, muitas

98 99
rini
Pet
rdo
dua acredita que as boas ideias
©E
tem que ser anotadas quando
surgem, assim podem virar
planos concretos. Além disso,
nada passa despercebido,
cada uma de suas paixões está
embasadas em um emaranhado
de reflexões sobre o mundo e
sobre a sociedade.
Foi com esse turbilhão de
pensamentos e interesses que
Rafa chegou até o CCP. A ideia
veio do irmão, que também se
vinculou logo no começo. Sua
Uma legítima representação ter condições para, um dia, inscrição foi feita como morador
da geração Z, totalmente partir para as terras geladas de Praia Grande, cidade onde
conectado ao universo dos do Canadá. Ele almeja fazer passou a maior parte da vida,
jogos e dos vídeos, Rafael tem intercâmbio, estudar por lá e mas se mudou para Mongaguá
15 anos, mas já coloca a cara quem sabe ser um youtuber recentemente e, por isso,
no mundo - literalmente! Com conhecido. Este é o plano que acabou se vinculando ao
seu canal no youtube, ele fala ele está traçando, com bastante NUCA. Para ele, a iniciativa o
com centenas de seguidores objetividade: o futuro está surpreendeu muito porque
sobre esse universo que tanto logo ali, e ele quer chegar lá acreditava que seria “chatão”,
lhe empolga. tornando realidade o que hoje com uma temática política,
Morador do bairro Jardim é um sonho. e foi tudo muito diferente.
Marina, na cidade de Mongaguá, Surpresa que se transformou
Rafael é um adolescente que, “Eu já estudei muito sobre em convicção.
quando enfia uma coisa na o Canadá, planejei minha No coletivo de
cabeça, haja argumento para viagem para quando eu Educomunicação do CCP Rafa
tirar! Ele entra com tudo e tiver o dinheiro, e agora eu contribui muito pois entende
corre muito atrás do que quer, trabalho para isso. Imagino muito de edição de vídeos e
a partir das coisas que gosta. É que daqui uns 10 anos, sobre as ferramentas digitais
exatamente o que vem fazendo estarei com 25 e quero estar para comunicar, além de,
para tentar chegar ao destino morando lá, em um apê com principalmente, refletir sobre
dos seus sonhos. amigos, sendo reconhecido isso tudo. A iniciativa, conforme
É um menino cheio de ideias, pelo meu trabalho. Sendo foi crescendo, foi criando
e que encontrou na internet youtuber eu não tenho dispositivos para que todas as
uma forma de se conhecer certeza, mas no Canadá eu diversidades sejam bem-vindas
melhor e mostrar quem ele estarei.”. e todo mundo possa contribuir e
é,falando sobre o que mais encontrar seu lugar. E isso tem
gosta: os games. Seu objetivo é tudo a ver com o Rafael, né?
Rafael parece ser um menino
muito bem definido: a internet Investir em encontrar seu lugar
introspectivo e muito sensível.
é um meio para que ele possa no mundo!
Ele tem os pés no chão e

100 101
Antes de todo o aparato tecnológico de geolocalização, a bússola
era instrumento guia para viagens. Sempre apontando para o norte,
ela permitia que pessoas e embarcações pudessem se localizar no
espaço e traçar sua rota. Aqui no Brasil, os povos originários tinham nas
constelações orientação para seus caminhos. Avaliando a posição das
estrelas e os desenhos que formavam no céu e observando a direção
do vento conseguiam se guiar, principalmente em percursos noturnos.
Seja olhando para as estrelas do céu ou por meio de um instrumento
magnético, é essencial ter um rumo para impulsionar a viagem.

Quais são os valores que orientam sua viagem e servem para lhe
dar direção?

102 103
Praia Grande foi emancipada de Artes Nilton Zanotti, um
em 1967, o que significa que tem auditório e a sede da Secretaria
cerca de 54 anos que a cidade, da Cultura do município. Apesar
localizada na região sul do litoral dos seis mil metros quadrados
de São Paulo, faz a gestão de do Complexo Cultural Palácio
seus próprios recursos. Pode das Artes, a experiência dos
até parecer pouco tempo, mas adolescentes da cidade mostra
essa história já impacta a vida que o edifício não dá conta de
de mais de 300 mil habitantes. oferecer repertório suficiente
Apesar dos seus 24km de de atividades culturais em
praia que atraem turistas nas Praia Grande. O espaço, que
épocas quentes do ano, os se encontra na região central,
jovens da cidade consideram no bairro do Boqueirão, revela
que ainda faltam oportunidades outro grande problema urbano:
para que consigam usufruir do a mobilidade.
local e sintam que realmente São mais de 20km que
pertencem à região. separam o Palácio das Artes
Assim como a maioria das das zonas mais periféricas da
cidades do litoral do Brasil, cidade, como os bairros de
em Praia Grande não falta Princesa e Cidade das Crianças,
extensão de areia da praia para o que, por si só, já impõe a estes
quem visita: Canto do Forte, moradores um imenso desafio
Guilhermina, Cidade Ocian, Tupi, de acesso. Esses bairros são
Vila Caiçara, Caiçara, Aviação, ligados por uma única via
Balneário Flórida, Itaquitanduva expressa operada por apenas
ou Vila Mirim. Mas, o que para uma empresa de transporte
além disso é, de fato, de público. Sem acesso a carro
pertencimento dos moradores privado ou dependente dos
quando não é temporada de sol pais, esta realidade afasta
e praia? quem mais deveria aproveitar
as atrações do lugar: os jovens.
Em 2008, foi inaugurado o
Palácio das Artes, um espaço Na área da educação,
construído para promover a unidades estaduais da cidade
cultura da cidade. É lá onde desenvolvem o Programa Escola
também se encontram o Teatro da Família, iniciativa do governo
Municipal Serafim Gonzalez, do Estado de São Paulo, que
o Museu da Cidade, o Foyer
Graziela Diaz Sterque, a Galeria

104 105
disponibiliza o espaço escolar melhor Índice de Efetividade uma rede de ações gratuitas
durante os finais de semana da Gestão Municipal (IEG-M) para integrar todo o território
para diversas atividades. Já as conforme levantamento do municipal. Eventos como a Feira
escolas municipais de Praia Tribunal de Contas estadual. de Troca de Livros e a Semana
Grande integram o programa O dado é percebido pela da Cultura Caiçara levam
SuperEscola, em que os juventude local de maneira arte, música, conhecimento
alunos, após os horários das diferente, como é o caso da e entretenimento para outros
aulas, podem participar de adolescente Sarah, de 17 anos, bairros, oferecendo a essa
diversas atividades esportivas moradora do bairro Margarida: população a possibilidade
e culturais, como ginástica de construir uma nova Praia
artística, natação, navegação, Grande. Movimento que os
surfe, atletismo, teatro, música, jovens mobilizadores da
dança, entre outras. Com os iniciativa Crescer com Proteção
desafios de mobilidade urbana também já começaram a fazer:
enfrentados pela população, uma batalha de rap na pista
o acesso a projetos como os de skate do bairro Samambaia
descritos acima torna-se ainda agitou a região e ecoou a voz
mais complexo. de adolescentes e jovens
O cenário para os jovens de engajados na garantia de
Praia Grande no que diz respeito direitos das juventudes. Foi
à capacitação profissional o primeiro pontapé de uma © Eduard
o Petrini
também merece atenção. Muitos experiência que só se fortalece:
dos jovens precisam contribuir ocupação e ressignificação da
com o orçamento familiar, mas cidade.
não têm oferta para a primeira Os integrantes do NUCA
experiência profissional que reafirmam que a participação
garanta aprendizagem e Os projetos municipais e dos jovens temmuito a
empregabilidade com direitos estaduais disponibilizados em contribuir com uma gestão
protegidos, como por meio da Praia Grande nem sempre têm municipal efetiva, que leve
Lei de Aprendizagem. A região, alcançado toda a juventude, que em consideração as diferentes
que recebe cerca de 6 mil tem se mobilizado: adolescentes realidades e contextos da
novos moradores todos os anos, e jovens têm criado seus cidade.
enfrenta desafios para capacitar próprios movimentos na
a própria população jovem e, produção de cultura urbana,
consequentemente, mantê-la ocupando praças e praias da
na cidade. cidade, mesmo que de maneira
Em 2020, Praia Grande ficou independente.
entre os quatro municípios do O Movimento Cultural de
estado de São Paulo com o Praia Grande tem mobilizado

106 107
proveitosa, pois além de ser uma a partir de uma experiência
oportunidade para expandir sua coletiva. É no coletivo do NUCA
rede de amigos, e se relacionar que tem ajudado a construir em
com adolescentes e jovens da sua cidade que ela vai ousando,
sua cidade e região, ela afirma aos poucos, tirar os fones de
ter mais conhecimento sobre o ouvido e colocar na caixa de
mundo e sobre si mesma. som suas melodias de uma
vida toda.
“Não foi como eu imaginei,
mas teve muita coisa legal, eu
não gostava muito de pensar
A vida de Isabelli é marcada que tem: a escola, o curso sobre quem eu era, mas
pelas recordações em família preparatório como jovem quando fizemos a atividade
e alguns poucos amigos. A aprendiz, a iniciativa Crescer sobre autoconhecimento
casa na árvore construída pelo com Proteção, o Núcleo de foi muito interessante. Além
pai, os passeios de canoa com Cidadania de Adolescentes, as disso, eu fico muito feliz em
a mãe e irmã mais velha e as atividades na igreja, os afazeres conhecer tanta gente legal:
caminhadas pela cidade são da casa e o cuidado de Dora, é a parte que eu mais gosto.”

©
memórias que cultiva consigo sua cachorra de estimação.

Ed
u
ar
cheia de carinho. Para além da vida agitada e

do
ativa dos compromissos, Isa Apesar de se considerar

Pe
Para quem está de longe, a

tri
“caseira” e bem ligada às suas

ni
timidez pode ser mais evidente tem pequenos hobbies, como
escrever roteiros de curta- raízes, seus sonhos parecem
do que o rebuliço que fervilha
metragem. Tudo isso é encarado mais alados do que os pés:
em sua cabeça. E é mais ou
com muita responsabilidade. um ganho certeiro que essa
menos assim que ela se define:
experiência estimulou e que
Foi esta vontade de aproveitar
começa a pulsar em aspirações
as mais diversas oportunidades
“Sou como um fone de que dispensam fronteiras.
para se envolver coletivamente
ouvido, quem está perto
que a motivou a se inscrever na
escuta e me entende bem,
chamada do CCP, mesmo sendo “Eu tenho muita vontade de
mas quem está mais longe,
em um cenário de isolamento ser piloto de avião, viajar para
não consegue saber muito
causado pela pandemia da vários lugares diferentes e
sobre mim.”
Covid-19. As expectativas conhecer várias pessoas (...),
iniciais eram de que as era isso que eu queria para
Mas essa tal discrição serve atividades fossem semelhantes mim: um emprego que não
apenas para camuflar a ebulição ao escotismo, com ações fosse chato e cheio de rotina.”
que realmente acontece dentro práticas em diversas áreas e
do universo desta menina de 16 formatos. Embora o desenrolar
Isabelli parece viver um
anos. do projeto tenha se dado de
exclusivo compromisso com a
O dia de Isabelli começa bem maneira bem diferente do que
liberdade de sonhar. Acredita
cedo, que é para comportar ela pensou, reconhece que a
em si mesma, se fortalece
os vários compromissos experiência tem sido bastante

108 109
Sarah mora com a mãe, o
padrasto e o irmão em Praia
Grande, cidade com pouco
mais de 300 mil habitantes. No
entanto, a infância foi vivida no
interior de Minas Gerais, na zona
rural da região metropolitana de
Belo Horizonte. E isso diz muito
sobre ela.
Sobram anseios na juventude:
ter independência, fazer uma “Minha infância foi muito
boa faculdade, trabalhar para diferente, eu morava em
ajudar em casa ou para realizar uma área mais afastada da
os próprios sonhos são alguns cidade, lá não tinha acesso
deles. Planos que, aos poucos, à educação, ou então era
Sarah vai conseguindo tirar do muito precária, por isso
papel com o que considera eu gosto tanto de fazer as
como seu atual “emprego”: o coisas.”.
© Ed
uard Envolvida com muito empenho
o Pet CCP.
rini na rede do CCP e do NUCA, o
A iniciativa oferece
Coisas essas que vêm que não vai faltar para Sarah é
aos jovens participantes
agregando valor ao cenário inspiração para seguir a carreira
uma bolsa que auxilia a
jovem da cidade de Praia que escolheu. Seja em casa,
permanência nas atividades.
Grande. Sarah, junto com o com a mãe que é assistente
No contexto da pandemia da
NUCA, produziu uma batalha social no CREAS (Centro de
Covid-19, era preciso garantir,
de rima, manifestação cultural Referência Especializado de
fundamentalmente, o acesso à
do rap que é um show de Assistência Social), ou com os
internet, algo não muito fácil no
improviso e criatividade. A educadores do Instituto Camará
país, de forma geral. Entretanto,
ideia nasceu com o intuito de Calunga, que acompanham as
para muitos dos participantes,
promover espaços de cultura atividades. O fato é que Sarah
este é um dos primeiros passos
que tivessem mais a cara da já começa hoje a desenhar
rumo a uma vida com mais
juventude, com o objetivo de seu futuro, com rede e apoio,
autonomia.
ocupar a cidade com aquilo que e quem sabe, em breve, vai
Para Sarah, isso vem sendo produzem e gostem. Para ela, engajar ainda mais jovens
uma oportunidade de aprender muito se fala sobre os jovens, que estejam interessados em
mais sobre o que gosta e mas pouca voz é dada a eles: transformar a vida de outros
também de atuar mobilizando jovens do litoral sul.
pessoas para a garantia de
direitos. Aliás, uma aptidão que
ganhou destaque no projeto e
que ela considera ser mais uma
das características que ratifica
sua escolha profissional na área
de psicologia.
110 111
gordofobia, racismo e xenofobia, a partir da construção coletiva
por conta do sotaque, e lamenta nesses espaços, ferramentas
a experiência. Hoje reconhece de mudança em direção
que passar por todas essas à realização do sonho de
dificuldades a fez mais forte. transformar o mundo, cuidando
uns dos outros, e deixando uma
marca na história.
“Sofrer bullying me ensinou
bastante, ensinou que eu não
tenho que abaixar a cabeça
A vida nos presenteia com Agora aos 16 anos, Lissandra e tenho que ter muito orgulho
pequenos prazeres cotidianos, firmou os pés em Praia Grande de quem eu sou.”
como andar pelas ruas com depois de muita andança com
© Edua
tranquilidade e segurança a família. Natural da capital, ela rdo Petr
ini
A autoconfiança e o orgulho
podendo observar a beleza ao conta que a vida com os pais
de sua identidade e história
redor. É assim que Lissandra separados lhe rendeu alguns
não foi algo fácil de conquistar,
Helena se sente ao fazer o endereços.
mas a iniciativa Crescer com
pequeno percurso até a escola
Proteção tem cumprido
municipal onde atua no grêmio
“Eu moro com minha mãe, um papel importante nesta
estudantil. Depois de uma
meu padrasto, uma irmã e trajetória. Ela se inscreveu
infância cheia de mudanças,
dois irmãos, mas também assim que viu a publicação no
ela reside com a família em Sabem aquele velho ditado
tenho um irmão mais velho Facebook, mas só foi chamada,
Praia Grande, no litoral sul de “se a vida lhe der limões faça
por parte de pai. Eles moram de fato, alguns meses depois
São Paulo, e conta que adora uma limonada”? Lissandra está
em São Paulo, onde nasci, do início do projeto. Foi então
caminhar pelo bairro Vila Mirim, colocando em prática e fazendo
mas me mudei muitas vezes, que, aquelas cicatrizes que
onde mora. Ainda que, como da vida um refrescante suco à
morei em vários bairros da minaram tanto sua autoestima e
toda mulher, tenha receios beira mar.
capital e até em Minas geraram inseguranças atacaram
em andar sozinha, este é um
Gerais.” novamente.
momento da rotina que a faz
bastante feliz.
O dia a dia mudou A infância foi marcada pela “Eu tinha muito medo de
consideravelmente com a guarda compartilhada entre entrar e fazer alguma coisa
pandemia, mas Lissandra seu pai e sua mãe. Muitas errada, de prejudicar o
continuou a frequentar as casas, muitos conflitos, muitas projeto, mas ele me mostrou
atividades do grêmio estudantil, escolas e muita resiliência que eu tenho capacidade de
uma forma que encontrou para se adaptar a tantas alcançar muitas coisas que,
de manter vínculos com mudanças. Essa constante para mim, eram impossíveis,
movimentos coletivos e não necessidade de ter que se e isso me deixa muito feliz.”
deixar a educação formal ficar adaptar a novos contextos a
ainda mais comprometida na fez sempre ser “a garota nova”
Com o envolvimento no grêmio
sua vida e também na de seus e, consequentemente, alvo
e no CCP, Lissandra ressignifica
colegas. fácil para o bullying, episódios
sua escola e seu território, e cria,
que são importantes cicatrizes
da sua formação. Sofreu

112 113
i
rin
Pet
e ressalta que esse foi um

rdo
“A cidade é tranquila, e o

dua
dos grandes momentos para
que mais eu gosto de fazer

©E
ela. Mesmo com todas as
é ir pra praia, encontrar os
restrições que a pandemia
amigos por lá. Agora, na
exige, aquele momento em
pandemia, eu quase não saio
que pode trocar com outros
de casa, porque não tenho
jovens e dar mais vida àquele
muitas opções do que fazer
espaço foi gratificante e passou
por aqui.”.
uma mensagem importante:
que a cidade é de todos, e que
Bianca sabe desde muito maternidade no mundo em Bianca se tornou uma jovem a juventude mobilizada pôde
cedo que o amor é um ato que vivemos. Sua mãe e avó mobilizadora por meio do contribuir muito para políticas
de coragem. Costumava ouvir são inspirações para ela, que convite de Lissandra, grande públicas que garantam mais
relatos românticos que a avó mesmo com a dureza da vida, amiga que também faz parte oportunidades para viver uma
contava ao pé da cama antes de não a deixaram enrijecer. A do grupo. Quando entrou para vida digna:
dormir. Lembrança que aos 16 vida para essa família não foi a iniciativa, esperava encontrar
anos guarda com muito carinho, muito fácil e exigiu que Bianca, um espaço de acolhimento
principalmente agora que já não desde muito cedo, tivesse que “O que eu mais gostei até
e proteção, mas achou algo
tem mais a presença dela em contribuir para o orçamento da agora foi intervenção na
muito maior, força coletiva para
seu dia a dia: casa: pista, pois uniu bastante
a mudança:
os jovens e foi muito legal
participar disso agora.”
“Faz dois anos que minha “Eu costumava ajudar
avó nos deixou, ela era minha mãe com o carrinho de
uma das pessoas mais praia e na feira. Passávamos É justamente o desejo de
importantes da minha vida.”. por dificuldade financeira, tornar a vida de crianças e jovens
era complicado... mas minha menos dura e com direitos
infância não foi ruim porque protegidos que mobiliza Bianca
Os romances reais, entretanto, a sonhar outra cidade e intervir
ainda assim eu sempre
são muito diferentes das nela. É a coragem, elemento
arrumava um tempo para
histórias idealizadas que ouvia. fundamental na sua história,
brincar com meus amigos.”.
Bianca é filha de mãe solo que dá forças para seguir em
e aprendeu desde cedo o frente, agora mais fortalecida
significado e a importância da Coragem e paixão sempre por um coletivo. Quem sabe, no
expressão “ninguém solta a fizeram parte da infância de futuro, Bianca também se sente
mão de ninguém”. A ausência Bianca, e não seria diferente na aos pés da cama para contar
do pai, que nunca conheceu, foi adolescência. Ela faz questão histórias... histórias de amor de
preenchida pelo avô e dois tios, de contar sobre a sua história de uma adolescência vivida em
Juntamente com os
que moram junto com ela até amor com o namorado. É com plenitude.
integrantes do NUCA, Bianca
hoje, em Praia Grande. ele e os amigos que costuma
ajudou a engajar outros
O exemplo das duas aproveitar a cidade e o que, de
adolescentes e jovens para
mulheres em casa também acordo com ela, Praia Grande
fazer uma intervenção na pista
foi fundamental para ensinar tem de melhor para oferecer:
de skate do bairro Samambaia,
sobre a força e os desafios da a praia.

114
Nas viagens longas ou nos passeios turísticos, uma boa viagem mar
adentro se depara com águas cristalinas, muitos tons de verde e azul,
ilhas de muita vegetação, no horizonte sob o sol que pinta o cenário de
amarelo…
Um convite irrecusável para ancorar o barco e se reenergizar nas
águas, se refrescar e brincar no mar.

Quais são seus lugares e tempos de descanso e lazer?

116 117
Existe uma forte narrativa Vicente cresceu e, atualmente,
de que São Vicente foi a é a segunda cidade mais
primeira cidade organizada populosa do litoral paulista,
pela colonização no Brasil. O ficando atrás apenas de
território habitado e gerido Santos, cidade fronteiriça ao
pelos indígenas nativos seu perímetro urbano. De
foi sendo, violentamente, acordo com as informações do
dominado pelos europeus. Instituto Brasileiro de Geografia
Uma disputa enfrentada até e Estatísticas (IBGE), são mais de
hoje pelos povos indígenas da 360 mil habitantes no município.
região, como os moradores da Aquela vila, diferenciada
Aldeia Paranapuã, que buscam pelo avanço na manufatura
o reconhecimento desta em seus primórdios, é, neste
história, direitos garantidos e a momento, uma economia
autonomia para o uso da terra. baseada, principalmente, no
Terra invadida por volta de comércio local e no potencial
1502, sua fundação oficial é para o turismo. Se tratando de
datada em 1532, por Martim potencial turístico, a cidade está
Afonso de Sousa, mas ainda entre os 15 municípios paulistas
assim, o município carrega o considerados como estâncias
título oficial de “cidade mais balneárias. Isso significa que o
antiga do Brasil”. A suposta Estado de São Paulo enaltece as
“primeira vila da América condições de lazer, recreação,
Portuguesa”, logo em seguida recursos naturais e culturais da
a sua ocupação, contou com a localidade, voltadas ao público
construção de um pelourinho, externo. Mas a experiência dos
uma prisão e uma câmara, na jovens é marcada, talvez, pela
qual ocorreu “a primeira eleição característica mais evidente
no território brasileiro”. Por volta da cidade: São Vicente é
de 1600, São Vicente já era uma cidade-dormitório. Sua
conhecida como o celeiro do população é dependente da
país, por conta do seu destaque economia das cidades vizinhas,
na produção manufatureira principalmente a cidade de
e desenvolvimento agrícola. Santos, que concentra grande
Conjuntura que não se parte da oferta de serviços na
iin
etr

sustentou ao longo da história. região.


oP
ard

Dessa forma, seguindo De acordo com os jovens, o


u
Ed

os moldes da apropriação cenário não é muito favorável


©

portuguesa da terra nova, São e faltam políticas públicas de

119
qualidade. Condição que a inovadora, de uma parceria da A Área Continental de São Olimpíada nas provas de canoa
jovem mobilizadora Raiza dos sociedade civil e de organismos Vicente, onde reside quase de velocidade. Atualmente,
Santos, de 20 anos, expõe ao internacionais, e se torna um metade da população, sofre, o espaço é utilizado como
contar sobre a perda da filha importante dispositivo para a em maior grau, com a ausência canteiro de obras.
Lorena, aos 8 meses de idade: participação de adolescentes de políticas públicas efetivas. De acordo com os integrantes
e jovens no controle social de Em 2019, passou a contar com do NUCA, São Vicente atrai
políticas públicas. Atualmente, a Estação Cidadania Cultura, turistas, possui belas praias,
“O sistema de saúde daqui é
a região conta com cerca de que tem quadra poliesportiva como Itararé, Milionários,
falido. Minha filha precisou de
107.600 habitantes de até 18 e outros espaços destinados à Gonzaguinha, Parnapuã e
oxigênio e materiais básicos
anos, o que significa 29% da sua prática de esportes. Além disso, Itaquitanduva, mas ainda é
para a sobrevivência dela, e
população total, de acordo com há também uma biblioteca, um preciso focar no futuro de sua
o hospital não tinha.”
dados do IBGE. telecentro com computadores população de adolescentes e
Com essa resolução, há e um cineteatro. O espaço fica jovens. De acordo com eles, é
Por identificar desfalques na uma aposta de que as coisas localizado no bairro Humaitá, preciso mais do que paisagens
gestão pública do município, realmente mudem, já que é um dos 10 bairros que integram para oferecer um futuro digno e
a juventude da região tem se comum ouvir, entre os jovens, a região. responsável para sua população.
mobilizado para garantir os que não há muitas ofertas no Na Área Insular, as opções O que São Vicente tem, de
seus direitos e construir uma campo da cultura, arte e esporte culturais são as mesmas há toda forma, são adolescentes e
cidade que atenda aos seus na cidade, ficando restritos ao cerca de 20 anos: Casa Martim jovens interessados e dispostos
interesses. Possibilidade que entretenimento das praias e do Afonso, Instituto Histórico e a mudar as coisas, e precisam
alguns deles encontraram na shopping: Geográfico, Parque Ecológico ser ouvidos.
iniciativa Crescer com Proteção, Voturuá, Casa da Cultura Afro-
promovida pelo Fundo das Brasileira, Parque Cultural
Nações Unidas para a Infância “A cidade não tem muita
Vila de São Vicente e o © Arquiv
(UNICEF) e o Ministério Público novidade. Não tem muita coisa o Pesso
al
Espaço Multicultural 22 de
do Trabalho (MPT), com parceria pra fazer, a maioria das coisas
Janeiro. Inclusive, ativistas do
do Instituto Camará Calunga e que os jovens fazem é o que?
Movimento Amplo Cultural de
da Agenda Pública. Por meio do Ir para o shopping e praia. São
São Vicente já fazem o trabalho
NUCA Conexão, tem investido os únicos atrativos. Não têm
de reivindicar melhorias nesse
em parcerias com coletivos muitos espaços legais para
setor.
locais para mobilizar outros os jovens”, revela outra jovem
mobilizadora, Raphaela Martins, O Centro Náutico de São
adolescentes e jovens.
de 16 anos, moradora do bairro Vicente, que já chegou a
No final do primeiro semestre atender cerca de 400 crianças,
Vila Valença.
de 2021, o Conselho Municipal foi inaugurado em 2005 e,
dos Direitos da Criança e do na época, fez a cidade ser
Adolescente (CMDCA) de São conhecida como o centro
Vicente aprovou o Comitê de brasileiro de canoagem por
Participação de Adolescentes descobrir grandes talentos,
(CPA), a partir da proposição da como Nivalter Santos, primeiro
iniciativa. Essa é uma experiência brasileiro a competir em uma

120
Fazer parte de um grupo foi com o outro,estimulando que
um pontapé para que Rapha as pessoas possam encontrar
descobrisse várias aptidões seus lugares no mundo...
que tem. Assim que revelou
seu lado comunicativo,
“Eu me imagino sendo uma
novas portas se abriram e ela
psicóloga formada, que
passou a desempenhar outras
possa atender em lugares
atividades, as quais conta muito
onde o acesso à terapia
entusiasmo:
deveria ocorrer, mas não
existe acesso. Eu não sei
A infância passou e agora “Recentemente eu fiz uma bem como atuar, mas quero
a vida de Rapha não conta live sobre jovem no trabalho que a psicologia não seja
A comunicação é uma mais com brincadeiras na rua, e fiquei muito contente em vista como algo distante e
ferramenta importante ainda mais nas limitações da falar e poder ser ouvida inacessível.”.
para nossa organização em pandemia. Sem muitas atrações por outros jovens, mesmo
sociedade, e funciona, muitas interessantes para os jovens que a minha internet tenha
vezes, como uma ponte capaz Mesmo que a escolha
em São Vicente, seu cotidiano atrapalhado um pouco.”.
de unir pessoas e lugares e profissional se concretize
é dedicado a estudar e terminar
potencializar transformações. É só daqui a algum tempo,
a formação dada pelo CAMPSV
exatamente assim que Raphaela Despertar este seu lado a caminhada de Raphaela é
(Centro de Assistência Social e
tem atuado no mundo: como confiante e comunicativo inspiração e já faz enfrentamentos
Mobilização Permanente de São
uma ponte. não foi algo muito fácil. Esse às desigualdades que ela
Vicente), que tem o intuito de
processo foi sendo vivido, observa nas experiências dos
A jovem de 16 anos integra o preparar jovens do município e
aos poucos, nas atividades da jovens da sua cidade. No NUCA,
NUCA de São Vicente, cidade encaminhá-los para o primeiro
iniciativa, e se fortalecendo seu potencial de mobilização é
onde mora com a mãe e a emprego. Mas o dia a dia ganhou
em um intenso percurso de enorme. Mais do que uma ponte
avó desde que nasceu. Filha cara nova quando começou a
autoconhecimento e, também, que une um lugar ao outro, ela
de pais separados, ela lembra participar da iniciativa Crescer
de conhecimento de outras agora é parte de uma grande
da dificuldade de viver esse com Proteção:
histórias de outros adolescentes rede de proteção e garantia de
processo na infância. Conta que,
e jovens de sua cidade. direitos.
aos poucos, foi encontrando
©E

jeitos de lidar com esse cenário A oportunidade no CCP e a


dua

e se adaptando. Como criança facilidade que descobriu ter


rdo

que era, foi inventando beleza para se comunicar poderia


Pet

e diversão para aquela rotina: ter despertado sonhos como


rini

ser jornalista, apresentadora


ou, porque não, youtuber.
“Eu amava ir visitar o meu Mas, na verdade, Raphaela já
pai... como sou filha única, carrega consigo um interesse
me sentia muito sozinha em consolidado pela área da
casa, mas lá onde ele morava psicologia, uma outra forma
eu tinha mais amigos e podia que encontrou de fazer uso de ê
brincar com a vizinhança.” sua aptidão para se conectar Ind 19
de 0
r ia e, 2
o u
ut rq
*A que
b u
Al
122 123
“Minha mãe vivia
trabalhando e tinha conflitos

©E
com o marido por nossa

dua
causa, mas sempre senti sua

rdo
falta e fui morar com ela de

Petr
Para alguns, a maternidade é novo, acabei passando a ter

ini
uma força imbatível capaz de muitas responsabilidades...
mover qualquer montanha. E logo em seguida eu
Raiza, de 20 anos, mãe de dois engravidei.”
filhos e pronta para o terceiro,
concorda. Há mesmo algo
Assim começou um novo, e
inexplicável que a conduz a O quarto era seu canto de talvez mais intenso, capítulo
proteger e lutar pelos seus mais aconchego, onde passou na trajetória de Raiza. De lá pra
filhos. Foi esta busca que a fez bastante tempo isolada e sem cá, tornou-se mãe do Lorenzo,
chegar à iniciativa Crescer com saber o que fazer, até que viveu a perda de Lorena e agora
Proteção. conheceu, através de uma espera feliz a chegada de Henry.
Em fevereiro de 2021, ela amiga, o CCP, e foi, no coletivo, Grávida de sete meses, Raiza
perdeu a filha de oito meses de que encontrou força: não deixa dúvidas sobre como a
idade, uma marca que carrega maternidade revirou sua história,
no coração, mas também no “Entrei no projeto depois mas também a preenche de
cotidiano preenchido pela busca que minha filha morreu, beleza e sentido.
por respostas e mudanças. estava procurando Ela soma a potência que
Moradora de São Vicente, ela justiça, buscando saber vem da sua maternidade, o
relata o que aconteceu com a mais sobre como essas vínculo com os educadores e
filha: coisas funcionavam, e foi outros jovens da iniciativa para
maravilhoso conhecer isso se fortalecer e dar visibilidade
com o CCP e descobrir sobre às violações de direitos. Não
direitos que eu nem sabia só quer um melhor futuro
que eu tinha.”. para os filhos, mas também
para adolescentes e jovens da
O primeiro filho de Raiza cidade, e claro, para si mesma:
hoje ela deseja uma carreira ( ) Cristal
veio logo depois dos 15 anos,
fase que ela conta ter sido profissional em administração. ( ) Luna
um momento de muitas Por políticas públicas de ( ) Gata
transformações. Nessa época, qualidade para que nenhuma
ela havia voltado a morar com outra mãe tenha os direitos ( ) Lorraine
a mãe, o que foi bom para violados, no NUCA, Raiza
preencher uma ausência que tem encontrado apoio para
sentiu por muitos anos sendo transformar seu luto em luta.
criada pela avó dos irmãos.

124 125
O pensamento é a força criadora, irmão
O amanhã é ilusório

©E
dua
Porque ainda não existe

rdo
que foram alcançadas e “Hoje meus pais estão

Pet
O hoje é real

rini
É a realidade que você pode interferir superadas: separados, ela vende lingerie
As oportunidades de mudança e ele faz bicos como pedreiro,
‘Tá no presente mas, no meu aniversário de
5 anos, meus pais estavam
Não espere o futuro mudar sua vida
juntos e empregados, então
Porque o futuro será a consequência do presente eles conseguiram fazer uma
Parasita hoje festa para mim, ganhei
Um coitado amanhã muitos presentes e dancei
Corrida hoje bastante, é uma lembrança
Vitória amanhã feliz da minha infância.”.
Nunca esqueça disso, irmão
Mesmo em um cenário
O ditado popular diz “quem A iniciativa Crescer com adverso, Nicoly tem na dança
canta os males espanta”, mas Proteção entrou no cotidiano um refúgio. Por meio da arte, se
Nicoly, jovem de 14 anos e de Nicoly quando a pandemia expressa e fortalece seu corpo.
moradora de São Vicente, não suspendeu uma das atividades Com o NUCA, tem aprendido
só canta, como dança e também que ela mais gostava: o grupo muito sobre seus direitos, e
se envolve coletivamente para de dança da Escola Estadual O dia a dia de convivência e identificado aqueles que lhes
enfrentar os desafios da crise Margarida Pinho Rodrigues, que trabalho com os outros jovens são negados. Dessa forma, vai
sanitária. A rotina embalada pela fica na Vila Margarida, periferia mobilizadores fortaleceu a encontrando o apoio que precisa
realidade das rimas do rap e da Área Insular da cidade: amizade entre eles, e como toda para seguir sua caminhada. E os
pelos hits pop coreografados amizade, eles já aceitam até passos de dança que contam
com as amigas foi atravessada mesmo os defeitos de Nicoly: sua história, por vezes dançados
“Eu tenho um grupo de
pela pandemia, o que a fez ter solitariamente, vão se tornando
dança na escola desde
que inventar formas de não uma bela coreografia de um
2019, estávamos começando “Eu gosto bastante de
cair no tédio. Uma delas, óbvio, corpo coletivo.
a nos preparar quando dormir, não é nenhuma
é o celular, mas ela também
veio a pandemia e não novidade, e a galera do
inventou outras:
conseguimos mais ensaiar, CCP já até brinca comigo,
tentamos online, mas não porque eles sabem que eu
“Eu estudo e não trabalho, deu certo com o nosso fico mexendo no celular até
costumo acordar, ir para a grupo.”. mais tarde, e não gosto de
escola ou fazer atividades acordar cedo.”
online, e também ajudar a
Sem poder ir à praia ou
cuidar da casa e do meu
ensaiar com as amigas, Nicoly Nicoly sabe que a vida é um
irmão, gosto de ir para a
foi convidada pela Raiza, outra desafio desigual e que é preciso
praia com os amigos, mas
jovem mobilizadora de São agir no presente para mudar o
agora na pandemia não
Vicente, a integrar o coletivo. futuro, como diz uma das suas
tem como sair muito, então
Entrou na ânsia de fazer novas músicas favoritas. Atualmente,
fico no celular e faço as
amizades e aprender mais sobre com os pais desempregados,
atividades do CCP.”.
políticas públicas. Expectativas vive uma realidade ainda mais
desafiadora:

126
A convivência lhe ensinou como vem encontrando as
bastante coisa, que, hoje, ele ferramentas para combatê-
conta com orgulho e cheio de las com trabalho e dedicação.
saudade: Um jovem que apresenta
maturidade, ao mesmo tempo

© Eduardo Petrini
“Minha avó não gostava de que tem ingenuidade. Com
cozinhar, ela cozinhava por muitos sonhos e esperança,
obrigação para a família, ele sabe bem onde quer estar
mas sempre fez muito no futuro:
bem e foi ajudando ela
Dedicação. Talvez essa O CCP entra para a vida de
que eu acabei aprendendo
seja a primeira palavra que Giovanny somando-se a uma
também.”
venha à sua mente quando vontade muito evidente em
Menino de coração doce e
ouvir a história do Giovanny, ver o mundo de forma coletiva,
entusiasmado, gostava muito
de 17 anos, morador de São seja na rua ou em casa. Filho
de estudar. Adorava aprender
Vicente. Um traço importante de pais separados e irmão
e participar das atividades
de sua personalidade está de mais quatro, ele sempre
curriculares, mas sofreu
no olhar atento e sensível entendeu que a vida só é
muito com o bullying e com o
para as pessoas ao seu redor, possível quando nos apoiamos
racismo, capítulo que marca a
e para como o mundo tem uns nos outros. Foi isso que
sua história:
funcionado. aprendeu na companhia da
Apesar de gostar muito de avó paterna, mulher referência
dormir, ele acorda cedo para na sua vida e que, enquanto
“Eu sempre fui magro
cumprir suas obrigações. pode, proporcionou a ele
e costumava cortar meu
A rotina começa pela as melhores lembranças da
cabelo na máquina zero, A dedicação de Giovanny
escola, passa pelo cotidiano infância, e alguns bons
e por isso eu recebia inspira e convida outras
movimentado com a mãe e aprendizados também:
vários apelidos que eu não pessoas a partir para ações
os quatro irmãos e chega às
gostava. Por mais que eu que combatam as estruturas
atividades do Crescer com “Todo domingo minha avó gostasse da escola, muitas da desigualdade. Não só lutar
Proteção. Essa participação é fazia o almoço e todos os vezes eu não quis ir, uma pelo povo, mas também com
só mais uma das tantas ações familiares vinham passar lembrança que eu nem o povo: isso tem um grande
sociais que ele procura se o dia com ela. Depois que gosto de reviver.” potencial de mudança.
envolver: ela faleceu foi cada um
Mas Giovanny transformou
para o seu canto, ela era
muito da sua dor fazendo
“Eu gosto muito de fazer a união da família e vivia
boas escolhas. Estimulado
trabalho social, de ajudar nos contando histórias
pela participação no CCP e em
outras pessoas, como fazer interessantes sobre como a
outros espaços de debate que
refeições para moradores vida era antes.”
participou, se apropriou de sua
de rua. Porque, infelizmente,
classe e cor para compreender
na época em que estamos Ainda menino, pediu
as violências estruturais que o
vivendo, é preciso ajudar para morar com a avó e se
cercam. Não só as identificou,
uns aos outros.” tornou um fiel companheiro.

128
No percurso até aqui, você foi investigando, na sua própria experiência,
os lugares de onde você parte, as pessoas que estão com você, as
heranças que você carrega e os valores que te orientam, passando
por diferentes cenários e condições de viagem. Viajar nos possibilita o
contato com aquilo que é novo e o desembarque nos provoca a criar
novos sentidos para seguir a partir dali.

Onde você gostaria que seu barco atracasse? Que cidade ou


povoado você imagina ali? Como é a vida de um adolescente neste
lugar?

130 131
Ao longo dos mais de 20 anos de nos espaços de sua atuação
atuação, muita coisa aconteceu. direta: judiciário, escolas,
Entre altos e baixos, os vários universidades, serviços de
educadores que compuseram assistência social e territórios
as equipes não deixaram, em onde desenvolve suas ações.
nenhum momento, de estar Nesse movimento, ao longo
presentes nos territórios, ao dos anos, foi reconhecido de
lado das populações mais inúmeras formas. Uma delas são
vulnerabilizadas da cidade de os prêmios: em 2015 recebeu
São Vicente. Assim, a atuação o Prêmio Nacional de Direitos
do Camará foi se consolidando Humanos, em 2019, 11º Prêmio
na formulação e no controle Carrano de Luta Antimanicomial
social de políticas públicas, e Direitos Humanos e o VIII
e também em pesquisas e Prêmio Patrícia Acioli de
formações de profissionais da Direitos Humanos. Em 2020,
rede do Sistema de Garantia o Prêmio Neide Castanha de
de Direitos Humanos de Direitos Humanos de Crianças e
Crianças e Adolescentes. Além Adolescentes. Foi ainda finalista
disso, também estruturaram regional do Prêmio Itaú-Unicef
projetos, ações e metodologias em 2017 e finalista nacional em
Por vezes o mar é calmo, por públicas de defesa de crianças

transtornos mentais. Propõe cuidado em serviços abertos, comunitários e territorializados,

sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento e com prioridade absoluta.


educativas, artísticas e culturais. 2018.

* Com o lema “por uma sociedade sem manicômios”, o movimento questiona internações
em hospitais psiquiátricos e denuncia as graves violações aos direitos das pessoas com

* Lei 8.069, sancionada em 1990, é o principal instrumento normativo do Brasil sobre os


direitos da criança e do adolescente. No ECA, crianças e adolescentes são vistos como
vezes é revolto. Por vezes traz o e adolescentes*.
Estar nas ruas é o principal É para este porto que
conhecido e às vezes a surpresa. Na época em que tudo isso
modo de fazer a experiência convidamos todos vocês
O porto não. O porto é sempre fervilhava no Brasil, o Camará
do Camará acontecer, e a atracarem seus barcos.
abrigo. Por vezes é partida, acompanhava meninas em
todo camarada acredita com Sabemos que os barcos não
noutras é chegada. Mas é situação de exploração sexual.
muita convicção que ocupar foram feitos para ficarem
sempre aquele lugar de refúgio, Esse projeto foi se fortalecendo e
as ruas é uma ferramenta parados no porto, e sim para
de parada e de abastecimento.
buscando a garantia da cidadania de usuários e familiares.

crescendo e acabou se tornando


muito potente de produzir navegar. Nosso papel é oferecer
Agora você chegou no Porto uma referência metodológica,
coletividade e pensamento ferramentas, quiçá companhia,
Camará. Seja bem-vindo! colocando o Camará no centro
crítico. Outro aspecto essencial para que você e sua tripulação
Nossa história é antiga, e do debate sobre o tema. A
são as expressões artísticas, possam ter uma viagem repleta
começa com a mão de alguns união entre sociedade civil,
ferramentas potentes na de experiências e, sempre
educadores corajosos, lá em academia e ministérios produziu
resistência às violações de que precisarem atracar e se
1997. O trabalho realizado políticas públicas históricas
direitos. proteger, estaremos aqui para
tinha fortes influências de dois de atendimento às crianças e
Atualmente, o Camará recebê-los.
movimentos muito importantes adolescentes em situação de
Calunga desenvolve projetos
na formação da sociedade abuso e/ou exploração sexual
e programas no campo da Venha ser nosso camarada,
brasileira: a Luta Antimanicomial* em todo o país.
educação, cultura, saúde e nós precisamos de você nesse
e a estruturação das políticas
assistência social. É reconhecido cordão.

132 133
©V
iniciu
s
Seu lado tradicional o levou espaço nenhum de exercício

Elle
até São Paulo, estado de onde com dignidade, e aí essas

ro
nunca mais saiu. O emprego pessoas são patologizadas.”.
durou pouco, era insustentável
tentar conter a inquietude
As violências que, muitas
que corria nas veias daquele
vezes, são consideradas naturais
segundo caminho, próximo à
em alguns territórios ou inato à
vida real das pessoas.
algumas pessoas, no Camará
Ao longo de tantas Calunga, são restituídas e vistas
experiências, João acompanhou como verdadeiras ausências.
dois movimentos fundamentais Ausências de oportunidade,
Há inúmeras formas de a trabalhar, mas também vivi na história brasileira: a Luta de educação de qualidade, de
contar quem é o João, mas experiências da juventude Antimanicomial e a estruturação moradia digna, de cuidado. Um
nenhuma delas cabe neste católica. Embora hoje não de defesa e proteção de lugar onde todas as realidades
papel. Poderia começar pelo professe nenhuma religião, crianças e adolescentes, são bem-vindas e coexistem de
pai e avô de duas filhas e três isso me apresentou vivências concretizando-se no Estatuto maneira horizontal e coletiva.
netas. Pelo Flamengo, time determinantes.”. da Criança e do Adolescente. João, mesmo que presidente
que não o deixa negar sua raiz Esses movimentos se tornaram do Instituto, anos e anos depois,
mineira com influência carioca. dois grandes pilares do Camará. não abre mão de brincar todos
João, entre os 20 e 30 anos,
Pelo surfe, esporte que se O Instituto Camará Calunga os dias:
costumava dividir a vida em
dispôs a aprender aos 64 anos nasceu das suas mãos e das
dois caminhos. Um mais
de idade. No entanto, nenhum mãos de uma companheira de
tradicional, trabalhava no
desses “Joãos” existe sem trabalho, Lumena Teixeira, em
setor da engenharia de uma
transparecer o educador social 1997. Após participar de diversos
multinacional americana.
e o acompanhante terapêutico trabalhos pelo estado, ele
Outro mais revolucionário,
que, há 20 anos, constrói o encarou o desafio de construir
que acompanhava pessoas
Instituto Camará Calunga. uma equipe e projeto dedicados
em diversas condições de
Os cabelos brancos não vulnerabilidade. Ele se dispunha a cuidar das pessoas. Um grupo
deixam mentir que o percurso a estar onde ninguém queria disposto a compreender e
é longo, mas são incapazes ir no Rio de Janeiro. Fosse no sustentar processos coletivos
de refletir a energia de sua Hospital Colônia de Curupaiti, com crianças e jovens, nos
história. Que começa lá atrás, que à época abrigava os territórios onde vivem, sem
em meio a um dos períodos chamados de leprosos, ou tomar medidas de contenção,
mais emblemáticos do cenário na Cidade de Deus, uma das confinamento ou medicalização.
brasileiro: a ditadura militar. maiores favelas cariocas. Seu
lazer de juventude era, muitas “É muito radical isso que
“Eu entrei numa instituição vezes, rodar a cidade em seu a gente faz, a gente leva
pública de ensino em 1964. Corcel buscando compreender ao limite a experiência da
Essa data é importante, as diferentes experiências autonomia. A sociedade cria
era um momento de muitas sociais existentes. uma série de situações que
promessas. Logo eu comecei precarizam a vida, não dão

134 135
Toda sua experiência como “Nessa noite foi a primeira
estagiário no Camará se deu vez que uma das crianças
vivenciando os territórios, dormia em um quarto de
acompanhando as histórias hotel. Passamos a noite toda
superior pela via do ENEM*/ que ali se apresentavam. brincando e imaginando
SiSU*. Sentado na cadeira da Conheceu uma outra forma de possíveis quartos para ela,
casa dos pais, há 300km de fazer psicologia, a que chama um cenário muito diferente
distância do litoral, Cássio pode de clínica ampliada, que do que ela tinha em casa.
escolher seu futuro. compreende o ser humano Esse dia me marcou muito.
como um ser sociopolítico. Foi no Camará que eu
Percebeu que seguia um aprendi a ser quem eu sou
“Sou fruto de uma geração caminho oposto às teorias hoje.”.
Uma série de oportunidades
que teve oportunidades hegemônicas que, muitas vezes,
fizeram com que Cássio se
através da educação. Fui são prescritivas e formatadas.
tornasse educador e psicólogo Em oito anos, foi estagiário,
um garoto que chegou na
no Instituto Camará Calunga, Mais uma política pública, educador social, e, hoje,
universidade pública só
na cidade de São Vicente, nesse momento, influenciava compõe o grupo gestor da
porque todas as políticas
em São Paulo. A mudança no os seus caminhos: foi estudar instituição. Atua em frentes
públicas possíveis existiam
eixo geográfico foi o primeiro no exterior e levou consigo diferentes, construindo com
para que isso acontecesse.”.
de muitos rompimentos que aquilo que observava, pensava esse coletivo maneiras de

* ENEM significa Exame Nacional do Ensino Médio. Em 2009, ele sofreu uma intensa mudança e
marcaram sua trajetória. e escrevia sobre o lugar onde promover oportunidades para

aos vestibulares realizados até então, com vistas a democratizar e centralizar o ingresso nas
* SiSU quer dizer Sistema de Seleção Unificada e foi criado em 2010 como uma alternativa
Criado em uma cidade de A promessa do ensino superior estagiava. Aos poucos, foi

passou a ser o principal meio de entrada para estudar nas instituições federais no Brasil.
as pessoas, provocando
dez mil habitantes no interior lhe dava perspectiva de entendendo a necessidade de a política pública - tão
de Minas Gerais, Cássio emprego, mas Cássio encontrou produzir conhecimento sobre determinante para sua história.
chegou a Santos* para cursar, muito mais do que isso à beira um trabalho que parecia não ser Para ele, seu compromisso é
gratuitamente, psicologia na do mar de Santos. A formação feito em nenhum outro lugar do sustentar espaços que permitam
Universidade Federal de São o permitiu compreender as mundo. Muito de sua produção às pessoas construírem
Paulo, uma das mais renomadas estruturas sociais que organizam acadêmica se relacionava com coletividades que fortaleçam
* Santos tem 433mil habitantes e faz divisa com São Vicente.
universidades públicas em a sociedade. A psicologia ainda as experiências no Camará. suas existências, e possam
saúde do Brasil. Essa conquista era um campo a desbravar, mas Assim que voltou de sua fazer suas próprias escolhas,
foi efeito de uma política pública alguma intuição o direcionava temporada na Europa, Cássio, sem serem determinadas por
inclusiva e democrática de ao encontro da juventude: logo no dia seguinte, partiu ausências e faltas.
acesso e ampliação do ensino para uma outra aventura:
instituições federais de ensino no país.

“Fui para o Camará porque o Camará havia recebido o


queria trabalhar com Prêmio Nacional dos Direitos
crianças, mas não tinha a Humanos, e embarcava, com
menor ideia de onde eu ia uma delegação de crianças e
parar. Enquanto as pessoas adolescentes, para uma viagem
estavam disputando rumo a Belo Horizonte. Partiram
estágios cobiçados, eu fui para a capital mineira e essa
para a cidade vizinha porque viagem se tornou um marco
queria esse público.”. para ele:

©
Vin
iciu
sE
lle
136 ro
O Zé, atualmente, é educador
do Crescer com Proteção e
integrante da equipe gestora
do Camará. Para ele, a forma
como atua em seu trabalho
é fruto de uma convocação
feita pelas próprias crianças
que acompanhou ao longo
dos projetos. O EURECA,
manifestação carnavalesca
pelos direitos das crianças e
adolescentes, é um exemplo

© Vinicius Ellero
disso:

Se o adolescente José Eduardo “O EURECA conta com a


conhecesse o Zé de hoje, participação direta das
estaria dividido entre a surpresa “Na faculdade eu consegui crianças e dos jovens na
e o completo orgulho. Aquele me reunir com outras produção das atividades,
menino, que nunca se imaginou pessoas, que vinham de e isso envolve muito esse
trabalhando com educação e lugares diferentes, vivências aspecto artesão. E eu nunca
crianças, é agora um grande diferentes, condições sociais fui muito artístico, mas
entusiasta da juventude. minha posição era de apoiar,

Universidades Federais, criado em 2007, e levou à expansão massiva do alcance do ensino


diferentes. Mas a gente se
A disposição em ouvir é uma encontrava nesse lugar de de estar junto, presente, e eu
qualidade que traz desde muito poder sonhar, pensar e ter fui me encontrando neste
lugar, não de quem faz a
jovem, quando atenciosamente uma formação de qualidade, * O Reuni é o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
se dispunha aos amigos. era uma realidade com performance, mas de quem
Habilidade que o levou à escolha muitas perspectivas.”. está ali sustentando.”.
profissional e foi aprimorada ao Seu perfil contido e de poucas
longo dos anos de faculdade. palavras foi florescendo com ero
‘A troca lhe proporcionou Ell
Nascido e criado na cidade de cada experiência construída us
ici
revisar os padrões e as teorias, e Vin
Santos, em uma clássica família coletivamente. Um poder de ©
se dedicou a pensar e repensar troca que ele busca enxergar
de classe média, o destino no
suas posições políticas. É em qualquer um que passe pelo
ensino superior era uma rota
neste contexto de ruptura e Camará. Para ele, há sempre um
naturalizada pela sociedade
redescoberta que Zé encontra lado a se despertar:
e assim foi. Entrou para
o Instituto Camará Calunga.
estudar psicologia na Unifesp,
Ali, naquele espaço, sentiu ter
superior público no Brasil.

universidade pública de ensino


encontrado a inquietação que
que chegou à cidade via Reuni*.
as teorias já não davam conta. O
Cenário que propiciou a Zé não
Camará rompia na prática o que
apenas o acesso ao ensino, mas
os estudos e a escrita vinham
a uma instituição tomada pela
rompendo em seu pensamento.
diversidade.

138 139
“A proposta do EducAfro em prática. Ainda que com
não é voltada a responder às os desafios impostos pela
fácil e assegurado. Foi preciso
demandas mercadológicas, pandemia, foi possível promover
insistência, inverter a lógica e
mas democratizar o acesso experiências de percepção
cursar caminhos alternativos.
do ensino superior para sobre quem se é, no contexto
Assim, em alguns momentos
pessoas negras (...) isso social, pelo viés da arte.
o trabalho aconteceu junto
acabou me motivando a
com os estudos. Aos 14 anos
continuar tentando, porque “Com o desafio da
tirou sua carteira de trabalho:
não é só uma questão de virtualidade a gente perde
foi vendedora, estoquista e
ter acesso à informação, muito da presença, então
operadora de telemarketing,

* O EducAfro é uma rede que tem como objetivo organizar e provocar o surgimento de núcleos
mas acessar experiências

de pré-vestibular nas periferias de todo Brasil, a fim de garantir a inclusão de pessoas negras,
relata que foram empregos precisamos criar formas de
O que Kidauane fez foi uma variadas que te estimulem
precários e desprotegidos das liberar uma expressividade,
legítima travessia. A mulher a ter um outro olhar.”
leis que garantem a proteção para que a gente não caísse
educadora que hoje acompanha
ao trabalho dos adolescentes e em um contexto alienante em
os jovens do Crescer com
jovens, realidade enfrentada por Kidauane se transformou em que você só recebe. A gente
Proteção, já foi, um dia, uma
muitas pessoas do seu contexto Kida, como é chamada por se pautou em uma escuta
menina com direitos violados.
social. todos do Crescer com Proteção. qualificada e mobilizou uma
Ela cresceu no Jardim Rio
No primeiro ano do ensino Ao longo do trajeto como ponte artística com outras
Branco, uma região periférica da
médio, conseguiu uma bolsa estudante da Unifesp, foi unindo linguagens como teatro,
Área Continental de São Vicente,

prioritariamente, e pobres, em geral, nas universidades.


de estudos para uma instituição percepções e saberes com a dança, música e fotografia.”.
um território afastado do acesso
à educação de qualidade ou privada em Santos. Porém, o arte, que já era, desde a infância,
trabalho. Passou por um longo trajeto diário de quatro horas uma forma de se expressar e
De acordo com Kida, as
e árduo processo de tomada inviabilizou sua permanência na se achar no mundo. O encontro
perspectivas para o futuro
de consciência social, mas instituição, e desistiu. O retorno com o Instituto Camará Calunga
são desafiadoras em virtude
que lhe rendeu sua afirmação aos estudos só aconteceu se deu em meio à expressão
do contexto político atual
enquanto uma mulher pobre, quando encontrou o cursinho artística e popular mais intensa
que vivemos, há previsões de
periférica e pertencente à classe comunitário do EducAfro:* era da cultura brasileira: o carnaval.
desemprego e um alto grau
trabalhadora na sociedade. mais uma vez ela encontrando de desigualdade social com o
Sua formação superior, em outros meios para subverter “Meu sonho era produzir agravamento da pobreza. E a
Serviço Social, foi o referencial um sistema feito para excluir cultura com a juventude, eu resistência só será possível na
que desvelou seu lugar no pessoas pobres e periféricas. até já tinha ouvido falar do coletividade.
mundo. Como uma ciência social Camará na faculdade, mas
aplicada, o curso lhe apontou as quando eu vi o EURECA,
contradições das estruturas que com crianças tocando numa
vivemos e como isso impacta bateria, aquilo foi incrível.
o acesso aos direitos sociais e, Desde então, eu nunca mais
sobretudo, como não se deve saí, de fato, do Camará.”
agradecer por eles, visto que
direito não é ajuda. Estando no Camará e hoje
No entanto, o ingresso no como educadora no Crescer
©
ensino superior para jovens Vin com Proteção, ela conseguiu
ici
como ela não é um processo us
Ell colocar muito do que acredita
er
o

140
Essa mistura toda transformou
Vini em um educomunicador,
alguém que entende a
© comunicação como uma forma

ssi
oV de educar e compreender
ian
a fenômenos sociais. É dessa
forma que ele chega ao Crescer
com Proteção. Sua relação com
a comunicação foi de extrema
importância para as atividades,
Muitas pessoas podem No momento do vestibular,
afinal de contas, a pandemia
enxergar no caipira algo este lado foi o que falou mais
transformou todos os espaços
depreciativo, Vinicius não é uma alto, e Vini tentou por três vezes
em virtuais. Foi um trabalho de
delas. Para Vini, sua caipirice, estudar audiovisual. No entanto,
muita criatividade para driblar
fruto da infância em Serra sem respostas positivas,
as limitações que o cenário de
Negra*, no interior de São Paulo, desistiu e topou se arriscar em
distanciamento apresentava:
é um atributo que lhe confere uma outra formação. Passou
uma boa dose de originalidade, em nutrição na Unifesp, em
ainda que esta seja só uma de Santos, e deixou o interior para “Ninguém sabia muito bem
suas facetas. As lembranças desbravar as possibilidades no como sustentar os encontros,

* Eduardo Coutinho foi um cineasta brasileiro, considerado como o maior documentarista da


história do Brasil. Michel Foucault foi um filósofo francês e uma das maiores referências das
desta época no interior estão litoral. foi uma dificuldade, mas
intimamente ligadas a criação Nutrição não era mesmo a também uma virtude, pois
carinhosa e atenciosa do tio. dele, mas foi uma ponte para fomos pensando juntos
Desde pequeno, algo dentro chegar na psicologia, sua grande as soluções. Víamos os
dele aspirava arte, e o tio, ainda reviravolta. Nunca esqueceu sua jovens, também, como
que matuto, nunca deixou isso paixão pela sétima arte, logo, sujeitos que podiam pensar
morrer. Mesmo sem saber muito depois que concluiu o curso, metodologias.”.
bem para onde tal aptidão o resolveu, enfim, cursar cinema. Assim nasceu o grupo de
levaria, incentivava as aulas trabalho em Educomunicação,
de música, desenho, teatro e onde alguns dos jovens se
“A coisa do cinema era
pintura. Talvez, assim como dedicam a pensar essa relação
algo que eu carregava,
* Serra Negra fica a 220km de São Vicente.

o sobrinho, no coração, a arte comunicação e educação e


principalmente pensando
ciências humanas e sociais no mundo.

também aspirava dentro dele. a construir o diálogo, quase


sobre como ele comunica,
como um laboratório. É
então no meu trabalho de
justamente sobre este potencial
“Meu tio só tem o ensino conclusão de curso eu resolvi
de descoberta por meio de
fundamental, ele gosta de estudar Eduardo Coutinho e
tentativas que Vini acredita
arte e até acha interessante, as relações entre ele, Michel
ser o verdadeiro significado de
ainda que entenda muito Foucault* e o discurso da
crescer com proteção:
pouco. Mas ele é um grande verdade. Modéstia à parte,
responsável por eu ter uma ficou bastante interessante.”.
veia mais artística.”.

142
Foi também no Camará que ela Moradora de uma vida toda
entrou no mercado de trabalho, do Sá Catarina de Moraes, um
e nunca mais saiu. Hoje, duas bairro periférico de São Vicente,
décadas depois de conhecê-lo, ela conhece muito bem os
ela também compõe a equipe impactos do trabalho que realiza
de gestão cuidando da parte e sonha em ver trajetórias como
administrativa e institucional a sua se multiplicando:
do projeto. Seu dia a dia é
fazer as contas e organizar as
burocracias que viabilizam as
ações realizadas.
Se pudesse traduzir o Instituto acolhedores que encontrou Embora muitas atividades
Camará Calunga em uma sorrindo de volta, foi sendo ainda estejam sendo feitas
única palavra seria “vivência”, apresentada às oportunidades. de maneira virtual, Fátima já
e esta viria acompanhada de Ela até chegou a amar o teatro, começa a sentir a alegria pelo
um sorriso grato pela própria mas foi como auxiliar de retorno dos participantes ao
história transformada. Fátima administração que descobriu espaço do Camará, um lugar
está, há 20 anos, construindo onde gostaria de atuar onde já se sente em casa.
com outras crianças e jovens, profissionalmente. Apoiada Acredita que o ambiente tem
o que começou a viver em sua pelo Camará, conquistou uma uma capacidade incrível de
própria história, quando tinha bolsa de estudos em um dos encantar qualquer um que
apenas 16 anos. cursinhos mais famosos e passa por ali, e, embora lamente
Ainda menina e muito concorridos do estado. Todos que os jovens do Crescer com
introspectiva, ela chegou ao os sábados, ao longo de dois Proteção tenham começado
Camará para participar de um anos, subia a serra para chegar durante a pandemia, comemora
projeto de formação em meio até São Paulo e se preparar para que os tempos difíceis estão
ambiente: o “Ecologicamará”. A o vestibular. passando:
experiência foi uma porta que
abriu para um caminho que “Consegui uma bolsa por “Eles entraram num contexto
seria longo, e nem de longe ela conta de uma parceria do diferente. Essas atividades
imaginava que, assim como um Instituto, e todo sábado a que são mais próximas não
timão de um navio, mudaria por gente ia para São Paulo com estavam sendo possíveis,
completo sua rota. Na época, o ônibus fretado pelo Camará. e isso dificulta muito o
Camará era diferente do que é Era a única possibilidade da envolvimento. Mas ficou
hoje, mas, já era tomado de uma gente que morava aqui na evidente quando eles vieram
energia viva e potente. baixada conseguir ir. Se eu aqui, assim que chegaram,
O Instituto foi como um solo não tivesse feito isso, teria já era outra energia, é muito
firme onde pudesse fincar sido muito difícil eu fazer a contagiante.”.
os pés enquanto tomava as faculdade que queria em

o
er
en
difíceis decisões da juventude. administração.”.

lm
Co
Foi se envolvendo em múltiplas

lo
ce
atividades e, nos sorrisos

ar
M
©
144 145
As pessoas que você leu as histórias ao longo de toda essa publicação
viveram bonitos percursos de autoconhecimento. Mas, principalmente,
reconheceram uns aos outros como parceiros e, juntos, mobilizaram
muitas outras pessoas a construírem uma região mais sensível e justa
para as juventudes do Litoral Sul e Vale do Ribeira.
Essa aventura é coletiva e só se sustenta em grupo. Ela tem na
diversidade, na escuta e no pensamento crítico as bases fundamentais
para uma luta pela garantia de direitos.
Você é convidado a embarcar nessa história!

Aqui nesse espaço, inspirado por histórias muito diferentes umas


das outras, você pode se apresentar fazendo seu autorretrato* e/ou
escrevendo a sua história.

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