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TRATADO DE DIREITO ELEITORAL LUIZFUX

LUIZFERNANDO CASAGRANDE PEREIRA


WALBER DE MOURA AGRA
Coordenadores

Luiz Eduardo Peccinin


Organizador

FINANCIAMENTO
E PRESTAÇAO DE CONTAS

Belo Horizonte

'1Fórum
CIHIHECIIIE#TO JlmfDICO

2018
TRATADO DE DIREITO ELEITORAL SUMÁRIO

Coordenadores Organizador Comissão Cientifica Comissão Executiva


Luiz Fux Luiz Eduardo Peccinin Roberta Maia Cresta Maitê Chaves Marrez
Luiz Fernando Casagrande Pereira Frederico Franco Alvim Paulo Henrique Golambiuk
Walbcr de Moura Agra João Andrade Neto Waldir Franco Félix Júnior

© 2018 Editora Fórum Lida.

PARTE!
É proibida a reprodução total ou pMcial desta obra, por gualquer rneio el�trônico,
. _
inclusive por processos xerográficos, sem autonzaçao expressa do. Editor. OS MODELOS DE FINANCIAMENTO ELEITORAL NO BRASIL
Conselho Editorial

CAPÍTULO 1
Adibon Abreu Dallari Egon Bockmnnn Moreira Mareia Carla Pereira Ribeíro
Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Emcrson Gabardo Márcio Cammarosano FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: INFLUÊNCIA
Alexandre Coutinho Pagliarini Fabrício Motta Marcos Ehrhardt jr.
André Ramos Tavares Fernando Rossi Maria Sylvia Zanella Di Pietro DO PODER ECONÔMICO, O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE
Carlos Ayrcs Britto
Ci1rlos Mário da Sílva Velloso
Flávio Henrique Unes Pereira
Floriano de Azevedo MJrques Neto
Ney José de Freitas
Oswa1do Othon de Pontes Saraiva Filho
CAMPANHA (FEPC), INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13,487, DE 2017, LIMITES
Cármen Lúcia Antunes Rocha Gustavo Justino de Oliveira Paulo Modesto MÁXIMOS DE GASTOS EM CAMPANHAS ELEITORAIS E OUTROS TEMAS
Cesar Augusto Guimarães Pereira Inês Virgínia Prado Soares Romeu Felipe Bacellar Filho
Clovis Beznos Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Sérgio Guerra CORRELATOS
Cristiana Fortini Juarez Freitas Walber de Moura Agra
PEDRO ROBERTO DECOMAIN ......,........., ................,,,..............,...................................................
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Luciano Ferraz . 15
Diogo de Figueiredo Moreira Neto Lúcio Delfino
1.1 Vedação constitucional da influência do poder econômico
nas eleições ............................................................,................,, ....................,,........., ..........,
.....,.. 15
1.2 O significado da palavra "influência" no §9º do art, 14 da Constituição: o uso
�!.?.!�'!! 1,3
e o abuso do poder econômico nas eleições ........................................................................... 17
Luís Cláudio Rodrigues Ferreira Financiamento privado de campanhas eleitorais ................................................,................ 20
Presidente e Editor
1.4 O financiamento público de campanhas eleitorais, como potencial solução para o
Coordenação editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo
problema de afronta ao texto constitucional, antes anunciado .......................................... 26
Av. Afonso Pena, 2770-15 2 andar-Savassi - CEP 30130•012 1.5 O uso de recursos do Fundo Partidário para custeio de despesas de campanhas
Belo Horizonte -Minas Gerais-Te\.: (31) 2121.4900/ 2121.4949
\vww.editoraforum.com.br - editor.aforurn@cditoraforum.com.br eleitorais,..................,.............,....,,......,,,...........,.......,...,,...,...........,........................,.,,...,, ............ 27
1.6 O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEPC), instituído pela Lei n2
F491 Financiamento e prestação de contas/ Luiz Fux, Luiz F�r�ando Casagrande P�reira,
Walber de Moura Agra (Coord.); Luiz Eduardo Pec�m•n (Org.). -Belo Honzonte
13.487/2017...........,,.......... , ...... , ........................................... ,.......... ,... , .......................................... 29
: Fórum, 2018. 1.7 Os limites máximos de gastos em campanhas eleitorais.................................................... 33
361 p.
Tratado de Direito Eleitoral
1.8 Breve elenco de conclusões ....................................................................................................... 35
V. 5
Referências ..............................., .................................................................................................. 36
ISBN da Coleção: 978•85•450·0495·0
ISBN do Volume: 978•85-450•0500·1
CAPÍTULO 2
L Direito Eleitoral. 2. Direito Constitucional. 3. Direito partidário. 4. Ciência
Política. L :r:ux, Luiz. li. Pereira, Luiz Fernando Casagrande. ]li. Agra, Walber de Moura.
FINANCIAMENTO ELEITORAL EXCLUSIVAMENTE PÚBLICO? PONDERAÇÕES
IV. Peccinin, Luiz Eduardo. V. Título. ENTRE O FINANCIAMENTO PÚBLICO E O FINANCIAMENTO PRIVADO
CDD 341.28
CDU 342.8 MICHEL BERTONI SOARES ............................................................................................................. 39
2.1 Introdução ................................................................................................................................... 39
Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Témicas (ABNT):
2.2 Partidos políticos e crise de representatividade .................................................................... 40

FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (�oord.); PECCININ,
2.3 Regulação do financiamento eleitoral e incentivo à transparência ................................... 42
Luiz Eduardo (Org.). Financiame11to e prestação de contas. Belo Honzonte: Forum, 2018. 361 p. 2.4 Igualdade de oportunidades nas competições eleitorais .................................................... 43
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 5.) ISBN 978•85•450·0500•1.
2.5 Entre o financiamento privado e o financiamento público ................................................. 46
2.6 Considerações finais ................................................................,................................................. 52
Referências .........................: ........................................................................................................ 53
CAPÍTULOl

TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS

VIVIANE MACEDO GARCIA

1.1 Introdução
O termo "transparência" apareceu em meados da década de 1970, trazido pelas
reformas administrativas que ocorreram à época, para questionar a figura do "secreto"
presente nas administrações públicas tradicionais, buscando-se reformular de forma
profunda a relação entre o governo e a sociedade para melhorar sua eficácia e restaurar
sua legitimidade (CHEVALIER, 1988, p. 239).

A transparência designa, inicialmente, a propriedade de um corpo que se deixa atravessar


pela luz e permite distinguir, através de sua espessura, os objetos que se encontram atrás:
falar, neste sentido, de transparência administrativa significa que atrás da aparência
formal de uma instituição existem relações concretas entre indivíduos, entre grupos, que o
observador exterior pode perceber. Mas a transparência é suscetível de gradação: um corpo
pode ser realmente transparente, ou seja, límpido e fazer aparecer com nitidez os objetos
que recobre, ou somente trans-lúcido, se ele não permite, ainda que seja permeável à luz,
distinguir nitidamente esses objetos, ou ainda aiáfano, se a luz que ele deixa filtrar não
permite distinguir a forma desses objetos. Vemos então que a opacidade e a transparência
não estão em uma simples relação de exclusão, mas que há entre elas uma gradação, ou
mais exatamente, que elas se combinam em uma proporção variável, a opacidade nunca
sendo tal que proíbe qualquer percepção dos elementos constituintes e a transparência
não vai tão longe a ponto de fazer desaparecer o corpo do qual ela é a propriedade. Por
extensão, a transparência designará o que se deixa penetrar, alcançar levemente, o sentido escondido
que aparece facilmente, o que pode ser visto, conhecido de todos ou ainda que permite mostrar
a realidade inteira, o que exprime a verdade sem alterá-la. (CHEVALIER, 1988, p. 251-252)
(tradução livre da Autora) (grifamos)

A transparência, portanto, é a qualidade que permite que a realidade apareça em


sua inteireza, comportando gradações, conforme maior ou menor democraticidade da
instituição. Enquanto o "secreto" seria um resquício do autoritarismo.
LUIZ FUX, LUIZ FEKNANOO C. PEREIRA, WALIJER DE fvtOURA AGRA (C<X)RD.) • LUIZ EDUARDO PECCIN(N (ORG.) VIVIANE MACEOOGAROA
160 1
FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
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O princípio da transparência é ínsito ao Estado Democrático de Direito. A A transparência eleitoral, portanto, não é apenas uma exigência legal do processo
transparência é inerente aos princípios democrático e republicano, posto que não se eleitoral, mas um elemento necessário à construção de uma democracia estável. 1
admite em democracias, como regra, a realização de atos secretos, sigilosos e imotivados.
A organização política associada à figura do Estado visa buscar enquadramentos
Seja qual for o grau de transparência administrativa em um ordenamento jurídico, esta institucionais que valorizem uma estatalidade que permita aos cidadãos a visibilidade
é considerada um dos alicerces básicos do Estado Democrático de Direito e da moderna no exercício do poder e a segurança de estabilidade política, mediante uma racionalidade
Administração Pública pelo acesso à informação e pela participação na gestão da coisa sobre a política capaz de instaurar não apenas "estados de direito", mas sobretudo
pública, diminuindo os espaços reservados ao caráter sigiloso da atividade administrativa "estados legítimos" com vista a salvaguardar a confiança do cidadão nas potencialidades
- ponto de partida para os nichos da ineficiência, do arbítrio e da imunidade do poder. de um Estado parceiro, instrumental, consensual, com potencialidades elementares de
(MARTINS JÚNIOR, 2004. p. 17) transparência e integridade, na construção de salvaguarda da 1.iberdade e igualdade.
(MESSA, BARBOSA, 2015. p. 182-183)

O sigilo, como exceção à regra, deverá perdurar por um certo tempo, somente
Quanto maior a transparência, mais democrática é a gestão. O caráter público, a
enquanto for necessário para resguardar um bem jurídico maior (BOBBIO, 2015. p. 138).
transparência das decisões políticas é um dos critérios para auferir o maior ou menor
Com efeito, nos dizeres de Norberto Bobbio, a democracia exige que os atos grau de democraticidade das instituições, diferenciando um Estado Constitucional de
sejam públicos. O termo "público" utilizado em sua dupla acepção, significando "coisa um Estado Absoluto (BOBBIO, 2015. p. 139).
pública", de "Estado" e também no sentido de "manifesto", "evidente", "visível":
A democracia, de certo, revela um regime político sensível e exigente. Impõe a todos
Um dos lugares-comuns de todos os velhos e novos discursos sobre a democracia observância e respeito às instituições. Requer transparência. Requer credibilidade, elemento
consiste em afirmar que ela é o governo do "poder visível". Que pertença à "natureza da que, na verdade, constitui o ponto mais vulnerável das tensões que hoje se verificam entre
democracia" o fato de que "nada pode permanecer confinado no espaço do mistério" é governo e governados. Exige a presença de confiança a legitimar esta delicada relação.
uma frase que nos ocorre ler, com poucas variantes todos os dias. Com um aparente jogo (CAGGIANO, 2015. p. 99)
de palavras pode-se definir o governo da democracia como o governo do poder público
em público. (BOBBIO, 2015. p. 134) O princípio da transparência está positivado na Constituição da República de
1988 por meio dos princípios da publicidade, da participação popular e do direito à
O arbítrio é incompatível com o princípio republicano, devendo o gestor apre­ informação.
sentar à sociedade os seus atos de forma clara e verdadeira. Para a efetivação dos direitos Os atos relativos à escolha dos mandatários, em especial de arrecadação de
fundamentais, necessário à observância do princípio da transparência dos atos políticos, recursos e de gastos em eleições, deverão ser amplamente divulgados para permitir o
permitindo maior participação dos cidadãos na vida política do país. controle social da população.
Não existe transparência, sem prestação de contas dos recursos empregados.
Participação e Transparência são princípios derivados do Princípio Democrático do Transparência e obrigação de prestação de contas são princípios complementares, que
Estado. A qualidade da democracia implica na qualidade da publicidade e transparência permitem avaliar o emprego dos recursos arrecadados.
das informações e, portanto, na garantia dos Direitos Fundamentais e da Cidadania f,. prestação de contas, em um Estado Democrático, deverá permitir o completo
(SMANIO; CAROL!, 2015. p. 229) entendimento do emprego dos recursos arrecadados, bem como das fontes de arre­
cadação. A Governança Corporativa utiliza o termo accountability para designar a
Nas modernas democracias representativas, fundamentadas na confiança entre responsabilização dos dirigentes e, sobretudo, a obrigação de prestação de contas.
governantes e governados, o cidadão somente poderá avaliar a gestão realizada por seu
representante, se tiver acesso a informações fidedignas, apresentadas de forma clara e A noção de Accountability é plurívoca, porém, podemos afirmar que em seu sentido
íntegra, sem a utilização de subterfúgios técnicos de manipulação de dados. genérico significa o dever dos sujeitos políticos de responderem por suas decisões quando
questionados pelos eleitores ou por outras instituições. O termo "responder", no caso,
O processo eleitoral, como instrumento de construção da democracia represen­ envolveria, basicamente, três condutas: (i) informar; (ii) justificar; e (iii) punir ou compensar.
tativa, tem que primar pela transparência sob pena de produzir uma crise de confiança e, (... )
consequentemente, de legitimidade. A falta de transparência na condução das eleições, É importante, portanto, fixar a noção de que accountabilihJ não se restringe a um mero
bem como no exercício do mandato, propicia escândalos de corrupção, afasta o cidadão dever de prestar contas. Envolve, sim, um complexo de ações dos sujeitos políticos no
da vida pública e desmobiliza a sociedade, criando verdadeira dissociação entre sentido de fornecer e esclarecer todas as informações relevantes ao eleitor para que este, a partir
governantes e governados, trazendo um descrédito generalizado para a classe política. disso, possa formar sua decisão de voto (LORENCINI, 2015. p. 171-172).
É direito subjetivo do cidadão o acesso às informações necessárias para conheci­
mento e análise das decisões políticas tomadas no exercício do poder representativo, 1
Nos dizeres de Fátima Anastasia e Carlos Ranulfo Melo "espera-se que a democracia seja estável e que a
para que a sua adesão à política implementada seja consciente. estabilidade seja democrática" (2002, p. 25)
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LUIZ FUX, LUIZ i-:ERNANDO C. PEREIRA, WALBER OF. MOURA ACRA (COORD.) • LUJZ EDUARIX) PECCINlN (ORG.) VIVL\NE MACEDO GARCIA
TRANSPARÊNCIA E O DF,VER DE PRESTAR CONTAS
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FINANCIAMENTO E PRf.STAÇÃO DE CONTAS

O'Donnel diferencia os mecanismos de accountability vertical, que seriam relativos elaboração da legislação. Ao lado dos princípios da subsidiariedade e da concorrência,
à escolha dos representantes pelos cidadãos·por meio de eleições e de accountability elenca os princípios da transparência e do combate à corrupção:
horizontal que seriam referentes aos controles realizados pelos poderes constituídos,
um em relação aos outros, consagrados como sistema de freios e contrapesos. Segundo O terceiro princípio é o da transparência, fundamental para o funcionamento do Estado,
o Autor: pois permite um controle do sistema. A transparência pode colaborar a recuperar a
confiança da opinião pública e é indispensável para o controle dos representantes políticos.
De igual forma ajuda a expressar melhor a vontade popular, como também a sua formação.
Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se
corra o risco de coerção, e cobertura regular pela mídia ao menos das mais visíveis dessas Está finalmente o princípio do combate contra a corrupção, que se alia com o princípio da
reivindicações e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas são dimensões do dignidade das eleições, legitimando todo o processo democrático (SANTANO, 2014, p. 168).
que chamo de "accountability vertical".
(...) O financiamento privado de campanhas eleitorais somente poderá ser realizado
Posso, agora, definir o que entendo por accountability horizontal: a existência de agências por meio de doações de pessoa física observados os limites previstos na lei, conforme
estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade
realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment ADI 4.650,2 que considerou inconstitucional a doação de pessoa jurídica a campanhas
contra ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser
qualificadas como delituosas (O'DONNEL, 1998) eleitorais.
O financiamento público é realizado por meio do Fundo Partidário e do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha. li'
Assim, não apenas por meio do voto e da escolha livre e consciente dos cidadãos
O Fundo Partidário, previsto no art. 38 da Lei nº 9.096/1995, é constituído por .,
é realizado o controle político, mas também por meio da accountability horizontal, por
multas e penalidades pecuniárias aplicada nos termos da legislação eleitoral, recursos
L
um sistema eficiente de análise e julgamento de prestação de contas por órgão externo
financeiros que lhe forem destinados por lei, doações de pessoa física ou jurídica
e autônomo em relação ao prestador das contas.
Nesse ponto, necessário distinguir a prestação de contas de campanha, da diretamente na conta do Fundo Partidário e dotações orçamentárias da União.
prestação de contas anuais dos partidos políticos, tendo em vista que a legislação Nos últimos anos os recursos destinados ao Fundo Partidário aumentaram
apresenta procedimentos e sanções decorrentes de atos ilícitos diferentes para cada sensivelmente, passando de 142 milhões3 em 2006 a 628 milhões4 em 2017.
uma delas. Em 2017, a Lei nº 13.487 criou mais um fundo público para financiamento de
campanhas eleitorais: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cons­
tituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral, em valor a ser definido
1.2 Prestação de contas de campanha pelo TSE com base na somatória da compensação fiscal que as emissoras comerciais
de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária efetuada nos
Nos últimos anos, as prestações de contas de campanha eleitoral, no Brasil, têm
anos de 2016 e 2017, atualizada monetariamente, a cada eleição, pelo Índice Nacional
sido alvo de investigações a respeito do uso de recursos não contabilizados, o chamado
de Preços ao Consumidor (INPC), da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
"Caixa 2", e pelo uso em campanha de recursos advindos de corrupção.
Com efeito, a ausência de transparência nas prestações de contas e de respon­ Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir (art. 3º da Lei nº 13.487/2017).
sabilização direta dos candidatos, favoreciam a utilização de Caixa 2 em campanhas Para as eleições de 2018, estima-se que o FEFC será de R$1,7 bilhão. 5
eleitorais, prática disseminada na política brasileira. O abuso de poder econômico, por
meio de sofisticadas transações financeiras, somente foi possível em decorrência da
' STF. Número único: 9953901-24.2011.1.00.0000. ADI 4.650. Autor: Conselho Federal da Ordem dos Advogados
baixa accountability do sistema brasileiro.
do Brasil. Relator: Ministro Luiz Fux. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator,
julgou procedente em parte o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos
A accountability portanto é, por excelência, o principal limite ao abuso do poder econô­ dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, vencidos,
_
mico nas campanhas eleitorais, pois ela estabelece o dever de informação qualificada e em menor extensão, os Ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Gilmar Mendes, que davam interpretação
transparente no âmbito do fluir financeiro de partidos e candidatos, viabilizando ao conforme, nos termos do voto ora reajustado do Ministro Teori Zavascki. O Tribunal rejeitou a modulação dos
efeitos da declaração de inconstitucionalidade por não ter alcançado o número de votos exigido pelo art. 27 da
eleitor a possibilidade de sancionar, com seu voto, aqueles que não se comprometam com Lei n• 9.868/99, e, consequentemente, a decisão aplica-se às eleições de 2016 e seguintes, a partir da Sessão de
programas de seu interesse (LORENCINI, 2015. p. 172). Julgamento, independentemente da publicação do acórdão. Com relação às pessoas físicas, as contribuições
ficam reguladas pela lei em vigor.
Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/distribuicao-do-fundo-partidario-2006> Acesso
O Brasil adota o sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais,
3

em: 15 jan. 2018.


admitindo doações privadas e recursos advindos de fundos públicos. 4 Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-duodecimo-de-novembro-2017> e <http://
Ana Cláudia Santano, ao discorrer sobre os modelos de financiamento de www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-multas-de-outubro-2017> Acesso em: 15 jan. 2018.
campanhas, alerta para a importância da observância de alguns princípios quando da
5 Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/545056-CAMARA-APROVA­
CRIACAO-DE-FUND0-PUBLICO-DE-FINANCTAMENTO-DE-CAMPANHAS.html>.
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LUIZ FUX. LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (C(X)RD.) • LUIZ EDUARDO PECONIN (ORG.)
FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS
VIVlANE MACEOOCARCIA
TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
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A destinação do expressivo montante de recursos públicos a campanhas eleitorais Assim sendo, a Lei nº 13.165/2015 determinou que as contas de campanha
exige maior transparência dos gastos realizados em campanha e aprimoramento dos deverão ser divulgadas na internet em sítio criado pela Justiça Eleitoral para este fim.
instrumentos de accountability. Os recursos em dinheiro recebidos para financiamento da campanha eleitoral deverão
Ana Cláudia Santana aponta três elementos essenciais para a realização de ser divulgados, com indicação dos nomes, CPF dos doadores e respectivos valores, no
controle das contas de campanha: prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas de seu recebimento. E, no dia 15 de setembro,
deverá ser divulgado relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário,
As ferramentas de controle de ingressos e gastos das formações políticas se compõem os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos
de três elementos clássicos: como se realiza esse controle; quem é o responsável por esse realizados (art. 28, §§4º e 10 da Lei nº 9.504/1997).
controle; e qual é o sistema de sanções pelo seu descumprimento. Adquirem também Denise Schlickmann critica a legislação pela impossibilidade de aferição do total
centralidade os elementos de publicidade e transparência, pois afetam ao direito à
gasto em campanha, posto que os gastos realizados diretamente por eleitores não são
informação do eleitorado, melhorando consequentemente a qualidade da democracia
(SANTANO, 2014, p. 171/172) registrados:

É oportuno observar, contudo, que reside neste aspecto uma das principais falhas da
A prestação de contas de campanha eleitoral é ato jurisdicional de competência legislação eleitoral no que concerne à viabilização dos procedimentos de auditoria nas
da Justiça Eleitoral. É realizada e transmitida pela internet por meio do programa campanhas eleitorais: não há instrumentos legais que possibilitem a fiscalização do
computacional denominado SPCE - Sistema de Prestação de Contas Eleitorais dispo­ financiamento global das campanhas eleitorais, mas somente das despesas realizadas
nibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral. pelos partidos ou seus candidatos e, ainda, por eles liquidadas.
O exame das contas é técnico, podendo a Justiça Eleitoral requisitar técnicos dos
Tribunais de Contas (art. 30, §3º da Lei n2 9.504/97). Rodrigo Zílio ressalta que a análise Inexistem dispositivos que permitam auferir o custo global das campanhas eleitorais,
das contas não se restringe aos aspectos formais: considerando as despesas realizadas diretamente pelos contribuintes e/ou doadores.
,1
A Justiça Eleitoral faz um exame técnico sobre as contas apresentadas e prolata um juízo Uma alternativa à questão seria a viabilização legal da requisição de livro Caixa e 1
de mérito sobre a matéria, não se restringindo a uma mera apuração formal. A análise da documentos contábeis de empresas estrategicamente vinculadas à realização das )
Justiça Eleitoral, na prestação de contas, não se resume apenas ao aspecto instrumental e campanhas eleitorais, tais como gráficas, empresas de publicidade etc., para a identificação
contábil, sendo necessário perquirir materialmente a origem e o destino dos recursos de das despesas realizadas. Neste sentido, a Justiça Eleitoral vem evoluindo ao prever a
campanha, verificando a idoneidade das fontes e a adequação do candidato e do comitê possibilidade de adoção do procedimento de circularização de informações, mecanismo
financeiro às regras estabelecidas pelo legislador (ZÍLIO, 2012, p. 408). de auditoria que permite a coleta de informações prévias obtidas diretamente, quer de
fornecedores quer de doadores de campanha, para cotejo final com as contas prestadas. A
medida é importante avanço no combate ao indesejado Caixa 2 derivado da contabilização
Em 2015, em meio a escândalos de corrupção, o Congresso Nacional aprovou a paralela de recursos de campanha. (SCHLICKMANN, 2016, p. 44/45)
Lei nº 13.165/2015, que modificou a redação do art. 28, §§1º e 2º da Lei nº 9.504/1997, para
determinar que os candidatos serão responsáveis pela prestação de contas de campanha, As contas de campanha são julgadas pela Justiça Eleitoral, que verificará a
tanto nas eleições majoritárias como nas eleições proporcionais, colocando fim ao regularidade das mesmas, decidindo pela aprovação, aprovação com ressalvas, desa­
chamado comitê financeiro, que retirava do candidato esta responsabilidade pessoal. provação ou poderá considerá-las não prestadas (art. 30 da Lei nº 9.504/1997).
Denise Schlickmann ressalta a importância da responsabilização do candidato A existência de débitos não quitados até a data de apresentação da prestação
pela veracidade das informações constante do art. 21 da Lei nº 9.504/1997: de contas que forem assumidos pelo partido político, nos termos dos arts. 29, §§3º e 4º
da Lei nº 9.504/1997, não poderá ser considerada como causa para rejeição de contas.
Da mesma forma, é de suma importância a disposição legal que atribui ao candidato
Rodrigo Zilio considera que tal norma vai na contramão de maior responsabilização
total responsabilidade sobre a veracidade das informações prestadas, ainda que ocorra a
designação de terceiro para a administração financeira de sua campanha. Compromete o e transparência dos gastos eleitorais:
candidato, pois, com os documentos apresentados, ainda que referentes a procedimentos
contábeis ou operacionais não realizados diretamente por ele. (SCHLICKMANN, 2016, A norma apresenta profunda contradição com a regra que determina a responsabilização
p. 170) em conformidade com a circunscrição do órgão partidário (art. 15-A e art. 28, §42 da LPP),
significa um retrocesso no processo de moralização da prestação de contas e estimula o
calote eleitoral. (...)
Esta foi uma importante medida para aumentar a transparência e responsabilização Da mesma sorte, a solidariedade assumida pelo partido político é causa impeditiva da
pelas prestações de contas. rejeição das contas do candidato. Nesse passo, o comando normativo erige causa de
No entanto, a obrigatoriedade de prestação de contas não é suficiente para excludente da responsabilidade contraditória com a própria finalidade da prestação de
garantir o controle social das contas de campanha, se a transparência das transações contas, que é aferir a responsabilidade pessoal do candidato pelas contas apresentadas
não for garantida por meio da divulgação, a tempo e modo, das transações realizadas. (art. 21 da LE). A eximente legal se encontra fora do contexto lógico da sistemática da
166 1 LUIZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (C(X)RD.) • LUIZ EDUAKOO PF.CClNlN (ORG.)
i-;[NANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CON rAS
VIVIANE MACEDO GARCIA
TRANSPARÊNCIA E O Df:VER DE PRE:STAR CONTAS
1 167

prestação de contas, já que afasta qualquer reflexo negativo nas contas do candidato apenas Dessa forma, somente os candidatos que tiverem as contas julgadas como "não
com a futura promessa de pagamento do débito pela agremiação, incentivando atitudes prestadas", terão negada a quitação eleitoral, o que os impede de concorrer às eleições
personalistas dos partidos em relação aos seus candidatos (ZÍLIO, 2012, p. 410/411).
que ocorrerem até o final do mandato, persistindo os efeitos até a efetiva apresentação
das contas. A ausência de quitação eleitoral poderá trazer diversos impedimentos para a
Nas eleições de 2008, o Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução TSE vida civil do candidato como, por exemplo, impossibilidade de prestar concurso público.
nº 22.715/2008, dispôs que a desaprovação de contas impedia a quitação eleitoral, o que Observa-se que o candidato eleito não será diplomado até a entrega da prestação
impediria o candidato que teve contas reprovadas de se candidatar durante o curso do de contas (Art. 29, §2º da Lei nº 9.504/1997).
mandato para o qual concorreu. Consideram-se não prestadas as contas quando não apresentadas no prazo de
No entanto, a minirreforma empreendida pela Lei nQ 12.034/2009 incluiu o §7º 72 (setenta e duas) horas após notificação da Justiça Eleitoral ou quando as justificativas
ao art. 11 da Lei nº 9.504/1997, permitindo que os candidatos que tivessem contas não forem aceitas, e quando não forem apresentados os documentos e informações
reprovadas recebessem a quitação eleitoral, in verbis: necessários à análise da movimentação declarada na prestação de contas.
Elmana Viana Esmeraldo, ao comentar a Resolução nº 23.376 do Tribunal Superior
72 A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos
Eleitoral que regulamentou a prestação de contas nas Eleições de 2012, afirma:
direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça
Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas,
em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas IMPORTANTE! Veja que a norma considera como não apresentadas também aquelas
de campanha eleitoral. contas que não estão acompanhadas dos documentos que possibilitem a análise dos
recursos arrecadados e dos gastos realizados em campanha, visando evitar que sejam
apresentadas de forma "fajuta", sem juntada dos documentos exigidos pela legislação. ,,
Denise Schlickmann critica a evolução legislativa e defende o entendimento (ESMERALDO, 2013, p.577) ,,
consagrado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE nº 22.715/2008. Afirma
a autora: A ausência parcial de documento somente ensejará o julgamento de "contas não
prestadas" se o mesmo for relevante e comprometer a regularidade das contas.
A Justiça Ele.itoral depara-se ao longo dos anos, com a ausência total de mecanismos
que imponham limites às infrações ao financiamento das campanhas eleitorais. A Erros formais e materiais corrigidos, ou erros irrelevantes que não comprometerem
descriminalização de condutas que ocorreu ao longo dos últimos anos e o banimento o resultado, não autorizam a rejeição das contas e a cominação de sanção a candidato
inclusive das penalidades de multa culminou por retirar a eficácia da desaprovação de ou partido (Art. 30, §§2º e 2º-A da Lei nº 9.504/1997).
contas, permitindo que se agigantassem as práticas de Caixa 2 ou de "não contabilização de Os recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada
recursos de campanha eleitoral". Tal prática, muito além de expressar infrações de natureza deverão ser devolvidos. No caso de impossibilidade de identificação da fonte, deverão
administrativa da campanha, pode revelar a ocorrência de condutas extremamente ser transferidos para a conta única do Tesouro Nacional (Art. 24, §4º da Lei nº 9.504/1997).
gravosas ao processo eleitoral e democrático.
Além das sanções de cassação do registro ou diploma e declaração de
(... ) inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição
A norma é, pois, claramente uma reação legislativa à efetividade demonstrada pela Justiça
em caso de uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico, nos termos previstos
Eleitoral, que havia interpretado - com acerto inequívoco - que o conceito de quitação
não poderia abranger a mera apresentação de contas, visto que a quitação de natureza no art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, o candidato eleito poderá ter o diploma
eleitoral, propriamente dita, compreende, necessariamente, o cumprimento das obrigações negado ou cassado, com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, em caso de arrecadação
de natureza eleitoral. ou gastos eleitorais em desacordo com a lei.
Ora, se a Lei Eleitoral impõe uma série de regras a serem observadas por aqueles que
ingressam no pleito eleitoral, como se poderia dizer que aquele que, tendo suas contas Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral,
examinadas pela Justiça Eleitoral e tendo sobre elas a pecha da desaprovação, o julgamento no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a
específico pela ocorrência de irregularidades graves (e, portanto, do descumprimento das abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta
normas de natureza eleitoral) possa ter uma certidão de que cumpriu com suas obrigações? Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
(SCHLICKMANN, 2016, p. 645/646) §1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento pre�isto no art
22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber. (Inclu1do pela Lei
nº 11.300, de 2006)
A rejeição de contas, portanto, não acarreta per si a inelegibilidade do candidato.
§2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negad�
diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado. (Incluído pela Lei
A rejeição de contas, por si só, não tem qualquer efeito sobre o candidato eleito, sendo
nº 11.300, de 2006)
necessário o ajuizamento de uma ação eleitoral específica para o afas�amento do mandato
eletivo. (ZILIO, 2012. p. 413) §3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em rep �ese�tações propostas com ? ª�e
_ ,
neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da pubhcaçao do Julgamento no D1ano
Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
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LUlZ FUX, LUIZ FERNANDO C. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORI).) • LUIZ EDUAROO PECCININ (ORG.)
FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO OE CONTAS
VIVIANE.MACF..DOGARCIA
TRANSPARÊNCIA EO DEVER DE PRESTAR CONTAS
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O Tribunal Superior Eleitoral entende que para a configuração do ilícito é Art. 17. É livre a cr_iação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
necessário má-fé do candidato. a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
( ...) A tipificação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, à semelhança do abuso de poder, leva I -caráter nacional;
"em conta elementos e requisitos diferentes daqueles observados no julgamento das II-proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
contas" (RO nº 780/SP, rei. Min. Fernando Neves, julgado em 8.6.2004), razão pela qual ou de subordinação a estes;
a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma I1l - prestação de contas à Justiça Eleitoral;
de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má­ IV -funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou §1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna
demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional. Precedentes do TSE. (TSE. e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
Processo 000001-72.2013.6.21.0151. RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e
Eleitoral nº 172 - BARRA DO RIBEIRO - RS. Acórdão de 17/11/2016. Relator(a) Min. o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições
Gilmar Ferreira Mendes. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
03/02/2017, Página 119/120) nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
Observa-se que o art. 30-A é aplicável somente ao candidato eleito. O candidato §2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil,
não eleito que tenha descumprido as normas de arrecadação e gastos eleitorais não registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
poderá ser sancionado com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, mas tão somente a §3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
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título de abuso de poder econômico, se comprovada a gravidade das circunstâncias televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
que o caracterizam (art. 22, XVI da Lei Complementar nº 64/1990). !-obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
Quanto ao partido político, a sanção pelo descumprimento das normas de
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
arrecadação e aplicação de recursos previstas na Lei nº 9.504/1997 é a perda do direito II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, conforme art. 25 da Lei um terço das unidades da Federação.
Eleitoral abaixo transcrito: §4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.
§5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no §3° deste artigo é
Art 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os
recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos
do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão.
poder econômico.
Parágrafo único. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, O processo de elaboração e entrega da prestação de contas anuais dos partidos
por desaprovação total ou parcial da prestação de contas do candidato, deverá ser aplicada
de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por políticos está regulamentado pela Resolução TSE n2 23.464/2015.
meio do desconto, do valor a ser repassado, na importância apontada como irregular, não Os partidos políticos deverão manter escrituração contábil, que permita
podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, identificar a origem de suas receitas e a destinação de suas despesas e deverá prestar
pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação. (Incluído pela contas anualmente à Justiça Eleitoral até o dia 30 de abril do ano seguinte. A prestação
Lei nº 12.034, de 2009) de contas é realizada por meio do envio do balanço contábil, que será publicado na
imprensa oficial ou afixado na sede do Cartório Eleitoral.
Dessa forma, temos que o controle das contas de campanha é realizado por ampla A desaprovação da prestação de contas do partido não ensejará sanção alguma
divulgação, utilizando-se programa e sítio específico da internet. As contas são objeto que o impeça de participar do pleito eleitoral (art. 32 da Lei nº 9.096/1995, incluído pela
de julgamento pela Justiça Eleitoral e poderão ser impugnadas por qualquer partido Lei n2 13.165/2015).
político, no entanto, temos que o controle das contas de campanha é fragilizado pelo O balanço contábil anual a ser enviado à Justiça Eleitoral deverá conter todos os
sistema de sanções pelo descumprimento das normas de arrecadação e gastos eleitorais, itens previstos no art. 33 da Lei n2 9.096/1995, abaixo transcrito:
que não são suficientes para inibir condutas ilícitas.
Art. 33. Os balanços devem conter, entre outros, os seguintes itens:
I - discriminação dos valores e destinação dos recursos oriundos do fundo partidário;
1.3 Prestação de contas partidária II - origem e valor das contribuições e doações;
III - despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação dos gastos com
A Constituição da República, em seu artigo 17, III prevê a autonomia dos partidos
programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publicações, comícios, e demais
políticos para definir sua estrutura, organização e funcionamento, determinando, atividades de campanha;
contudo, prestação de contas à Justiça Eleitoral: IV - discriminação detalhada das receitas e despesas.
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VIVIANE MACEDO GARCIA 1
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LUIZ FUX, LUIZ FERNANOOC. PEREIRA, WALBER DE MOURA AGRA (COORD.) • LUIZ EDUARIX) PECCININ (ORG.)
FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS TRANSrARÊNCIA EO DEVER DE rRESTAR CONTAS

A análise da prestação de contas do partido não poderá ser pretexto para ferir a Em 2017, o Tribunal Superior Eleitoral julgou contas partidárias anuais relativas
autonomia partidária. Assim sendo, em caso de violação das normas legais e estatutárias a 2011. De acordo com notícia veiculada em jornal de grande circulação:
as sanções se limitam a suspensão das quotas do fundo partidário e devolução da
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acumula 156 prestações de contas anuais de partidos
quantia apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% deste valor (arts. 36 e
políticos sem julgamento. As contas são referentes aos exercícios de 2011 a 2015 e somam
37 da Lei n2 9.096/1995). ao menos R$ 2,2 bilhões de recursos públicos repassados às legendas por meio do Fundo
A responsabilidade pela prestação de contas é pessoal dos dirigentes partidários, Partidário, mas que ainda não foram fiscalizados. Com o acúmulo, a Corte já anistiou
que responderão civil e criminalmente por atos ilícitos atribuídos ao partido político, em desde o ano 2000, sem julgamento, ao menos 36 contas partidárias. 6
caso de irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe em
enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido (art. 37, §13 da Lei n2 9.096/1995). Com o aumento exponencial dos fundos públicos, a prestação de contas passará a
A não prestação de contas, no prazo previsto na legislação, implicará a suspensão ser de suma importância no cenário político brasileiro. Contudo, para tanto, necessário
de novas cotas do Fundo Partidário, enquanto perdurar a inadimplência e sujeitará os aperfeiçoamento do processo de análise e julgamento das contas pelo Tribunal Superior
responsáveis às penas da lei (art. 37-A da Lei nº 9.096/1995). Eleitoral.
Por fim, observa-se que os Estatutos dos Partidos Políticos, normalmente, preveem
a existência de um Conselho Fiscal, que deverá analisar internamente a prestação de
contas partidária. 1.4 Conclusões
Entendemos que os princípios democráticos da transparência e da accountability O Brasil vive uma intensa crise política - permeada por denúncias de corrupção
devem ser internalizados pelos partidos em suas relações com os filiados. e de arrecadação de recursos e gastos em campanhas eleitorais sem registro formal nas
,,
1

Assim, entendemos que a prestação de contas deverá ser divulgada internamente prestações de contas. A crise política permite identificar a falta de transparência e de 1

mecanismos deficientes de accountability do nosso sistema eleitoral.


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para que os filiados possam exercer o seu direito fundamental à informação.
Eneida Desiree Salgado ressalta que as democracias contemporâneas confiam O princípio da transparência decorre do princípio republicano, e é basilar no
parte de seu funcionamento aos partidos políticos, que não poderão descurar de Estado Democrático de Direito. Com efeito, em Estados Democráticos não se admitem
práticas democráticas internamente, devendo respeitar os direitos fundamentais nas atos do Poder Público ocultos, ou secretos, que impeçam a participação e o controle
suas práticas internas: popular.
A realização de eleições livres, como mecanismo de accountability vertical, não
O filiado ao partido político deve ter respeitados todos os direitos fundamentais. Deve ser, é suficiente para garantir a legitimidade do processo. eleitoral, sendo necessária a
como garante a Constituição e a Lei dos Partidos Políticos, tratado com igualdade. Não realização de prestação de contas dos recursos recebidos e gastos, com integridade de
pode ter seus direitos relacionados à sua participação na vida partidária restritos sem a dados, a chamada accountability horizontal.
observância de um devido processo, conforme precisão antecipada no Estatuto ao qual o O controle das contas pressupõe publicação dos dados para que a análise não se
cidadão aderiu para se filiar à agremiação. (SALGADO, 2013. p. 150) restrinja ao órgão julgador, mas também possa ser realizada pelos demais interessados.
As modificações no sistema de financiamento de campanhas, com aumento
Os princípios da boa governança aplicados internamente nos partidos políticos, expressivo do financiamento público e proibição do financiamento empresarial, exigem
permeando maior isonomia entre os filiados (jairness), transparência dos processos maior transparência e um sistema eficiente de prestação de contas.
decisórios (disclosure), prestação de contas (accountability) e conformidade (compliance), O Tribunal Superior Eleitoral não possui quadro próprio de pessoal suficiente
permitiria, por um lado, maior participação, controle, identificação e comprometimento para análise das prestações de contas anuais dos partidos, o que acaba gerando um
dos filiados com o partido e, por outro lado, um eficiente combate à corrupção. enorme lapso temporal entre as eleições e o julgamento das contas.
Neste aspecto, vale a pena reproduzir as sugestões de Raymundo Campos Neto: A accountability horizontal é prejudicada pelo deficiente sistema de sancionamento
de atos ilícitos, tanto referente à prestação de contas de campanha, quanto à prestação
Em relação à corrupção nos partidos, deve-se gerir o risco integrando os órgãos partidários de contas anuais partidárias.
no processo de tomada de decisão e promovendo a transparência na condução dos Por outro lado, observa-se que os partidos políticos não internalizaram princípios
processos decisórios e nas finanças. Esta gestão de risco deve concentrar-se na prevenção básicos da democracia. As prestações de contas de campanha e partidária não são am­
e no controle, tanto interno como externo, executando planos de prevenção à corrupção, plamente divulgadas internamente, para controle e fiscalização dos próprios filiados, o
que poderiam ser premiados com regras benéficas em relação aos recursos públicos e ao que seria importante medida para aumento da credibilidade dos partidos e identificação
tempo de antena. (CAMPOS NETO, 2017, p. 179) dos filiados com as diretrizes partidárias.

As contas partidárias anuais dos diretórios nacionais são julgadas pelo Tribunal
Superior Eleitoral que, reconhecidamente, não possui pessoal suficiente para análise. 6 Disponível em: <http://politica.estadao.eom.br/nDlicias/geral,tse-tem-l56-prcstacoes-de-contas-de-partidos­
paradas,70001671747>. Acesso em: 18 jan. 2018
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VIVIANE l\·tACEl)O GARCIA
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LUIZ FUX, unz FERNANOOC. PEREIRA, \-VALBER DE MOURA /\GR/\ (COORD_). LUIZ EDUARDO PECCJNIN (ORG.)
FINANCIAMENTO E PRESTAÇÃO DE CONTAS TRANSPARlNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS

A adoção dos princípios da boa governança pelos partidos políticos - com o SMANIO, Gianpaolo Poggio; CAROLJ, Denny Angelo da Silva de. Transparência no Processo Eleitoral. P·
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