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O cristão e o entretenimento.

Perigos a serem evitados.

Uma análise bíblica e filosófica.

Adriano Bezerra de Araújo* 1

RESUMO: Uma indústria que tem crescido e se adaptado para uma nova realidade é a indústria do
entretenimento. A população, em sua maioria jovem, consome diariamente toda e qualquer forma de
entretenimento. Buscou-se neste artigo uma tentativa, mesmo que de maneira resumida, de encontrar um
caminho para um entendimento, à partir das Escrituras, como essa forma de divertimento pode influenciar
crianças, jovens e adultos. Para esse percurso adotamos como texto teórico o de REINKE (2020). Também
utilizaremos textos que tragam uma definição estético filosófica como a Poética de Aristóteles. O assunto
abordado é de fundamental importância para esclarecer, mesmo que de forma superficial, o que as Escrituras
dizem e quais são os perigos que precisam ser evitados para que não tenhamos uma geração que não saiba
pensar e nem refletir sobre determinados assuntos que a nossa sociedade já banalizou.

Palavras-chave: Espetáculo, entretenimento, Aristóteles, Escrituras.

RESUMEN: Una industria que ha crecido y se ha adaptado a una nueva realidad es la industria del
entretenimiento. La población, en su mayoría joven, consume diariamente cualquier forma de entretenimiento.
Este artículo es un intento, aunque sea de forma resumida, de encontrar una manera de comprender, desde las
Escrituras, cómo esta forma de entretenimiento puede influir en niños, jóvenes y adultos. Para esta ruta,
adoptamos como texto teórico el de REINKE (2020). También utilizaremos textos que aportan una definición
estética filosófica como la Poética de Aristóteles. El tema abordado es de fundamental importancia para
esclarecer, aunque sea superficialmente, qué dicen las Escrituras y cuáles son los peligros que hay que evitar
para que no tengamos una generación que no sepa pensar o reflexionar sobre ciertos temas que la sociedad ya
banalizada.

Palabras clave: Espectáculo, entretenimiento, Aristóteles, Escrituras.

1. INTRODUÇÃO

Comecemos nossa discussão com alguns textos bíblicos:

1
Licenciado em Letras Clássicas, com habilitação em latim e grego, pela Universidade Federal da Paraíba.
Estudante do IBRMEC. Professor da turma avançada doutrinas da graça (ICNV-GEISEL) Foi professor de
literatura no ensino médio. Trabalha como ledor/transcritor no ENEM. Atualmente presta consultoria
educacional na Ad Lucem Consultoria.
Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com
Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive,
assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do
alto, não nas que são aqui da terra; porque
morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente
com Cristo, em Deus. (Col 3.1-3; ARC)

Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas


convém. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não
me deixarei dominar por nenhuma delas. (1º Co
6.12; ARC)

Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm;


todas são lícitas, mas nem todas edificam. (1ª Co
10.23; ARC)

Em um primeiro olhar nestes textos é possível verificar que existem princípios a


serem observados. As Escrituras não tem o objetivo de expor sobre a forma como nos
divertimos hoje. Porém, Ela pode lançar luz sobre o nosso comportamento diante deles.
No primeiro texto, o de Colossenses, Paulo vem discutindo sobre as práticas religiosas
nas quais os judaizantes queriam que esses cristãos gentios observassem, e o apóstolo
demonstra que essas velhas observações que estão contidas na Lei de Moisés não servem
como meio de justificar o homem de seu pecado e que a santidade interior era mais
importante.
Ao chegar no capítulo 3 os colossenses são levados a concluir (portanto) que estamos
unidos em Cristo por meio de sua morte. E estando unido a Ele precisamos buscar as coisas
que estão contidas em Cristo.
Na Vulgata Latina temos o seguinte: quae sursum sunt quaerite, onde quaerite é o
verbo quaero, quaerere, e está conjugado na segunda pessoa do imperativo, indicando ordem.
Pode ser traduzido por: procurar, buscar, investigar. Como está no modo imperativo nos trás a
idéia de uma ordem que precisa ser obedecida. O seu objeto direto é quae, que está no
acusativo neutro, pode ser aquilo ou aquelas coisas. Numa tradução poderíamos ter a
seguinte: buscai as coisas (que) estão no alto. E que ‘alto’ é este? A oração seguinte
responde: onde Cristo vive, assentado à direita de Deus.
Os textos seguintes de coríntios demonstraram os aspectos éticos do viver cristão, que
precisam ser observados à luz de seus contextos. O de 6.12 Paulo está condenando a
sensualidade dominante na igreja de Corinto, e faz observações demonstrando que aquele que
comete pecado o comete fora do corpo, daí a analogia com os alimentos. Mas, o que comete
impureza (gr. πορνεία) está errando contra o próprio corpo.
Já o 10.23 vai nos alertar sobre a nossa liberdade e a liberdade do outro. Encerrando
que aquilo que eu faço deve redundar em glórias a Deus. Paulo pede para que não sejamos
causa de escândalo nem para judeus, gentios e nem para a igreja de Deus.
Assim, como podemos aplicar esses textos para o assunto em questão? Para responder
a essa e outras questões precisaremos fazer um percurso começando em primeiro lugar
definindo o que seria o entretenimento e/ou buscando entender o significado da palavra
entreter.

1.1 DEFININDO O TERMO

Conforme o Dicionário Online de Português a palavra entretenimento pode ser: o que


diverte, distrai. Podendo ser a ação ou o efeito de entreter, o ato de divertir-se. Agora, se
pensarmos no verbo entreter teremos as seguintes definições: fazer voltar a atenção para…,
distrair. Podendo ser um Verbo Transitivo Direto ou Indireto e/ou um Verbo Pronominal.
Interessante é notar outro sentido para entreter: enganar com artimanhas, iludir.
Ex:
Ardiloso, o vendedor fazia de tudo para entreter os clientes.
Entreteve a noiva com falsas promessas durante anos.

Observemos como é necessário entender os contextos onde as palavras são usadas. As


palavras tem seu sentido denotativo e, também, conotativo. Sendo assim, quando pensamos
em entretenimento o que vem à nossa cabeça? Algo que nos diverte, nos distrai ou algo que
nos engana, nos ilude?
Isso nos remete a Aristóteles na Poética quando ele diz que a arte (τέχνη, téchne,
técnica) tais como: a epopeia, o poema trágico, a comédia, a pintura, etc, são meios de
imitação (gr. μίμησις, mímesis), e ainda

[...] imitam ou por meios diferentes, ou objetos


diferentes, ou de maneira diferente e não a mesma.
(Aristot. Poet. 1447a)

Então, podemos fazer uma certa comparação com o que Aristóteles diz em seu
texto com a nossa sociedade pós-moderna. Pois, o que fazemos hoje nada mais é do que
‘imitação’, seja pelo vídeo, pela pintura, pela literatura ou pela música.
Os gregos, em se tratando das várias comunidades da região que conhecemos hoje
como Grécia, utilizavam-se de várias formas para o divertimento ou até mesmo a crítica.
Teremos o teatro, onde eram encenadas os mitos (narrativa) ou trechos de obras
conhecidas, podendo também ser a obra inteira, como por exemplo a tragédia Édipo Rei,
que no auge da apresentação, a cena em que Édipo fura os olhos é capaz de causar
espanto na platéia, o que Aristóteles chamará de catarse, ou a purificação das emoções.
À medida que os séculos passam, as formas de diversão mudam. Hoje temos
várias opções para nossa diversão, e pensando como descrevemos acima: nossa ilusão.
Reinke (2020) vai re-definir a palavra entretenimento pensando nestas formas como
espetáculo. Então, ele define da seguinte maneira

[...] espetáculos com significado de um momento no


tempo, de duração variada, no qual um olhar
coletivo se fixa numa imagem, situação ou evento
específicos.

Para o autor espetáculo é algo que captura nossa atenção, e os nossos sentidos,
principalmente os olhos voltam-se para um momento específico, podendo ser, como
acima é dito, fixa-se em uma ‘imagem ou evento específico’.
Essa fixação, ou melhor, as imagens são gravadas em nossa memória e podemos
relembrar até mesmo os momentos ou lugares ou horas ou até mesmo os odores
envolvidos nas situações passadas. Por exemplo, observe as imagens abaixo. Você seria
capaz de descrever os momentos ou as emoções envolvidas? Mesmo se você não
entendesse o que estava passando?

Imagem 12 Imagem 23

Os espetáculos podem ser percebidos de diversas formas: uma fotografia, uma


pintura, um outdoor chamativo, um vídeo clipe, um comercial bem produzido, enfim, são
diversos formatos e diversos meios para produção dos espetáculos. Sendo assim,

2
https://veja.abril.com.br/mundo/20-imagens-que-contam-como-foi-o-ataque-de-11-de-setembro-de-2001
3
https://www.lance.com.br/vasco/meninos-colina-conquista-titulo-inedito-copa-brasil-sub-destaca-forca-sua-base.html
podemos pensar os espetáculos como uma imitação de outra linguagem, como por
exemplo as adaptações para o cinema.
Reinke também ressalta que nesta era de espetáculos as definições de palavras ou
de funções também assumem outras, como por exemplo mentira, chamamos hoje de fake
news; mestre de cerimônias, conhecidos hoje como youtubers; assistir, hoje é visualizar;
aplaudir, hoje é ‘deixar um like’. Até mesmo a linguagem muda, ou melhor, volta para o
que era antigamente. Observe abaixo:

O que há por trás destes espetáculos? Quando se pensa na produção destes


espetáculos qual seria a minha função, a minha situação de destaque, como os produtores
nos vêem? O que estes espetáculos querem de nós? Segundo o autor (Reinke, 2020) só
existe uma palavra para isso: CONSUMO. Alguns espetáculos alimentarão nosso desejo
e nossa lascívia. Conforme o apóstolo João escreveu

Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo.


Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está
nele; porque tudo o que há no mundo, a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos
e a soberba da vida, não procede do Pai, mas
procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como
a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a
vontade de Deus permanece eternamente. (1ª Jo
2.15-17, ARC)
A indústria da propaganda sabe que somos atraídos por desejos e ela irá nos atrair
para que possamos saciar nossos desejos. Muito embora consumamos coisas que nem
precisemos. Pensemos também no que diz Tiago

Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria


cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça,
depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o
pecado, uma vez consumado, gera a morte. (Tiago
1.14-15, ARC)

Tiago destaca que o desejo está em nós, e somos atraídos por algo que já está
presente no nosso ser. Assim, é fácil verificar por que algumas pessoas são atraídas para
determinados espetáculos e outras não. Uns podem gostar de luta (UFC, box, etc) e
outros assistirão e não sentirão nenhuma emoção. Da mesma forma o futebol, o teatro, o
cinema, a pintura, etc.
Agora, precisamos levantar alguns questionamentos: 1) existe algum perigo nos
espetáculos? 2) há algo que precisa de uma análise crítica e metódica? 3) a bíblia é contra
o entretenimento? 4) como irmãos em Cristo, podemos fazer acepção de pessoas pelo
fato de alguns gostarem de outras coisas que nós não gostamos?

2. OS PERIGOS DO ENTRETENIMENTO.

2.1 - O perigo da idolatria

Nos anos de 1990 apareceu um comercial do refrigerante Sprite, uma soda


limonada que concorreria com a soda limonada antártica. Neste comercial aparecia um
copo com gelo sendo enchido com um líquido, que à medida que a imagem vai abrindo
somos surpreendidos com a imagem de um recipiente com os dizeres: “óleo de fígado de
bacalhau”, e logo em seguida aparece o slogan da campanha: IMAGEM NÃO É NADA,
SEDE É TUDO. OBEDEÇA A SUA SEDE. A campanha publicitária serviu para a venda
do refrigerante, e serve para mostrar para nós, consumidores, que, nesta propaganda
específica, que a televisão mostra o que ela deseja. Assim, somos enganados com a falsa
sensação de que precisamos de algo sem necessariamente termos essa necessecidade.
O culto à imagem não é algo novo, é algo antigo, que nasceu no coração de um
ser angélico, que queria ser maior e mais adorado do que o próprio Deus.
[...] Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e
formosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; de
todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o
topázio [...] Perfeito eras nos teus caminhos , desde
o dia em que foste criado até que se achou
iniquidade em ti. (Ez 28.14-19, ARC)

O texto revela a perfeição desta criatura angélica que aqui é feita uma comparação
ao rei da cidade de Tiro. Os espetáculos que são veiculados nos meios de comunicação
passam uma falsa sensação de bem estar e conforto, de pessoas que sempre riem, de
homens e mulheres que são a perfeição em corpos físicos. Como espectadores somos
levados a consumir essa falsa sensação de perfeição e queremos pertencer a esta
sociedade.
A idolatria, que é a colocação do ídolo, seja ele qual for, no lugar daquele que
deve ser adorado de maneira perfeita, Deus. Quando colocamos ou atribuímos juízo de
valor mais ao espetáculo do que ao próprio Deus.
André Agassi, famoso tenista em sua autobiografia disse o seguinte

O slogan (imagem é tudo) se tornou meu sinônimo.


Os jornalistas esportivos comparavam esse slogan à
minha natureza interior, meu ser e essência. Diziam
que aquilo era minha filosofia, minha religião, e
prediziam que seria meu epitáfio. (In Reinke,
2020)

Claro que o tenista não se referia a propaganda do refrigerante, mas ao comercial


de tv das câmeras fotográficas da CANON.
Observemos algo que parecia inofensivo para um desportista se tornar, como ele
diz em sua autobiografia, seu estilo de vida. Assim, o culto aos espetáculos pode se tornar
um ídolo em nossa vida. Pessoas hoje discutem mais sobre suas preferências
futebolísticas do que a mensagem do culto de domingo. Acordamos pela manhã e nossa
primeira intenção é ver os likes de nossas redes sociais. Almejamos chegar ao mesmo
padrão ou mais dos youtubers do momento. Sabemos mais da vida das ‘estrelas’ do que
de Cristo, que deu a sua vida por nós. O bezerro de ouro chega à nossa vida pela
necessidade que temos de atribuir juízo de valor à imagem.
2.2 - O perigo do mundo.

Reinke em seu livro, A Guerra dos Espetáculos, no capítulo 5, cita o antropólogo


Thomas de Zengotita, quando ele afirma que a tecnologia das telas conduziu a um novo
patamar de prazer, que é viciante, na era digital, “pois elas tornam possível vivermos um
duplo papel: espectadores e estrelas”.
Essa dupla função, segundo o antropólogo, pode ser percebida quando atraímos a
atenção, seja por curtidas ou likes, que são o meio pelos quais medimos a nossa fama. No
outro momento, quando assistimos a nós mesmos recebendo as aprovações daquilo que
postamos. O perigo pode estar associado a essa falsa sensação de amor que é transmitido
pelas mídias sociais. É claro que isso é um recorte de algo que vai mais além, pois não
somente as mídias sociais, mas a televisão, o cinema, etc, são meios de propagação de
ideias, escopo político-ideológico, etc. É só observar as várias campanhas veiculadas
nesses meios. Muitos se tornam adeptos ou ativistas sem nem mesmo saber o que
defendem. A igreja também abraça certas ideias, teologias, defesas de pensamento, sem
nem mesmo passar pelo crivo da crítica. Engole-se de tudo. Veja, por exemplo, o
movimento gospel, que de certa forma transmitiu e/ou transmite valores que não estão
nas Escrituras, como a teologia da prosperidade.

Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo


é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser
amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. (Tg
4.4, ARC)

Os que produzem certos espetáculos desejam incutir valores que não são os
valores cristãos, e tem obtido o sucesso desejado. As produções, cinema, música,
literatura, têm sido cada vez mais depravadas. Recentemente a animação da Disney do
personagem de animação do Toy Story foi censurada em alguns países do Oriente por
veicular um beijo de pessoas do mesmo sexo. Precisamos ponderar e pensar criticamente
no que ouvimos, assistimos, lemos, apreciamos, fazendo sempre o caminho que é à partir
da Palavra de Deus
Portas a dentro, em minha casa, terei coração
sincero. Não porei coisa injusta diante dos meus
olhos. (Sl 101.2,3. ARC)

Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o


que é justo, tudo o que é respeitável, tudo o que é
puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa
fama; se há alguma virtude, se algum louvor existe,
seja isso que ocupe o vosso pensamento. (Fil 4.8,
ARC)

2.3 - O perigo da adoração como entretenimento.

O perigo está em transformarmos o nosso momento de devocionalidade no culto


público em um mero espetáculo. A igreja, ao longo do tempo, foi absorvendo certos
padrões comportamentais que se distanciaram do que de fato é o culto público.
As músicas deixaram de ser cristocêntricas e passaram a ser humanísticas,
centradas no homem. Os cultos passaram a ser mais shows do que propriamente culto ao
Senhor. Incrementou-se com jogos de luzes, fumaça, danças, etc. Não há nada de errado
em que se tenha esse tipo de trabalho na igreja. Mas, a centralidade do culto não pode
sofrer interferências como meio de incrementar a satisfação do ouvinte. Lembremos as
palavras do Apóstolo Paulo

Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas


convém. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não
me deixarei dominar por nenhuma delas. (1º Co
6.12; ARC)

Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm;


todas são lícitas, mas nem todas edificam. (1ª Co
10.23; ARC)

Quando tentamos tornar a adoração divertida ou entretenimento, estamos mostrando


ao mundo inteiro que nosso Deus não deve ser levado a sério. Isso é blasfêmia ou algo muito
próximo disso.

2.3.1 - A igreja no mercado da atenção.


A igreja já esteve no centro das atenções no que diz respeito a deixar de ser
perseguida e ser o centro de divulgação do cristianismo. Tudo o que era devotado aos
altares pagãos da religiosidade greco-romana agora passa a ser devotada para a
instituição oficial do império. O imperador toma sobre si as funções tanto de imperador
como de sumo pontífice da instituição cristã. A igreja influenciava todas as áreas do
conhecimento, nada era publicado ou dito sem o aval da Instituição Cristã.
Tim Wu (in Reink, 2020) destaca que com o passar do tempo essa influência
deixa de ser sentida e demonstra uma vulnerabilidade na reivindicação do uso desta
atenção

“Para ser exato, não é como se antes do século XX


todo mundo estivesse andando pela rua e pensando
em Deus o tempo todo”, escreve. “Todavia, a Igreja
era a única instituição cuja missão dependia de ela
despertar atenção; e, por meio de seus ofícios diários
e semanais, assim como do seu papel por vezes
central na educação, foi exatamente isso que ela
conseguiu realizar. No alvorecer das indústrias da
atenção, pois, a religião ainda era, num sentido
muito real, a força dominante, o único
empreendimento humano de larga escala concebido
para capturar a atenção e usá-la. Porém, ao longo do
século XX, a religião organizada, que havia resistido
às dúvidas lançadas pelo Iluminismo, se mostrou
vulnerável a outras reivindicações e usos da
atenção”.

A grande questão ou a ‘grande discussão’ seria encontrar o momento em que essa


influência já não será sentida. Sendo, também, importante encontrar qual ou quais foram
as deficiências que a igreja demonstrou para a perda dessa influência.
Desta forma, a Bíblia pode nos orientar em relação a advertência que Cristo nos
dá no Sermão da Montanha

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a


terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde
ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós
outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem
corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam;
porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o
teu coração. Ninguém pode servir a dois senhores;
porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro,
ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não
podeis servir a Deus e às riquezas. (Mt 6.19-21, 24.
ARC)

É muito fácil o homem desejar e cair na tentação do acúmulo de riquezas. Ainda


somos afetados pelo pecado, nossa natureza pecaminosa nos consome e constantemente
demonstra para nós nossa fragilidade. Precisamos tomar essas palavras como um
mandamento, pois começa com uma ordem “não acumuleis”. A fama, os likes, as
visualizações, demonstram o quanto ainda somos vulneráveis, e o quanto precisamos de
Cristo para resguardar o nosso coração. Reinke (2020) destaca que uma vez que nossa
atenção é seduzida pelos espetáculos somos levados para longe do peso das coisas
eternas, sendo fisgados por uma isca reluzente das coisas que se desvanecem. Assim, a
igreja, em nossos dias, não desfruta da atenção humana.
Assim, onde estaria a culpa dessa falta de influência? A culpa é da igreja como
instituição e que não faz a devida influência ou a culpa é minha, que sendo membro tenho
a devida responsabilidade de levar essa influência ao mundo?
O mesmo autor destaca que há possíveis brechas que foram abertas e que
precisam urgentemente serem fechadas. A falta de oração, e eu diria, a falta de uma
devocionalidade mais constante pode sim trazer sérias consequências para um cristão que
inverte as prioridades em sua vida. Gastamos mais tempo conectados com mídias do que
conectados com Deus. Nossos hábitos compulsivos por consumir espetáculos
preencherão nossos dias por completo e corroerá nossa vida devocional, assim como a
ferrugem corrói o ferro.

2.3.1 - A igreja como fabricante de espetáculos.

Quantos espetáculos atraentes aos olhos nós deveríamos incluir em nossos


ajuntamentos de domingo, para tornar a igreja mais confortável e atrativa ao mundo?
Quantos jogos de luz e fumaça, quantos amplificadores, quão elaborados os panos de
fundo, as plataformas e os púlpitos, a arte e os projetores de vídeo? Essas perguntas que o
autor inicia o capítulo do seu livro com o enunciado acima serve para que venhamos a
refletir seriamente como anda nosso culto.
Desta forma, somos direcionados novamente à questão da necessidade de se
adaptar o evangelho ou culto ao gosto pessoal de cada participante. Para Reinke a
indústria e aqueles que trabalham na promoção de espetáculos estão interessados em um
único propósito, o lucro. Há líderes que veem sua comunidade não como ovelhas, mas
como uma fonte de lucro. São os chamados espectadores. E, sendo assim, precisarão
consumir entretenimento constante, onde cada culto, cada reunião, cada ajuntamento
deve ter uma atração diferente para que se torne atraente e possa despertar o interesse por
algo novo. Nossos espetáculos são feitos para encantamento e não provocam o que
Aristóteles chama de catarse, que é a purificação da alma. Quem não se emocionou ao
ver uma peça de teatro, uma palavra que o ministrante diz, uma música que toca nas
emoções. Não estamos dizendo que as emoções não façam parte da nossa relação com o
momento, mas é preciso que essas emoções sejam os atores coadjuvantes e não os atores
principais. Reinke (2020) destaca que se o esplendor de Cristo não está no centro, então
os espetáculos de atração, apesar de bem produzidos, reduzem a igreja a mais um show.
Ele não descarta que a igreja não promova bons espetáculos de música, teatro, filmes, etc,
mas isso não pode ocupar o centro da vida da igreja e nem de seus membos.

3. CONCLUSÃO.

Não somos tão alienados como muitos dizem. Temos na cristandade grandes
poetas, músicos, teatrólogos, enfim, profissionais que dedicam ou dedicaram suas vidas
na promoção e divulgação do maior espetáculo que a terra já viu, o Cristo crucificado.
Sua humilhação e sua exaltação já foram cantadas e recitadas, provocando uma catarse
nos espectadores que, não podendo resistir, renderam-se aos pés da cruz.
Não somos tão alienados e não negamos a existência de excelentes obras
cinematográficas que provocam em nós o choro, o riso, a reflexão. Quem não se
emocionou com a história dos mártires nas arenas de Roma? Quem não se admirou com
as batalhas travadas em filmes de guerra? Com histórias de soldados que, não disparando
tiro algum, salvaram milhares de companheiros.
Não somos tão alienados que não consigamos interpretar textos literários ou
apreciar uma bela obra de arte ou ouvir uma 9ª Sinfonia.
Para que possamos recuperar nossa visão no belo é preciso que Cristo seja o centro de
toda nossa vida. O que fazemos, o que vemos, o que refletimos devem passar pelo crivo
das Escrituras. Precisamos pensar ou, até mesmo falar, como Davi: não colocarei diante
dos meus olhos coisas injustas.
Portanto, é necessário pensar crítica e biblicamente. Tanto Santo Agostinho como
Lutero se utilizaram da razão simples para expressar suas opiniões e emitirem juízos de
valor sobre determinados assuntos de sua época.
4. BIBLIOGRAFIA.

ARISTÓTELES. A poética clássica. Tradução direta do grego: Jaime Bruna. 7ª ed. São Paulo; Cultrix,
1997. Páginas 19 a 52.

BÍBLIA. Português. Bíblia de estudo de Genebra. 2. ed. Barueri, São Paulo; Sociedade Bíblica do Brasil;
Cultura Cristã, 2009.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. s.d. ebooksBrasil, 2003. Disponível em:


<http://www.ebooksbrasil.com/eLibris/socespetaculo.html> Acesso em: 10, Jul 2022.

DINUCCI, Aldo. Aristóteles e o relacionamento virtual. Socientifica, 2020. Disponível em: <
https://socientifica.com.br/aristoteles-e-o-relacionamento-virtual/> Acesso em: 06, Jul 2022.

MATHISON, Keith. O perigo do entretenimento. Voltemos ao Evangelho, 2020. Disponível em:


<https://voltemosaoevangelho.com/blog/2020/12/o-perigo-do-entretenimento/> Acesso em: 06, Jul 2022.

REINKE, Tony. A guerra dos espetáculos: o cristão na era da mídia. Tradução: Vinícius Silva Pimentel.
São José dos Campos, SP: Fiel, 2020.

SARAIVA, F. R. dos Santos. Novíssimo dicionário latino-português. 12ª ed. Rio de Janeiro; Livraria
Garnier, 2006.

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