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ARTIGO

A METODOLOGIA DE ATENDIMENTO SISTÊMICO


DE FAMÍLIAS E REDES SOCIAIS NO CENTRO DE
REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA
PROPOSTA TEÓRICA E PRÁTICA

THE SYSTEMIC ATTENDANCE METHODOLOGY OF FAMILIES AND SOCIAL


NETWORKS AT THE REFERENCE CENTER OF SOCIAL ASSISTANCE: A
THEORETICAL AND PRACTICAL PROPOSAL

RODRIGO TAVARES RESUMO: Esta pesquisa tem a intenção de com- ABSTRACT: This research intends to unders-
MENDONÇA preender se a Metodologia de Atendimento Sis- tand whether the Systemic Attendance Metho-
Psicólogo. Especialista em têmico de Famílias e Redes Sociais, criada por dology of Families and Social Networks, created
Psicoterapia de Família Juliana Gontijo Aun, Maria José Esteves de Vas- by Juliana Gontijo Aun, Maria José Esteves de
e Casal pelo Instituto de concellos e Sônia Vieira Coelho, pode ser utiliza- Vasconcellos and Sônia Vieira Coelho, can be
Educação Continuada da da para alcançar os objetivos do Centro de Refe- used to achieve the aims of the Reference Cen-
Pontifícia Universidade rência de Assistência Social (CRAS). O método ter of Social Assistance (CRAS). The method
Católica de Minas Gerais. de pesquisa utilizado, exploratório e bibliográfico, of research used, exploratory and bibliographic,
E-mail: 1rodrigomendonca@ proporciona a aproximação conceitual da Meto- provides the conceptual approach of the Sys-
gmail.com dologia de Atendimento Sistêmico com a organi- temic Attendance Methodology with the orga-
zação e a estrutura, os princípios, os objetivos e nization and the structure, principles, aims and
as diretrizes do Sistema Único de Assistência So- the guidelines of the Single System of Social
cial (SUAS). O Atendimento Sistêmico, distingui- Assistance (SUAS). The Systemic Attendance,
do como uma rede de conversações transforma- distinguished as a network of transformative
doras em torno de uma situação-problema, tem conversations around a problematic situation,
o objetivo de criar um contexto de autonomia que aims to create a context of autonomy that allo-
possibilite aos elementos do sistema desenvolve- ws system elements to develop ways of con-
rem formas de se relacionar que não incluam os necting that do not include the antagonisms
antagonismos, para que essas relações se trans- so that these relations turn into collaborative
formem em relações colaborativas. Assim, os relationships. Thus, the results show that me-
resultados mostram que essa metodologia pode thodology can be used to achieve the aims of
ser utilizada para alcançar os objetivos do CRAS. the CRAS.

PALAVRAS-CHAVE: Centro de Referência de KEYWORDS: Reference Center of Social Assis-


Assistência Social. Metodologia de Atendimento tance. Systemic Attendance Methodology. Social
Sistêmico. Rede social. network.

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa, requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Psi-


coterapia de Família e Casal pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifí-
cia Universidade Católica de Minas Gerais, tem a intenção de compreender se a
Metodologia de Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais, criada pelas
psicólogas brasileiras Juliana Gontijo Aun, Maria José Esteves de Vasconcellos
Recebido em: 29/08/2014 e Sônia Vieira Coelho (2005, 2007, 2010), pode ser utilizada para alcançar os
Aprovado em: 30/09/2014

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objetivos do Centro de Referência de se todos os serviços socioassistenciais, A Metodologia de Atendimento
Assistência Social (CRAS). Classifica- foi criado em 2005. Esses dados mos- Sistêmico de Famílias e 75
Redes Sociais no Centro de
da como exploratória e bibliográfica tram que a assistência social brasileira Referência de Assistência
Social: uma proposta teórica e
(Drummond, 2006, p. 1), esta pesqui- enquanto política pública é recente. E prática
sa surgiu para atender a uma demanda veremos que o modelo de intervenção Rodrigo Tavares Mendonça

dos trabalhadores do CRAS. socioassistencial que surgiu a partir da


Antes do governo Luiz Inácio Lula efetivação dessa nova política pública
da Silva, não existia na Presidência da se transformou radicalmente, o que
República um ministério que cuidasse exigiu dos profissionais o desenvolvi-
exclusivamente da assistência social. mento de teorias e metodologias mais
Os escassos programas, projetos, ser- adequadas para se trabalhar com essa
viços e benefícios socioassistenciais nova realidade. Veremos ainda que a
estavam espalhados por vários minis- formação dos profissionais da assis-
térios sem a organização e a estrutura tência social, especialmente a forma-
adequadas para a condução efetiva das ção dos psicólogos, não estava prepa-
ações socioassistenciais. Nas palavras rada para esse novo campo de atuação.
de Andrade, Farias e Vaitsman (2009): Esses desafios demandam pesquisas
que possam orientar os trabalhadores
Quando a crise financeira global de do SUAS, principalmente os do CRAS,
1997 atinge o Brasil, a pobreza e a de- que são os mais numerosos.
sigualdade persistiam junto ao avanço Historicamente, a assistência so-
da legislação dos direitos socioassisten- cial brasileira tinha a intenção única
ciais. Os novos programas de combate de combater a pobreza. Antes de se
à pobreza encontrariam uma ampla tornar política pública, as ações so-
clientela, ou desprotegida ou distribuí- cioassistenciais, que eram ações de
da entre os tradicionais programas as- caridade, eram feitas por entidades
sistenciais e os benefícios assistenciais filantrópicas que doavam produtos de
conquistados após a Constituição de utilidade básica, como alimentos, rou-
88. No entanto, até a década seguinte, pas e brinquedos. E, mesmo quando o
diferentes programas e benefícios per- governo começou a assumir a respon-
maneceriam fragmentados e pulveri- sabilidade pela assistência social e a
zados em diferentes órgãos e níveis de defini-la como direito do cidadão, as
governo, sem uma lógica nacional e sis- primeiras ações tinham somente a in-
têmica (p. 735). tenção de combater a pobreza. O prin-
cipal objetivo dos serviços socioassis-
Apenas a partir do lançamento do tenciais atualmente, que é fortalecer a
Programa Bolsa Família, em 2003, da função protetiva da família, não exis-
criação do Ministério do Desenvolvi- tia. Assim, essa forma de atuação não
mento Social e Combate à Fome e da exigia dos profissionais conhecimen-
Política Nacional de Assistência Social tos teóricos e metodológicos sobre o
(PNAS), em 2004, e da Norma Ope- trabalho com famílias em situações de
racional Básica do Sistema Único de vulnerabilidade social. Esse modelo
Assistência Social (SUAS), em 2005, de intervenção socioassistencial não
que a assistência social brasileira se exigia sequer o trabalho de psicólogos
consolidou efetivamente como polí- nesse campo de atuação. Contudo, o
tica pública. O primeiro CRAS, que desenvolvimento dessa política públi-
é a unidade mais básica da proteção ca, principalmente a partir da criação
social e a porta de entrada para qua- do SUAS, definiu novos objetivos para

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a assistência social, o que exigiu que os to, nessa época, ainda não existia o
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profissionais desse campo de atuação SUAS. Assim, os psicólogos que atuam
desenvolvessem novas teorias e me- nesse campo continuam carentes de
todologias para o trabalho social com referenciais teóricos e metodológicos.
famílias. Como afirmam Yamamoto e Segundo Motta e Scarparo (2013), co-
Oliveira (2010): mentando sobre a formação acadêmi-
ca dos psicólogos, “até os anos 1990, a
De fato, o trabalho na proteção social mesma era marcada por ser tecnicista
básica exige dos psicólogos não ape- e fragmentada, sendo encaminhada
nas uma adequação do trabalho; exige para assegurar o domínio de técni-
um conhecimento de aspectos que es- cas de medida e avaliação, bem como
tão fora do escopo do que a Psicologia atendimentos clínicos. A interface en-
delimitou em seus campos de saber. A tre fenômenos psicológicos e sociais
atuação com pessoas em situação de era desconsiderada” (p. 232).
pobreza exige não a adequação de um A tradição da psicologia de estu-
conhecimento teórico-técnico, mas, dar o indivíduo o descontextualizan-
sim, a criação de novos conhecimentos do ainda produz efeitos negativos nos
e uma mudança na postura que marca profissionais que estão trabalhando
historicamente a atuação dos psicólo- tanto em serviços privados quanto em
gos. A noção de “sujeito psicológico” serviços públicos. Então, esta pesqui-
não cabe nos desafios do CRAS, nem sa se faz importante porque pretende
tampouco a crença de que a Psicologia mostrar como a Metodologia de Aten-
só intervém no sofrimento psíquico ou dimento Sistêmico está adequada aos
no ajustamento. Pensar numa atuação novos objetivos da assistência social
que conjugue um posicionamento po- brasileira, especialmente aos objetivos
lítico mais crítico por parte dos psicó- do CRAS, e que pode contribuir para a
logos, com novos referenciais teóricos e atuação dos profissionais, sejam psicó-
técnicos que podem ou não partir dos logos ou não, nesse campo que está se
já consolidados, mas que necessaria- apresentando tão desafiador.
mente, precisariam ultrapassá-los, é o O principal desafio dos psicólogos
grande desafio para a profissão no cam- desse campo de atuação é desenvolver
po das políticas sociais em geral (p. 21). outras práticas transformadoras, pois
o CRAS não permite que o profissio-
Porém, essa exigência de novas teo- nal faça psicoterapia (Tipificação Na-
rias e metodologias não está contem- cional de Serviços Socioassistenciais,
plada na formação dos profissionais 2009a, p. 6). Mais à frente, apresentarei
que trabalham com serviços socioas- a diferença entre o contexto de psico-
sistenciais para famílias em situação terapia e o contexto de atendimento
de vulnerabilidade social, especial- (Aun, 2005, p. 63), no qual se baseia a
mente a formação dos psicólogos. Metodologia de Atendimento Sistêmi-
Em 2003, por influência do Conselho co. Por ser feita no contexto de atendi-
Federal de Psicologia, o Ministério mento, essa metodologia não é exclu-
da Educação modificou as diretrizes sividade da psicologia ou de qualquer
curriculares dos cursos de psicologia outra profissão ou disciplina científica.
para preparar o profissional para tra- Essa abrangência expande os limites
balhar com as demandas das políticas tradicionais das práticas psicológicas.
públicas, principalmente as do Siste- Contudo, antes de apresentar essa
ma Único de Saúde (SUS). No entan- diferença, falarei sobre a organização e

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a estrutura do SUAS, ou seja, sobre os às crianças e adolescentes carentes; III – A Metodologia de Atendimento
seus princípios, objetivos e diretrizes e a promoção da integração ao mercado Sistêmico de Famílias e 77
Redes Sociais no Centro de
sobre as unidades públicas e as ações de trabalho; IV – a habilitação e reabi- Referência de Assistência
Social: uma proposta teórica e
socioassistenciais que o compõem. litação das pessoas portadoras de defi- prática
Em seguida, apresentarei a Metodo- ciência e a promoção de sua integração Rodrigo Tavares Mendonça

logia de Atendimento Sistêmico e os à vida comunitária; V – a garantia de


resultados desta pesquisa, explicando um salário mínimo de benefício men-
como os objetivos do CRAS podem sal à pessoa portadora de deficiência e
ser alcançados por essa metodologia. ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manuten-
ção ou de tê-la provida por sua família,
A ORGANIZAÇÃO E A ESTRUTURA DO conforme dispuser a lei (Constitui-
SUAS ção da República Federativa do Brasil,
2013, p. 42).
O SUAS organiza toda a oferta de pro-
gramas, projetos, serviços e benefícios Em 1993, também por influência
da assistência social brasileira. Feito de movimentos sociais, os parlamen-
com base no SUS, esse sistema único tares aprovam a Lei Orgânica de As-
define os princípios, as diretrizes e os sistência Social (LOAS), que amplia
objetivos de qualquer ação socioassis- a garantia dos direitos de cidadania e
tencial, ou seja, organiza o modelo de regulamenta os artigos constitucionais
intervenção socioassistencial no Bra- que falam sobre a assistência social. A
sil. Além disso, o SUAS cria a estrutura LOAS, além de ampliar as diretrizes
da assistência social no país, ao esta- previstas na Constituição Federal, de-
belecer quais as unidades públicas o fine os princípios da assistência social
compõem e quais os tipos de serviços no Brasil, que serviram de base para as
são prestados em cada uma delas, de ações socioassistenciais que surgiram
acordo com os níveis de complexidade a partir do SUAS. Os princípios são os
desses serviços. O SUAS também or- seguintes:
ganiza a gestão do trabalho e as políti-
cas de informação, de monitoramento I – supremacia do atendimento às ne-
e de avaliação do próprio sistema. cessidades sociais sobre as exigências
A história da assistência social bra- de rentabilidade econômica; II – uni-
sileira começou a mudar quando mo- versalização dos direitos sociais, a fim
vimentos sociais na década de 1980 de tornar o destinatário da ação assis-
conseguiram influenciar os parlamen- tencial alcançável pelas demais políti-
tares para transformar a assistência cas públicas; III – respeito à dignidade
social – que era oferecida apenas por do cidadão, à sua autonomia e ao seu
caridade em entidades filantrópicas – direito a benefícios e serviços de quali-
em direito de cidadania. Esse direito dade, bem como à convivência familiar
surge na Constituição Federal de 1988: e comunitária, vedando-se qualquer
comprovação vexatória de necessida-
A assistência social será prestada a de; IV – igualdade de direitos no aces-
quem dela necessitar, independente- so ao atendimento, sem discriminação
mente de contribuição à seguridade so- de qualquer natureza, garantindo-se
cial, e tem por objetivos: I – a proteção equivalência às populações urbanas e
à família, à maternidade, à infância, à rurais; V – divulgação ampla dos be-
adolescência e à velhice; II – o amparo nefícios, serviços, programas e proje-

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tos socioassistenciais, bem como dos cial básica tem como objetivos prevenir
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recursos oferecidos pelo Poder Público situações de risco por meio do desenvol-
e dos critérios para sua concessão (Lei vimento de potencialidades e aquisições,
Orgânica de Assistência Social anotada, e o fortalecimento de vínculos familiares
2009b, p. 8). e comunitários. Destina-se à população
que vive em situação de vulnerabilidade
Essas duas leis são os documentos social decorrente da pobreza, privação
mais importantes para a assistência (ausência de renda, precário ou nulo aces-
social brasileira até o início do novo so aos serviços públicos, entre outros) e,
milênio. Os governos neoliberais Fer- ou, fragilização de vínculos afetivos-re-
nando Collor de Melo, Itamar Franco lacionais e de pertencimento social (dis-
e Fernando Henrique Cardoso, que criminações etárias, étnicas, de gênero ou
defendiam a redução dos gastos pú- por deficiências, dentre outras) (Política
blicos com políticas sociais, pouco Nacional de Assistência Social – Norma
avançaram na efetivação da assistência Operacional Básica do Sistema Único de
social enquanto política pública. A or- Assistência Social, 2005, p. 33).
ganização e a estrutura da assistência A unidade pública responsável pela
social brasileira se transformou radi- proteção social básica é o CRAS, cujos
calmente, com a intenção de atender objetivos são os mesmos da proteção
às exigências da Constituição Federal que tem de garantir. O seu foco é a
e da LOAS, apenas no governo Luiz prevenção de situações de vulnera-
Inácio Lula da Silva (Andrade, Farias bilidade social, que surgem quando
& Vaitsman, 2009, p. 735; Macedo et as pessoas estão correndo o risco de
al., 2011, p. 480; Yamamoto & Olivei- perderem os seus vínculos familiares
ra, 2010, p. 11). e comunitários, quando o sentimento
O Ministério do Desenvolvimen- de pertencimento social está amea-
to Social e Combate à Fome, órgão çado por discriminações por idade,
federal responsável pela política de etnia, deficiência, gênero ou orien-
assistência social, foi criado em 2004, tação sexual e quando os direitos de
mesmo ano da publicação da PNAS. cidadania não estão sendo garantidos.
E é essa política a responsável pela Então, para prevenir essas situações, o
transformação radical da assistência principal serviço ofertado pelo CRAS
social brasileira. A definição dos dois é o Serviço de Proteção e Atendimen-
níveis de proteção social, a básica e to Integral à Família (PAIF), que con-
a especial, de acordo com a comple- siste no trabalho social com famílias,
xidade de cada serviço oferecido, de caráter continuado, com a finali-
amplia sem precedentes os objetivos dade de fortalecer a função protetiva
desse campo de atuação. O modelo das famílias, prevenir a ruptura dos
de intervenção socioassistencial, que seus vínculos, promover seu acesso e
antes tinha o principal objetivo de usufruto de direitos e contribuir na
combater a pobreza, passa a priorizar melhoria de sua qualidade de vida.
o fortalecimento da função protetiva Prevê o desenvolvimento de potencia-
das famílias que estão em situação lidades e aquisições das famílias e o
de vulnerabilidade social. É apenas fortalecimento de vínculos familiares
a partir dessa política que o trabalho e comunitários, por meio de ações de
social com famílias em organizações caráter preventivo, protetivo e proa-
governamentais se torna tão desafia- tivo. O trabalho social do PAIF deve
dor. A PNAS define que a proteção so- utilizar-se também de ações nas áreas

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culturais para o cumprimento de seus garantir os direitos de cidadania que já A Metodologia de Atendimento
objetivos, de modo a ampliar univer- foram violados. Por exemplo: o Cen- Sistêmico de Famílias e 79
Redes Sociais no Centro de
so informacional e proporcionar no- tro de Referência Especializado de Referência de Assistência
Social: uma proposta teórica e
vas vivências às famílias usuárias do Assistência Social (CREAS), que é a prática
serviço. As ações do PAIF não devem unidade pública de referência para to- Rodrigo Tavares Mendonça

possuir caráter terapêutico (Tipifica- das as ações da proteção especial, deve


ção Nacional de Serviços Socioassis- oferecer serviços para adolescentes em
tenciais, 2009a, p. 6). cumprimento de medidas socioedu-
O CRAS tem duas funções obriga- cativas e para pessoas em situação de
tórias e exclusivas: oferecer o PAIF e rua. Os serviços de acolhimento insti-
gerir as ações da proteção social bá- tucional para crianças e adolescentes
sica no seu território de abrangência. e para idosos, que estão em um nível
Essa gestão do território significa ainda maior de complexidade, tam-
que todas as outras ações socioassis- bém são serviços da proteção especial.
tenciais da proteção básica nesse ter- De acordo com a PNAS, a proteção
ritório devem estar referenciadas ao social especial é a modalidade de aten-
CRAS e articuladas ao PAIF. Como a dimento assistencial destinada a famí-
Unidade Básica de Saúde (UBS), que lias e indivíduos que se encontram em
é uma unidade pública que lhe serviu situação de risco pessoal e social, por
de referência para a sua implantação, ocorrência de abandono, maus tratos
o CRAS atua apenas no seu território físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual,
de abrangência. Esse eixo estruturan- uso de substâncias psicoativas, cum-
te do SUAS, a territorialização, per- primento de medidas socioeducativas
mite aos trabalhadores da assistência situação de rua, situação de trabalho
social conhecer profundamente as infantil, entre outras.
vulnerabilidades e as potencialidades
dos seus territórios, para que consi- São serviços que requerem acompa-
gam desenvolver práticas transfor- nhamento individual e maior flexibili-
madoras nesses campos de atuação. dade nas soluções protetivas (Política
O outro eixo estruturante do SUAS, a Nacional de Assistência Social – Norma
matricialidade sociofamiliar, orienta Operacional Básica do Sistema Único
que todas as ações socioassistenciais de Assistência Social, 2005, p. 37).
reconheçam que a família é o “‘nú-
cleo social básico de acolhida, con- Por permitir fazer psicoterapia –
vívio, autonomia, sustentabilidade e embora a orientação do SUAS seja
protagonismo social’ e ‘espaço privi- para que os psicólogos nesse campo de
legiado e insubstituível de proteção atuação desenvolvam também outras
e socialização primárias’ dos indiví- práticas transformadoras – a proteção
duos” (Orientações técnicas da pro- especial se torna menos desafiadora
teção social básica do Sistema Único para os psicólogos em comparação ao
de Assistência Social – Centro de Re- trabalho social com famílias na pro-
ferência de Assistência Social, 2009c, teção básica (Yamamoto & Oliveira,
p. 12). 2010, p. 21). O motivo é simples: a for-
A proteção social especial está em mação dos psicólogos os prepara para
um nível superior de complexidade. fazer psicoterapia, mas não os prepara
Enquanto a proteção básica atua para para desenvolver outras práticas trans-
prevenir situações de vulnerabilidade formadoras (Motta & Scarparo, 2013,
social, a proteção especial atua para p. 232).

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A METODOLOGIA DE ATENDIMENTO passo exige que o profissional se alie
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SISTÊMICO a uma instituição, seja governamen-
tal ou não governamental, para criar
A Metodologia de Atendimento Sistê- o contexto de atendimento. O Aten-
mico é uma prática que não é feita no dimento Sistêmico é sempre ofereci-
contexto de psicoterapia. Geralmente, do por uma instituição, não por um
a psicoterapia é feita no campo da saú- profissional particular. Necessaria-
de. Já a palavra “atendimento” é mais mente, as pessoas que estão vivendo a
abrangente, não se limita a um campo situação-problema precisam estar vin-
de atuação. Além disso, o atendimen- culadas de alguma forma a essa insti-
to não exige graduação, ou seja, pode tuição, pois a qualidade desse vínculo
ser feito por qualquer pessoa, embora é determinante para a aceitação do
a aplicação da Metodologia de Aten- convite para participar dos encontros
dimento Sistêmico exija do profissio- conversacionais.
nal conhecimentos epistemológicos Após esse primeiro passo, o pro-
e teóricos da abordagem sistêmica de fissional deve definir a situação-pro-
segunda ordem. Essa abrangência per- blema de forma solucionável. “Por
mite que essa metodologia se adéque a exemplo, em vez de convidar para
diferentes campos de atuação, como o conversar sobre o alcoolismo, convida
da assistência social, o da organização, para conversar sobre as condições para
o da administração, o do esporte e o a manutenção da abstinência” (Esteves
da saúde. de Vasconcellos, 2010a, p. 48). Essa re-
Outra diferença entre os dois con- definição da situação-problema evita
textos é a origem da demanda. Nor- que o profissional foque a sua atenção
malmente, a psicoterapia é demanda- nos aspectos negativos do problema
da pelo paciente ou pela sua família. e procure causas em vez de soluções.
No Atendimento Sistêmico, a deman- Durante o Atendimento Sistêmico, o
da costuma ser do profissional. Ao profissional não está interessado em
vermos os passos para a realização do encontrar causas, porque elas podem
Atendimento Sistêmico, veremos que não solucionar o problema atual e ain-
é o profissional quem primeiro distin- da culpabilizar pessoas que não me-
gue a situação-problema e compartilha recem toda a responsabilidade pelo
a sua visão com as pessoas que estão surgimento do problema. Além disso,
vivenciando essa situação, na esperan- conversar sobre causas pode ampliar o
ça de que elas também distinguam o antagonismo existente entre os mem-
problema da mesma forma. Além des- bros do sistema, impedindo que eles se
sas diferenças, veremos como a forma relacionem de forma colaborativa, ou
de coordenação dos encontros conver- seja, de forma que possam construir
sacionais distingue os dois contextos conjuntamente as soluções para os
e faz do Atendimento Sistêmico uma seus problemas.
metodologia original. O passo seguinte se inicia com
O Atendimento Sistêmico começa as primeiras conversações entre o
com a distinção de uma situação-pro- profissional e a instituição parceira.
blema. Como vimos, quem inicial- Como a demanda para atender as
mente distingue a situação-problema é pessoas que estão envolvidas com a
o profissional que se interessa pela sua situação-problema é do profissional,
solução, não as pessoas que estão vi- faz-se necessário que ele verifique se
venciando o problema. Esse primeiro a instituição que atende essas pesso-

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as também distingue o problema da culada a quem o convidou. A falta de A Metodologia de Atendimento
mesma forma e se aceita abordá-lo investimento pelos membros do mi- Sistêmico de Famílias e 81
Redes Sociais no Centro de
pela Metodologia de Atendimento crossistema neste passo pode explicar Referência de Assistência
Social: uma proposta teórica e
Sistêmico. Em caso de acordo, o pro- muitas frustrações de suas expectati- prática
fissional e a instituição passam a con- vas de participação (Aun, 2007, Tomo Rodrigo Tavares Mendonça

versar sobre os possíveis membros do I, p. 160).


Sistema Determinado pelo Problema Por isso é fundamental que a situa-
(SDP). O método de identificação ção-problema a ser abordada seja uma
desses possíveis membros é a tem- “situação-problema nossa”, que seja as-
pestade cerebral, que significa pensar sim distinguida por todos os membros
quais famílias ou instituições estão do SDP, e não apenas pelo profissional
envolvidas com a situação-problema. e pela instituição parceira. O próprio
Por exemplo: o profissional do CRAS processo de coconstrução implica na
que define a situação-problema como definição de uma “situação-problema
“fortalecendo os vínculos em famílias nossa”, pois a construção conjunta de
com adolescentes usuários de dro- soluções apenas pode ocorrer se os
gas” poderá pensar em convidar as membros estiverem pessoalmente im-
seguintes instituições para conversar: plicados na definição e na solução do
CREAS; Conselho Tutelar; Centro de problema (Esteves de Vasconcellos,
Atenção Psicossocial Álcool e Dro- 2010a, p. 55).
gas; UBS; escola; secretarias de Saúde, O próximo passo é atender o SDP.
de Educação e de Assistência Social; As autoras atendem o sistema com
Promotoria de Justiça da Infância e uma equipe de três profissionais, cada
da Juventude; Juizado da Infância e um exercendo uma função diferente.
da Juventude; Polícia Militar; e Siste- A equipe de profissionais, denomina-
ma Nacional de Emprego. Todas essas da equipe sistêmica, é composta pelo
instituições serão convidadas? Não coordenador, pelo cocoordenador e
necessariamente. As primeiras con- pelo observador. O coordenador é o
versações entre o profissional e a ins- único profissional que interage verbal-
tituição parceira, além de estabelecer mente com os membros do sistema.
o contrato de trabalho, têm o objetivo Para criar e manter o contexto de au-
de definir quem serão os convidados tonomia, ele não emite opiniões sobre
para compor o SDP. os conteúdos das conversações, não
Após a definição, o passo é convi- define o que é melhor ou o que é pior
dar os possíveis participantes. O pro- para os participantes, não expõe o seu
fissional deve saber que a forma de ponto de vista sobre o problema, não
convidar é fundamental para o suces- encaminha soluções. Ou seja, compor-
so da metodologia, já que este passo é ta-se como especialista em contexto,
muito importante e nem sempre lhe não como especialista em conteúdo.
tem sido dada a devida atenção. Difi- Nas palavras da autora:
cilmente uma família ou uma entida-
de aceitará o convite para participar Temos considerado que a forma de co-
de um encontro conversacional, com ordenação dos Encontros Conversacio-
todos os investimentos de tempo, de nais, juntamente com a forma de cons-
deslocamento, de energia pessoal que tituição do SDP – ocorrendo também
ele requer, sem estar muito envolvida esta única e exclusivamente em con-
com o problema que será abordado versações – constituem aspectos fun-
e/ou sem estar de alguma forma vin- damentais para que se desencadeiem

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os efeitos geralmente distinguidos nas abertamente sobre a situação-proble-
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aplicações bem-sucedidas da Metodo- ma e para facilitar o surgimento de re-
logia de Atendimento Sistêmico (Este- lações colaborativas que possibilitem
ves de Vasconcellos, 2010b, p. 165). o encaminhamento das soluções mais
adequadas.
O cocoordenador é um auxiliar do A segunda fase é a de polarização,
coordenador. Como ele não intera- na qual começam a surgir posições
ge verbalmente com os membros do antagônicas entre os participantes.
sistema, a sua função é observar as Em vez de tentar reduzir a ansiedade
relações entre os participantes e en- sintetizando os diferentes pontos de
tre os participantes e o coordenador, vista, o coordenador enfatiza as dife-
sugerir-lhe perguntas e orientá-lo. renças e reconhece o direito de cada
Além disso, para evitar que o coorde- pessoa compreender a realidade da
nador perca o foco das conversações, forma como atualmente compreende.
ele auxilia os participantes a encon- Esse reconhecimento amplia as possi-
trarem cadeiras vazias, banheiros e bilidades de mudança, pois reconhece
entrega brinquedos para as crianças a legitimidade de todos os pontos de
pequenas (Esteves de Vasconcellos, vista, ou seja, reconhece a impossibi-
2010b, pp. 164-165). Os participantes lidade do uni-verso, a inexistência de
se sentam em círculo, porém tanto o uma verdade única, de um ponto de
coordenador quanto o cocoordenador vista verdadeiro. Por isso, a fase de po-
se posicionam fora do círculo, movi- larização tende a dividir temporaria-
mentando-se atrás das pessoas. A in- mente o sistema.
tenção é não interferir no conteúdo
das conversações. Nessa fase de polarização, o coordena-
O observador se posiciona mais dor, com o apoio do cocoordenador,
distante do círculo e apenas registra as procurará instigar e estimular a defe-
informações que percebeu durante os sa das diferentes posições, ao mesmo
encontros conversacionais. Em cada tempo em que se utiliza ao máximo
novo encontro, o resumo das infor- de perguntas reflexivas. Com essas
mações registradas é comunicado aos perguntas, pretende-se instabilizar as
participantes (Esteves de Vasconcellos, premissas subjacentes a essas posições,
2010b, p. 165). possibilitando que uma posição, até en-
Os encontros conversacionais, que tão defendida como se fosse verdadeira,
têm duração de três horas cada um, ou a melhor posição, seja flexibilizada,
passam por fases que se sucedem re- passando a ser vista como apenas mais
gularmente. Em cada fase, espera-se uma posição. Isso tornará possível o
que os participantes se comportem de reconhecimento das demais posições
uma determinada forma. A primeira como também legítimas, tornando
fase é chamada de retribalização, por- mais provável uma atitude de coopera-
que o seu objetivo é aproximar emo- ção. Acreditamos que são as posições
cionalmente as pessoas, como se elas antagônicas ou polarizadas é que vêm
fossem membros de uma pequena tri- impedindo a colaboração necessária
bo. Nessa fase, o coordenador utiliza para a solução da situação-problema;
alguma dinâmica de grupo para unir daí considerarmos tão importante essa
as pessoas e diminuir a ansiedade do atuação da equipe nessa fase de polari-
sistema. Essa fase é importante para zação (Esteves de Vasconcellos, 2010b,
que os participantes consigam falar p. 159).

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A terceira fase é a de mobilização, A quinta fase recebe o nome de A Metodologia de Atendimento
pois os participantes começam a en- abertura para a ação autônoma. Caso Sistêmico de Famílias e 83
Redes Sociais no Centro de
caminhar soluções para a situação- o sistema consiga superar a depressão, Referência de Assistência
Social: uma proposta teórica e
-problema. As relações colaborativas as pessoas apresentam novas ideias e prática
aparecem e as pessoas tendem a se passam a se relacionar de forma mais Rodrigo Tavares Mendonça

sentir entusiasmadas. No entanto, colaborativa. Essa transformação na


apesar das relações se tornarem mais forma de se relacionar é o principal
colaborativas, a polarização tende objetivo Metodologia de Atendi-
a aparecer novamente, pois surgem mento Sistêmico. Relacionando-se
discordâncias sobre as soluções apre- colaborativamente o sistema adquire
sentadas. Algumas dessas soluções autonomia para encaminhar solu-
são vistas como ineficazes e outras ções para essa e também para outras
já foram tentadas sem sucesso. O situações-problema que vivenciarem
entusiasmo tende a se transformar no futuro.
em desânimo e os participantes po- A última fase do processo é cha-
dem se sentir desesperançosos com mada de ultrapassagem da situação-
as possibilidades de resolução da -problema (Esteves de Vasconcellos,
situação-problema por meio das con- 2010b, p. 163). Nessa fase, a equipe
versações. Quando essa desesperança sistêmica valoriza todas as soluções
aparece, o sistema entra na fase de- e todos os pontos de vista apresenta-
pressiva. Essa fase “se caracteriza pela dos, destacando a evolução das con-
sensação de que não se está avançan- versações e a capacidade das pessoas
do. As pessoas começam a repetir de encaminharem soluções quando
propostas de solução já tentadas sem se relacionam colaborativamente. As-
sucesso e se mostram pessimistas, sim, marca-se o próximo encontro.
até mesmo desesperadas” (Esteves de Quando as soluções tiverem sido en-
Vasconcellos, 2010b, p. 161). caminhadas, perde-se o sentido de se
Contudo, esse pessimismo é útil manterem as conversações e o SDP se
para que as pessoas percebam que dissolve.
precisam se abrir para novas ideias,
porque, se continuarem da mesma
forma, não conseguirão encontrar as A METODOLOGIA DE ATENDIMENTO
soluções adequadas para a situação SISTÊMICO NO CRAS
que estão vivendo. “De fato, essa é uma
fase em que geralmente se desenca- Esta seção apresenta os resultados des-
deiam muitas mudanças” (Esteves de ta pesquisa. A intenção é demonstrar
Vasconcellos, 2010b, p. 161). Porém, como a Metodologia de Atendimento
para evitar que a ansiedade se eleve ao Sistêmico pode ser utilizada para al-
ponto no qual o sistema não consegue cançar os objetivos do CRAS. Como
suportar, a equipe sistêmica, quando vimos, o CRAS possui três objetivos
percebe essa desesperança, promove fundamentais: prevenir a ocorrência
alguma dinâmica de grupo ou pausa de situações de vulnerabilidade social
as conversações para um lanche. Essa por meio do desenvolvimento de po-
pausa para o lanche tem também o tencialidades e aquisições, fortalecer
objetivo de criar um contexto menos os vínculos familiares e comunitários e
ansioso para que possam surgir no- ampliar o acesso aos direitos de cidada-
vas conversações, capazes de produzir nia (Orientações técnicas da proteção
mudanças. social básica do Sistema Único de As-

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sistência Social – Centro de Referência de potencialidades das pessoas que
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de Assistência Social, 2009c, p. 9). participam dos encontros conversa-
Além desses objetivos, o SUAS de- cionais, pois são elas quem encami-
termina que as ações socioassistenciais nham as soluções antes inexistentes.
do CRAS se baseiem em dois eixos Então, como se vê, a Metodologia de
estruturantes, que são a matricialida- Atendimento Sistêmico pode ser uti-
de sociofamiliar e a territorialização. lizada para alcançar esses dois objeti-
Com base nesses dois eixos, o CRAS vos do CRAS. O terceiro objetivo, que
possui duas funções obrigatórias e ex- é ampliar o acesso aos direitos de ci-
clusivas: a gestão da proteção social dadania, também se alcança por essa
básica no seu território de abrangência metodologia, porque garantir direitos
e a oferta do PAIF. Para gerir o terri- de cidadania em nosso país não é ape-
tório, o CRAS precisa promover três nas oferecer benefícios de transferên-
tipos ações: articulação da rede socio- cia de renda, como o Bolsa Família e
assistencial, articulação intersetorial o Benefício de Prestação Continuada
e busca ativa. Para ofertar o PAIF, o (BPC), mas ofertar quaisquer ações
SUAS tipifica cinco ações: acolhida, socioassistenciais. Desde a Constitui-
oficina com famílias, ações comunitá- ção Federal de 1988, a assistência so-
rias, ações particularizadas e encami- cial brasileira não é apenas caridade,
nhamentos. Todos esses tipos de ações mas direito de cidadania.
devem promover três aquisições aos Os dois eixos estruturantes para as
usuários: segurança de acolhida, segu- ações socioassistenciais do SUAS tam-
rança de convívio familiar e comunitá- bém estão adequados às característi-
rio e segurança de desenvolvimento da cas da Metodologia de Atendimento
autonomia. Sistêmico. Essa metodologia é uma
Agora, veremos como a Metodo- abordagem sistêmica de redes sociais
logia de Atendimento Sistêmico se que surgiu no campo da terapia de fa-
articula com cada uma dessas ações mília. Por isso, está de acordo com a
socioassistenciais. Ao criar e manter o visão sistêmica do ser humano. Essa
contexto de autonomia, identificando- compreensão relacional reconhece a
-se como especialista em contexto e importância da família para o desen-
não como especialista em conteúdo, o volvimento e para a manutenção da
profissional sistêmico favorece a trans- saúde e do bem-estar do indivíduo
formação das relações entre todos os (Nichols & Schwartz, 2007, p. 25). O
membros do SDP, possibilitando que Atendimento Sistêmico não exclui a
as relações antagônicas se transfor- família; pelo contrário, valoriza a sua
mem em relações colaborativas. As- participação. Essa forma de atender
sim, relacionar-se colaborativamente está de acordo com a matricialidade
significa trabalhar em conjunto com sociofamiliar exigida pelo SUAS, que
pessoas que partem de pontos de vista reconhece a “centralidade da família
diferentes para conseguir resolver pro- como núcleo social fundamental para
blemas comuns. Essa transformação a efetividade de todas as ações e ser-
favorece o fortalecimento de víncu- viços da política de assistência social”
los entre os membros do SDP. E mais: (Orientações técnicas da proteção so-
como as relações colaborativas têm a cial básica do Sistema Único de Assis-
intenção de resolver um problema, as tência Social – Centro de Referência
soluções apresentadas apenas podem de Assistência Social, 2009c, p. 12). E
ser alcançadas pelo desenvolvimento o outro eixo estruturante, a territoria-

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lização, que reconhece a “centralidade essa articulação não funciona como A Metodologia de Atendimento
do território como fator determinan- deveria, pode se tornar útil a aplicação Sistêmico de Famílias e 85
Redes Sociais no Centro de
te para a compreensão das situações da Metodologia de Atendimento Sistê- Referência de Assistência
Social: uma proposta teórica e
de vulnerabilidade e risco sociais, mico. Por exemplo: o profissional pode prática
bem como para seu enfrentamento” definir uma situação-problema como Rodrigo Tavares Mendonça

(Orientações técnicas da proteção so- “melhorando a articulação da rede so-


cial básica do Sistema Único de Assis- cioassistencial para garantir os direitos
tência Social – Centro de Referência dos usuários”. A partir dessa definição,
de Assistência Social, 2009c, p. 13), podem-se aplicar todos os passos e re-
também está presente no Atendimen- alizar os encontros conversacionais. E
to Sistêmico, como se pode ver neste a busca ativa, que tradicionalmente é
parágrafo: feita por visitas domiciliares, também
pode ser feita pelo Atendimento Sistê-
O local onde se realizará o encontro mico. A partir da situação-problema
conversacional deve ser próximo da “mapeando as vulnerabilidades e as
comunidade que distingue o problema potencialidades do território”, o CRAS
como tal, de fácil acesso para seus mem- pode convidar as famílias e as institui-
bros que farão parte do SDP. Como já ções envolvidas para fazer esse mapea-
vimos, é a equipe de profissionais que mento em grupo, não apenas por visi-
deve fazer um movimento em direção a tas domiciliares individuais.
esses e não o inverso (Aun, 2007, Tomo A função de ofertar o PAIF também
I, p. 145). pode ser executada pela Metodologia
de Atendimento Sistêmico. Com ex-
As duas funções do CRAS, que são a ceção das ações particularizadas e dos
gestão do território e a oferta do PAIF, encaminhamentos, que não são prá-
também podem ser executadas pela ticas grupais, os outros três tipos de
Metodologia de Atendimento Sistê- ações do PAIF são compatíveis com a
mico. Como vimos, a gestão do terri- abordagem pelos encontros conversa-
tório se divide em três tipos de ações: cionais. A acolhida é o contato inicial
articulação da rede socioassistencial, de uma família com o CRAS, é o pro-
que se refere ao contato do CRAS com cesso de escuta das suas necessidades
outras unidades da proteção básica; (Orientações técnicas sobre o PAIF,
articulação intersetorial, que refere ao 2012, p. 17). Geralmente, esse tipo de
contato do CRAS com outras políticas ação ocorre por visita domiciliar ou
públicas, como a saúde e a educação; por demanda espontânea, que é quan-
e busca ativa, que ocorre quando a do a família procura o atendimento.
equipe de referência do CRAS, em vez Entretanto, a acolhida também pode
de esperar a demanda, procura iden- ser feita em grupo, com o objetivo de
tificar as situações de vulnerabilidade promover “escuta das demandas gerais
social no seu território (Orientações das famílias(...) [e] compreensão dos
técnicas da proteção social básica do impactos do território sobre tais de-
Sistema Único de Assistência Social mandas” (Orientações técnicas sobre o
– Centro de Referência de Assistência PAIF, 2012, p. 21). Assim, identifican-
Social, 2009c, p. 20). do a situação-problema como “conhe-
No entanto, os trabalhadores da cendo as famílias do território que ain-
assistência social sabem dos desafios da não foram acolhidas pelo CRAS”, o
para se articular as redes socioassisten- profissional pode executar esse tipo de
ciais e intersetoriais. Nos casos em que ação pelo Atendimento Sistêmico.

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Necessariamente, os outros dois técnicas sobre o PAIF, 2012, p. 37). O
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tipos de ações do PAIF se seguirão à processo de construção de ideias e de
acolhida. As oficinas com famílias mobilização social pode ser feito pela
consistem na organização de encon- Metodologia de Atendimento Sistêmi-
tros previamente organizados, com co, pois os encontros conversacionais
objetivos de curto prazo a serem atin- em um contexto de autonomia permi-
gidos com um conjunto de famílias(...) tem que os participantes se relacionem
[que] têm por intuito suscitar reflexão colaborativamente uns com os outros,
sobre um tema de interesse das famí- de forma que encontrem as soluções
lias, sobre vulnerabilidades e riscos, para os problemas que estão vivendo.
ou potencialidades, identificados no Por fim, conclui-se que a Metodolo-
território, contribuindo para o alcan- gia de Atendimento Sistêmico garante
ce das aquisições, em especial, o for- os três tipos de segurança que todas
talecimento dos laços comunitários, as ações socioassistenciais do SUAS
o acesso a direitos, o protagonismo, a devem garantir: a de acolhida, a de
participação social e a prevenção de convívio familiar e comunitário e a de
riscos (Orientações técnicas sobre o desenvolvimento da autonomia.
PAIF, 2012, pp. 23-24).
Essas oficinas são as principais
ações socioassistenciais do CRAS, pois CONCLUSÃO
é por meio delas que se alcança todos
os seus objetivos. E a Metodologia de A Metodologia de Atendimento Sistê-
Atendimento Sistêmico pode ser utili- mico nasceu no campo da assistência
zada para alcançar esses objetivos. Ali- social. Antes de ser organizada e es-
ás, a oficina com famílias é o tipo de truturada como está atualmente, Aun
ação que mais está adequada à aplica- criou o embrião dessa metodologia
ção dessa metodologia, porque se atua quando fez a pesquisa-ação no Depar-
diretamente com a solução dos proble- tamento de Apoio à Pessoa Portadora
mas mais graves das famílias que estão de Deficiência da Secretaria de De-
em situação de vulnerabilidade social senvolvimento Social de Belo Hori-
no território de abrangência do CRAS. zonte, que resultou na sua dissertação
Por exemplo: a situação-problema de mestrado. Nessa época, a autora já
“desenvolvendo formas não-violentas tinha criado os conceitos processo de
de educar os filhos” pode ser abordada coconstrução de soluções e contexto
pelos encontros conversacionais como de autonomia e já utilizava alguns dos
uma oficina com famílias, pois tem a principais conceitos para a Metodolo-
intenção de promover a reflexão e pre- gia de Atendimento Sistêmico, como a
venir a ocorrência de situações de vul- definição de SDP e de relação colabo-
nerabilidade social, como a violência rativa. E as fases da sua pesquisa-ação
contra crianças e adolescentes. correspondem aos passos do Atendi-
O último tipo de ação do PAIF é a mento Sistêmico, que foram desen-
ação comunitária. Esse serviço socio- volvidos posteriormente (Aun, 2007,
assistencial promove atividades cul- Tomo I, p. 172).
turais, como teatro, dança, cinema e Além disso, a Metodologia de Aten-
música, e incentiva a participação das dimento Sistêmico já foi aplicada em
famílias em movimentos de mobiliza- outras políticas públicas de assistência
ção social e a ocuparem com criativi- social, inclusive no CRAS. Tem-se pu-
dade os espaços públicos (Orientações blicado dois trabalhos que apresentam

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a aplicação dessa metodologia em três Brasil: O que mudou na assistência A Metodologia de Atendimento
unidades públicas do SUAS: atendi- social após a Constituição de 1988. Sistêmico de Famílias e 87
Redes Sociais no Centro de
mento a pessoas com deficiência de Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), Referência de Assistência
Social: uma proposta teórica e
um CRAS (Muschioni & Amaral, 731-741. prática
2011), atendimento a crianças abri- Aun, J. G., Vasconcellos, M. J. E. & Coel- Rodrigo Tavares Mendonça

gadas e atendimento a uma criança ho, S. V. (2005, 2007, 2010). Atendi-


abusada sexualmente em um CREAS mento sistêmico de famílias e redes
(Muschioni & Amaral, 2013). Então, sociais: Vol. I Fundamentos teóricos
se a adequação dessa metodologia já e epistemológicos (2005). Vol. II To-
foi testada na prática, pode-se ques- mos I e II O processo de atendimento
tionar: por que pesquisar sobre a sua sistêmico (2007). Vol. III Desenvol-
adequação à organização e à estrutu- vendo práticas com a metodologia
ra do CRAS? A análise que fiz sobre a de atendimento sistêmico (2010).
adequação dessa metodologia aos ob- Belo Horizonte: Ophicina de Arte
jetivos e às funções do CRAS, aos eixos & Prosa.
estruturantes do SUAS, às seguranças Aun, J. G. (2005). Psicoterapia/terapia
que todas as ações socioassistenciais de família/atendimento sistêmico à
devem garantir e aos tipos de ações família: propondo uma diferencia-
do PAIF ainda não havia sido feita. Os ção. In: J. G. Aun, M. J. Esteves de
resultados dessa análise conferem sus- Vasconcellos, & S. V. Coelho. Aten-
tentação à aplicação dessa metodolo- dimento sistêmico de famílias e redes
gia no CRAS, pois demonstram como sociais: Vol. I Fundamentos teóricos
o Atendimento Sistêmico está adequa- e epistemológicos. Belo Horizonte:
do à sua organização e estrutura. Ophicina de Arte & Prosa.
A partir desta pesquisa, pode-se Aun, J. G. (2007). O processo de aten-
pensar na utilização da Metodologia dimento sistêmico: passos para sua
de Atendimento Sistêmico em outras realização. In: J. G. Aun, M. J. Este-
unidades socioassistenciais, como ves de Vasconcellos, & S. V. Coelho.
CREAS, que organiza a oferta de todas Atendimento sistêmico de famílias e
as ações socioassistenciais da prote- redes sociais: Vol. II Tomo I O pro-
ção especial. Alguns resultados des- cesso de atendimento sistêmico. Belo
ta pesquisa, como a análise dos eixos Horizonte: Ophicina de Arte &
estruturantes do SUAS e das seguran- Prosa.
ças que as ações socioassistenciais de- Constituição da República Federativa do
vem garantir, referem-se não apenas Brasil (2013). Brasília: Senado.
ao CRAS, mas a quaisquer unidades Drummond, J. C. (2006). Construção de
de assistência social, sejam públicas um projeto de pesquisa. Belo Hori-
ou privadas. Assim, esses resultados zonte: PUC Minas Virtual.
abrem caminhos para que a adequa- Esteves de Vasconcellos, M. J. (2002).
ção da Metodologia de Atendimento Pensamento sistêmico: O novo para-
Sistêmico seja pesquisada em outras digma da ciência. 5a ed. Campinas:
unidades do SUAS. Papirus.
Esteves de Vasconcellos, M. J. (2010a).
Distinguindo a metodologia de
REFERÊNCIAS atendimento sistêmico como uma
prática novo-paradigmática, desen-
Andrade, G.R.B., Farias, L. O. & Vaits- volvida com um “sistema determi-
man, J. (2009). Proteção social no nado pelo problema”. In: J. G. Aun,

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M. J. Esteves de Vasconcellos, & S. de Referência de Assistência Social
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V. Coelho. Atendimento sistêmico (CRAS). In: VII Congresso Brasileiro
de famílias e redes sociais: Vol. III de Sistemas. São Paulo: Centro Uni-
Desenvolvendo práticas com a meto- versitário de Franca.
dologia de atendimento sistêmico. Muschioni, M. O. M. & Amaral, S. C. S.
Belo Horizonte: Ophicina de Arte (2013). Atendimento sistêmico em
& Prosa. políticas públicas. In: IX Congresso
Esteves de Vasconcellos, M. J. (2010b). Brasileiro de Sistemas. Palmas: Uni-
Coordenando os encontros conver- versidade de Tocantins.
sacionais do “sistema determinado Nichols, M. & Schwartz, R. (2007). Te-
pelo problema”, a partir da concep- rapia familiar: Conceitos e métodos
ção teórica de “processo de rede”. In: (M. A. V. Veronese, Trad.). 7a ed.
J. G. Aun, M. J. Esteves de Vascon- Porto Alegre: Artmed.
cellos, & S. V. Coelho. Atendimento Orientações técnicas da proteção social
sistêmico de famílias e redes sociais: básica do Sistema Único de Assistên-
Vol. III Desenvolvendo práticas com cia Social – Centro de Referência de
a metodologia de atendimento sistê- Assistência Social (2009c). Brasília:
mico. Belo Horizonte: Ophicina de Ministério do Desenvolvimento
Arte & Prosa. Social e Combate à Fome.
Lei Orgânica de Assistência Social ano- Orientações técnicas sobre o PAIF
tada (2009b). Brasília: Ministério (2012) (Vol. 2). Brasília: Ministério
do Desenvolvimento Social e Com- do Desenvolvimento Social e Com-
bate à Fome. bate à Fome.
Macedo, J. P., Sousa, A. P., Carvalho, D. Política Nacional de Assistência Social –
M., Magalhães, M. A., Sousa, F. M. S. Norma Operacional Básica do Sistema
& Dimenstein, M. (2011). O psicólo- Único de Assistência Social (2005).
go brasileiro no SUAS: Quantos so- Brasília: Ministério do Desenvolvi-
mos e onde estamos? Psicologia em mento Social e Combate à Fome.
Estudo, 16(3), 479-489. Tipificação Nacional de Serviços So-
Motta, R. F. & Scarparo, H. B. K. (2013). cioassistenciais (2009a). Brasília:
A psicologia na assistência social: Ministério do Desenvolvimento
Transitar, travessia. Psicologia & Social e Combate à Fome.
Sociedade, 25(1), 230-239. Yamamoto, O. H. & Oliveira, I. F. (2010).
Muschioni, M. O. M. & Amaral, S. C. S. Política social e psicologia: Uma
(2011). Atendimento sistêmico a trajetória de 25 anos. Psicologia:
famílias de pessoas com deficiência Teoria e Pesquisa, 26(número espe-
e a sua rede social em um Centro cial), 9-24.

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