Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo Abstract
Em meados do século XVIII os Guarani By the middle of eighteen century, the
das reduções escreveram com frequên- Guarani from the reductions frequently
cia, documentos em que expressam um wrote their own documents in which
pensamento político próprio. Nesses were expressed their very political
textos é possível observar sua capacida- thoughts. Through these texts it is pos-
de de agir, mas também sua percepção sible to observe not only their action ca-
dos acontecimentos em curso por meio pacity but also their perception of the
de um pensamento em guarani. Essa au- events in progress by a Guarani way of
tonomia indígena, em um momento de thinking. This indigenous autonomy, in
contestação política, estava embasada a moment of political contestation, was
nas teorias que pautaram a sua instru- based upon the theories which they
ção e que paradoxalmente serviram pa- were taught and which paradoxically
ra justificar ações em defesa dos seus served to justify their actions on defend-
interesses, devidamente amparados nos ing their interests, properly supported
valores da monarquia católica. on the catholic monarchy values.
Palavras-chave: escrita indígena; Redu- Keywords: Indigenous writing; Guarani
ções Guaranis; pensamento político. Reductions; political thought.
2
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
3
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
4
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
que tiene 89. Bernabé Payare que tiene 53. Mariano Payca 44. Feray 106. Yarui
82 y otros que handan a sombra detexado”.10
É evidente na mensagem a importância dos caciques, explicitada diante
da informação do número de vassalos que cada um comandava. Nesse contex-
to de crise novas lideranças estavam se destacando e angariando prestígio, além
daquelas autorizadas pelos jesuítas. Como se pode observar nos informes de
alguns missionários, surgem nomes e sobrenomes dos principais Guarani re-
belados. Frente a esse protesto generalizado o proprio Balda recomendava,
nessa carta, que “a los tres primeros después de bien sobados los destierre,
adonde nunca se vean y a los otros que se buelvan después de bien sobados, y
tambien si fuere entre ellos uno llamado Felipe Zubai, que es gran revolvedor
que sea desterrado por algun tiempo”.
A sugestão de medidas dessa natureza é uma prova do quanto os índios
que ocupavam os cargos nos cabildos missioneiros – modalidade de conselho
municipal – estavam agindo por motivação própria, como agentes políticos
autônomos e, sobretudo, em oposição frontal às orientações dos jesuítas.
Manifestações dessa natureza indicam não ter havido passividade guarani e
que tampouco eles foram manipulados pelos jesuítas: as atitudes estiveram
motivadas por lógicas próprias, resultado da interação de autoridades nativas
com a sociedade colonial (Wilde, 2009). Graças à carta de Lorenzo Balda sa-
bemos que Felipe Zubay, secretário de São Miguel, com Sepé Tiarayú e o al-
caide maior dessa redução, manteve contato com a primeira partida
demarcadora, em fevereiro de 1753. Nesses encontros, os secretários foram
figuras-chaves por suas habilidades letradas e, provavelmente, por apresenta-
rem algum conhecimento do idioma espanhol. Igualmente, sempre estiveram
presentes em situações solenes, em momentos de tomada de decisão para os
rumos da vida em redução. Afinal, eles eram os sujeitos responsáveis pela
memória escrita e, portanto, indivíduos capazes de atuar de maneira próxima
à lógica ocidental. Outros secretários também participaram em momentos de
contato com os demarcadores, demonstrando as relações existentes entre es-
crita e poder nos cabildos missioneiros.
Entre os líderes indígenas que se destacaram nesse período, foram os ca-
ciques os principais responsáveis pela oposição à ordem de mudança, e diver-
sos episódios ocorreram nas reduções orientais diante da cizânia entre eles e
os corregedores, que se posicionaram, inicialmente, de maneira favorável à
mudança, em desacordo frontal com a decisão dos caciques e demais integran-
tes dos cabildos. O padre Luis Charlet, responsável pela redução de São
Lourenço, em carta a Altamirano datada de 27 de março de 1753, expressava
5
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
com clareza essa nova realidade: “Los caciques sin que lo sepamos, si(n) hacer
caso de nosotros, envían su gente, se avisan con sus papeles de día, y de noche,
y dicen que si los españoles vienen a ayudar los portugueses que irán, que
harán...”.11
Por sua vez, a tentativa empreendida pelos jesuítas no sentido de cooptar
os corregedores – conhecidos por serem homens de confiança dos missioná-
rios e desempenharem o papel de mediadores entre a massa indígena e os re-
ligiosos – resultou em reações violentas por parte dos caciques. Alguns
corregedores correram risco de morte ou foram afastados das suas funções
porque procuravam convencer os demais da necessidade da transmigração.12
E o padre Luis Charlet, ao tentar novamente convencer um cacique a respeito
da ordem de mudança, por exemplo, recebeu esta resposta: “dexate desto pa-
dre, y no nos moleste mas sobre ello”.13
Autonomia e autogoverno
6
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
evidencia essa tensão: “Dieronme palabra que no se haria daño pero que se les
quitase el Corregidor y que nadie les tocase mas punto de mudanza; y volvien-
dose a mi me dixeron que les mandasse cuanto yo quisiese, que me odebeze-
rian, pero que jamás le tocase dicho punto”.15
Sabemos que a desconfiança dos Guarani em relação aos missionários
agravou-se diante da insistência de alguns destes em defenderem a necessidade
da transmigração, despertando a suspeita quanto ao interesse dos jesuítas na
execução do tratado. Nesse contexto de enfrentamentos novas lideranças ha-
viam angariado evidência, sendo reconhecidos pelos demais indígenas, mas
desconsiderados como tal pelos jesuítas. Para coibir a ação dos insubmissos e
evitar uma propagação do alvoroto, os jesuítas procederam ao desterro de al-
guns indígenas. Contudo, a adoção de tais medidas não apresentou resultados
positivos, e a insubordinação alastrou-se a outras reduções, inclusive àquelas
que não estavam envolvidas diretamente na permuta. A tentativa dos jesuítas
de solucionar a negativa indígena com os métodos já conhecidos, como eram
os desterros, esbarrou na posição decidida dos índios principais, que se nega-
vam a aceitar qualquer tipo de argumento, mesmo quando mediados por suas
lideranças.
Quem ganhou destaque na condução da milícia indígena foi José Ventura
Tiarayu. Ele era conhecido pela alcunha de Sepé Tiarayu. Dispomos de algu-
mas informações a respeito da sua trajetória, principalmente a partir da sua
captura e posterior fuga do fortim português, nas imediações do rio Pardo.
Sabemos que era natural de São Luiz Gonzaga, mas os registros que mencio-
nam sua ação correspondem ao período em que já ocupava o cargo de alferez
(tenente) na redução de São Miguel. E a documentação indica que ele era al-
fabetizado e sabia expressar-se minimamente em língua castelhana. Segundo
a informação de Thadeo Henis, Sepé “sabia pronunciar algunas voces de la
lengua española”. Exatamente por sua trajetória, ele angariou autoridade e
prestígio e foi alçado à condição de liderança. Há muitas obras dedicadas a
Sepé Tiarayu, mas poucas pesquisas com bom embasamento histórico.
As referências a ele nas fontes se estendem de 1753 a 1756, ano de sua
morte. Durante aproximadamente 3 anos Sepé é mencionado com frequência
na documentação. Em certa ocasião, ele tentou acalmar os Guarani mais exal-
tados, solicitando que permitissem a saída dos padres que mantinham inco-
municáveis na estância onde estavam aquartelados. Porém, mesmo no intuito
de auxiliar os jesuítas, Sepé cobra uma atitude dos jesuítas, dizendo que os
padres “son los que tienen y enseñan las buenas costumbres: Mirad que no los
7
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
perdaís dejandolos irse de con vosotros, ni vosotros los deseéis esto mismo
repetio otras tres veces San Miguel al Cacique Don Alonso Tapayu”.16
Nessa carta, Sepé ainda recordava a aparição de São Miguel, padroeiro da
guerra, e cobrava uma atitude coerente dos padres com os ensinamentos que
haviam pregado e ensinado aos Guarani. As seguidas tentativas dos jesuítas,
no sentido de facilitar aos demarcadores a execução de seus trabalhos, contri-
buíram para consumar o rompimento da aliança com os índios das reduções
que, a partir desse momento, destinaram à escrita uma finalidade política, ou
seja, de instrumento primordial de suas práticas de autogoverno, expressando
um pensamento político em guarani.
8
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
evokoi yvy), que “nuestros hijos deben enseñar su fuerza” (ñande ra’y reta
ombojekuaa katu ombaraete katu háva) para que os portugueses tenham medo
e não cheguem logo (ndoui(che) portuges voíne okyh(y)je ko’yténe). Repetem
com insistência as orientações contidas nas cartas: que devem estar preparados
em suas reduções (toñemombaraete katu táva rehe) pois assim nada de mal
acontecerá (ndoguatáiche teko marã amo).
Nesse texto, os Guarani mencionam ainda que o bom padre Tadeo Henis
(Pa’i Tadeo marangatu) os havia aconselhado a se comportarem com humil-
dade e generosidade ante o “padre cura” que lhes visitava (toñemomirĩ Pa’i
avare upe), de maneira que “Dios Nuestro Señor” (tupã ñande jára) tenha
piedade (peporiahuverekone) e os ajude contra todos os inimigos (pepytyvõne
p(o)romoatãre’ỹmba heguíne). Como parte de seus argumentos, recordam ain-
da um incidente que ocorreu em Montevidéu entre os “infiéis” (ikarai e’ỹ) e
os espanhóis e os portugueses conduzidos por seu chefe, o Marquês (Portuges
rehe Hae carai rubicha Marques Eha rehe): ocasião em que mataram e rouba-
ram seus animais.
Para finalizar, afirmam que esse fato era a prova de que “Dios nuestro
Señor tiene piedad de nosotros” (ñande poriahu vereko). Que convida a ter
lástima (poriahu toguereko) e a não empobrecer/enfraquecer (tomomboriahu
eme) aos “infieles” quando os escute/ouça. Essa atitude parece ser recomenda-
da pelo bom padre cura (provavelmente é o padre Tadeo Henis).
Estas três condutas – humilde com o padre comissário, forte com os por-
tugueses a compassiva com os infiéis –, ao que tudo indica, foram sugeridas pelo
governador, o superior e o provincial dos jesuítas (que escreveu e lhes escreve
cartas), e pelo padre Tadeo Henis, que está presente e conversa com eles.
Como podemos interpretar essa carta atualmente? Por acaso essa corres-
pondência seria apenas uma estratégia, um ardil dos indígenas diante da pres-
são das autoridades religiosas e das políticas coloniais? Pouco provável. Na
data em que ela foi escrita duvidamos muito que as autoridades da Companhia
de Jesus e o próprio governador de Buenos Aires tenham emitido conselhos
com esse teor aos indígenas. É mais provável que estivessem empenhados em
convencê-los da ordem de mudança e a obedecerem às decisões dos monarcas.
Ou seja: entregar as terras e as reduções orientais aos portugueses. Mas a carta
também expressa o esforço e empenho do tenente corregedor para justificar
sua própria posição frente às decisões adotadas. Em boa medida buscava um
equilíbrio, mesmo que frágil: afinal, como conservar o apoio dos padres e dos
índios não reduzidos, e ainda se impor ao inimigo histórico, o português.
9
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
10
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
11
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
12
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
Podemos supor que a palavra que Nicolas Ñeenguiru não pode pronun-
ciar frente à sua gente deve ter sido jakaho, que quer dizer literalmente “des-
poblar una tierra, mudarse”. Pensamos ter sido esse o termo utilizado pelos
jesuítas para expressar a ordem expedida pelo rei. Igualmente sabemos que os
cabildantes de quatro reduções foram os mais decididos, manifestando de ma-
neira contundente sua opinião contrária à ordem de transmigração: “mudarse
(jakaho) no es muy difícil y la guerra también”, “este aviso tan difícil y desa-
gradable de mudarnos (jakaho) que nos saca de juicio” (São Luis, s. 5 y 25),
“no tenemos donde mudarnos (jakaho)” (São Lorenço, s. 65), “no nos quere-
mos mudar (jakaho)” (São João, s. 41), “ni un tantito hemos cuidado de mu-
darnos (jakaho)” (São Miguel, s. 42). Porém, na carta escrita pelos cabildantes
de São Miguel utilizaram-se outros verbos para dizer que não deixariam as suas
terras: syry (deslizar-se de algo, correr de, fugir), po’i (soltar) heja (dejar) (São
Miguel, s. 20 e 100). Por sua vez, a carta de São Nicolau e de Concepção (escrita
por Nicolas Ñeenguiru) menciona apenas que o rei e o padre comissário que-
rem mo-sẽ “hacer salir”. E na carta de São João os seus cabildantes indagavam:
“tambien nos quieren echar (oguerova) y apartar (ore pe’a) de esta nuestra
tierra?” (São João, s. 38).
Como se pode perceber, há uma sutil guerra de palavras. Pois os jesuítas
e o rei ordenaram aos índios “mudarse”, mas eles entendem que as ordens são
para “hacer salir, sacar, echar, dejar” as suas terras e assim “soltar, dejar, huir
de”. E a indagação frequente, ao longo dessas cartas, é: “nuestro Rey Santo
después que hemos cumplido muy bien sus mandatos, nos quiere sacar de
nuestra Tierra (oremosẽ), nos quiere perder (oremokañy) y nos quiere acabar
(momba)?” (São Luis, 1753, s. 26).
A carta de São Nicolau, cuja suposta tradução ao espanhol não correspon-
de ao texto original em guarani, permaneceu até há pouco tempo desconheci-
da. Redigida em uma das reduções que sempre manifestaram forte oposição à
transmigração, essa carta contém intensas expressões figurativas. Vamos a um
exemplo: “E agora, como nos querem fazer sair (oremosẽ) de valde desta terra
que é nossa carne mesma (ko yvy ore ro’o tee)?” (São Nicolau, s. 39). De fato,
eles ainda encontram uma resposta à sua pergunta retórica: o padre comissário
somente quer privá-los de seu modo de ser “urbano”, mandando irem para os
matos, fato que empobrece a sua existência, “ainda que sejamos nós, também,
cristãos”.25
O ambiente de tensão gerado pela demarcação de limites foi propício para
os índios gestarem ou registrarem expressões que refletem o seu pensamento
político. Em duas cartas utilizam um verbo muito expressivo para qualificar a
13
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
brutal mudança de atitude dos padres para com eles: mbote, composto do
prefixo factitivo mbo- (fazer) e da raiz -te, cujos equivalentes em espanhol
propostos pelos jesuítas seriam “error, desigualdade, diferencia, otro, desfigu-
rado”.26 Com isso mbote é fazer com que alguém seja desfigurado. O respon-
sável por essa modificação é “el padre que se llama comisario”, “es el que
transforma (ombote) su comportamiento (de los jesuitas)” (São Nicolau, s. 55).
“El sí ha hecho que nuestros padres sean otros de los que eran (ombote).” Não
eram antes como são agora (Nicolas Ñeenguiru, s. 72).
Não é somente o teko (modo de ser) dos jesuítas que experimenta mudan-
ças drásticas, a palavra do rei também, pois ele se havia comprometido a tratar
bem os seus antepassados e a eles mesmos. Expressam assim em sua língua:
“Como somente agora de repente querem mudar (ombote) sua palavra?”
(Nicolas Ñeenguiru, s. 45). As cartas no seu conjunto revelam essa incompre-
ensão profunda. Como pode mudar a vontade do rei? Se a vontade do rei não
pode discrepar (joavy) da de Deus (Santo Angelo, s. 11), se a vontade do rei
está mesclada (jehe’a) com a vontade de Deus (São João, s. 22), e se a justiça de
Deus (tekojoja rerekua) é inalterável? (São Luis, s. 17 e São João, s. 43).
Afinal, como o rei pode mudar de decisão e com isso empobrecer-nos
(momboriahu) e ainda “fazer que desapareçamos” (mokañy)? Recordam que
os monarcas que antecederam a Fernando VI sempre haviam demonstrado
por eles amor (ayhu), compaixão (poriahu vereko) e proteção (ñangareko),
tendo tratado com atenção (porerekua), salvado (pyhyrõ) e ajudado (pytyvõ),
manifestando gratidão pelos serviços prestados (angapyhy). Ademais, também
foram fiéis e leais vassalos (voja) cristãos (karai), e sempre executaram (mbo-
aje) e reverenciaram (mbojerovia) suas ordens. Nunca erraram (javy), inco-
modaram (ñemoangata) ou demonstram soberba (ñemboete) contra os
espanhóis das cidades vizinhas, mesmo na época em que ainda viviam como
infiéis. Enfim, são bons cristãos. Por esse motivo, não é correto entrar em
guerra: “no es bien (ndikatúi) que nosotros todos christianos y pertenecientes
â Dios peleemos unos contra otros” (São Luis, s. 6). As autoridades indígenas
nas reduções ao que tudo indica conheciam os argumentos enunciados para
sustentar a “guerra justa” contra os infiéis (especialmente as profanações e
ataques aos estabelecimentos espanhóis).
Para tentar reverter a posição do governador Andonaegui e fundamentar
a legitimidade de sua resistência, os indígenas mobilizam argumentos teológi-
co-políticos de cuja construção e circulação, nos dois lados do Atlântico, os
jesuítas participavam (Eisenberg, 2000). Em sua maioria, as cartas demonstram
elevado grau de apropriação dos argumentos típicos da neoescolástica, como
14
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
15
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
que manera aora tu S.r Gov.or estas como que estas engañado (ñembotavy)?”
(São Miguel, s. 54).
Não aceitavam a ordem real de transmigração, fundamentando sua oposição
em uma linguagem política que recuperava o direito natural e a interpretação con-
tratual do pacto monárquico, expressos pelos valores da arte verbal guarani.
A título de conclusão
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2010.
16
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
17
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas
indigenistas no extremo sul da América Portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2009.
GARRETT, David T. Sombras del Império: la nobleza indígena del Cuzco, 1750-1825.
Lima: IEP, 2009.
GUILHAUMOU, Jacques. De l’histoire des concepts à l’histoire linguistique des usages
conceptuels. Genèses, v.38, n.1, p.105-118, 2000.
HERZOG, Tamar. Frontiers of Possession: Spain and Portugal in Europe and the
Americas. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2015.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos histó-
ricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis. Tomo VII: do Tratado de Madri à conquista
dos Sete Povos (1750-1802). Introd., notas e sumário: Jaime Cortesão. Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, 1969.
MATEOS, Francisco. La guerra guaranítica y las misiones del Paraguay: Primera
Campaña (1753-1754). Missionalia Hispânica, Madrid, v.8, n.23, p.241-316, 1951.
MELIÀ, Bartomeu. Escritos guaraníes como fuentes documentales de la historia
Paraguaya. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.1, p.5-18, 2005.
_______. El Guaraní conquistado y reducido: ensayos de etnohistoria. 4.ed. Asunción:
Cepag, 1997.
_______. La lengua guaraní en el Paraguay colonial: que contiene la creación de un
lenguaje cristiano en las Reducciones de los Guaraníes en el Paraguay. Asunción:
Cepag, 2003.
MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do
indigenismo. Tese (Livre Docência em Antropologia) – Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Campinas, 2001.
MONTOYA, Antonio Ruiz de. Tesoro de la lengua guaraní (Madrid, Iuan Sanchez,
1639). Reeditada e transliterada por Bartomeu Melià s.j. y Friedl Gründberg.
Asunción: Cepag, 2011.
NEUMANN, Eduardo. Escribiendo en la frontera del Paraguay: prácticas de la escri-
tura guaraní durante la demarcación de límites (siglo XVIII). Cultura Escrita &
Sociedad, Gijón: Ed. Trea, n.7, p.159-190, 2008.
_______. A lança e as cartas: escrita indígena e conflito nas reduções do Paraguai –
Século XVIII. História Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.2, p.160-172, 2007.
_______. Letra de índios: cultura escrita, comunicação e memória indígena nas
Reduções do Paraguai. São Bernardo do Campo: Nhanduti, 2015.
_______. Práticas letradas Guarani: produção e uso da escrita indígena (séculos XVII
e XVIII). Tese (Doutorado) – IFCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Rio de Janeiro, 2005.
NEUMANN, Eduardo; WILDE, G. Escritura, poder y memoria en las reducciones
jesuíticas del Paraguay: trayectorias de líderes indígenas en tiempos de transición.
18
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
Colonial Latin American Historical Review, Albuquerque, N.M., v.2, n.3, p.353-380,
2014.
OWENSBY, Brian. Pacto entre rey lejano y súbditos indígenas. Justicia, legalidad y
policía en Nueva España, siglo XVII. Historia mexicana, México, v.61, n.1, p.59-106,
2011. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=60022589002; Acesso
em: 25 abr. 2017.
PALTI, Elías Jose. The “Theoretical Revolution” in Intellectual History: From the
History of Political Ideas to the History of Political Languages. History and Theory,
v.53, n.3, p.387-405, 2014.
POCOCK, John Greville Agard. Pensamiento político e historia: ensayos sobre teoría y
método. Madrid: Akal, 2011.
QUARLERI, Lía. Rebelión y guerra en las fronteras del Plata: guaraníes, jesuitas e im-
perios coloniales. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009.
ROSANVALLON, Pierre. Pour une histoire conceptuelle du politique (Note de
Travail). Revue de synthèse, v.107, n.1-2, p.93-105, 1986.
SANTOS, Maria Cristina dos; FELIPPE, Guilherme Galhegos. Protagonismo como
substantivo na História indígena. In: _______.; _______. (Org.) Protagonismo ame-
ríndio de ontem e hoje. Jundiaí: Paco, 2016. p.13-52.
SEBASTIÁN, Javier Fernández (Ed.) Diccionario político y social del mundo iberoame-
ricano. Madrid: Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales; Centro de
Estudios Políticos y Constitucionales; Fundación Carolina, 2009.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
THUN, Harald; CERNO, Leonardo; OBERMEIER, Franz. El Proyecto Kuatia
Ymaguare (PEKY) – ‘Libros del pasado’. Estudios Históricos, v.VII, n.14, s.n.p.,
2015a.
THUN, Harald; CERNO, Leonardo; OBERMEIER, Franz (Ed.) Guarinihape tecocue
– lo que pasó en la guerra (1704-1705): Memoria anónima en guaraní... (Edición
crítica). Kiel: Westensee Verlag, 2015b. (Fontes Americanae).
WILDE, Guillermo. Antropología histórica del liderazgo Guaraní misionero
(1750/1850). Tese (Doutorado) – Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de
Buenos Aires. Buenos Aires, 2003.
_______. Religion y poder en las misiones de guaraníes. Buenos Aires: SB, 2009.
NOTAS
1
Para uma discussão que destaca o lugar dos índios na História, ver MONTEIRO, 2001;
ALMEIDA, 2010; para uma reflexão teórica atualizada a respeito do uso do conceito de
“protagonismo” ameríndio, ver SANTOS; FELIPPE, 2016, p.13-52. Para um balanço da
historiografia sobre as línguas indígenas e a questão do letramento indígena, ver
DURSTON, 2015.
19
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
2
GANSON, 2003; WILDE, 2003 e 2009; NEUMANN, 2005, 2008 e 2015; QUARLERI,
2009; COUCHONNAL; WILDE, 2014. Quanto à tradução e edição dos textos em guarani,
MELIÀ, 2003 e 2005; CERNO; OBERMEIER, 2013; THUN; CERNO; OBERMEIER, 2015a
e 2015b; BOIDIN, 2014 e 2016a; ADOUE; ORANTIN; BOIDIN, 2014.
3
No momento, desenvolvemos uma história de discursos e pensamentos políticos em lín-
guas ameríndias, sob a égide do grupo denominado Iberconceitos. Ver, especialmente:
SEBASTIÁN, 2009. Esse grupo procura integrar aportes de distintas escolas, com ênfase
nas propostas de Reinhart Koselleck. Para uma história das ideias políticas de linhagem
francesa, ver: ROSANVALLON, 1986; GUILHAUMOU, 2000; para a chamada Escola de
Cambridge, que analisa ideias e linguagens políticas em seus contextos históricos, ver:
SKINNER, 1996; POCOCK, 2011; e para uma história dos conceitos de vertente alemã:
KOSELLECK, 2006. Uma aproximação a essa discussão em: PALTI, 2014, p.387-405.
4
A respeito dos antecedentes e circunstâncias desse tratado, ver: CORTESÃO, 2001. Para
uma leitura atualizada dessas negociações travadas nas fronteiras americanas, que envolve-
ram uma série de reivindicações pela ocupação desses territórios, ver: HERZOG, 2015.
5
Durante o período de demarcação de limites na América meridional as reações indígenas
foram diversas, e nem todos manifestaram oposição às novas medidas. Sabemos que uma
parcela da população foi transmigrada para outras reduções, localizadas na margem oci-
dental do rio Uruguai, e que outras famílias aceitaram acompanhar o general português
Gomes Freire de Andrade, passando a ocupar terras da América lusitana, convertendo-se
em súditos do Monarca português (GARCIA, 2009).
6
As fontes manuscritas sobre o conflito nas reduções apresentam grande variedade, seja na
forma de correspondência administrativa, de cartas escritas por jesuítas ou informes varia-
dos entre as autoridades. Os documentos localizados na península Ibérica são procedentes,
em sua maioria, de arquivos espanhóis, e os sul-americanos estão depositados em institui-
ções argentinas. No Arquivo Histórico Nacional (AHN/Madri), e no Arquivo General de
Simancas (AGS/Valladolid), estão depositados alguns manuscritos redigidos pelos guara-
nis, ou cópias de documentos indígenas traduzidos ao espanhol. A documentação indíge-
na localizada na América corresponde principalmente aos manuscritos guardados no
Arquivo General de la Nación (AGN/Buenos Aires), além de outros documentos deposita-
dos no Museu Mitre (MM/Buenos Aires).
7
Para uma aproximação à questão da escrita em línguas indígenas e à problemática das
traduções, ver o Projeto Línguas Gerais da América do Sul (Langas), coordenado por
Capucine Boidin e Cesar Itier. Disponível em: www.langas.cnrs.fr. Ver também: BOIDIN;
CHAMORRO; MÉRET, 2014.
8
Refiro-me aos incidentes registrados em Santa Tecla, na estância de São Miguel, em fevereiro
de 1753 (AGS: Secretaria de Estado, Legajo 7378, Doc. 89: Copia de la declaración de lo acaeci-
do con los Indios Tapes en la oposición que hicieron en no permitir el paso a la primera Partida
para la Demarcación de la Línea divisoria de esta America Meridional y las diligencias que se
practicaran para conseguir el fin de que se Combiniesen con las órdenes del Rey).
20
A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753)
9
Para uma breve descrição da trajetória de alguns indígenas nas reduções durante a de-
marcação de limites e no período posterior à expulsão dos jesuítas, ver: NEUMANN, 2007
e 2015, NEUMANN; WILDE, 2014.
10
AGS: Secretaria de Estado. Legajo 7378. Doc. 38 (Copia): Carta de Lorenzo Balda al pa-
dre comisario Luis Altamirano. San Miguel y enero 18 de 1753.
AHN: Clero-Jesuitas. Legajo, Caja 1, Doc. 7. Breve resumen del Tratado entre España y
11
21
Eduardo Santos Neumann e Capucine Boidin
projeto Langas analisou 178 cópias desses documentos. Em torno de 60% destes foram
localizados sem tradução ao espanhol. A equipe do projeto Langas se dedica a editar esses
documentos. Para a guerra guaranítica foram localizados 69 documentos, sendo 11 em
idioma guarani. Conforme o trabalho de arquivo avance, esse corpus poderá ser
ampliado.
23
Em meados do século XVIII a elite indígena nos Andes também utilizou a escrita para
questionar as medidas modernizantes, pois avaliavam como mais adequado apresentar
suas insatisfações e desafiar a autoridade real nos tribunais. Ver: GARRETT, 2009. Para
Nueva España, ver: OWENSBY, 2011.
24
“ndaha’evéi oréve jepe peteĩ ñe’ẽ hesegua chupe imosẽ haguãma”. Literalmente: “Ya no
existe para nosotros ni una sola palabra a propósito de esto para hacerles salir” (Carta de
Nicolas Ñeenguiru, s. 30). Doravante nos referiremos apenas às versões em guarani trans-
literadas para a grafia moderna e às versões em espanhol paleografadas que constam na
base de dados online (www.langas.cnrs.fr), indicando o número da seção na qual se encon-
tra a frase ou a palavra citada.
25
“E quer tirar-nos (mo-sẽ) nosso modo de ser. Ao mato, desde nosso Povo. Ao campo,
longe quer mandar-nos. Não, isto, em verdade não o quer Deus. E nós também somos
cristãos. Só querem empobrecernos (momboriahu). Só querem nos perder parece
(mokañy) Que classe de Cura é este?” (Carta de São Nicolau, s. 39).
26
MONTOYA (1639), 2011, p.540.
27
A citação original da primeira carta é “Ma Ombotavy tepipo Rey Fernando Sexto maran-
gatu Tupã Ñande Jára upe orekuave’ẽ haguéra, yvy ore rekoha jepe, kuave’ẽ haguéra”, e foi
traduzida de maneira elegante por “Pues qe el avernos nros dado â D.s y aver ofrecido la
tierra donde estamos hade servir paraqe el S.to Rey Fern.do sexto sea malo? por ventura?
Traduzem como ‘ombotavy Tupã upe’ (engañar a Dios) por ‘ser malo’” (São Miguel, s. 76).
A segunda “Portugues niko itavy jeahose retei va’e, aipo rehe ndoroñembotavý jesapy’atei,
japura vai kuaapa rete nanga eguĩ Portugues”, que é, literalmente “Los Portugueses, por
cierto, que son errados en exceso, y por esto nosotros (exclusivo) no nos dejamos engañar
en un instante, ellos saben mentir mucho, esos Portugueses”, mas esta foi traduzida por
“Ciertamente esta es cosa de los Portugueses, que son muy malos, y saben mentir mucho”
(São João, 1752, s. 5).
22