Você está na página 1de 41

Este material foi adaptado pelo setor de

acessibilidade da Secretaria de Educação a


Distância, em conformidade com a Lei 9.610 de
19/02/1998, Capítulo IV, Artigo 46. Permitindo
o uso apenas para fins educacionais de pessoas
com deficiência visual. Não podendo ser
reproduzido, modificado e utilizado em fins
comerciais.
Adaptado por Beatriz Andrade
Imagens descritas por Beatriz
Revisado por Beth Garcia
Natal, setembro de 2018
SETOR DE ACESSIBILIDADE
Secretaria de Educação a Distância | UFRN
Campus Universitário - Praça Cívica - Natal/RN
Fone: 84 3342.2250 Ramal 130
Cel: 84 9 9229-6435
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM
SAÚDE DA FAMÍLIA
Módulo:
Feridas e Curativos na Atenção Primária à
Saúde
UNIDADE 1
Avaliação de lesões em usuários da Atenção
Básica
Luciane Paula Batista Araújo de Oliveira
PEPSUS- PROGRAMA DE EDUCAÇÃO
PERMANENTE EM SAÚDE DA FAMÍLIA
Página 2
Avaliação de lesões em usuários da Atenção
Básica
Prezados cursistas, nesta unidade, trataremos
sobre o processo de avaliação de lesões em
usuários da atenção básica. Para tanto,
conheceremos sobre o processo de cicatrização
tecidual e sobre a avaliação de pele e mucosa.
Você já passou pela experiência de cicatrização
alguma vez? Percebeu o tempo e as diferentes
fases que esse processo percorre?
Vamos conhecer melhor sobre esse assunto?
Página 3

Aula 1 – Entendendo o processo de


cicatrização tecidual

O ponto de partida para entender como cuidar


de feridas e curativos na Atenção Primária à
Saúde deve ser conhecer sobre o processo de
cicatrização tecidual, não é mesmo?
Então, vamos conhecer um pouco sobre a
cicatrização?
Cicatrização consiste na cura de uma ferida por
reparação ou regeneração dos tecidos afetados
evoluindo em fases distintas. Por isso,
podemos afirmar que se trata de um processo
sistêmico, complexo, dinâmico e interativo que
ocorre em três fases (BLANCK; BARROZO,
2009; CAMPOS et al., 2007), a saber:
Fase inflamatória, exsudativa, reativa ou
defensiva;
Fase proliferativa, reconstrutiva ou
fibroblástica;
Fase reparadora, de maturação ou
remodelação tecidual.

Para um melhor entendimento, falaremos um


pouco sobre cada uma delas.
Fase inflamatória ou exsudativa

Esta fase se inicia a partir do momento de


formação da lesão e dura cerca de três a seis
dias (GUIMARÃES et al., 2016); nesta, o
organismo lança meios para tentar limitar o
dano tecidual, por meio de hemostasia e
inflamação. Um trauma tecidual implica em
dano de vasos sanguíneos, com consequente
exposição do colágeno e agregação plaquetária
(SANTOS, J. et al., 2011).
A hemostasia requer a formação de um
tampão de plaquetas e fibrina no local da lesão
vascular, bem como a permanência de
substâncias procoagulantes ativadas nesse
processo no local da lesão. O entendimento
que se tem atualmente sobre o processo
hemostático considera a inter-relação dos
processos físicos, celulares e bioquímicos que
atuam em uma série de estágios ou fases, e
não em duas vias (intrínseca e extrínseca)
como antes, conforme mostra o quadro a
seguir (FERREIRA et al., 2010).
Página 4
Fases da coagulação
Iniciação
Endotélio vascular e células sanguíneas
circulantes são perturbados; e há interação
da FVIIa, derivada do plasma, com o FT.
Amplificação
Trombina ativa plaquetas, cofatores V e VIII,
bem como fator XI na superfície das
plaquetas.
Propagação
Produção de grande quantidade de trombina,
formação de um tampão estável no sítio da
lesão e interrupção da perda sanguínea.
Finalização
Processo de coagulação é limitado para evitar
oclusão trombolítica ao redor das áreas
íntegras dos vasos.

Quadro 1 – Resumo da atual teoria da


coagulação baseada em superfícies celulares
Fonte: Ferreira et al. (2010).
No tecido traumatizado, ocorre então uma
vasoconstrição inicial seguido de vasodilatação
e aumento da permeabilidade vascular. Desse
modo, a região lesionada caracteriza-se pelos
sinais flogísticos de dor, calor, rubor e edema.
O infográfico a seguir resume, de forma
esquemática, a fase inflamatória da
cicatrização tecidual.
Descrição:
Dentro de um grande quadrado branco, na
parte superior está uma figura oval, dentro há
uma linha sinuosa na cor vermelha, em uma
parte há sobre ela um pequeno círculo
achatado amarelo, uma seta azul está
apontada acompanhada do nome Lesão na cor
azul. Essa forma oval possui uma seta
apontando para baixo, um retângulo azul
pequeno e nele está escrito com letras
brancas: Agregação plaquetária, esse
retângulo aponta para outro, a direita, também
de cor azul e mesmo tamanho nele está escrito
Hemostasia. Abaixo dos dois retângulos e
sem ligação com as figuras anteriores está um
novo retângulo escrito Plaquetas, ele aponta
para um grande retângulo azul com as
seguintes informações: Grânulos com fator de
crescimento de fibroblastos, prostaglandinas
etc; Vasodilatação e aumento da
permeabilidade vascular; Quimiotaxia atrai
neutrófilos para a lesão. Esse retângulo aponta
para um novo logo abaixo, nele está escrito:
Neutrófilos (24h) produção de radicais livres -
> destruição bacteriana Macrófagos (48-96h) -
> fagocitose; secreção de citocinas e fatores
de crescimento -> angiogênese e síntese de
matriz extracelular.
[Fim da Descrição]
Página 5
Fase proliferativa, reconstrutiva ou
fibroblástica

Esta fase se inicia ao final dos processos


inflamatórios e dura aproximadamente três
semanas. Nesta etapa, ocorre a angiogênese,
que nada mais é do que a formação de vasos
estimulada pelo fator de necrose tumoral alfa
(TNF-α), com consequente migração de células
endoteliais e formação de capilares.
Também ocorre a migração dos fibroblastos
para o local da lesão na qual se dividem e
produzem componentes da matriz extracelular,
com a finalidade de promover a contração da
ferida, conforme você pode ver melhor na
figura seguinte.
Figura 1 - Migração de fibroblastos na fase
proliferativa da cicatrização tecidual
Descrição:
Um retângulo branco possui três retângulos de
tamanhos diferentes e interligados, a forma
como estão dispostos remetem a uma
pirâmide. O primeiro de cor branca traz o
texto: Migração de Fibroblastos grafados na
cor azul, um linha o acompanha ao segundo
retângulo, esse de cor azul e texto grafado em
cor branca: Fibroblasto -> Colágeno tipo I ->
Miofibroblasto -> contração da ferida, há ainda
um pequeno balão de fala na cor branca
escrito TGF-8, ele está situado sobre a seta
que interliga Fibroblasto -> Colágeno tipo I, o
terceiro e ultimo retângulo é branco, nele está
escrito na cor azul: Fatores do Crescimento ->
proliferação celular -> tecido de granulação.
[Fim da Descrição]
Fase reparadora, de maturação ou
remodelação tecidual.

A fase reparadora geralmente começa após a


terceira semana de surgimento da lesão,
podendo durar de meses a anos. É
caracterizada pela reorganização do colágeno e
pelo surgimento de maior força tensora na
lesão. Nesta fase, fibroblastos e leucócitos
presentes na lesão secretam colagenases
promovendo a organização da matriz,
conforme demonstra a Figura 2 a seguir:

Página 6

Figura 2 - Organização da matriz de colágeno


na fase reparadora do processo de cicatrização
tecidual
Descrição:
Um quadrado branco, na parte superior
esquerda há uma seta azul apontando para
baixo e o seu lado está escrito: Lise da Matriz
antiga de colágeno. Na parte inferior direita da
imagem há outra seta azul, esta aponta para
cima e ao seu lado está escrito:
Síntese/deposição de nova matriz. No meio da
figura, entre as duas setas tem uma linha fina
azul levemente inclinada, com um pequeno
retângulo escrito: Cicatrização.
[Fim da Descrição]
Na Figura 3, é possível ver uma lesão cujo leito
apresenta predominância de tecido de
granulação e que indica que a ferida se
encontra na fase proliferativa da cicatrização.
Também é possível observar uma contração da
lesão de forma centrípeta com redução do seu
leito, evidenciado pela borda de cor clara, sem
pelos.

Figura 3 - Ferida na fase proliferativa da


cicatrização
Fonte: Autoria própria.
Descrição:
A imagem está focada na ferida, ela possui um
formato levemente oval. A borda mais externa
esbranquiçada e a interna é de cor rosada. No
centro há um tecido avermelhado, amarelado e
aquoso.
[Fim da Descrição]
Assim, cursistas, as fases mencionadas fazem
parte do que é esperado em um processo de
cicatrização de qualquer pessoa que tenha sua
pele lesionada. No entanto, existem algumas
condições que podem acelerar ou retardar esse
processo.
Que condições podem afetar um processo de
cicatrização? E como devemos agir diante do
surgimento desses novos fatores?
Conhecer a influência desses fatores é
importante para que sejam tomadas condutas
adequadas acerca das lesões apresentadas
pelos usuários.
Página 7
Vejamos que fatores são esses:
Fatores sistêmicos: estado nutricional;
medicamentos; doenças crônicas (DM, HAS);
tabagismo (nicotina causa vasoconstrição e,
consequentemente, reduz o suprimento de
oxigênio no sangue); idade avançada; uso de
medicamentos.
Fatores locais: dimensão e profundidade da
lesão; grau de contaminação, corpo estranho,
infecção local; presença de exsudato;
ressecamento; trauma e dor; edema; necrose
tecidual; tratamento tópico inadequado.
Assim, percebem o quanto é importante o
conhecimento acerca desses fatores
destacados anteriormente para a definição de
condutas?
Agora, iremos discutir sobre os efeitos dos
medicamentos sobre o processo de cicatrização
tecidual, conforme observamos no quadro a
seguir:
Medicamentos/ Efeitos sobre a cicatrização
tecidual
Corticosteróides - Cortisona, Hidrocortisona e
Prednisona.
• Inibe a proliferação epitelial.
• Prejudica a resposta inflamatória.
• Dificulta o crescimento do tecido de
granulação.
• Reduz a contração da ferida.
• Aumenta o risco de infecção.
AINEs (em altas doses) - Ibuprofeno,
Celecoxib.
• Diminui a força de tensão na ferida.
• Reduz a contração da ferida.
• Atrasa a epitelização.
Antiagregantes plaquetários - Aspirina,
Clopidogrel.
• Diminui a ativação e adesão plaquetária.
• Inibe a fase inflamatória da cicatrização.
• Inibe a proliferação epitelial de queratinócitos
Anticoagulantes - Heparina.
• Inibe as ligações cruzadas do colágeno e
acelera sua degradação.
Vasoconstritores - Nicotina, Cocaina,
Adrenalina e Ergotamina.
• Hipóxia tissular devido à redução da
microcirculação.
Agentes Antineoplásicos - Quimioterápicos.
• Atrasa a migração celular para a ferida.
• Menor produção de colágeno.
• Prejudica a proliferação de fibroblastos.
• Inibe a contração da ferida.
• Aumenta o risco de infecção.

Quadro 2 – Efeitos dos medicamentos sobre o


processo de cicatrização tecidual
Fonte: Traduzido de NPUAP (2016).
Página 8
Por que precisamos prestar muita atenção à
infecção? E que cuidados devemos tomar
diante dela?
A presença de infecção é um importante fator
a ser considerado, pois nossa atuação no
cuidado desses usuários pode prevenir e tratar
tal situação, porém, quando não são toma- dos
os devidos cuidados, a presença de
microrganismos pode comprometer não
somente a completa cicatrização como
prejudicar o estado de saúde do usuário de
forma mais global.
Para tanto, precisamos conhecer melhor a
terminologia relacionada às lesões e infecções
para usá-la de forma correta em nossa prática
profissional. Então, vamos entender o
significado de cada um desses novos termos a
partir do pressuposto de que todas as lesões
são expostas a microrganismos, lesões essas
agudas ou crônicas. Senão, vejamos:
Colonização: significa presença de
microrganismos sobre uma superfície, sem
sinais ou sintomas infecção, de modo que
enquanto o ambiente estiver estável e a
pessoa tiver uma boa imunidade, sua pele
poderá estar colonizada sem estar infectada.
Contaminação: acontece quando os
microrganismos penetram em tecidos e isso
pode acontecer em feridas com solução de
continuidade por meio de contato direto.
Infecção: ocorre quando um tecido é invadido
por bactérias que se proliferam e lesionam o
tecido; do ponto de vista quantitativo, define-
se infecção como a presença de 100.000
microrganismos/grama e, macroscopicamente,
expressasse pela presença de purulência. O
risco de infecção é aumentado pelo número de
microrganismos, pela virulência do
microrganismo (probabilidade de causar
infecção) e pela imunidade do indivíduo
(quanto menor, mais vulnerável ele estará).
Fonte: Irion (2012).

Perceberam o quanto é importante a


diferenciação dos conceitos acima listados?
Você pode estar se perguntando: quem são
esses micro-organismos e como eles agem nas
feridas? Vamos conhecer os mais famosos
agora.
Os micro-organismos mais encontrados em
feridas, segundo revisão realizada por
Pessanha et al. (2015), foram Staphylococcus
aureus, Pseudomonas aeruginosa,
Enterobacter, Klebsiella pneumoniae e
Acinetobacter. Quando a lesão tem contato
com material fecal – como em pessoas com
lesão sacral em uso de fraldas geriátricas –
pode acontecer infecção por bactérias como
Proteus, Klebsiella e Escherichia coli.
Página 9
Ao considerar todas as implicações que uma
infecção pode acarretar, você poderá entender
melhor a importância de que suas intervenções
sejam voltadas a preservar o tecido de
granulação presente no leito da ferida e para
fazer com que esta não esteja infectada.
Sendo assim, que tipo de precaução podemos
tomar para prevenir uma infecção?
A higienização das mãos, é um exemplo prática
de precaução padrão universal que deve ser
adotada sempre antes e depois de manipular
lesões e curativos dos usuários, em qualquer
local em que se realize o cuidado – domicílio,
unidades de saúde, entre outros. Cuidados com
a limpeza da lesão e a escolha de produtos e
coberturas serão abordados mais adiante na
Unidade 4.
Assim, sabendo que tais fatores influenciam na
recuperação do usuário e oclusão de sua lesão,
entendemos que quando algumas das
alterações citadas se fazem presentes, a
cicatrização pode se tornar mais demorada e é
por isso que é preciso conhecer os tipos de
cicatrização. São elas (BLANCK; BARROZO,
2009; SANTOS et al., 2011; TAZIMA et al.,
2008):
Cicatrização primária ou por primeira
intenção
É o tipo de cicatrização ideal que ocorre
quando as bordas são apostas ou aproximadas,
havendo perda mínima de tecido, aus- ência de
infecção e mínimo edema. A formação de
tecido de granulação é visível e a lesão tem
baixo potencial de infecção; costuma deixar
cicatriz mínima e discreta. Um exemplo
simples seriam os casos em que o usuário
passa por uma cirurgia e a incisão é ocluída
por meio de sutura.
Cicatrização secundária ou por segunda
intenção
Denominamos dessa maneira as situações em
que ocorre perda excessiva de tecido e a
aproximação primária das bordas não é
possível, seja associada ou não a infecção.
Esse tipo de cicatrização está mais relacionado
a ferimentos infectados e lesões com perda
acentuada de tecido; requer maior tempo para
contração e estilização; produz cicatriz
protuberante; a cicatrização é mais lenta do
que nas de primeira intenção.
Cicatrização primária tardia, por terceira
intenção ou mista
Designa a aproximação das margens da ferida
(pele e subcutâ- neo) após o tratamento
aberto inicial. Isso ocorre principalmente
quando há presença de infecção na ferida, que
deve ser tratada primeiramente, para então
ser suturada posteriormente, a fim de que
apresentem melhores resultados funcionais e
estéticos. Exemplo disso seria ferida extensa
ou que esteja contaminada ou com deiscência.

Página 10
Dessa forma, é preciso reconhecer o tipo de
cicatrização em que a ferida se encontra a fim de
traçar as condutas necessárias, não é mesmo?
E agora, vamos refletir um pouco?
Para refletir
Imagine que você acaba de começar a atuar na
ESF e identifica que no grupo de idosos da
unidade há usuários como a Sra. Ednelza, da
nossa situação problema, que apresenta lesões
nos membros inferiores.
1. Como você abordaria a questão da influência
dos fatores sistêmi- cos sobre a cicatrização
tecidual, considerando que esse público tem
uma baixa escolaridade?
2. É possível que, se a lesão da Sra Ednelza
estivesse na segunda fase do processo
cicatricial, poderia retornar à fase inflamatória?

Após essa reflexão, para finalizar esta aula e


verificar sua aprendizagem, observe a figura a
seguir em que se encontra um esquema
resumido sobre o processo de cicatrização
tecidual (BRASIL, 2002):
Figura 4 - Processo de cicatrização tecidual
Descrição:
Na imagem um quadrado na cor cinza, dentro
há uma sequencia de retângulos azuis com
informações em letras brancas. Na parte
superior e central da imagem um retângulo nele
está escrito: processo de cicatrização, desse
retângulo uma seta aponta para baixo, o
segundo retângulo contem o texto: Reação
imediata. Em seguida duas linhas se conectam
há mais dois retângulos à esquerda Reação
Vascular e a direita Reação Inflamatória. As
linhas de cada figura se conectam, apontam
para um outro retângulo abaixo e centralizado
Proliferação, dessa figura uma seta aponta para
a direita ao Retângulo Granulação, este se liga
ao Epitelização, que por sua vez se conecta ao
Contração. O Contração aponta uma seta para a
esquerda se interligando ao último retângulo da
figura Maturação e Remodelagem.
[Fim da Descrição]
Página 11

Aula 2: Avaliação de pele e mucosas

Cursistas, aqui iniciamos a nossa Aula 2 da


Unidade 1. Esta aula disporá sobre a avaliação
de pele e mucosas. O profissional de saúde da
APS precisa atuar na avaliação e tratamento
das alterações de integridade e na saúde da
pele e mucosas, preservando e favorecendo
todas as suas funções: estética, protetora,
barreira, termorregulação e sensorial.
Ao identificar qualquer alteração, é importante
tomar condutas adequadas que envolvem o
cuidado direto e/ou encaminhamento para
serviços mais especializados. Antes disso,
vamos revisar alguns aspectos da estrutura e
função da pele?
A pele é constituída por três camadas:
epiderme, derme e hipoderme ou tela
subcutânea. Trata-se do maior órgão
sensorial humano, pois reveste toda a
superfície corporal e possui diversas funções:
termorreguladora; serve como barreira
protetora contra agressões externas e ainda
confere as sensações térmicas, táteis
(pressão, vibração) e dolorosas; é ainda
capaz de excretar água, eletrólitos e ureia, e
tem a função de metabolização por ser o
sítio de ativação da vitamina D, mediante
exposição da pele aos raios UVB
(GUIMARÃES et al., 2016). As glândulas
sebáceas presentes na pele secretam
substâncias que agem como lubrificante e
emulsificante e formam o manto lipídico da
superfície cutânea, conferindo atividades
antibacteriana e antifúngica (JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2004).
A epiderme é a camada mais externa da
pele e se constitui predominantemente por
células dispostas em camadas contendo
ceratinócitos, melanócitos, células de
Langerhans e células de Merckel. Na derme,
encontram-se vários elementos de
sustentação (fibras elásticas, colágeno e
fibras reticulares) que possibilitam a
elasticidade da pele, além de fornecer uma
sustentação para os vasos e nervos que
nutrem o epitélio escamoso.
Essas múltiplas funções do revestimento
cutâneo, somadas à sua extensão, conferem à
pele uma condição de importante interface
com o meio externo (TEBCHERANI, 2014).
Inúmeras alterações – como pressão, traumas
mecânico, químico, físico e isquêmico e
cirurgias podem acometer a integridade da
estrutura da pele, resultando em solução de
continuidade, denominadas como feridas
(DEALEY, 2008).
Página 12
Caros cursistas, de modo geral, as alterações
da pele podem ser classificadas como lesões
primárias e secundárias, em que as
primárias são as que causam mudanças na
estrutura da pele, enquanto as secundárias são
derivadas da evolução de algum
comprometimento já existente. Com o
exposto, percebemos a importância de colher
um histórico detalhado do usuário para
conhecermos seus antecedentes pessoais e
familiares, sua ocupação, procedimentos e
cirurgias anteriores entre outras questões que
podem ajudar o profissional a entender a
queixa atual e relacioná-la ao estado de saúde
global do indivíduo.
E o que é avaliação dermatológica? A avaliação
dermatológica consiste em buscar informações
por meio da anamnese e exame físico, sendo
essencial, nesse último, a aplicação dos
métodos propedêuticos da inspeção e palpação
(compressão, digitopressão e vitropressão)
(GUIMARÃES et al., 2016).
Para realizar o exame físico com qualidade e
segurança, algumas condições básicas devem
ser garantidas: proceder a avaliação em um
local claro, de preferência, com iluminação
natural – se usar luz artificial, lembrar que
determinadas fontes de luz podem alterar a
percepção de cor da lesão; usuário e
profissional devem estar em posição confortável
para ambos, sendo que o usuário deve estar
protegido do frio e correntes de ar e, para
manter sua privacidade, somente a área
examinada deve ficar descoberta; essa área,
por sua vez, deverá ser totalmente exposta
para que possamos visualizar a lesão como um
todo bem como os tecidos adjacentes; pode
também ser utilizada uma lente de aumento
para melhor visualização de detalhes,
especialmente em lesões profundas; por fim, é
importante conhecer os marcos anatômicos de
referência para facilitar a localização e registro
correto das alterações encontradas. A figura a
seguir apresenta as denominações mais
adequadas.

Página 13
Figura 5 - Localização anatômica – visão anterior
do corpo humano.
Fonte: Adaptado de Guimarães (2016).
Descrição:
Quadro branco com um corpo humano. A figura
está em pé, na posição frontal e representada
na cor azul. Os membros superiores estão
estendidos, ao longo do tronco e com as palmas
voltadas para frente, os membros inferiores
unidos, com as pontas dos pés dirigidas para
frente. Ao longo da figura são nomeadas as
regiões do corpo.
[Fim da Descrição]
Página 14

Figura 6 - Localização anatômica – visão


posterior do corpo humano.
Descrição:
Quadro branco com um corpo humano. A figura
está em pé, na posição dorsal representada na
cor azul. Ao longo da figura são nomeadas as
regiões do corpo.
[Fim da Descrição]
Fonte: Adaptado de Guimarães (2016)
Página 15
Depois de proceder com a entrevista e exame
físico geral do usuário, quando identificada
alguma ferida, deve ser realizada uma
avaliação verificando cinco aspectos críticos:
cor, odor, drenagem, extensão e pele
circundante, que em inglês, formam o
acrônimo CODES. A seguir, falaremos um
pouco sobre cada um desses aspectos.
A coloração do leito da ferida é um
importante quesito a ser analisado. Para que
você se lembre sempre dessa informação,
observe o infográfico a seguir, baseado em
Irion (2012):

Amarelo: Pode significar três coisas: exsudato


purulento (pus com textura espessa e odor,
sinalizando infecção); fibrina (produto final da
cascata de coagulação sanguínea que, junto
com as plaquetas, forma trombos. Cria uma
camada endurecida de difícil remoção); crosta
(tecido necrótico parcialmente solubilizado com
cor que varia de acinzentada até castanho-
amarelada).
Vermelho: Essa coloração é observada no
tecido de granulação, local que deve estar
sempre limpo, hidratado e livre de agressões.
Quando esse tecido se torna mais claro
(rosado) há indicativo de má circulação arterial;
quando se torna um vermelho escuro indica
necrose iminente com possível infecção nesse
tecido. Um tecido de granulação saudável é
aquele de cor vermelho vivo e aspecto úmido.
Preto: Representa tecido necrótico ressecado.
Com exceção da gangrena seca (causada por
isquemia intensa e, geralmente, está indicada a
amputação), esse tecido deve ser removido
(desbridado) para permitir que novas células
preencham o local.\

O odor é outra importante característica a ser


avaliada. Embora as feridas saudáveis não
costumem apresentar odor, sua ausência não
exclui a chance de ali existir infecção. Feridas
que abrigam grande quantidade de tecido
necrótico por muito tempo apresentam um
odor pútrido associado a presença de tecido
em decomposição. Um odor de frutas/doce
associa- do ao exsudato esverdeado costuma
aparecer em infecções por Pseudomonas
aeruginosa (IRION, 2012).
A drenagem deve ser descrita em termos de
volume e característica. Uma ferida cujo leito
encontra-se ressecado requer intervenções
para aumentar sua umidade e, assim,
proporcionar a cicatrização tecidual. Dizemos
que uma ferida apresenta secreção máxima ou
copiosa quando, ao removermos as coberturas,
percebemos que as gazes estão
completamente molhadas pelo exsudato.
Determinadas coberturas auxiliam na remoção
do excesso de exsudato e outros permitem que
o meio esteja sempre úmido. Essas
informações você terá na Unidade 4. Algumas
pessoas adotam o termo secreção e outras
exsudato, portanto, iremos esclarecer: por
definição, transudato consiste em um líquido
límpido
Página 16
consistindo em água e pequenas partículas. Já
o exsudato contém elementos maiores, como
células e proteínas (IRION, 2012).
A extensão e a forma de uma ferida também
precisam ser avaliadas e registradas. Em
feridas mais superficiais pode ser feita apenas
a medição de sua área de superfície, como
demonstrado no desenho a seguir.
Agora, vamos conhecer as técnicas para
medição de ferida, de forma regular e de forma
irregular.

Figura 7 - (a) Técnica para medir feridas de


forma regular; (b) Técnica para medir feridas
de forma irregular
Fonte: Oliveira et al. (2005).
Descrição:
Retângulo cinza com duas imagens. Á esquerda
uma figura oval azul com duas linhas que
cruzam a figura e se encontram no ponto
central. À direita uma foto em preto e branco
com quatro mãos, duas a esquerda seguram
uma película transparente sob uma lesão, as
outras mãos estão a direita, uma segura um
lápis e outra a película.
[Fim da Descrição]
Na figura do lado direito (segunda figura), o
profissional mede a lesão posicionando uma
folha de acetato e, nessa, desenha o contorno
da lesão. No desenho resultado, você deverá
traçar uma linha vertical e outra horizontal,
tomando como referência os pontos mais
extensos do comprimento e da largura da
ferida; com esses valores em centímetros
calcula-se a área da ferida (SAAR; LIMA,
2008).
E como podemos avaliar a extensão da lesão?
Em feridas muito irregulares pode haver uma
estimativa exagerada da área verdadeira, por
isso o profissional pode apenas reproduzir esse
desenho no prontuário para registrar e, assim,
acompanhar a evolução do usuário. Já existem
hoje dispositivos transparentes com círculos ou
elipses concêntricos, com números impressos,
indicando o raio ou diâmetro que fornecem
uma noção da área da lesão. Lembramos que
dispositivos plásticos não estéreis podem ser
colocados sobre a ferida para medição, mas
nunca em contato direto com ela pelo risco de
infecção (IRION, 2012).
Página 17
Ainda para ter noção da extensão de uma
lesão, é importante medir sua profundidade
e, entre as técnicas possíveis, está a
avaliação do volume introduzindo solução
salina estéril por meio de uma seringa. Não
se esqueça de anotar o volume inicial
introduzido, pois dele será subtraído o
volume final aspirado da lesão, e a diferença
do valor representará o volume da lesão.
Certifique-se que o usuário esteja
posicionado de modo que a superfície da
ferida fique paralela ao assoalho do leito. Se
existir dificuldades em posicionar o usuário
para medição, o soro fisiológico pode ser
substituído pelo hidrogel, cuja consistência é
mais viscosa e, portanto, não será
derramado na hora da medição. Essa
avaliação pode ser feita tranquilamente no
ambiente domiciliar desde que tomados os
cuidados já mencionados (IRION, 2012).
E a avaliação da pele circunvizinha é
importante? A avaliação da pele
circunvizinha também merece atenção, pois
quando não saudável, retardará a cicatrização
mesmo nos casos em que o leito da ferida está
preenchido por tecido de granulação. Assim,
devemos observar se há presença de
maceração, inflamação, hidratação, nutrição,
calosidade ou hiperqueratose, endurecimento e
sua coloração (IRION, 2012).
Características da pele circunvizinha/
Significado
Coloração
1. Esbranquiçada
Falta de fluxo sanguíneo ou insuficiência arterial.
2. Azulada
Cianose. Falta intensa de oxigênio devido à
insuficiência arterial, cardíaca ou doença
respiratória.
3. Enegrecida
Necrose em decorrência de doença arterial grave.
4. Pele seca e delgada
Atrofia cutânea devido à falta de nutrição da
pele.
5. Eritema, edema e endurecimento anormal da
pele.
Sinais de inflamação, podendo estar
acompanhada ou não de infecção.
6. Hidratação e turgor
Podem estar diminuídos na pele de idosos e deve
ser avaliada pela técnica de palpação em pinça,
observando seu tempo de retorno à posição
inicial.
7. Maceração
Pele de aspecto intumescida e mais clara que
surge devido à exposição prolongada da pele à
umidade.
8. Ressecamento cutâneo excessivo
Também denominado de xerose, o ressecamento
excessivo associado à diabetes e doença arterial
pode resultar na formação de fissuras da pele,
acarretando risco de infecção.
9. Descamação
A escama representa queratinização anormal e
pode aparecer acompanhada por sinais de
inflamação.

Quadro 1 – Alterações a serem avaliadas na


pele circunvizinha.
Fonte: adaptado de Irion (2012).
Já que falamos sobre a pele circunvizinha, não
podemos esquecer que avaliar suas bordas é
igualmente importante. Essas precisam ser
analisadas quanto a sua hidratação, sinais de
lesão e aderência da margem ao leito da
ferida. A falta de aderência pode ser
caracterizada pela formação de túneis ou
trajetos fistulosos, bordas solapadas ou
formação de bolsões.
Página 18
Outro dado semiológico importante de ser
investigado é a presença de dor, a qual pode
ser medida por meio de escalas. Quando a dor
aumenta de intensidade de modo súbito e
acompanhada por odor e secreção, há
indicativo de infecção.

Saiba mais:
http://revista.hupe.uerj.br/
detalhe_artigo.asp?id=426>.

E quais as condutas para as lesões nos


membros inferiores? Quando as lesões
aparecem nos membros inferiores, devemos
realizar algumas avaliações adicionais capazes
de identificar alterações arteriais, venosas ou
linfáticas. Alguns desses exames requerem
instrumentos mais sofisticados enquanto
outros podem ser realizados nos serviços de
atenção primária, os quais serão apresentados
a seguir.
Um exame simples consiste em palpar as
artérias dorsal do pé e tibial posterior para
verificar se o pulso está presente nesses
locais. Se houver disponibilidade de um
estetoscópio Doppler, esse pode ser utilizado
para melhorar a sensibilidade do teste. Outra
possibilidade é a verificação do Índice
Tornozelo Braquial (ITB) de cada membro a
partir da verificação da Pressão Arterial com
auxílio de esfigmomanômetro e estetoscópio
Doppler. Os valores obtidos devem então ser
aplicados na fórmula: ITB = (PASt / PASb),
em que PASt representa a pressão arterial
sistólica do tornozelo e PASb pressão arterial
sistólica do braço (KAWAMURA, 2008). Veja
na imagem a seguir:

Figura 8 - Realização do exame para


verificação do ITB.
Fonte: Irion (2012, p. 63).
Descrição:
Quadro cinza com duas imagens. Á esquerda um
braço estendido, uma braçadeira envolve o
membro, um equipamento de formato cilíndrico,
segurado por uma mão, está sobre a dobra do
braço, o restante do equipamento está apoiado
sobre uma superfície e a outra parte na mão
esquerda do examinador. Á direita a imagem de
um pé com a braçadeira envolve o tornozelo, o
equipamento cilíndrico está posicionado sobre a
parte superior do pé.
[Fim da Descrição]
Página 19
O ITB pode então ser adotado como uma
ferramenta simples e efetiva para o
rastreamento de doença arterial periférica. É
considerado alterado quando apresenta índice
menor que 0,90, sendo relacionado a um pior
prognóstico cardiovascular e ao aumento de
mortalidade de todas as causas (SABEDOTTI et
al., 2014). Para Irion (2012), ITB que varia de
1,05 e 1,10 é encontrado em pessoas
saudáveis; entre 0,75 e 0,90 indica
arteriopatia moderada e, alguns especialistas
no assunto, afirmam que terapia por
compressão não deve ser empregada nesses
casos. O ITB de 0,5 a 0,75 indica arteriopatia
grave e, ao identificar tal achado, o profissional
deverá preencher uma ficha de referência
encaminhando o usuário ao serviço disponível
na rede que disponha de um cirurgião
vascular. Valores elevados também são
preocupantes, pois quando estão acima de
1,10 podem indicar calcificação arterial.
Os exames mencionados acima são importantes
para avaliar alterações arteriais, mas também
faz necessário avaliar o risco ou a existência de
insuficiência venosa. Ao realizar o exame físico,
o profissional deve ficar atento para a dilatação
de vasos superficiais nos membros inferiores e
se esses apresentam trajetos tortuosos, pois
podem indicar insuficiência venosa.
Vamos compreender melhor acerca da
insuficiência venosa? A insuficiência venosa
pode ser causada por oclusão de vasos –
internamente, o fluxo pode estar interrompido
devido a trombos e, externamente, devido à
obesidade, gravidez, neoplasias ou dispositivos
de compressão aplicados erroneamente –, por
incompetência das válvulas venosas ou por
problemas no mecanismo de bombeamento
existente na panturrilha, que podem acome-
ter, por exemplo, pessoas que passem um
tempo com imobilização de um membro devido
a uma fatura (IRION, 2012).
A avaliação sensorial também é fundamental e
uma maneira simples de realizá-la durante
atendimentos na UBS ou no domicílio, é o de
tocar a pele do usuário com a ponta de algo-
dão ou objeto com ponta enquanto esse se
encontra com os olhos fechados, solicitando
que ele informe quando sentir o estímulo e/ou
observando suas expressões e movimentos
nesse momento.
Como o profissional da saúde pode se prevenir
de uma suposta contaminação na realização de
todos esses exames? Não podemos esquecer
que durante o exame físico é imprescindível o
uso adequado dos Equipamentos de Proteção
Individual (EPIs), tais como luvas, máscara,
gorro, jaleco e sapatos fechados,
especialmente quando em contato com
usuários cujas lesões se encontram com
solução de continuidade exposta. Embora em
alguns serviços na APS os profissionais tenham
maior flexibilidade na adoção de fardamentos e
padronização, não se pode esquecer que no
momento de realizar determinados cuidados
em que exista possível contato com material
biológico, os EPIs mencionados são
importantes para manter barreiras que evitem
também a contaminação do profissional.
Finalizamos, assim, nossa Unidade 1 com
abordagem de conceitos relevantes acerca do
processo de cicatrização tecidual e da
avaliação de pele e mucosas. Salientamos que
tais conceitos se tornam indispensáveis aos
profissionais da atenção básica, pois eles
norteiam os procedimentos para as feridas e os
curativos.

Você também pode gostar