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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FILOSOFIA DA LINGUAGEM I
AVALIAÇÃO II
PROF. DANILO MARCONDES
GABRIEL FRANÇA MARCOLINO

O presente texto pretende-se como avaliação da disciplina de Filosofia da Linguagem I. E


como tal, procura analisar um discurso cotidiano aplicando os princípios gerais do método de
análise da linguagem apresentado pelo prof. Danilo Marcondes, em seu livro Armadilhas da
Linguagem, e que se pauta nas concepções pragmáticas da linguagem desenvolvidas por
autores como o segundo Wittgenstein, Austin, Searle e Grice.
Em maiores detalhes, para que apliquemos os princípios referidos, escolheram-se dois
vídeos de comédia, da plataforma de publicação Youtube, do canal de produtores de conteúdo
chamado Porta dos Fundos1. Acreditamos que a comédia é especialmente frutífera para as
análises pragmáticas da linguagem exatamente pelo fato de que se constituiu como tal, ou
seja, possui graça, exatamente pela possibilidade que lhe é permitida de brincar com os
constituintes e as instâncias pragmáticas da linguagem, como a quebra de expectativas em
contextos diversos, e sobretudo por ser ela própria um ato performático da linguagem, visto
que possui o objetivo de fazer rir o interlocutor, não de descrever simplesmente o mundo,
mas de agir sobre ele.
Os vídeos escolhidos foram o Log Out2. Em sinopse rápida, o vídeo retrata um casal,
Aline e Augusto, que estão se falando pelo telefone. Na ligação, Aline relata ao marido que a
sua conta na plataforma de mídia social Facebook está exposta para que a bisbilhotem.
Augusto logo se assusta, e passa a pedir que a esposa cumpra uma série de tarefas a fim de
afastá-la do computador que lhe daria acesso à conta dele. O vídeo retrata, enquanto ocorre o
diálogo entre os dois, Aline cumprindo o que o marido vai lhe pedindo, e Augusto se usando
de todos os meios possíveis para se dirigir até sua casa e impedir o acesso a sua conta
particular. Ao final, Augusto, dentro de casa sem que a esposa o perceba, identifica que, na
verdade, houve uma confusão: a plataforma que estava aberta para acesso no computador não
era a sua conta particular no Facebook, mas a do Youtube, que não lhe causava nenhum
prejuízo.

1
O canal completo pode ser acessado pelo link: https://www.youtube.com/c/PortadosFundos <Acesso em
19/07/2022>.
2
PORTA DOS FUNDOS. Log Out. Youtube, 11 de Março de 2013. Disponível em:
https://youtu.be/Y1J1pd1CP50
À frente, o texto completo do diálogo:
[1] ESPOSO: Oi, amor, fala rapidinho que eu tô aqui trabalhando.
[2] ESPOSA: Não, amor, é que você deixou aqui o seu Facebook, tá aberto aqui no
computador.
[3] ESPOSO: Claro! Foi bom você ter me ligado, eu precisava falar com você realmente... é...
faz um favor pra mim, meu amor, vai na área! sai daí agora!
[4] ESPOSA: Ué, na área?
[5] ESPOSO: É, o Fernandes me perguntou se eu tinha um parafuso de aço, e eu precisava
que você visse lá na caixa de ferramenta.
[6] ESPOSA: Tá, mas você quer que eu veja isso agora? Você acabou de falar que tava com
pressa.
[7] ESPOSO: Não, não, não! Pode falar! Foi você me ligar que deu uma aliviada boa aqui.
[8] ESPOSA: Tá, tá bom, mas eu faço o que aqui com esse computador?
[9] ESPOSO: Esquece o computador, Aline! Pelo amor de deus deixa ele quietinho aí! Tá?
Vamos nos concentrar agora na caixa de ferramenta.
[10] ESPOSA: Tá, tá bom, Augusto, vou lá na área agora.
[11] ESPOSO: Você tem que olhar um a um o parafuso, porque é muito específico esse, é um
parafuso de aço.
[12] ESPOSA: Ô Augusto, a caixa não tá aqui.
[13] ESPOSO: O quê, Aline? Quê?!
[14] ESPOSA: A caixa de parafuso que não tá aqui dentro da caixa de ferramenta, Augusto.
[15] ESPOSO: Tá, olha, aproveita, então, que você vai ao banco e leva umas roupas velhas
pra dar pra igreja, separa aí que tem muita roupa no armário.
[16] ESPOSA: Que banco o que, Augusto, tem dois anos que eu pago conta só no
computador, tá doido?
[17] ESPOSO: AH, Aline, não! não! É um perigo pagar conta pelo computador hoje em dia.
[18] ESPOSA: Só que agora eu vou ter que pagar online porque já fechou o banco às quatro
horas, tá? Beijo
[19] ESPOSO: Não, não, não, não, não, beijo não, beijo não. Eu quero que você me diga uma
coisa, você tá onde? Tá na cozinha? Tá, então, conta pra mim quantos azulejos tem na parede
do fogão?
[20] ESPOSA: Cento e quarenta.
[21] ESPOSO: Cento e quarenta? como assim cento e quarenta? De que você tirou cento e
quarenta?
[22] ESPOSA: Então, Augusto, dez em pé e quatorze deitado dá o que? cento e quarenta.
[23] ESPOSO: Não é assim que se conta azulejo, Aline, você sabe muito bem, tem que contar
um a um.
[24] ESPOSA: Augusto, por que que você tá falando assim?
[25] ESPOSO: É assim que eu falo; talvez esteja falando um pouquinho mais baixo, porque o
Nogueira acabou de entrar na sala, e eu tenho que mostrar um certo respeito pro chefe...
Amor!?
[26] ESPOSA: Quê, Augusto?!
[27] ESPOSO: Você falou que tava aberto no Youtube ou no Facebook?
[28] ESPOSA: Não sei, Augusto, Facebook, Youtube, Twitter, tudo a mesma merda.
[29] ESPOSO: É, meu amor, é a mesma coisa…

A primeira coisa a se considerar, antes de analisarmos propriamente o diálogo, é o


fato de que o próprio vídeo pode ser considerado como um ato de fala dos seus autores e
produtores. E, portanto, está também sob análise como tal. Desse modo, vamos procurar
entender o diálogo não só como possuindo atos de fala entre o casal como seus constituintes,
mas sobretudo entendê-los em relação ao vídeo por completo, compondo um único ato de
fala, implicando nos elementos não verbais que são expostos por ele.
Assim, no que tange ao vídeo como um todo, compreendemos-o como um macro ato
de fala que tem como objetivo o riso do espectador. Para chegar nesse objetivo, ele põe em
relevo em quem o assiste as compreensões pragmáticas sob as quais se rege nossa
comunicação. A principal dessas compreensões é que a linguagem necessita de elementos
contextuais e implícitos, nos quais apoia sua atuação significativa. Neste caso do vídeo,
vemos a mobilização de algumas convenções sociais subentendidas: o Facebook pode ser
usado como uma plataforma de paquera e flerte, através do envio de mensagens diretas e
particulares, sendo passível, portanto, de uso para infidelidades no casamento, como é o caso
de Augusto. É justamente essa compreensão implícita que faz mover todo o esforço de
Augusto em não permitir que sua esposa descubra o que ele faz no Facebook, e,
consequentemente, que faz mover toda a comédia que o espectador sente ao vê-lo na jornada
a que se dispõe.
Outra compreensão implícita pela qual o vídeo atinge o ato de fala da comédia é a que
repousa — ou melhor dizendo, que deveria repousar — sobre os limites de locomoção, sejam
físicos ou econômicos, do Augusto. Ao mesmo tempo em que o diálogo se desenrola entre o
casal, o vídeo mostra Augusto tomando diversos meios de viagem para chegar em casa o
mais rápido possível, como táxi, corrida a pé, chegando mesmo a se usar de um helicóptero.
O espectador percebe uma quebra na expectativa que tem do que seria plausível de se fazer
para cumprir o objetivo em questão, e é o absurdo dessa quebra que lhe gera o riso.
Partindo propriamente ao diálogo entre os dois, vemos que o vídeo faz uma
demonstração do uso dos atos de fala como uma estratégia do Augusto em afastar sua esposa
do computador e entretê-la com qualquer outra ocupação, até que ele possa cumprir o
objetivo que tinha. É aqui que vemos mais exatamente falando o fazer coisas com palavras.
Isto é, Augusto não procura descrever a realidade com a sua linguagem, nem é seu intuito
principal que a mulher realmente faça aquilo que ele lhe pede que faça, mas tão somente tem
o intuito de distraí-la de outro fato, e por isso não pode tornar explícito seu ato. É aqui que se
faz uso de um ato indireto oblíquo, o de distrair, visto que sua menção faria a esposa perceber
que está sendo distraída. O vídeo alcança êxito como ato de fala cômico pela habilidade que
tem em explicitar o uso estratégico da linguagem em um contexto que sofre quebras absurdas
de formalidade para, justamente, alcançar seus objetivos estratégicos.
Pode-se, enfim, perceber como as categorias pragmáticas são essenciais para o
estabelecimento de uma teoria que procure dar conta de entender o funcionamento cotidiano
de nossa linguagem. A comédia em especial é muito interessante não só para o entendimento
da existência dessa realidade, como também para a própria análise dessa realidade linguística,
visto que alcança seus objetivos cômicos pela capacidade de brincar com as regras de seu
funcionamento.

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