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GUIA DE LEITURA

O RETRATO DE
DORIAN GRAY
Índice

O autor 3
A obra 12
O tradutor 19
Personagens 21
Resumo dos capítulos 23
O autor
Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde nasceu em Dublin, aos 16 de
outubro de 1854, segundo dos três filhos do casal de intelectuais
irlandeses Jane e William Wilde. Sua mãe, poetisa de inspiração na-
cionalista, colaborava na imprensa com seus poemas e artigos defen-
dendo a identidade irlandesa; também era autoridade em mitologia
céltica e se interessava pelo renascimento neoclássico, gosto manifes-
tado nas pinturas e bustos com que decorava a casa. Seu pai, além
de renomado médico, escrevera livros sobre arqueologia e cultura
popular irlandesas.

Até os nove anos, Oscar foi educado em casa, ambiente comumente fre-
quentado por artistas e intelectuais irlandeses. Ainda menino, aprendeu,
com a babá francesa e a governanta alemã, seus respectivos idiomas.

Em 1864, juntou-se ao irmão mais velho, Willie, no Portora Royal


School, onde se destacou particularmente nos estudos clássicos, sen-
do um dos três estudantes desse colégio a ganhar uma bolsa de estu-
dos para o Trinity College (Universidade de Dublin). Ali, conheceu J.
P. Mahaffy, que inspirou seu interesse pela literatura grega e a quem
mais tarde se referiria como seu primeiro e melhor professor. Após

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ter-se provado um estudante excepcional do Trinity, foi encorajado
a competir por uma bolsa para o Magdalen College (Oxford), que
conseguiu sem dificuldade.

Em Oxford, conheceu pessoalmente o grande crítico Walter Pater,


autor de Estudos da história da Renascença. Wilde foi profundamente
marcado pelo “epicurismo estético” do professor, que defendia o ex-
tremo aproveitamento das sensações artísticas, sem consideração dos
limites morais. Ao mesmo tempo, porém, era frequentador assíduo
dos seminários de John Ruskin, famoso autor de As pedras de Veneza,
cuja concepção estética divergia diametralmente do esteticismo au-
tossuficiente de Pater. Ruskin rejeitava a idéia de “arte pela arte”, ar-
gumentando que a importância das criações artísticas estaria em seu
potencial de aperfeiçoamento da sociedade e de contribuição para o
bem moral.

Em 1878, Wilde formou-se com honras bacharel em Literae Huma-


niores, o que significa que tirou notas máximas nos testes de língua,
história e filosofia grega e latina. Durante seus quatro anos de univer-
sidade, distinguiu-se não apenas como um scholar, mas também por
sua conversação espirituosa e sua adesão aos movimentos esteticista
e decadentista. Ostentava uma postura de irreverência em relação à
moral vitoriana, manifestada não apenas em suas concepções filo-
sóficas, mas em sua aparência pessoal, com seus vestidos e modos
extravagantes.

Já nessa época, manifestava interesse pela Igreja Católica, especial-


mente por sua rica liturgia. Críticos e biógrafos divergem quanto à

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relevância e sinceridade dessa atração, ainda que seja fato que Wilde
lia avidamente as obras do cardeal Newman e tivesse mais de uma
vez discutido sua conversão com membros do clero. Enquanto W. H.
Auden comenta com indiferença que “aparentemente o flerte com o
Catolicismo Romano estava na moda em Oxford, na época”, o biógra-
fo e crítico literário Joseph Pearce vê nesses ensaios de conversão um
reflexo do drama interno pelo qual passava nosso autor, cujos poemas
exibem “um amor desinteressado pelo Cristo ou, nos momentos mais
sombrios, uma profunda aversão em face da feiura dos seus próprios
pecados”. Richard Ellmann, autor de uma das biografias mais com-
pletas de Wilde, considera o poema “Hélas!” uma manifestação das
dicotomias que o poeta via em si mesmo:

To drift with every passion till my soul


Is a stringed lute on which all winds can play,
Is it for this that I have given away
Mine ancient wisdom, and austere control?
Methinks my life is a twice-written scroll
Scrawled over on some boyish holiday
With idle songs for pipe and virelay,
Which do but mar the secret of the whole.
Surely there was a time I might have trod
The sunlit heights, and from life’s dissonance
Struck one clear chord to reach the ears of God:
Is that time dead? lo! with a little rod
I did but touch the honey of romance —
And must I lose a soul’s inheritance?1

1 Para vagar com cada paixão até que minh’alma


seja um alaúde acordoado que todos os ventos possam tocar
- é por isso que abandonei
minha antiga sabedoria e austero controle?

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Depois de formado, com o que restara da herança do seu pai, faleci-
do em 1876, Wilde estabeleceu-se em Londres. Três anos depois, em
1881, publica seu primeiro livro, Poems, a um só tempo um sucesso de
vendas e alvo de duras críticas pela imprensa. Nessa altura, Wilde já se
havia estabelecido nos círculos sociais e artísticos londrinos e era uma
das pessoas mais faladas da cidade, famoso por seu senso de humor
sagaz, seu sarcasmo implacável e sua presença quase que performática,
e alvo preferido dos periódicos críticos ao Esteticismo, nos quais era
frequentemente ridicularizado.

Quando a ópera Patience, que satirizava os esteticistas, estreou nos


Estados Unidos, o empresário teatral londrino Richard d’Oyly Car-
te, numa jogada de publicidade, convidou Wilde, o mais interessante
porta-voz do movimento, para uma turnê de palestras pela América do
Norte. Previsto para durar quatro meses, o tour se estendeu por todo
o ano de 1882, devido ao seu sucesso e, Wilde, que em Oxford deco-
rava seus aposentos com penas de pavão, lírios, girassóis e porcelana,
cruzou a América do Norte a falar não apenas de história da Arte e do
“Novo Renascimento Inglês” , mas também de decoração de interio-
res. Apesar da hostilidade por parte da imprensa, que o caricaturava

Parece-me que minha vida é um palimpsesto


Raspado em alguma folga pueril
Com canções fúteis para flauta e virelai,
Que não fazem mais que estragar o segredo do todo.
Certamente houve um tempo em que eu poderia ter trilhado
As alturas ensolaradas, e da dissonância da vida
ter atacado um claro acorde para alcançar os ouvidos de Deus;
Este tempo está morto? Eis que com uma curta vara
Não fiz que tocar o mel do romance –
E devo perder a herança duma alma?

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impiedosamente, ridicularizando seus trajes de veludo, calças curtas
e meias de seda, Wilde, que então contava 28 anos, foi festejado nos
salões da moda e conquistou a simpatia das platéias mais improváveis,
como, por exemplo, um grupo de mineiros do Colorado, com quem
bebeu uísque no subsolo, após falar-lhes sobre Benvenuto Cellini.

Em 1884, estando já de volta a Londres, após uma temporada em


Paris, casou-se com Constance Lloyd, a quem havia sido apresentado
alguns anos antes. Tiveram dois filhos, Cyrill, que nasceu em 1885,
e Vyvyan, em 1886. Com uma família a sustentar, Wilde, que então
colaborava enquanto crítico com alguns jornais, tornou-se editor da
revista Woman’s World, trabalho ao qual se dedicou com afinco. Nessa
mesma época, enquanto escritor, passou da poesia à prosa, e em 1889
já pôde deixar a revista e viver dos frutos de seu trabalho criativo.

Entre os anos de 1888 e 1891, Wilde publicou uma série de contos


(incluindo contos de fadas), além de diálogos e ensaios, nos quais
tornou mais explícitas suas concepções estéticas, sua crítica ao filis-
tinismo, e sua crença no papel redentor da arte. Foi também nesse
período que escreveu seu único romance, O Retrato de Dorian Gray,
cuja primeira versão foi publicada em 1890, na edição de julho da Li-
ppincott’s Monthly Magazine. A reação geral foi de escândalo e Dorian
Gray foi duramente criticado e apontado como fonte de imoralida-
de, devido a passagens que aludiam ao homossexualismo. Adjetivos
como “nauseabundo”, “efeminado” e “infecto” foram repetidamente
utilizados. A troca de cartas entre Wilde e alguns de seus críticos, re-
unida por Stuart Mason e publicada sob o título Art and Morality: A

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defense of Dorian Gray, lança luzes interessantes sobre a compreensão
que Wilde possuía acerca da própria obra, como veremos adiante.
No ano seguinte, o romance foi publicado em forma de livro, tendo
sido amplamente revisado pelo autor, que adicionou um prefácio,
sete novos capítulos, e removeu algumas passagens.

As obras que lhe renderam maior sucesso e aclamação, entretanto, fo-


ram suas peças teatrais. Embora a performance de Salomé (escrita em
francês, durante sua estadia em Paris, em 1891) tenha sido proibida na
Inglaterra, devido à representação de personagens bíblicas, suas qua-
tro comédias “de sociedade” (de sátira da sociedade vitoriana) – Lady
Windermere’s Fan (1892), A Woman of no Importance (1893), An Ideal
Husband (1895) e The Importance of Being Earnest (1895) – obtiveram
enorme sucesso e tornaram-no o mais famoso dramaturgo de Londres
em sua época. The Importance of Being Earnest foi recebida pelos con-
temporâneos como o melhor trabalho de Wilde e até hoje é conside-
rada sua obra-prima.

Foram nesses anos de sucesso crescente que entraram em cena os prin-


cipais personagens de seu drama pessoal. Em 1891, ele fora apresenta-
do a Lord Alfred Douglas, ou Bosie, um jovem admirador, estudante
de Oxford, de 22 anos, com quem iniciou um intenso caso amoroso.
Bosie era voluntarioso e mimado e Wilde, que em 1893 já estava pro-
fundamente ligado a ele, atendia a todos os caprichos do amante. Foi
Bosie quem apresentou a Wilde o submundo vitoriano da prostituição
homossexual. Em fevereiro de 1895, apenas alguns dias após a estréia
triunfante de sua última peça, o marquês de Queensberry, pai de Lord

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Alfred, a quem o garoto fazia questão de confrontar, acusa Wilde pu-
blicamente de sodomia.

Wilde, encorajado por Douglas e contra o conselho de seus amigos,


processa o marquês por injúria. Após o surgimento de evidências e tes-
temunhas contrárias a ele, Wilde se vê obrigado a retirar as acusações
e acaba sendo sentenciado, em maio do mesmo ano, a dois anos de
prisão e trabalhos forçados por “indecência grave”, devido a prática de
homossexualismo.

A maior parte da sua pena foi cumprida em Reading Gaol, onde, após
algum tempo, conseguiu permissão para possuir materiais para escrita
e livros. Solicitou, entre outros, a Bíblia, gramáticas de italiano e ale-
mão, a Divina Comédia, de Dante, o romance recém-publicado por
Joris-Karl Huysmanns, En route, uma história de redenção cristã, e
textos de Santo Agostinho, do Cardeal Newmann e de Walter Pater.

Durante o cárcere, escreveu uma longa carta para Douglas, publica-


da em versão muito reduzida em 1905, sob o nome De Profundis. O
texto completo foi publicado no volume The Letters of Oscar Wilde,
em 1962. A carta se divide em duas partes: na primeira, Wilde reflete
acerca de seu relacionamento com Bosie, mostra-se culpado e arrepen-
dido por ter se deixado absorver por essa convivência intelectualmente
degradante e se deixado conduzir a uma vida de dissipação, degra-
dação moral e ruína financeira. A segunda metade da carta consiste
em reflexões acerca de sua jornada interior de redenção por meio do
sofrimento, a que foi conduzido por suas leituras. Wilde menciona ler

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todas as manhãs um trecho dos Evangelhos – “os quatro poemas em
prosa sobre Cristo”.

Wilde deixou a prisão em maio de 1897 e, em busca de renovação es-


piritual, escreveu à Sociedade de Jesus, solicitando um retiro católico
de seis meses. Recebeu com tristeza uma resposta negativa. Enviou
também duas cartas ao Daily Chronicle, descrevendo a situação indig-
nante das prisões inglesas. É interessante saber que algumas reformas
propostas por ele foram adotadas posteriormente.

Passou seus últimos anos de vida na França, e nunca retornou à In-


glaterra ou à Irlanda. Viveu em ostracismo e dependente da caridade
de amigos e de sua esposa, que lhe enviava dinheiro semanalmente.
Havia perdido todo o seu prestígio e teve de se habituar a situações
humilhantes. Passou a ser ignorado por antigos conhecidos e, uma vez,
foi convidado a deixar o hotel onde se hospedava, por solicitação de
hóspedes ingleses.

Em 1898, escreveu The Ballad of Reading Gaol (1898), poema sobre


seus dias na prisão. A única pessoa que aceitou publicá-lo foi Leonard
Smithers, conhecido no meio como editor de pornografia. Wilde as-
sina a obra como C.C.3., seu número de prisioneiro. O livro foi um
sucesso comercial, chegando a sete edições em dois anos. Apenas a
partir daí o nome Oscar Wilde foi adicionado à capa. A respeito dessa
obra, Otto Maria Carpeaux afirma que “nunca poderá faltar em uma
antologia de poesia inglesa”.

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Wilde chegou a se reencontrar com Bosie em 1897 e, em 1898, soube
da morte de sua esposa Constance, que havia mudado de sobreno-
me após o escândalo do processo. Ele mesmo passara a usar o nome
Sebastian Melmoth. Alguns amigos fiéis, como Robbie Ross, Max
Beerbohm e Reggie Turner, correspondiam-se regularmente com ele
e visitavam-no em Paris. A maior parte do tempo, entretanto, passava
sozinho, e acabou dissipando todo seu dinheiro em bebidas e rapazes.

Morreu em 30 de novembro de 1900, de meningite aguda. No dia


anterior foi batizado e recebido na Igreja Católica pelo passionista ir-
landês, padre Cuthbert Dunne; Robert Ross, que correu ao encontro
do amigo repentinamente doente, assistiu à administração dos sacra-
mentos e cuidou de seu enterro.

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A obra
Aqueles que encontram intenções feias nas belas coisas são corrompidos sem sedução.
E isso é um crime.
Os que acham belas intenções nas belas coisas são cultivados. Esses têm esperança.
(...)
Um livro não é moral ou imoral. É bem ou mal escrito. Eis tudo.
(...)
Para o artista, pensamento e linguagem são instrumentos de uma arte.
O vício e a virtude são os materiais.

Em 1890, Oscar Wilde envia o original datilografado de seu primeiro


(e único) romance a J. M. Stoddart, editor da Lippincott’s Monthly Ma-
gazine. Stoddart, cioso da sensibilidade de seus leitores, providencia o
corte de várias expressões e passagens da obra, antes de publicá-la na
edição de julho daquele ano. Mesmo censurado, o romance causa es-
cândalo e é denunciado por vários críticos como imoral e pernicioso.

No ano seguinte, revisado e aumentado pelo autor, O Retrato de Dorian


Gray é publicado em forma de livro. Além dos sete novos capítulos –
que de treze, na primeira edição, vão para vinte –, Wilde acrescenta um
“Prefácio” composto de aforismos acerca do domínio próprio da arte e
do artista – a perfeição da forma, ainda que o material seja a imperfeita

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vida moral humana, com seus vícios e virtudes – e da impropriedade de
julgar uma obra pela sua moralidade no lugar de sua beleza. Ficou famo-
so o aforismo “Um livro não é moral ou imoral. É bem ou mal escrito.
Eis tudo.”

A máxima parece sugerir que o texto que se segue ao prefácio é avesso a


qualquer tentativa de compreensão numa dimensão moral. Para nossa
surpresa, entretanto, a cada capítulo damo-nos conta de que, quais-
quer que sejam os elementos de perversão, o romance carrega em si
um sentido profundamente moral, na direção oposta do que apontam
seus críticos vitorianos. Esses, aparentemente obstinados com os deta-
lhes pouco palatáveis para o puritanismo da época, deixam passar que
O Retrato de Dorian Gray é praticamente um cautionary tale.

Não foi por falta de aviso. O próprio Oscar Wilde, ainda em 1890,
publicou uma série de respostas aos críticos de seu romance recém-lan-
çado2, nas quais, após protestar contra a avaliação de qualquer obra de
arte por um ponto de vista moral – “a esfera da arte e a esfera da ética
são absolutamente distintas e separadas” –, afirma:

“Mas, ai de mim!, eles [os leitores] descobrirão que é uma


história com uma moral. E a moral é a seguinte: Todo exces-
so, assim como toda renúncia, traz seu próprio castigo.

2 As críticas publicadas em alguns periódicos londrinos e as respostas do autor foram reu-


nidas por Stuart Manson no livro Oscar Wilde: Art and Morality - A Defence of The Picture
of Dorian Gray.

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O pintor, Basil Hallward, por adorar demais a beleza física,
como a maioria dos pintores faz, morre pela mão de alguém
em cuja alma ele criou uma vaidade monstruosa e absurda.
Dorian Gray, tendo levado uma vida de mera sensação e
prazer, tenta matar a consciência, e nesse momento se mata.
Lord Henry Wotton procura ser apenas o espectador da vida.
Ele descobre que aqueles que rejeitam a batalha estão mais
profundamente feridos do que aqueles que participam dela.

Sim, há uma moral terrível em Dorian Gray – uma moral que


o lascivo não será capaz de encontrar, mas que será revelada a
todos cujas mentes são sadias. Isso é um erro artístico? Temo
que seja. É o único erro do livro.”

E insiste, nas respostas seguintes, que a fraqueza de seu romance não


está na ausência de moral, mas na sua presença talvez óbvia demais:

“O verdadeiro problema que tive ao escrever a estória foi


manter sua moral extremamente óbvia subordinada ao efeito
artístico e dramático.

Quando concebi pela primeira vez a idéia de um jovem que


vendia sua alma em troca da juventude eterna – uma idéia
que é antiga na história da literatura, mas à qual dei uma
nova forma – senti que, do ponto de vista estético, seria difí-
cil manter a moral em seu devido lugar secundário; e mesmo
agora não tenho certeza de ter sido capaz de fazer isso. Acho
que a moral é muito aparente.”

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De todo modo, ele deseja que essa “beleza ética” seja reconhecida em
seu romance “simplesmente porque ela existe, porque está lá”. Mas
não iremos encontrá-la, o próprio Wilde nos adverte, enunciada em
forma de uma lei ou um princípio geral. Essa moral

“se realiza puramente na vida dos indivíduos, e assim se torna


simplesmente um elemento dramático em uma obra de arte,
e não o objeto dessa.”

Voltemo-nos, pois, para a narrativa propriamente dita e para o desen-


volvimento individual do personagem principal.

Em seu único romance, Oscar Wilde combina os elementos fantásticos


da novela gótica com a audácia subversiva dos decadentistas franceses,
para contar a história do jovem Dorian Gray, que, envenenado pela li-
sonja e pela filosofia hedonista de Lorde Henry Wotton, é tomado por
um zelo quase insano pela própria juventude e beleza, que disporá o
resto de seus dias. Ao ver o próprio retrato, pintado por seu amigo Ba-
sil Hallward, Dorian experimenta o prazer de reconhecer pela primeira
vez a própria beleza e o terror da consciência de sua finitude.

“Agora sei que quando perdemos os encantos, quaisquer que


sejam, perdemos tudo. Tua obra revelou-me isto. Lorde Hen-
ry Wotton tem toda a razão. A mocidade é a única coisa de
valor. Quando perceber que envelheço, hei de matar-me!

(...) Oh! Se pudéssemos mudar! Se esse retrato pudesse enve-


lhecer! Se eu pudesse conservar-me tal como sou!”

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Seu desejo de juventude perene será atendido, mas lhe custará sua
miséria moral. Deixa-se cada vez mais seduzir pelas teorias de Lorde
Henry que, por sua vez, já se decidira a dominar o jovem com sua in-
fluência, a fazer “seu esse ser maravilhoso”.

A primeira mudança aparece no retrato após Dorian rejeitar cruel-


mente Sibyl Vane – uma jovem atriz por cuja beleza e talento havia
se apaixonado – devido à sua má interpretação do papel de Julieta.
Ao perceber que seu desejo, misteriosamente, fora atendido, Dorian
esconde o quadro e decide ceder a todas as paixões, prazeres e pecados.
Nos anos que se seguem, sob a influência de Lorde Henry e de um
estranho livro que esse lhe emprestara, Dorian se entrega a todo tipo
de depravação e é causa de ruína a quantos dele se aproximam. Sua ju-
ventude e beleza permanecem inalteradas, enquanto o retrato, espelho
de sua alma, torna-se cada vez mais repulsivo.

Após seu encontro trágico com Basil Hallward, que sempre se preo-
cupara com a influência perniciosa de Lorde Henry sobre o amigo a
quem adorava, Dorian começa a ser atormentado pelo peso de seus
pecados e pela aparente impossibilidade de expiação. Dedicara a vida
à busca da beleza, acumulara coisas belas, como que para se apropriar
do bem que emanam; mas sua alma tornara-se incompatível com esse
bem e ele percebe, em certo momento, que só estaria à vontade em
meio ao horror, à vileza e à degradação. “A fealdade, que ele odiara
porque faz as coisas reais, tornava-se-lhe cara por isso mesmo; a fealda-
de era a única realidade”.

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Oprimido pela consciência da própria corrupção e pela forte impres-
são que lhe causara a perspectiva da morte próxima, decide finalmente
emendar-se e levar uma vida de virtude. Tendo realizado o que consi-
dera sua primeira boa ação, vai ao retrato, na esperança de vê-lo menos
hediondo. O que contempla leva-o à beira do arrependimento, mas,
incapaz de aceitar as consequências de seus crimes, decide livrar-se da
pintura. É então que, nas palavras de Wilde, Dorian “tenta matar a
consciência, e nesse momento se mata.”3

***

O personagem Dorian Gray foi influenciado por um livro “venenoso”.


Esse mesmo adjetivo foi usado pelos detratores de Wilde ao falarem
de seu romance. O próprio romance, por sua vez, possui também seus
“antepassados literários”. Dorian é Narciso e é Fausto. Lorde Henry,
como o Satã de Paraíso Perdido, não pode obrigar os outros ao mal,
mas é especialista em sugeri-lo às mentes que deseja seduzir. Figuras
shakespearianas são recorrentemente evocadas ao longo do livro e as
relações entre Dorian, Sibyl e James Vane fazem ressoar o drama de
Hamlet, Ofélia e Laertes.

Mas, afinal, é mesmo possível que a leitura de um livro nos influencie


para o bem ou para o mal? Os clássicos, estamos seguros, ajudam-nos a
expandir nossa consciência das possibilidades humanas – nossas, por-

3 A literatura fornece à cultura as chaves de compreensão da diversidade da experiência hu-


mana: mais de meio século antes de Igor Caruso alertar sobre os perigos da repressão da
consciência moral, Oscar Wilde escreve essa grande obra sobre a traição de uma alma contra
si mesma.

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tanto –, das mais sublimes às mais degradantes. Conhecer é o primeiro
passo para desejar; caberá ao leitor decidir quais experiências e quali-
dades aspirará para si mesmo.

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O tradutor
João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto nasceu no Rio
de Janeiro, em 5 de agosto de 1881, filho de dona Florência Cristóvão
dos Santos Barreto e do professor Alfredo Coelho Barreto. Paulo Bar-
reto, como era chamado pelos mais próximos, recebeu sua primeira
educação do próprio pai.

Em 1899, quando contava dezessete anos, ingressou no jornalismo,


com a publicação de artigos de crítica literária e teatral. Nos anos se-
guintes, colaborou com diversos órgãos da imprensa fluminense, ten-
do atuado como diretor, repórter e redator. Em 1903, utiliza pela pri-
meira vez o pseudônimo João do Rio, que se sobreporá não apenas a
outros pseudônimos, mas ao próprio nome de Paulo Barreto.

Adotava como estilo literário o esteticismo decadentista, inspirado por


autores como Oscar Wilde e Baudelaire. Vestia-se como um dândi
aristocrata e levava uma vida de flâneur, transitando tanto nas altas
esferas quanto em locais marcados pela pobreza ou degradação, tais
como presídios, opiários e manicômios. Suas crônicas descritivas da
vida urbana do Rio de Janeiro, marcadas pelo senso de humor e pela
fina observação dos fatos cotidianos, notabilizaram-no como o primei-
ro jornalista brasileiro a ter o senso da reportagem moderna.

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Em 1904 publica o livro As religiões do Rio, coletânea de reportagens
de cunho sociológico sobre as manifestações religiosas minoritárias na
cidade. Sua obra mais conhecida, A Alma Encantadora das Ruas, de
1908, é também uma reunião de crônicas que retratam a cidade e seus
moradores, publicados na Gazeta de Notícias e na Revista Kosmos.

Além de sua atuação como jornalista, João do Rio escreveu peças de


teatro e traduziu importantes obras da literatura mundial para o por-
tuguês, tendo sido o primeiro tradutor de Oscar Wilde para o por-
tuguês brasileiro, responsável, portanto, pela introdução do autor no
repertório literário do país. Em 1908, traduz a peça Salomé, a partir da
versão inglesa, de Alfred Douglas; seguem-se as traduções de Intenções
(coletânea de artigos) e de O Retrato de Dorian Gray.

Em 1910, é eleito segundo ocupante da cadeira 26 da Academia Bra-


sileira de Letras e, em 1920, funda o jornal A Pátria, sua última em-
preitada no jornalismo. No ano seguinte, morre repentinamente, de
um infarto fulminante, dentro de um táxi. A notícia de sua morte
espalhou-se rapidamente e seu enterro, um dos maiores da história do
Rio, foi acompanhado por um cortejo de cerca de cem mil pessoas.

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Personagens
DORIAN GRAY. Jovem de beleza extraordinária, filho da bela Lady
Margaret Devereux – que poderia ter se casado com o homem que
quisesse – e de um rapaz pobre, com quem a jovem fugiu. O pai de
Dorian foi morto em uma armadilha armada por seu avô, Lorde Kel-
so. A mãe morreu quando ele era ainda um bebê. Os acontecimentos
narrados no romance se passam cinco anos após a morte de Lorde
Kelso, de quem Dorian herda a casa. O quarto superior, onde Dorian
esconde o retrato pintado por Basil Hallward, fora construído pelo
avô para uso específico do netinho, que odiava e desejava manter à
distância. Influenciado por Lorde Henry e por um livro, e seguro da
perenidade de sua beleza e juventude, Dorian cede a todos os prazeres,
cujos efeitos sobre si mesmo observa com interesse.

BASIL HALLWARD. Pintor do retrato de Dorian Gray. É um homem


de boa índole moral; guarda o segredo de sua adoração por Dorian,
sob cuja influência desenvolveu ao máximo suas potencialidades artís-
ticas. Preocupa-se sinceramente com o rapaz e sente profundamente
pela sua degradação moral. Seu misterioso desaparecimento torna-se
assunto nos clubes londrinos.

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LORDE HENRY “HARRY” WOTTON. Aristocrata cínico e de conver-
sação envolvente e sagaz. Sempre pronto a defender um hedonismo
autoindulgente e confrontar com ceticismo a moralidade comum,
compraz-se com impressionar e influenciar seus conhecidos, mas pa-
rece não colocar em prática os próprios conselhos. É antes um obser-
vador, com pretensões a analista “científico” das paixões humanas. É
ele quem aguça o narcisismo de Dorian, fazendo-o venerar a própria
beleza e juventude, e o corrompe com sua visão de mundo hedonista.
Lorde Henry confere total primazia à busca de novas experiências e
do prazer, mostrando-se sempre indiferente às consequências de suas
ações e conselhos. Trata também com indiferença, ou mesmo decep-
ção, seu casamento e sua esposa, Lady Victoria, que, por fim, deixa-o
por outro.

SIBYL VANE. Jovem de dezessete anos, de família pobre, atriz muito


bela e talentosa, por cuja performance Dorian se apaixona. Seu amor
pelo rapaz, a quem apelida de Príncipe Encantador, leva a menina a se
desinteressar dos dramas ficcionais e arruína sua atuação. Vive com a
mãe, uma velha atriz, de feições fatigadas e deprimidas, que guarda um
segredo dobre o pai de seus filhos.

JAMES VANE. Irmão mais novo de Sibyl, que parte para a Austrália
como marinheiro. É ciumento e preocupado com o bem estar da irmã,
especialmente por não confiar que a mãe possa protegê-la. Promete
vingança, caso o cavalheiro por quem Sibyl se apaixona lhe faça algum
mal. Após a morte da irmã, torna-se obcecado por encontrar e matar
o “Príncipe Encantador”.

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Resumo
dos Capítulos
PREFÁCIO: Aforismos acerca dos temas da arte, do artista, do público

e dos críticos, da questão da moral nas criações artísticas, tudo segun-


do o credo do Esteticismo.

CAPÍTULO I: Em seu estúdio, em Londres, o pintor Basil Hallward


contempla seu último trabalho, quase finalizado, o retrato de corpo in-
teiro de um jovem de extraordinária beleza. Com ele, está Lorde Hen-
ry Wotton, que insiste que a tela, melhor trabalho do amigo, deveria
ser exibida em uma galeria adequada. Para sua surpresa, Basil afirma
não pretender exibi-la em lugar algum e menciona acidentalmente que
o nome do modelo é Dorian Gray.

O artista admite que preferia não revelar a identidade do rapaz, que


passou a gostar da privacidade e que mesmo quando viaja, mantém seus
destinos secretos – informação que será relevante mais tarde na narrativa.

No jardim, Basil conta a Lorde Henry como conheceu Dorian e como


esse lhe inspirava uma nova relação com sua arte. Explica que não
poderia exibir o retrato pois, sem intenção, colocara nele a expressão
dessa idolatria artística, segredo de sua alma. Basil diz não querer que
Lorde Henry conheça Dorian Gray mas, quase no mesmo momento,
o mordomo anuncia a chegada do rapaz. O pintor pede ao amigo que
não tente influenciá-lo com suas idéias nocivas.

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CAPÍTULO II: Retornam ao estúdio. Lorde Henry e Dorian são apre-
sentados. O aristocrata nota que o rapaz, realmente muito bonito, pos-
suía “a candura da mocidade aliada à pureza ardente da adolescência”.
Basil deseja terminar a pintura e pede a Lorde Henry que vá embora,
mas, por insistência de Dorian, esse acaba ficando.

Monólogo de Lorde Henry sobre medo, coragem e as vantagens de


ceder às tentações. Dorian percebe, ainda que sutilmente, como a nova
influência começa a calar em seu interior. No jardim, Lorde Henry
continua a influenciá-lo, discursa acerca do valor imenso da beleza, do
seu inevitável declínio, e estimula Dorian a “um novo hedonismo”, a
estar sempre em busca de novas sensações, de modo a não desperdiçar
sua juventude.

Dorian é fortemente impressionado por esse discurso e, quando vê seu


retrato finalizado, é tomado pela sensação da própria beleza, como se
houvesse se reconhecido pela primeira vez, e pelo terror da consciência
de sua finitude. Com os olhos marejados, inveja a pintura e deseja que
fosse o retrato a envelhecer, enquanto ele permanecesse jovem para
sempre. Diz que daria a própria alma por isso e promete, num arrou-
bo, matar-se quando descobrir que está envelhecendo. Basil, amar-
gurado com o tumulto interior do amigo, decide rasgar a tela, mas é
impedido pelo rapaz.

Os ânimos se acalmam e Lorde Henry convida Dorian a acompanhá-


-lo ao teatro. Basil pede a Dorian que fique e jante com ele, mas em
vão. Basil é deixado e uma expressão de dor lhe brota no rosto.

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CAPÍTULO III: No dia seguinte, Lorde Henry visita seu tio, Lorde Fer-

mor – um velho mesquinho, conhecedor dos assuntos privados de to-


dos –, para buscar informações sobre os antepassados de Dorian Gray.

Em seguida, vai ao almoço na casa de sua tia Agatha. Dorian é um


dos comensais. Lorde Henry acaba por dominar a conversa, com seus
discursos espirituosos e de moralidade duvidosa. Dorian está cada vez
mais sob seu encanto e influência. Após o almoço, Dorian pede para
acompanhá-lo, ainda que tenha de faltar a um compromisso anterior-
mente marcado com Basil Hallward.

CAPÍTULO IV: Um mês depois, Dorian aguarda por Lorde Henry em


sua biblioteca e conhece sua esposa, que já havia visto o rapaz por fo-
tografias guardadas pelo marido. Quando ficam a sós, Lorde Henry
fala brevemente sobre as decepções do casamento. Dorian revela estar
apaixonado por Sibyl Vane, uma atriz de um teatro de periferia. Apai-
xonara-se imediatamente por sua aparência, voz e performance “ge-
nial” e, desde então, retornava ao teatro dia após dia, para vê-la atuar
em diferentes papéis.

Deixa entrever, porém, que seu namoro é menos pela jovem que pela
sua atuação nos palcos. “– Hoje à noite, ela é Imogênia e amanhã será
Julieta. – Quando ela é Sibyl Vane? – Nunca.”

Dorian insiste para que o amigo o acompanhe ao teatro na noite se-


guinte, juntamente com Basil Hallward, para que vejam Sibyl repre-
sentar Julieta. Lorde Henry medita com interesse nos novos movi-
mentos de alma do rapaz, objeto sob medida para suas análises sobre

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as paixões humanas. Quando retorna a casa, após jantar, encontra um
telegrama de Dorian comunicando seu noivado com Sibyl Vane.

CAPÍTULO V: No dia seguinte. Sibyl, exultante, quer compartilhar sua

alegria com a mãe, a quem fala sobre seu Príncipe Encantador, apelido
sob o qual oculta o nome de Dorian. A mãe, pragmática, acha incon-
veniente que a filha esteja apaixonada, menciona a dívida que possuem
para com o judeu dono do teatro, mas acrescenta que, se o rapaz for
rico, o casamento poderia ser considerado.

James, irmão mais novo da atriz, prepara sua partida para a Austrália,
como marinheiro. Preocupado com a irmã, recomenda repetidamente
à mãe que cuide bem dela. Odeia o jovem dândi que corteja Sibyl,
especialmente por ser um cavalheiro, e promete matá-lo caso faça mal
à irmã. Confronta a mãe acerca de um cochicho que ouvira e parte,
após reiterar sua preocupação com a irmã e sua ameaça ao jovem des-
conhecido.

CAPÍTULO VI: Numa saleta particular no Bristol, Lorde Henry conta


a Basil Hallward sobre a novidade do noivado do amigo “com uma pe-
quena atriz ou coisa que o valha”. Dorian se junta aos dois para o jantar
e, cheio de entusiasmo, narra seu último encontro com a moça, que o
fizera decidir pelo casamento. Gaba-se de ter sido abraçado por Rosa-
linda e beijado na boca por Julieta, marcando sua identificação de Sibyl
com as personagens que ela representava. Pretende assumir a jura irre-
vogável do casamento; a presença da amada faz com que esqueça tudo
que aprendeu com Lorde Henry e suas teorias fascinantes e venenosas.

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Após o jantar, os três partem para o teatro. Dorian e Lorde Henry
tomam uma carruagem e Basil Hallward segue-os sozinho, em outro
carro. O artista, sentindo cada vez mais o distanciamento de Dorian,
assume uma disposição melancólica.

CAPÍTULO VII: O teatro está lotado quando os três chegam e tomam


um camarote. Sibyl entra em cena e Lorde Henry reconhece que ela
era uma das criaturas mais adoráveis que jamais vira. Sua atuação, en-
tretanto, é um fracasso, apática e artificial. Basil e Henry vão embora
desapontados. Ao fim da peça, Dorian, aborrecido, corre aos bastido-
res. A menina fala com alegria de sua má representação; espera que o
rapaz entenda que não mais poderá atuar bem, agora que, conhecendo
o amor de verdade, os dramas teatrais não lhe parecem mais que som-
bras. Dorian, amargamente, acusa Sibyl de ter destruído seu amor e
diz que não mais pretende vê-la. A jovem se joga a seus pés, suplicando
por uma segunda chance, mas o rapaz a repele, desdenhoso, e vai em-
bora abruptamente.

Dorian passa a noite a vagar e quando retorna para casa, pela manhã,
nota que o retrato pintado por Basil Hallward, emoldurado em sua bi-
blioteca, parece mudado. De fato, a expressão do rosto está diferente,
a boca carrega um toque de crueldade. Ao olhar-se no espelho e ver
que permanece o mesmo, lembra-se do desejo que fizera no ateliê, de
que permanecesse jovem e o retrato recebesse, em seu lugar, os sinais
do envelhecimento e da corrupção. Considera se afinal teria sido real-
mente cruel com Sybil, e é tomado por uma profunda piedade, não
por si mesmo ou pela menina, mas pela imagem pintada, que teria sua

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beleza maculada a cada pecado que cometesse. Decide não mais pecar
e não mais dar ouvido às teorias de Lorde Henry, mas voltar para Sibyl
e reparar seu erro. O quadro seria o emblema de sua consciência. Co-
bre a pintura com um pano, pensa em Sybil e repete muitas vezes seu
nome. Retorna-lhe um eco enfraquecido do amor.

CAPÍTULO VIII: Quando acorda, na tarde seguinte, Dorian prefere


não abrir uma carta enviada por Lorde Henry. Recorda-se da noite
passada e pergunta-se se o retrato teria mesmo mudado. Após alguma
hesitação, descobre a pintura e percebe com horror que a mudança
era real. Sente, entretanto, que o quadro trouxera-lhe algo de bom, o
conhecimento de quão injusto e cruel fora para com Sibyl; seria do-
ravante seu guia, sua consciência. Decidido a reparar o mal da noite
anterior, compõe uma longa carta à menina, acusando-se de loucura e
implorando seu perdão. Ao terminar de escrever, sente-se já perdoado.

Lorde Henry visita o amigo e fica perplexo quando Dorian afirma que
pretende reparar sua brutalidade casando-se com Sibyl Vane. A carta
que o rapaz colocara de lado pela manhã trazia-lhe a notícia do suicí-
dio da atriz. Dorian, a princípio atordoado, acusa Sibyl de egoísmo,
por tirar-lhe a chance de se reerguer e escapar de suas paixões (pelo
casamento). Afinal, admite não estar tão sensibilizado pela tragédia
como deveria; pelo contrário, regozija-se com esse “maravilhoso epí-
logo” que tem a beleza das tragédias gregas. Lorde Henry aprova e
reforça a postura do rapaz frente aos acontecimentos. Decidem não
mais falar sobre o assunto e Dorian mostra-se grato ao amigo por suas
palavras e por compreendê-lo tão bem.

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Novamente sozinho, Dorian confere o retrato. Não há nova mudan-
ça. Por um momento pensa em rezar para que o estranho fenômeno
deixasse de operar; mas, afinal, quem não deseja a juventude eterna?
Decide-se por possuir todas as paixões, prazeres, alegrias e pecados.
Não importa o que acontecesse à imagem na tela, ele estaria a salvo.
Recoloca o pano sobre o quadro. Uma hora depois, junta-se a Lorde
Henry, na Ópera.

CAPÍTULO IX: Na manhã seguinte, Basil Hallward vai ao encontro de

Dorian, com medo de que uma tragédia se sucedesse à outra. Surpreso


com a indiferença do jovem em relação à morte de Sibyl Vane, acusa-o
de, influenciado por Lorde Henry, ter se tornado alguém sem coração.
Dorian admite ter mudado, mas pede que o pintor não deixe de ser
seu amigo. Em sua enorme estima pelo rapaz, Basil concorda em não
tocar mais no assunto e considerar aquela indiferença um estado de
espírito passageiro.

Mudam de assunto e Basil pede para ver o retrato, que decidira exibir
em Paris. Dorian, aterrorizado, impede que o amigo se aproxime do
quadro e ameaça romper a amizade. Em seguida, inverte a situação, e
consegue esconder seu segredo, fazendo com que Basil confesse o seu:
sua adoração por Dorian. Hallward, por fim, aceita que não verá mais
o retrato e vai embora. Dorian decide que precisa esconder o quadro.

CAPÍTULO X: Dorian decide guardar o quadro na velha sala de estu-


dos, fechada há anos. Pede à governanta a única chave do aposento e
manda chamar dois carregadores. Envolve o quadro com uma colcha

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púrpura que, imagina, talvez já teria sido utilizada como pano mortu-
ário; agora ocultaria a degeneração do retrato. Por um momento, ar-
repende-se de não ter contato seu segredo a Basil, que o teria ajudado
a resistir à influência de Lorde Henry e de suas próprias paixões, mas
decide que já é tarde demais.

Chegam os carregadores. Dorian, para que o mordomo não saiba para


onde irá o quadro, incumbe-o de levar uma nota a Lorde Henry, pe-
dindo que lhe envie algo para ler. Os dois homens levam o quadro
escada acima, até a sala de estudos. No aposento, Dorian é tomado por
lembranças da infância.

Os carregadores vão embora. Na biblioteca, encontra um livro gasto,


encadernado em papel amarelo e um jornal, no qual Henry circulara
a notícia do inquérito sobre a morte de Sibyl. Dorian se aborrece, mas
logo sua atenção se volta para o livro. Em poucos minutos, está absorto
no romance sem enredo, de apenas um personagem, onde todos os es-
tados de espírito e pecados de todas as épocas parecem desfilar perante
ele. Só pára a leitura quando o criado vem lembrá-lo do adiantado da
hora. Encontra Lorde Henry no clube.

CAPÍTULO XI: Ano após ano, Dorian Gray, sob a influência do livro
amarelo, entrega-se a toda sorte de prazeres e curiosidades, sempre
insaciável, por mais que alimentasse seus desejos. Os boatos que seu
comportamento gerava eram neutralizados por sua aparência de pu-
reza jamais contaminada pelo mundo. Habituara-se a olhar-se em um
espelho colocado ao lado do retrato pintado por Basil Hallward. A

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comparação era-lhe prazerosa: enamorava-se mais e mais da própria
beleza e examinava com interesse sombrio as marcas do pecado e da
velhice que o quadro recebia em seu lugar. Observava os costumes da
sociedade, oferecia jantares; os jovens admiravam-no como modelo do
tipo ideal que combina o erudito e o cosmopolita. Elaborava filosofi-
camente sua nova forma de vida, o novo Hedonismo profetizado por
Lorde Henry, oposto ao puritanismo da época. A adoração dos sentidos,
o instinto da beleza e a ausência de obrigações e remorsos eram os artigos
do novo credo que colocava em prática. Buscava experimentar diferentes
modos de pensamento, um após o outro; colecionava histórias maravi-
lhosas e terríveis, de todas as épocas e lugares, e entesourava relíquias da
vida de outrora, que, como o herói do romance, experimentava como
sua própria vida. Fora envenenado pelo livro, a ponto de às vezes consi-
derar a maldade como simples meio para realizar sua concepção do belo.

CAPÍTULO XII: Na véspera de seu aniversário de 38 anos, Dorian Gray

retorna a casa após um jantar com Lorde Henry e, no caminho, passa


por Basil Hallward, a quem não via há anos. Finge não reconhecê-lo,
mas Basil, que já o procurara em casa, o aborda. Planejava tomar o
trem da madrugada para Paris, mas antes pretendia falar com o velho
amigo. Vão para a casa de Dorian. Basil ouvira coisas horríveis sobre
Dorian e sobre a influência destrutiva que exercia sobre todos com
quem travava intimidade; exorta-o a levar uma vida respeitável e a usar
seu enorme poder de influência para o bem. Pergunta-se se realmente
conhece o rapaz que no passado lhe causara tanto fascínio e diz que,
para isso, teria de ver-lhe a alma, o que só Deus pode fazer.

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Dorian, com um riso de deboche, toma um lampião e diz a Basil que
o acompanhe para que conheça a verdade de sua alma.

CAPÍTULO XIII: No antigo quarto de estudos, Dorian arranca a cor-


tina que cobre o quadro. Basil solta uma exclamação de horror ao
ver rosto repugnante e escarninho do retrato em que reconhece suas
pinceladas e sua assinatura. Dorian lhe recorda a “prece” feita há anos
no ateliê. Basil, tomado de terror, atira-se a uma poltrona. Ao ouvir os
soluços do amigo, estimula-o a rezar, diz-lhe que, assim como a prece
de seu orgulho, a prece de seu arrependimento será ouvida. Os olhos
de Dorian se enchem de lágrimas, mas, ao olhar para o quadro, é to-
mado por um ódio alucinado por Basil. Alcança uma faca e esfaqueia
repetidamente o pintor que, após breve luta, está morto.

Dorian retorna à biblioteca, esconde os pertences de Basil, cria um


álibi, e medita em como ocultar o acontecido. Finalmente, toma um
catálogo e localiza o nome e endereço de Alan Campbell.

CAPÍTULO XIV: Na manhã seguinte, Dorian escreve a Campbell, pe-


dindo que venha encontrá-lo. Enquanto espera, busca distrair-se, mas
é tomado de ansiedade.

Quando Campbell chega, Dorian confidencia que há um corpo na sala


superior e pede ao químico que destrua o cadáver. Inicialmente, diz ser
o corpo de um suicida, mas depois admite o assassinato. Campbell trata
Dorian com hostilidade amarga e recusa envolver-se com o caso crimi-
noso, mas acaba cedendo perante uma ameaça de chantagem. Manda
buscar materiais em seu laboratório e segue Dorian até o andar superior.

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Dorian havia esquecido de esconder a tela na noite anterior e percebe
que uma mancha vermelha, como de sangue, brilhava úmida em uma
das mãos do retrato. Apressadamente cobre o quadro. Campbell entra
com seu equipamento. Horas depois, desce à biblioteca, declara que
fez o que lhe fora pedido e parte. Dorian vai à sala do andar de cima;
o cheiro é horrível, mas já não há sinal de Basil Hallward.

CAPÍTULO XV: Pouco mais de uma hora após Campbell deixar sua
casa, Dorian chega a uma recepção oferecida por Lady Narborough.
A festa e os convidados são entediantes e Dorian fica aliviado com a
chegada de Lorde Henry. Durante o jantar, não consegue comer nada,
mas sorve, ávido, várias taças de champagne. Dorian deixa a festa cedo.
Em casa, tenta relaxar, mas sua atenção é atraída para um móvel onde
guardava o que parecia um tipo de opiáceo. Soam as batidas da meia
noite, Dorian se disfarça com roupas comuns e toma um cabriolé em
direção ao rio.

CAPÍTULO XVI: O cabriolé o leva a um antro de ópio, próximo ao


cais, onde Dorian pretende esquecer seus pecados, cuja expiação con-
sidera impossível. Dorian entra em um casebre, passa por uma sala
comprida, coberta de serragem pisada e, subindo uma pequena escada,
chega à câmara obscura, repleta do odor de ópio. Logo na entrada, en-
contra Adrian Singleton, um dos jovens por cuja corrupção Basil lhe
acusara. Dorian decide partir para onde ninguém o conheça; ao reti-
rar-se, uma mulher chama-lhe, escarnecendo, “Príncipe Encantador”.
Ao ouvir esse nome, um marinheiro que estava sonolento a um canto,
levanta-se num salto e sai ao encalço de Dorian. Alcança-o, agarra-o

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na penumbra e coloca-o sob a mira de seu revólver. O marinheiro é Ja-
mes Vane, irmão de Sibyl Vane. Dorian nega ter conhecido a menina e
pergunta há quanto tempo tudo acontecera. Quando James responde
que faz dezoito anos, Dorian ri e pede que o marinheiro veja seu rosto
sob a luz. James o conduz para debaixo de um poste e vê o rosto de
um rapaz de vinte anos. Atordoado por seu engano quase fatal, libera
Dorian. James permanece paralisado na calçada; a mulher do bar o
alcança e, desgostosa por Dorian continuar vivo, conta-lhe que há de-
zoito anos o Príncipe Encantador a tornara quem ela é, que se vendera
ao diabo em troca de um rosto bonito. James Vane corre até a esquina,
mas Dorian já havia desaparecido.

CAPÍTULO XVII: Uma semana depois, Dorian está em Selby Royal,


sua propriedade no campo, onde recebe alguns convidados, entre os
quais a bela duquesa de Monmouth e Lorde Henry. A conversa entre
eles é leve e superficial, a duquesa flerta com Dorian, que se retira para
colher orquídeas para ela. De repente, o grupo ouve um gemido e o
baque de uma queda; Lorde Henry corre à estufa e encontra Dorian
desmaiado. Após voltar a si, Dorian se recusa a ficar sozinho e se junta
aos demais para o jantar. À mesa, age com naturalidade, embora a lem-
brança da causa de seu desmaio o enchesse de terror: vira, na estufa, o
rosto de James Vane observando-o pela vidraça.

CAPÍTULO XVIII: Dorian passa grande parte do dia seguinte em seu


quarto, aterrorizado pelo medo da morte e pelo sentimento de estar
sendo caçado. Considera, ao mesmo tempo, que tudo talvez tenha
sido fruto de sua imaginação, influenciada pelo remorso. Após três

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dias resolve sair e vai juntar-se aos caçadores. Durante a caça, aciden-
talmente, um homem é baleado e morto. Dorian retorna a casa per-
turbado, considerando essa morte um mau presságio. Está decidido a
partir de Selby Royal naquela noite, quando o chefe dos guardas pede
para falar-lhe a respeito do homem morto há algumas horas. Não era
um dos batedores, como se pensara, mas um desconhecido com aspec-
to de marinheiro. Dorian toma um cavalo e corre ao local onde estava
o corpo. Ao confirmar que o morto era James Vane, solta um grito de
júbilo, com a certeza de que estava salvo.

CAPÍTULO XIX: Algumas semanas parecem ter passado. Dorian visita


Lorde Henry, a quem manifesta sua decisão de se emendar e ser virtuo-
so. Como evidência de sua nova disposição, conta como deixou passar
a oportunidade de seduzir e corromper uma simples garota de aldeia.
Lorde Henry desdenha das intenções de Dorian e pede que não estra-
gue sua vida feliz com renúncias. Ao fim da conversa, Dorian pede a
Lorde Henry que não torne a emprestar a ninguém o livro com que o
envenenara. Lorde Henry rejeita o pedido “moralizante” e, mudando de
assunto, convida o amigo, já de partida, a encontrá-lo no dia seguinte.

CAPÍTULO XX: De volta a casa, Dorian pensa com saudades na pureza

da infância, pergunta-se se para si restaria alguma esperança, abomi-


na a própria beleza e juventude, que o haviam arruinado. Decide em
seguida que o melhor é não pensar no passado, que não poderia ser
alterado, mas no próprio futuro. Imagina que, com sua decisão de
levar uma vida pura e com sua primeira ação virtuosa, o retrato talvez
já se teria alterado, tornando-se menos medonho, e sobe a conferi-lo.

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É tomado de dor e indignação ao perceber que a única mudança era
uma nova expressão de cinismo e hipocrisia, que a mancha vermelha
de sangue havia aumentado e se alastrado. Dá-se conta de que seu de-
sejo de ser bom não passava de vaidade e que o único modo de expiar
seus pecados seria pela confissão de seu crime. Jamais faria isso e, como
não havia outra prova contra ele a não ser o quadro, resolve destruí-lo.
Toma a mesma faca com que matara Basil Hallward e investe contra
o retrato.

Lá embaixo, os criados ouvem um grito de agonia e um baque. Ar-


rombando o quarto, encontram o retrato intacto do patrão, jovem e
belo como sempre o viram. No chão, o corpo de um homem velho, de
fisionomia horrenda, com uma faca no coração. Ao examinar os anéis,
reconhecem Dorian Gray.

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