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BRUXAS: QUEM ERAM ELAS E POR QUE IAM PARAR NA FOGUEIRA

Até a Idade Contemporânea, a Europa somou 12 mil julgamentos por bruxaria, com cerca de 50
mil condenações à morte.
Elas até podiam ter nariz adunco com verrugas na ponta e usarem chapéus pontudos. Frequentemente,
preparavam poções em caldeirões. E talvez até tivessem gatos pretos como animais de estimação. Mas
se engane: as bruxas eram apenas mulheres independentes, cultivando tradições inofensivas, que
passavam de mãe para filha. Não muito diferente de muitas vovós de famílias do interior até hoje, que
preparam remédios caseiros. Na época, isso podia ser motivo para ir para a fogueira.
“As mulheres atraíam muita desconfiança da Igreja. Quando elas se mostravam habilidosas para lidar
com a vida, seja preparando medicamentos ou atuando como parteiras, os bispos iam à loucura”, afirma
o historiador britânico Malcolm Gaskill, professor da Universidade de East Anglia. “Depois de várias
semanas de tortura, as mulheres confessavam práticas indescritíveis, como beijar ânus de gatos, beber
sangue humano ou sacrificar crianças recém-nascidas.” Assim, por meio dessas confissões, o mito
ganhava credibilidade, levando a mais perseguição e mais histórias de satanismo extraídas na marra,
num círculo vicioso.
Quando a perseguição alcançou o auge, vestígios da cultura pagã e costumes característicos da vida
rural se transformaram em pretexto para buscar culpados para todo tipo de crise. Colheitas
especialmente ruins, ondas de mortes no gado ou entre recém-nascidos, epidemias inexplicáveis para a
época, ou até mesmo secas ou chuvas fora de estação eram considerados motivos para sair procurando
pelas supostas adoradoras do demônio.
Narizes grandes e marcas na pele podiam ser incriminadores. O Vaticano considerava que o maléfico se
manifestava pelo feio. Verrugas, corcundas, deformações físicas como mãos tortas, tudo isso podia ser
visto como manifestação de bruxaria.
Quanto aos chapéus pontudos, eles chegaram a estar na moda, especialmente no norte da Europa. Eram
muito usados por camponesas mulheres, que também manipulavam caldeirões, nos quais eram feitos
remédios tradicionais. A Igreja, adepta do hábito de relacionar objetos pontudos ao diabo e a produção
de remédios populares a práticas proibidas, passou a perseguir tanto o chapéu quanto o caldeirão. Daí
vem o estereótipo moderno.
A NAÇÃO DOS “BRUXOS”
Antissemitismo virulento atribuía aos judeus as mesmas características das bruxas.
Além das pobres camponesas, mortas por preparar remédios caseiros para os vizinhos, os judeus foram
largamente perseguidos durante toda a Idade Média. As lendas sobre eles eram muitas. A mais famosa
era a do judeu errante. Vivendo nos tempos de Jesus, ele tinha um comércio em uma rua, por onde
Cristo passou a caminho da cruz. Avarento, ele recusou água e ajuda ao condenado. Acabou
amaldiçoado com uma eternidade para se arrepender. E vagou pelo mundo, desde então, condenado a
sofrer por sua maldade.
Outras lendas tinham resultados mais funestos. Acreditava-se que os judeus, como as bruxas,
sequestravam crianças para usar em seus rituais, bebendo seu sangue. Quando uma criança era morta
violentamente, eram lançados os libelos de sangue, convocando a matar todos os judeus da cidade, o
que era o chamado pogrom. A Igreja até tentava conter a turba, geralmente sem sucesso. Várias dessas
supostas vítimas dos judeus foram tornadas “santos” popularmente. Como São Huguinho de Lincoln,
inglês de 9 anos, cujo corpo, achado num poço em 1255, levou a um massacre de judeus na cidade. Na
Europa Ocidental, os pogroms foram contidos no século 18. No Leste Europeu, só no começo do século
20.
A VIDA SEXUAL DAS BRUXAS
A vassoura tem uma origem no mínimo insólita. Instrumento de trabalho das esposas e filhas, ela ainda
tinha relação com um antigo rito celta: sacerdotisas usavam pedaços de paus e corriam posicionadas
sobre eles como se fossem cavalos, num ritual erótico de fertilidade, uma forma de estimular o mundo
vegetal a crescer com rapidez. Então era usada uma erva chamada neimendro, um potente alucinógeno,
do qual eram feitos unguentos. Que eram aplicados, nas palavras do teólogo do século 15 Jordanes de
Bérgamo, “embaixo dos braços e outras partes peludas”. Era nisso que, com o perdão da expressão,
entrava a vassoura. As sacerdotisas celtas besuntavam a vassoura com unguento de neimendro, usavam
o cabo para aplicar mais fundo, e saíam por aí montadas nela, tão alucinadas que “voavam”.
Outra maneira de se movimentar seria adotar a forma de animais, especialmente gatos. No século 15, o
Papa Inocêncio 8o publicou a bula Summis desiderantes affectibus, que reconhecia oficialmente a
existência de bruxas e incluía gatos pretos na lista de seres que deveriam ser perseguidos. E eles eram,
de fato: ainda no século 18, os franceses mantinham o hábito de prender gatos acusados de serem bruxas
metamorfoseadas. Os animais eram queimados vivos ou estrangulados em praças.
As reuniões de mulheres no meio rural, seja para ajudar na colheita ou mesmo para pedir fartura a anjos
e santos, eram consideradas uma forma disfarçada de sabá – a palavra, inspirada nos rituais judeus,
indicava as reuniões de bruxas, no mato, ao redor de fogueiras, para a realização de rituais diversos. As
bruxas também seriam amantes ardorosas de demônios – o que serviu de desculpa para perseguir
pessoas de hábitos sexuais considerados desviantes, em especial a homossexualidade, tanto masculina
quanto feminina, ou mesmo o crime de adotar posições diferentes do papai-e-mamãe. Os pactos
demoníacos seriam consumados com a prática de sexo anal com demônios. Mas os seres do inferno
também poderiam engravidar mulheres especialmente belas, muitas vezes com a concordância dos
maridos ou pais. Na Alemanha protestante, ainda no século 17, crianças eram presas sob a acusação de
serem metade demônios.
Até a Idade Contemporânea, a Europa somou 12 mil julgamentos por bruxaria, com cerca de 50 mil
condenações à morte, a maioria por confissões obtidas sob tortura — ou métodos mais exóticos. Havia
também a “prova da água fria”. A acusada era amarrada com cordas no fundo de um rio. Se ela
flutuasse, era considerada bruxa, e executada. Se ela afundasse, era inocente — e eles até tentavam tirá-
la do fundo, então. Para quem era condenada, a fogueira não era o único método, também podiam ser
punições convencionais: enforcamento ou decapitação.
No mundo desenvolvido, a perseguição sofreu uma redução brusca no século 18. A última execução
aconteceu na Suíça, em 1782. Mas, em outros lugares, ainda se caçam bruxas. Só na última década,
quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, foram julgados, condenados e executados por bruxaria
pelo governo da Arábia Saudita. Em São Paulo, na cidade de Guarujá, em maio de 2014, uma mulher foi
caçada na rua e linchada até a morte. Em Gana, o governo local teve de criar seis campos para refugiar
mulheres acusadas de bruxaria, que, se voltassem para casa, acabariam mortas pelos próprios vizinhos.
Parece que se esqueceram de avisar que a Idade Média acabou. Muita gente continua a fazer valer a
célebre frase de Sancho Pança: “Não acredito nas bruxas, mas, que elas existem, existem”.

Fonte: Revista Super Interessante - Por Tiago Cordeiro

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