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GUIA GERAL DE INTERPRETAÇÃO PARA ATORES1

Prof. Dr. Adriano Moraes de Oliveira


Interpretar (Houaiss, 2009):
1. Determinar o significado preciso de (texto, lei etc.) 2. Adivinhar a significação de (algo) por
indução. 3. Dar certo sentido a; entender; julgar. 4. Traduzir ou verter de uma língua para outra.
5. Representar (personagem, obra ou autor). 6. Tocar ou cantar (compositor ou obra musical).
Explicar, traduzir, compreender, avaliar, decidir.

Informações gerais sobre posturas de interpretação de acordo com algumas poéticas 2:

Poética ↓ Posturas
Stanislavski A composição ocorre por meio de uma compreensão do texto. Essa
compreensão pode ocorrer por dois modos: 1. estudos dirigidos dos
diálogos do texto, análise das situações e circunstâncias que buscam
evidenciar os aspectos psicológicos das personagens, memorização dos
diálogos e, após isso, improvisação para dar corpo à personagem por meio
de ações físicas, ou 2. por meio de uma análise ativa que principia pelo
estudo do texto, improvisação de situações e circunstâncias e, após isso,
memorização dos diálogos.
Meyerhold O processo de composição parte de uma análise do texto em termos
históricos e busca sintetizar contradições das personagens do texto. A
compreensão não tem foco na psicologia da personagem, mas em seu
aspecto físico e mecânico em determinado contexto histórico. O trabalho é
de síntese e de evidenciação do próprio trabalho teatral. Para tanto, o ator
compõe a partir de códigos (convenções conscientes) e não
comportamentos psicofísicos.
Brecht Embora o texto se mantenha como ponto de partida e, de certo modo,
elemento predominante, o ator não interpreta de modo contínuo de forma a
criar uma realidade inalterada para as personagens. As personagens são
mostradas, isto é, narradas pelo intérprete. Diferentemente de Meyerhold
(criação por meio de estabelecimento de ações não naturalistas), os atores
usam de códigos da vida (da mesma forma que na poética de Stanislavski)
para mostrar as personagens. No entanto, em vez de privilegiar os
elementos psíquicos e comportamentais das personagens, a interpretação a
partir dessa poética é construída a partir de clara evidenciação dos
comportamentos típicos (quase caricaturais) de cada personagem.
Kantor A atuação, nessa poética, tem como principal marca o acontecimento
ficcional diante do real. Os atores interpretam suas personagens como se as
manipulasse. Como o material de manipulação é o próprio corpo do ator, a
ação do intérprete é a de um homem que se automanipula. Daí a ideia de
marionetização na atuação. Como marionete, a interpretação é permeada
por movimento enquanto presença de vida e ausência de movimento
enquanto morte. Dois elementos técnicos são extremamente importantes
nessa poética: a precisão e a concisão.

1
Esse material foi criado para um contexto específico de aula e não pretende abarcar a totalidade dos
procedimentos de cada uma das poéticas mencionadas. É apenas um guia de estudos e exige discussão,
explicações e, evidentemente, prática atoral.
2
Não esquecer que cada poética estabelece um tipo de preparação específica para os intérpretes (treinamento
físico etc.) e são fruto de posicionamentos políticos e ideológicos.
Schechnner Aqui se trata de um ator que restaura corporalmente a sua ação. O grau de
representação é diminuído e o de performatividade ampliado. Isso significa
que a postura fundamental é a da execução da ação no aqui agora mais
uma vez. Não significa que o intérprete sempre improvisa a ação, mas age
novamente no aqui agora. E esse aqui agora é presente pela própria
materialidade do espaço. Ou seja, a interpretação ocorre no espaço cênico
enquanto espaço cênico (realidade) e não no espaço cênico como espaço
ficcional (ou dramático).
Buenaventura O ponto de partida para o intérprete nessas poéticas é o trabalho coletivo. A
/ principal técnica é a da improvisação. Não a improvisação como simples
Santiago método de criação, mas a improvisação como forma de debate. Os
Garcia intérpretes improvisam uma determinada situação e circunstância diversas
vezes até encontrarem uma forma adequada ao discurso que o coletivo
quer explicitar. A palavra “coletivo”, aqui, não quer dizer consenso, mas a
organização de elementos de forma harmônica (algumas vezes, fruto
dissensos) . As técnicas utilizadas na interpretação dependem das
qualidades individuais e de planos de trabalho de cada coletivo. Isso
significa dizer que é possível utilizar elementos de poéticas diversas de
modo híbrido de acordo com os desejos do coletivo.
Pirandello Não há propriamente uma poética cunhada por Pirandello para intérpretes.
A presença desse dramaturgo aqui serve para pensarmos algumas
qualidades do humorismo. Construir uma cena com humor significa incluir
na linha de ações não apenas as ações mais evidentes, aquelas que são
claras e evidentes, mas apresentar, também, a sombra da personagem –
seus defeitos, suas imperfeições, sua imoralidade etc. Como afirma
Pirandello “o humorismo consiste no sentimento do contrário, provocado
pela atividade especial da reflexão que não se oculta, que não se torna,
como comumente na arte, uma forma do sentimento, mas o seu contrário,
embora seguindo passo a passo o sentimento como a sombra do corpo”
(2009, 177).
Fo A principal técnica de Fo para a criação de personagens é a mímica. Não
uma mímica centrada na gestualidade abstrata, mas uma mímica construída
a partir de profunda pesquisa do gestual popular de suas personagens.
Inspirado em manifestações da cena teatral da Idade Média e,
principalmente, na Commedia Dell’Arte, Fo utiliza os princípios e códigos de
artistas de rua e sua expressividade farsesca para elaborar personagens em
que o gesto e palavra são articulados de modo a proporcionar o encontro
com a natureza precisa, econômica e original dos homens e mulheres do
povo. De grande expressividade gestual, o corpo do intérprete é o principal
lugar da criação. A experimentação é um fator importante, uma vez que boa
parte da cena busca o burlesco e o cômico. A ação corporal, principal
elemento dessa poética (não esquecer que a palavra é fruto de ação
corporal), é ampla, exagerada e, ao mesmo tempo, espontânea e
econômica. O efeito cômico é conseguido pela distorção, pelo grotesco.

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