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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA- UFRR

INSTITUTO INSIKIRAN DE FORMAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA


CURSO DE LICENCIATURA INTERCULTURAL

VITORIA DA SILVA SAPARÁ

OS CONHECIMENTOS DO POVO SAPARÁ NA COMUNIDADE


INDÍGENA ANINGAL

BOA VISTA, RR
2022
VITORIA DA SILVA SAPARÁ

OS CONHECIMENTOS DO POVO SAPARÁ NA COMUNIDADE


INDÍGENA ANINGAL

Monografia apresentada como requisito para a


Conclusão do Curso de Licenciatura
Intercultural, com habilitação em Ciências
sociais, da Universidade Federal de Roraima

BOA VISTA, RR
2022
VITORIA DA SILVA SAPARÁ

OS CONHECIMENTOS DO POVO SAPARÁ NA COMUNIDADE


INDÍGENA ANINGAL

Monografia apresentada como requisito para a


Conclusão do Curso de Licenciatura
Intercultural, com habilitação em Ciências
sociais, da Universidade Federal de Roraima
Defendido em __ de __________ de 2022 e
avaliado pela seguinte banca examinadora.

________________________________________________
Prof. Msc. Herundino Ribeiro Do Nascimento Filho
Mestrado em Economia
Orientador/ Curso Licenciatura Intercultural – UFRR

________________________________________________
Prof. Msc. Francisco Souza da Cunha
Mestrado em Antropologia Social
Co-Orientador

________________________________________________
Profª. Msc. Mariana Souza Da Cunha
Mestrado Em Recursos Naturais
Dedico este trabalho aos filhos e filhas,
minha razão de viver e lutar para ser feliz.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pelo amor e misericórdia derramada sobre minha vida e por
dar-me energia e benefícios para erguer-me e levar adiante este trabalho.
Ao meu falecido pai, que me inspirou com suas histórias e saberes, que
acompanhei desde criança.
À minha mãe, que se transformou em estrela desde que eu tinha dois anos de
vida, mas que, sem ela, seria impossível minha existência.
Aos meus irmãos e irmãs, que, mesmo longe, me apoiaram e contribuíram
direta e indiretamente para que esse trabalho se realizasse.
Aos meus amados filhos, Izaque, Joabe, Ernanes, Naielly, Saroni Nharí e
Aline Rose, pela paciência nas ausências e compreensão nas horas de silencio de
que precisei.
Ao Frank, pelo companheirismo do dia a dia.
Ao meu orientador Herundino, pelo auxilio e paciência no desenvolvimento do
trabalho e por me fazer acreditar na minha ideia.
A todos professores do curso de licenciatura intercultural, que contribuíram na
minha formação.
A todos os moradores de Aningal, pelo apoio e contribuição com este
trabalho.
Aos meus colegas, que me deram aquela força, e àqueles que participaram
das pesquisas.
Enfim, agradeço a todas as pessoas que fizeram parte desta etapa decisiva
da minha vida.

Gratidão por tudo!


.
Antes, o Igarapé Aningal não era
chamado Aningal. Era chamado
Tukutuku, nome, na língua makuxi, que
quer dizer água do bicho. A vovó contava
que era um bicho que morava na a água
do Igarapé Aningal e, de tempos em
tempos, fazia um barulho “tucutucu”.
Assim era o barulho que o bicho fazia na
água, como um balde enchendo de água.
Nós tínhamos medo desse igarapé, e
Aningal foi o nome dado pelos brancos

(Iraci Sapará)
RESUMO

Este trabalho apresenta uma proposta de pesquisa a ser desenvolvida na Escola


Estadual Indígena Inácio Mandulão pertencente a comunidade Indígena de Aningal,
cujo objetivo é estudar sobre os conhecimentos indígenas Sapará, considerando a
necessidade de demonstrar a importância cultural dos povos indígenas, preservar
sua memória e enriquecer a cultura local nos detalhes que passam despercebidos.
Para tanto, foi necessário realizar uma breve análise da cultura e das práticas locais,
tomando como objeto de estudo, em sala de aula, aspectos da arquitetura e os
costumes correlacionados. A dinâmica adotada foi de construção de maquetes,
representando a arquitetura e os costumes indígenas na comunidade, a fim de se
dialogar com os alunos e inserir em sua formação cultural o conhecimento sobre
suas próprias origens, sobretudo a relação entre as pessoas, a natureza e o mundo,
aspectos que vêm sendo, conforme percebido por meio do que foi manifestado pelos
moradores mais antigos, esquecidos. A atividade envolveu as disciplinas de
geografia, pelos conceitos de lugar e espaço; a matemática, em que foi trabalhado
sobre medidas e cálculos; e a história, em que o trabalho envolveu as historicidades
do efeito da colonização do contato entre a população nativa e o europeu. A
recepção percebida foi positiva, e, pensa-se, pode se tratar não somente de uma
forma a ser repetida de ensino, mas inclusive ampliada. As possibilidades de
combinar os conteúdos das disciplinas com a apresentação da cultura histórica é
real, e os alunos se manifestaram receptivos a conhecer de uma forma mais
concreta sobre como seu meio funcionava em tempos nos quais não estiveram
presentes.

Palavras-chave: Cultura, Arquitetura, Conhecimentos indígenas, Sapará.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Localização da Comunidade de Aningal...................................................19


Figura 2 – Comunidade de Aningal em 2016.............................................................20
Figura 3 – Construção em moldes rústicos................................................................31
Figura 4 – Construção com técnicas modernas.........................................................31
Figura 5 – Casa em alvenaria.....................................................................................32
Figura 6 – Maquete desenvolvida em aula representando o malocão.......................33
Figura 7 – Maquete desenvolvida em aula representando uma casa de morada.....34
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACS Agente Comunitário de Saúde


AIS Agentes Indígena de Saúde
AISAN Agente Indígena de Saneamento
CASAI Casa de Saúde Indígena
SESAI Secretaria de Saúde Indígena
TI Terra Indígena
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO......................................................................................................11
CAPÍTULO I – AS MOTIVAÇÕES E O PLANO DE PESQUISA...............................12
1.1 O DESPERTAR PELA PESQUISA NO DECORRER DA LICENCIATURA
INTERCULTURAL............................................................................................12
1.2 O PROBLEMA..................................................................................................12
1.3 A JUSTIFICATIVA............................................................................................13
1.4 OS OBJETIVOS...............................................................................................13
1.4.1 Objetivo Geral.................................................................................................13
1.4.2 Objetivos Específicos....................................................................................14
1.5 O REFERENCIAL TEÓRICO...........................................................................14
1.5.1 A arquitetura indígena...................................................................................14
1.5.2 A casa indígena..............................................................................................15
1.6 A METODOLOGIA............................................................................................16
CAPÍTULO II – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO POVO SAPARÁ...................18
2.1 OS SAPARÁ DIANTE DO PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DO RIO BRANCO18
2.2 O TERRITÓRIO HABITADO PELOS SAPARÁ AO LONGO DO TEMPO......18
2.3 A RELAÇÃO COM OUTROS POVOS E A PERDA DA LÍNGUA NATIVA......18
CAPÍTULO III – CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO................................19
3.1 BREVE HISTÓRICO DA COMUNIDADE DE ANINGAL..................................20
3.2 PRIMEIRAS LIDERANÇAS..............................................................................22
3.3 ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA......................................................22
3.4 A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA COMUNIDADE................................................24
3.5 O ATENDIMENTO À SAÚDE...........................................................................24
CAPÍTULO IV – OS CONHECIMENTOS INDÍGENAS DO POVO SAPARÁ NA
COMUNIDADE ANINGAL...............................................................................26
4.1 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS HABITAÇÕES................................26
4.2 O RITUAL DE DEFUMAÇÃO...........................................................................27
4.3 O USO DE MEDICAMENTOS NATURAIS PARA TRATAMENTO DE
DOENÇAS........................................................................................................28
4.4 A ÉPOCA DO PLANTIO E COLHEITA NAS ROÇAS......................................28
CAPÍTULO V – INTERVENÇÃO: A DINÂMICA REALIZADA NA ESCOLA LOCAL. .29
5.1 A PRÁTICA PROPOSTA DENTRO DA ESCOLA...........................................30
5.2 RESULTADO OBSERVACIONAL....................................................................30
5.3 CONSTRUÇÃO DE MAQUETES.....................................................................32
5.4 REFLEXÃO SOBRE O PERCURSO DO PROJETO.......................................35
5.4.1 Motivações que levaram ao estudo..............................................................35
5.4.2 Processos adotados......................................................................................36
5.4.3 Dificuldades enfrentadas...............................................................................36
5.4.4 Resultados alcançados..................................................................................37
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................41
APÊNDICE A – Roteiro de questionário / entrevista.............................................43
12

APRESENTAÇÃO

Os conhecimentos presentes na sociedade indígena são parte do seu


patrimônio, e, como tal, merecem ser preservados. Infelizmente, não é algo que se
presencia com recorrência, a exemplo da evolução da comunidade de Aningal,
habitada pelo povo Sapará, da qual conhecimentos e sabedorias estão se perdendo
pelo tempo, sem que muita informação fique registrada.
O povo Sapará vem de uma etnia que há muito tempo sofreu com os efeitos
da colonização no território de Roraima, por pertencerem a um grupo de indivíduos
que se recusava a se submeter aos trabalhos forçados. Assim, foram, aos poucos,
se extinguindo e, junto com o povo, foram desaparecendo também os costumes e a
cultura, que foi sendo parcialmente incorporada por outras culturas.
Este é o fator motivador para a presente pesquisa, que trata dos
conhecimentos do Povo Sapará na comunidade indígena Aningal, e vislumbra uma
ação junto ao corpo de alunos da escola local. Para tanto, toma-se como dinâmica a
construção de maquetes, objetos de estudo que envolvem a arquitetura da
comunidade.
A arquitetura carrega aspectos diversos referentes à cultura de um povo,
desde os mais simples tipos de moradia aos mais sofisticados modelos de
habitações indígenas, estendendo-se para uma área de conhecimento mais ampla
além dos modelos de construção utilizados por cada povo. No caso de comunidades
indígenas, a arquitetura envolve, inclusive, os conhecimentos cosmológicos que
envolvem homem e natureza. Portanto, trata-se de um objeto adequado para
dinâmica escolar sobre os conhecimentos de um povo.
No decorrer do estudo, em visitas à comunidade de Aningal, a pesquisadora
teve a oportunidade de conhecer alguns representantes remanescentes, entre eles o
saudoso Sr. Arseno Jerônimo Sapará, que faleceu em 2012, deixando como legado
poucos registros nas entrevistas concedidas à Dra. Olendina Carvalho, estas
relatadas em sua obra, "A Política da Memória do Povo Sapará" (CAVALCANTI,
2012).
Esse contato direto, além da própria vivência da pesquisadora junto à
comunidade, possibilita o desenvolvimento legítimo de atividades envolvendo essa
cultura que tem sido abandonada por não ser registrada ou repetida. Aspectos
culturais, de atividades e até construtivos contribuem para que não se propague, o
13

que torna importante a manutenção dessa cultura na memória local.


1 CAPÍTULO I – AS MOTIVAÇÕES E O PLANO DE PESQUISA

1.1 O DESPERTAR PELA PESQUISA NO DECORRER DA LICENCIATURA


INTERCULTURAL

O que escrever aqui?

1.2 O PROBLEMA

A cultura de um povo é fortemente representada pelos conhecimentos que


carregam. Uma vez que seja identificada certa perda da conexão de uma
comunidade com essa cultura, um dos instrumentos para essa percepção, e
inclusive para a recuperação, pode ser vista justamente na arquitetura. Isso porque
os processos construtivos são realizados com base na visão de mundo, nas crenças
e no modo de viver da própria comunidade.

Ao se considerar estudos acerca do ambiente construído de uma dada


população e sua cultura, importante se faz buscar o aprofundamento sobre
a visão de mundo em que a mesma está inserida, e a partir desse
entendimento, se compreende e se valoriza o significado presente nos
aspectos simbólicos e materiais do espaço edificado e suas relações com
as principais condicionantes advindas do meio circundante (CARRINHOS,
2010, p. 27).

Percebida a ligação direta entre a cultura e a arquitetura, e a perda de parte


dessa técnica milenar pelo tempo, nasce a intenção de se restaurar o conhecimento
e a conexão com ela, e inicia-se um processo por identificar como fazê-lo.
Neste ponto, é natural se voltar ao ambiente educacional, que representa um
espaço no qual o indivíduo está em processo de amadurecimento de personalidade,
e cujas percepções tendem a se expandir por boa parte de sua vida.
Com base nisso, o problema da pesquisa fica assim definido: como podem
atividades em ambiente educacional influenciar no processo de manutenção da
relação de uma comunidade com sua cultura tradicional?
Pretende-se responder a essa pergunta por meio do desenvolvimento, de
fato, de atividades que desempenhem esse papel, a fim de criar uma aproximação
entre o aluno, no caso o da escola local de Aningal, e a cultura que permeia seu
14

povo.

1.3 A JUSTIFICATIVA

Saindo de uma visão estática da educação para uma concepção mais


dinâmica, é importante ter em vista o diálogo existente entre culturas que possam
desenvolver seus mecanismos, suas funções e sua dinâmica, para que o aluno se
sinta à vontade no contexto cultural.
As escolas indígenas, atualmente, têm como objetivo conquistar a autonomia
socioeconômica e cultural de cada povo, contextualizada na recuperação de sua
memória histórica e na reafirmação de sua identidade étnica. Para tanto, é
importante pensar que a identidade indígena não é algo que precisa ser trazido de
fora para dentro do pensamento indígena, mas sim algo que precisa ser enxergado
com o olhar do próprio indígena. Tão somente aí, será possível afirmar que existe
identidade e autonomia cultural.
Os conhecimentos e a arquitetura indígena têm esse olhar para o contexto do
convívio social e cultural da comunidade. Observa-se que há muito o que se
aprender nesse campo do saber local.
Assim, o presente estudo se justifica pela importância em se pesquisar sobre
os conhecimentos indígenas e em se buscar formas de valorizá-los dentro da própria
comunidade, visando a contemplar uma educação diferenciada para as escolas
indígenas e a interculturalidade, isto é, o intercambio positivo e mutuamente
enriquecedor para as diversas sociedades, que deve ser a característica básica para
o ensino diferenciado e de qualidade.

1.4 OS OBJETIVOS

Nos tópicos subsequentes, serão apresentados o Objetivo Geral e os


Objetivos Específicos da presente pesquisa.

1.4.1 Objetivo Geral

Proporcionar aos alunos da Escola Estadual Indígena Inácio Mandulão


discussões sobre os conceitos de cultura e identidade, visando a valorização dos
15

conhecimentos tradicionais, na área da arquitetura indígena, dentro princípios do


respeito e da valorização da diversidade cultural, caracterizando o perfil tradicional
da arquitetura indígena dos povos habitantes da comunidade indígena em estudo.

1.4.2 Objetivos Específicos

a) Conhecer as formas de constução na diversidade;


b) Conhecer e refletir sobre a diversidade da comunidade;
c) Discutir outras possibilidades no trabalho escolar, pensado a partir do
material didático disponível;
d) Inovar as formas de ensinar e aprender.

1.5 O REFERENCIAL TEÓRICO

Falar um pouco sobre conhecimento indígena (não especificamente dos


Sapará, mas sim de forma geral) e a importância em mantê-lo ativo na memória.

1.5.1 A arquitetura indígena

O conceito de arquitetura aceito de modo geral é aquele que se entende


como a arte de criar espaços adequados aos diferentes tipos de atividade humana,
seguindo princípios, normas, materiais e técnicas peculiares a cada local, civilização
e época. Os estudos contemporâneos esclarecem que toda modificação do meio
ambiente praticada pelo ser humano com fins habitacionais ou outras formas de
utilização são manifestações arquitetônicas.

Mas isso nem sempre foi coerente diante do ponto de vista eurocentrista,
que sempre entendeu a arquitetura como expressão material proveniente
exclusivamente de grupos sociais dominantes, com a produção de
edificações construídas com materiais duradouros e elaborados sistemas
construtivos (COSTA; MALHANO, 1987, p. 66).

Essa visão limitadora não considerava as construções arquitetônicas de palha


produzidas pelos grupos indígenas do Brasil, que lograram uma satisfatória
adaptação ao meio ambiente devido ao largo uso desse material (RIBEIRO, 1987).
Nesse conceito, ainda que a arquitetura indígena apresente características
16

elementares nos seus aspectos formais e construtivos, ela materializa espaços que
que refletem uma perfeita adaptação ao meio circundante. Essa expressão material
sustenta uma estrutura organizacional capaz de dar sentido as atividades sociais,
espirituais e econômicas de um grupo. Esta constatação é corroborada por Loch
(2004), quando afirma que:

A forma dá limites organiza simboliza. Ao moldar esse vazio, esse informe


que é o espaço, ela estabelece arquiteturas. Na produção e reprodução de
si mesma, uma sociedade inscreve no mundo visível suas formas de
habitar, de organizar e dispor seus membros sobre o território que ocupa. E
por essa criatividade pela agencia que grupo humanos imprimem na
construção de suas moradias, aldeias, vilas, urbes e metrópoles que
entendo a arquitetura como arte de construção do espaço. Arte porque está
imbuída de significados vinculados a escolha, gosto e beleza, a modos
específicos de ser e estar no mundo. (LOCH, 2004, p. 18).

A arquitetura indígena é uma arte vista como dotada de conhecimentos que


devem ser aprendidos para que sua cultura não seja apenas conhecida como
folclore, mas sim como saberes de uma civilização diferenciada de outras.
A partir do processo de convivência entre os grupos culturais com o ambiente
físico e social, desenvolve-se uma vinculação e, por consequente, uma apropriação
desse espaço, que vai se tornando lugar cheio de valor e sentimentos afetivos,
tomando a própria identidade dos seus habitantes, segundo Tuan (1983), Rossi
(1995) e Gregotti (1975).
Gregotti (1975) fala sobre a visão arquitetônica indígena:

Seu nível de ordem e de invenção, sua idoneidade biológica e sua


capacidade de acolhimento e adaptação, no sentido amplo de estar
convenientemente sobre a terra, em direção as transformações e
esperanças que põem em discussão nossa forma futura de habitar sobre a
terra (GREGOTTI, 1975, p. 183).

Conforme as visões apresentadas, em análise, a casa representa algo mais


para seus habitantes, além de um simples lugar de dormir, e revela muito sobre seu
modo de vida, embora tenha ocorrido várias mudanças no padrão da tipologia das
suas moradias, o que trouxe transformações na conformidade do desenho
tradicional.

1.5.2 A casa indígena


17

Em todas as comunidades indígenas, existem lideranças, que são chamadas


de tuxauas, seus vice-tuxauas, capatazes e outros. Existem, ainda, grupos de
trabalho, a exemplo da organização das mulheres e de grupo de jovens. Esses
grupos são organizados para a divisão dos trabalhos. Tal forma de organização, em
que sempre existe um líder à frente para organizar os grupos e dirigir a divisão do
trabalho, não é recente, estando sempre esteve presente na sociedade.
Weil (1999) afirma que “qualquer grupo social precisa ser dirigido por pessoa
que o guie para atingir os objetivos comuns ou satisfazer os interesses dos seus
membros”.
Ainda de acordo com Weil (1999), essa é uma maneira que os grupos sociais
encontraram para fortalecer os laços sociais e para que o trabalho tivesse maior
produtividade.

Desde os tempos mais remotos das tribos primitivas, os homens tiveram


chefes; além disto, desde o nascimento, a criança está acostumada a
obedecer aos pais e aos professores, até acabar os estudos, efetuando-se
uma simples transferência de autoridade pedagógica a autoridade de grupo
(WEIL, 1999).

Não é diferente nas comunidades indígenas. A organização da comunidade e


a divisão dos trabalhos dependem dos líderes, e estes estão à frente de acordo com
os anseios da comunidade.
Os trabalhos comunitários são realizados em forma de mutirão ou ajuri. O
tuxaua convoca todos os membros para a reunião comunitária para socialização dos
informes, sobre os trabalhos a serem realizados dentro da comunidade. A partir daí
o grupo marca as datas para realização dos trabalhos, no dia do trabalho todos
contribuem, os homens fazem as atividades mais pesadas, e as mulheres ficam na
cozinha preparando as refeições, outros ainda contribuem trazendo de suas casas
bebidas típicas como o caxiri ou aluá.

1.6 A METODOLOGIA

O presente estudo foi realizado com o objetivo de estudar conhecimentos


tradicionais indígenas, tomando-se como objeto de dinâmica escolar sua arquitetura,
e como objeto de estudo o povo Sapará, habitantes da comunidade Aningal.
Seu processo metodológico tem natureza exploratória e qualitativa. É
18

classificada, quanto aos meios, como pesquisa de campo, e quanto aos fins como
intervencionista.
Reis (2008, p. 57) apresenta como objetivo da pesquisa qualitativa “interpretar
e dar significados aos fenômenos analisados”, e explica que, “nessa abordagem, os
resultados não são traduzidos em números, unidades de medidas ou categorias
homogêneas de um problema, como é o caso da abordagem quantitativa”.
Segundo Gil (2017), a pesquisa de campo visa ao aprofundamento de uma
realidade específica, sendo realizada por meio da interação do pesquisador com o
objeto pesquisado, seja por meio de observação direta, de entrevista ou de
questionários. É um estudo que envolve a coleta de dados junto a um objeto ou
público, este representado pelos moradores da comunidade de Aningal.
Na pesquisa intervencionista, o estudo visa a uma interferência na realidade
estudada, para, de fato, modificá-la. Nesta classificação, não se satisfaz com a
explicação do objeto que está sendo estudado. Ela pretende uma intervenção na
realidade deste objeto, no seu dia-a-dia (MARCONI e LAKATOS, 2017; VERGARA,
2007). Ou seja, não se limita a identificar possibilidades e fazer propostas. Tal
mudança, no presente estudo, se dá pela introdução, em ambiente escolar, da
abordagem sobre a cultura histórica por meio da arquitetura, com replicação dos
processos reais ora adotados, desde os conceitos teóricos até os processos práticos
adotados na coleta de material e sobre os tipos, de fato, de materiais utilizados.
Foi utilizado um questionário de caráter geral, aplicado a todos os
entrevistados da comunidade, e um de caráter específico, para as lideranças locais.
Foram desenvolvidas, ainda, em dinâmica de oficinas, maquetes das casas em seus
diversos modelos, como instrumento para conscientização acerca da cultura
arquitetônica em sala de aula.
Espera-se que, com esse trabalho, possam ser valorizados os conhecimentos
tradicionais da comunidade e que todas essas informações possam servir como
fonte de pesquisa para outras pessoas, estando então disponível nos arquivos da
escola.
Almeja-se, também, que a iniciativa seja continuada, de forma que a cultura
local seja valorizada na própria comunidade, em um ambiente altamente propício, o
escolar, onde está sendo constantemente desenvolvida a personalidade dos jovens
alunos que representam e representarão, futuramente, a própria comunidade.
19
20

2 CAPÍTULO II – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO POVO SAPARÁ

2.1 OS SAPARÁ DIANTE DO PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DO RIO BRANCO

Texto.

2.2 O TERRITÓRIO HABITADO PELOS SAPARÁ AO LONGO DO TEMPO

Texto.

2.3 A RELAÇÃO COM OUTROS POVOS E A PERDA DA LÍNGUA NATIVA

Texto.
21

3 CAPÍTULO III – CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A proposta do presente estudo é trabalhada na Escola Estadual Indígena


Inácio Mandulão, junto à comunidade Indígena Aningal, no município de Amajarí, em
2014 e 2015.
A comunidade Aningal está localizada no município de Amajarí-RR, a 28km
da sede municipal e a 180km da capital Boa Vista. A Terra Indígena (TI) Aningal é
uma ilha cercada por fazendas, com 7.627 hectares, demarcada e homologada em
1982.
Atualmente Aningal conta com uma população de 157 pessoas, em 38
famílias, distribuídas nas etnias Macuxi, Wapichana, Taurepang, Macu e Sapará. A
quase totalidade dos moradores não detém o uso da língua indígena.
Na Figura 1, é apresentada a localização da Comunidade de Aningal.

Figura 1 – Localização da Comunidade de Aningal

Fonte: ISA (2022)

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA, 2022), a comunidade ocupa uma


área de 8 mil hectares, tem situação jurídica homologada com registro no
Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e/ou Secretaria do Patrimônio da União
(SPU), jurisdicionada na Amazônia Legal, com bioma caracterizado como Amazônia,
cobertura vegetal predominante de Floresta Ombrófila, também denominada
Floresta Estacional, e Savana, e é banhada pela bacia hidrográfica do Rio Negro.
22

Figura 2 – Comunidade de Aningal em 2016

Fonte: A autora (2016)

A comunidade Aningal possui alguns projetos que estão sendo trabalhados


em curto e longo prazo, tendo como destaque o projeto de gado (bovinocultura), e,
recentemente, iniciou um projeto de ovinos. Existem, ainda, projetos que são
trabalhados em parceria com a escola, um deles notavelmente ativo no período da
pesquisa: o projeto de viveiro de mudas de plantas nativas e exóticas.
A Escola Inácio Mandulão é bastante receptiva a iniciativas locais e culturais.
Por essa razão, acaba se tornando um expressivo laboratório de experiências de
execução de projetos, contribuindo, assim, para com a promoção de conhecimento.

3.1 BREVE HISTÓRICO DA COMUNIDADE DE ANINGAL

O histórico e a organização social e econômica da comunidade foram


levantados com base em entrevista à D. Iraci Sapará, uma das moradoras mais
antigas. Antes de a comunidade ser demarcada e homologada, as famílias viviam
concentradas às margens do Igarapé Arraia e Aningal. Isso foi na década de 1960,
quando eram apenas nove moradores. Alguns dos moradores que viveram em
Aningal vieram da maloca chamada Carapanã, que ficava atrás da Serra de Santa
23

Rosa.

Antes, o Igarapé Aningal não era chamado Aningal. Era chamado Tukutuku,
nome, na língua makuxi, que quer dizer água do bicho. A vovó contava que
era um bicho que morava na a água do Igarapé Aningal e, de tempos em
tempos, fazia um barulho “tucutucu”. Assim era o barulho que o bicho fazia
na água, como um balde enchendo de água. Nós tínhamos medo desse
igarapé, e Aningal foi o nome dado pelos brancos (IRACI SAPARÁ, 2014).

De 1963 em diante, começaram a chegar novos moradores. Os Srs. Alípio –


que morava próximo a escola –, Gregório, Valdomiro, Antônio Calixto – que morava
próximo ao Igarapé Arraia –, Jorge Malhad, e Arcênio. A convivência desses
moradores, muitas vezes, era em áreas de fazenda e objetos para suprir suas
necessidades. Tiravam seu sustento da agricultura, da caça e da pesca, então
abundantes.
As famílias foram crescendo e foi aumentando o número de moradores.
Nomes citados são Jovito, Cirino, Antônio Nascimento, Felipe Nascimento, Valdir,
Adalberto, João Lopes e Severino, todos morando próximo ao Rio Santa Rosa, já na
década de 80.
Na década de 90, quando já estava organizada a comunidade Aningal, houve
conflitos entre os membros da própria comunidade. Um grupo de pessoas se reuniu
na tentativa de dividir o grupo. Formar-se-ia uma comunidade denominada Aningal
2. Porém, esse movimento durou aproximadamente até o ano 2000, quando a
maioria desse grupo decidiu se mudar para Vila Brasil.
A comunidade Aningal era formada por uma única aldeia, com uma
população de 200 pessoas até agosto de 2008. Em agosto de 2011, novamente
repercutiu o processo de divisão da comunidade, e um grupo de 16 famílias se
manifestou e, por motivos diversos, se desmembrou, formando uma nova
comunidade que foi reconhecida e nomeada “Vida Nova”.
No princípio, os moradores cultivavam os costumes do nomadismo. Ora
estavam em um lugar, depois em outro, e essas mudanças de lugar se davam por
motivos diversos, como casamento dos filhos ou pela busca por melhores condições
de vida.
A organização social, naquela época, era a familiar, pois ainda não haviam
nomeado um tuxaua1 para representar a comunidade. Tal nomeação faz parte de

1
Tuxaua: nome dado a um chefe temporal, indivíduo influente no lugar em que mora.
24

uma organização cultural que passou a vigorar em momento posterior.


3.2 PRIMEIRAS LIDERANÇAS

De acordo com a antropóloga local Olendina de Carvalho, durante a sua


pesquisa, a primeira liderança da comunidade Aningal foi representada pelo Sr.
Mandulão, nomeado pelo comandante e pelo Capitão Bessa. Quando da nomeação,
foram entregues farda, perneira, roupa, cinto de parabela, espada e quepe (boné),
carabina, e foram passadas as ordens para representar a aldeia. A partir de então,
passava a ser chamado de chefe ou capitão. Com o passar dos tempos, foi adotado
também o termo de tuxaua na comunidade de Aningal (CAVALCANTI, 2012).
Seguindo a sucessão, alguns tuxauas assumiram, conforme descrição de D.
Iraci Sapará, dizendo: “Miguelzinho foi um dos tuxauas mais antigos. Teve outros
tuxauas também, como seu Gregório, Inácio Mandulão, Paulino, parente da D.
Almira, que era esposa do Sr. Antônio Calixto”.
Cerca de sete anos depois da primeira liderança, assumiu como primeiro
tuxaua o senhor Juvito de Oliveira, permanecendo por três meses. Em 1988, o filho
de Constantino Nascimento, patrono da comunidade Dimas Sapará Nascimento,
ficou no cargo de tuxaua por 10 anos. Em 1998, foi eleito Osmundo Ribeiro Alves,
que atuou até 2008. O atual tuxaua é Sr. Raildo Sapará Torreias, eleito em 2009.
As decisões da comunidade são tomadas em assembleias ou reuniões
comunitárias, que são realizadas mensalmente. Atualmente, a escolha do tuxaua é
realizada por meio de indicação e eleição pela comunidade.

3.3 ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA

Aningal possui uma escola estadual e uma municipal. Existe também um


posto de saúde, uma igreja católica, uma igreja Assembleia de Deus, um espaço
denominado malocão para a realização de reuniões e eventos, um poço artesiano, e
uma casa de farinha de uso comum. A religião predominante é a católica, e em
todos os anos é promovida uma festa, no mês de agosto, em homenagem à
padroeira da comunidade, Santa Clara. Durante o dia, acontece um culto de ação de
graças, batizado e ceia.
Existe também a Igreja Evangélica Assembleia de Deus, que tem sede
própria na comunidade. No entanto, todos vivem em harmonia, e não foi percebido
25

nenhum tipo de conflito entre as religiões.


O rezador geralmente é pessoa mais idosa, e carrega, culturalmente, a
crença de poderes sobrenaturais de cura. É frequentemente procurado pelas mães
de bebês recém-nascidos para benzeduras contra susto e outros.
Com relação à economia da comunidade, está baseada nas atividades do
setor primário, secundário e terciário, como de agricultura, pecuária, pesca, caça e
coleta de frutas silvestres, artesanato e programas sociais (Bolsa Família e Vale
Solidário). As pessoas assalariadas são professores, agentes indígenas de saúde
(AIS), agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes indígenas de saneamento
(AISAN), além da renda dos aposentados e de alguns pensionistas.
A maior parte das famílias sobrevive da agricultura familiar, plantando para o
seu sustento e comercializando os excedentes. A roça é feita de forma tradicional,
por meio das brocas, derrubadas, queimadas e coivaras. Os produtos agrícola
introduzidos na roça são milho, arroz, feijão, banana, mandioca, macaxeira, cana,
melancia, abóbora, abacaxi batata, cará, mamão e pimenta. Também podem ser
encontrados os derivados da mandioca, como farinha, farinha de tapioca, pé-de-
moleque, caxirí e bolo de macaxeira.
A bacaba é uma fruta silvestre que é coletada nas matas no período do
inverno. Assim também como o tucumã, o jatobá, o cajuì, o jutaì, a pitomba do mato,
a mata-fome, a cabeça de macaco e o inajá, que serve como alimento para os povos
Sapará, Makuxi e Uapixana.
Na comunidade, existe a mencionada casa de farinha de uso comunitário, e
parte desse produto é vendido dentro da própria comunidade, gerando, assim, fonte
de renda para a população local. A comunidade, atualmente, enfrenta os impactos
causados pelo uso continuado das matas para o plantio das roças e pela retirada de
madeira e palhas, utilizadas em várias atividades comunitárias e familiares, além da
diminuição da presença de animais silvestres e peixes.
A pecuária é uma das fontes de auto sustento para comunidade, indo além de
mero investimento econômico. O gado é um símbolo de resistência dos povos
Macuxi, Wapichana e Sapará. O coletivo contido nas metas do projeto proporcionou
a transferência do controle intensivo sobre o espaço e populações, exercido pelos
fazendeiros para esfera do controle indígena.
Atualmente, o gado já está integrado à cultura da comunidade, assim como a
escola. Ambos constituem espaço de afirmação de identidade. A comunidade conta
26

com quatro retiros nomeados por retiro Rebolada, com 26 reses e 35 ovinos, Retiro
Saúba, com 49 reses, Retiro Aningal, com 80 reses, Furo Santa Rosa, com 52
reses, e individual, com 30 reses.
A caça também é praticada de forma tradicional. Pode ser encontrada
facilmente devido à proximidade com a Ilha de Maracá, local de conservação, e
fazendas que ficam no entorno da comunidade. A caça mais comumente encontrada
é de porco do mato, tatu peba, veado, anta, paca, cotia e catetos.
A pesca é praticada de forma artesanal. É uma das alternativas que as
famílias buscam tanto na complementação do alimento como para fonte de renda.
Os artefatos de pesca são malhador, espinhel, linha, anzol, galão e canoa.
Em relação ao meio ambiente, na comunidade Aningal, existem três áreas
preservação, como ilhas de matas que não foram exploradas. Atualmente, a
comunidade visa a conservar e preservar o meio ambiente de forma sustentável.
Há preocupação, por parte da escola, em relação ao tratamento do lixo, que
representa um problema local. É comum que seja depositado nos quintais, campos,
estradas e igarapés, consequência das mudanças no padrão de consumo dos
moradores. Neste sentido, a equipe escolar tem buscado trabalhar a questão como
conteúdo e tema de aulas, na tentativa de promover uma educação ambiental e de
qualidade.
O artesanato indígena dificilmente é percebido na comunidade. Somente
algumas pessoas mais idosas ainda confeccionam utensílios de uso, como peneira
feita de arumã para fazer farinha.

3.4 A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA COMUNIDADE

Texto.

3.5 O ATENDIMENTO À SAÚDE

A saúde da população local está baseada, por vezes, em práticas de


tratamentos naturais e tradicionalmente aplicados, com utilização de ervas e plantas
medicinais, auxílio de benzedores, e até mesmo busca por pajés para um tratamento
mais prolongado.
Na comunidade, existe um posto de saúde, que atende com medicamentos
27

fornecidos pela Secretaria de Saúde Indígena (SESAI). Em casos mais graves, o


paciente é removido para o hospital, na sede do município, ou ainda para a capital
Boa Vista.
Quando se trata de acompanhamento médico, os pacientes são
encaminhados à Casa de Saúde Indígena (CASAI). No posto de saúde local,
trabalha um agente de saúde e um agentes de saneamento básico, contratados pela
missão Kaiuá. Possui, ainda, radiofonia de emergência que funciona 24 horas. O
atendimento médico é realizado quinzenalmente pela equipe médica da SESAI.
28

4 CAPÍTULO IV – OS CONHECIMENTOS INDÍGENAS DO POVO SAPARÁ NA


COMUNIDADE ANINGAL

No presente capítulo, são abordados conhecimentos indígenas do povo


Sapará na comunidade Aningal, cujo levantamento foi realizado por meio das visitas
locais e das entrevistas aplicadas.

4.1 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS HABITAÇÕES

As habitações, na comunidade, são feitas no estilo tradicional, com palha de


buriti e paredes de taipa. Por vezes, é utilizado o adobe, e há também aquelas que
são feitas de palha de inajá. Atualmente, existem algumas casas feitas de alvenaria,
como também de madeira trabalhada com o motosserra. As habitações, em sua
maioria, são pequenas. Quando a família aumenta, os moradores constroem outra
casa, em geral do mesmo tamanho.
São adotados, para situações de destaque, construções no formato circular,
como acontece com o conhecido malocão, local principal para realização de
diversos eventos, como reuniões comunitárias, palestras, celebrações em datas
comemorativas e a festa da padroeira, sendo a principal construção da comunidade.
No entanto, o estilo das construções que ainda expressam seu valor tradicional
dentro da comunidade é o das casas no modelo retangular. Com planta alta, esse
modelo é aplicado geralmente nas casas familiares.
Por muito tempo, a iluminação usada nas casas acontecia por meio de
lamparinas e candeeiros (peça feita com fios de algodão e gordura animal), Em
2008, foi instalado um motor gerador de energia e, em 2011, por meio do Programa
Luz para Todos, do Governo Federal, a comunidade passou a dispor de energia
elétrica em tempo integral, o que se mantém até os dias atuais.
É comum que se escolham para as construções os lugares altos, onde, em
tempos de chuvas, não há grande probabilidade de encharcamento. Nas áreas
encharcadas, a madeira dura menos tempo. Já em áreas altas, a terra fica seca por
mais tempo, contribuindo para maior durabilidade da madeira, que fica diretamente
em contato com o solo. Augusto Sapará, morador, afirma que, devido à convivência,
não são visíveis diferenças construtivas entre os povos, pois a troca de
conhecimento tornou isso evidente.
29

Outro fator que contribui para a escolha do local em terrenos altos é a posição
da casa. De acordo com a antropóloga local Olendina de Carvalho (CAVALCANTI,
2012), da casa no alto, daria para ver o inimigo se aproximando.
Prioriza-se lugares próximos de um igarapé ou de um olho d’água, (como é
chamado as nascentes) para construção de cacimbas para abastecimento de água
na casa. Como de costume, primeiramente é feito uma limpeza no local e também
uma análise do terreno.
O tempo certo para tiragem dos materiais para a construção da casa, como
as madeiras, palhas e outros, segundo as informações dos anciões e dos
construtores da comunidade, é em períodos em que as noites estão escuras.
Segundo Raildo Torreias, tuxaua da comunidade Aningal, uma casa de palha,
quando tirados os materiais no tempo certo, dura, no mínimo, 10 anos até precisar
receber as primeiras manutenções. Quando não observado esse tempo, no máximo
quatro anos. Há, entre os moradores, quem estime, para este último caso, somente
dois anos.

4.2 O RITUAL DE DEFUMAÇÃO

A defumação de uma casa é feita pelo morador após ter concluído as obras
da construção. Quando a casa ainda está nova em toda sua estrutura, com palhas
novas, madeiras novas, é o momento de se efetuar a defumação.
Na defumação, usa-se maruai breu e cera da abelha arapuá. O ancião da
casa coloca tudo num recipiente, acrescenta brasa, e posiciona dentro da casa, ao
centro, deixando que a fumaça tome de conta de todos os ambientes.
A partir daí, todos os que irão morar na casa participam com reverência
enquanto o ancião faz a oração na língua indígena, chamando o nome dos “bichos”
que poderiam estranhar a presença da nova casa e de seus novos habitantes.
Permeia-se o entendimento de que, antes da casa humana, naquele local já
habitavam outros seres viventes ou ainda era a passagem de algum. O ritual serve
para comunicar a presença humana sem agredir os espíritos habitantes do lugar.
Outro rito a seguir são as observações do período de tiragem da madeira, da
palha, entre outros, seria ironia dizer-se que não sabem, é que os avanços
tecnológicos têm alcançado também as comunidades indígenas trazendo assim a
mistura de práticas culturais entre uma sociedade e outra.
30

4.3 O USO DE MEDICAMENTOS NATURAIS PARA TRATAMENTO DE DOENÇAS

Texto.

4.4 A ÉPOCA DO PLANTIO E COLHEITA NAS ROÇAS

Texto.
31

5 CAPÍTULO V – INTERVENÇÃO: A DINÂMICA REALIZADA NA ESCOLA LOCAL

As atividades realizadas para este projeto de pesquisa - ciências sociais,


consistiram em elaborar um plano para a execução da proposta pedagógica. Para
que isso ocorresse, foi elaborado um questionário para entrevistas com os anciões e
lideranças da comunidade, sobre os conhecimentos cosmológicos dentro da
arquitetura indígena, e um outro questionário que foi direcionado aos professores da
escola indígena Inácio Mandulão.
Foi trabalhado com os alunos, na semana do índio, um conjunto de atividades
que foram propostas pelos professores: pinturas corporais, jogos indígenas, culinária
indígena, bebidas tradicionais e arquitetura indígena.
A ideia de trabalhar por temas contextuais surge quando se percebe que,
entre os professores, há acadêmicos de outros cursos, além do curso de licenciatura
intercultural, como cursos de pedagogia, licenciatura em matemática, letras e outros.
Cada acadêmico tem sua proposta a ser construída e trabalhada na escola, e,
de acordo com os temas, planejam seus projetos, que são apresentados à gestão e
ao corpo docente para socialização de informações e melhoramentos daquilo que irá
ser aplicado aos alunos em sala de aula.
Esse foi um dos pontos positivos encontrados: a oportunidade de colocar em
pratica a proposta de arquitetura indígena.
As práticas desenvolvidas no decorrer do mês de abril foram a construção de
maquetes e a elaboração de questionário para a realização proposta pedagógica na
escola. O público alvo foi um grupo de alunos do 6ºao 9º ano, composto por sete
alunos, que se identificaram com o tema.
O trabalho foi proposto na escola e foi aceito por parte do grupo docente,
tendo como colaborador o professor de matemática, que contribuiu bastante na
execução, utilizando as medidas e a construção da maquete do malocão comunitário
para incentivo no trabalho escolar.
As disciplinas diretamente trabalhadas foram: geografia, em que foi
contextualizado e trabalhado o conceito de lugar e espaço; matemática, em que foi
trabalhado sobre medidas e cálculos; e história, em que o trabalho envolveu as
historicidades do efeito da colonização do contato entre a população nativa e o
europeu.
32

5.1 A PRÁTICA PROPOSTA DENTRO DA ESCOLA

A proposta pedagógica foi elaborada para ser trabalhada na escola indígena,


com um ensino diferenciado visando ao aprendizado dos alunos sobre os
conhecimentos tradicionais, valorizando então os saberes locais. O primeiro
momento pesquisa foi pautado em apresentar a proposta à gestão da escola e à
comunidade. A percepção foi de boa aceitação por ambos. Raildo Torreias, tuxaua
da comunidade Aningal, diz:

Esse tipo de pesquisa é muito bom, porque nós temos muitos


conhecimentos que não estão sendo repassados para nossos filhos. Quem
sabe mais sobre isso são os mais idosos, e eles já estão nos deixando, e
levam consigo seus saberes (TORREIAS, 2015).

Nessa fala do tuxaua, entende-se que há uma preocupação em relação aos


conhecimentos culturais que os anciões possuem e o aprendizado dos jovens
atualmente. Atender as reais necessidades dos alunos e seu aprendizado nos
conhecimentos teóricos e práticos é um dos resultados esperados por parte dos pais
e das lideranças da comunidade.
Durante os meses de convivência com a população, ficou perceptível que
muito daqueles conhecimentos ou rituais que se via fazer em outrora ao construir
uma casa nova pouco são ainda mantidos.

5.2 RESULTADO OBSERVACIONAL

Os modelos habitacionais encontrados na comunidade indígena Aningal


foram casas de madeira, alvenaria e casas tradicionais, sendo:
a) Sete casas de alvenaria;
b) Nove casas de tábua coberta de telha, dos moradores Frank, Jair,
Augusto, Roberto, Odeir, Ozenir, Carlos e Janaina;
c) 12 casas tradicionais, de João Sampaio, Juvito, Ismael, José Nilton,
Dilene, Margarete, Edmar, Castelo, Armando Airton, Francisca, Raildo,
Eliana e Izaine.
Embora a terra indígena Aningal seja uma área rica em materiais propícios à
construções dos edifícios tradicionais, vem ocorrendo um desestímulo pela
33

manutenção dessa arquitetura por parte dos habitantes. Assim, tem-se tornado
comum a mudança dos moldes tradicionais para formas mais modernas de
construção.
A seguir, são apresentados alguns exemplos que elucidam essa mudança. Na
Figura 3, é mostrado um modelo mais rústico de construção, com madeira roliça
retirada direto da mata, sem uso de ferramentas modernas, e coberta com palha de
buriti.

Figura 3 – Construção em moldes rústicos

Fonte: A Autora (2015)

Na Figura 4, é apresentado um local comunitário sendo construído com


madeira trabalhada, uso de ferramentas como parafusos, pregos, característicos de
construções mais modernas.

Figura 4 – Construção com técnicas modernas

Fonte: A Autora (2015)


34

Na Figura 5, é apresentada uma casa indígena construída em alvenaria, o


que é resultado da aquisição de novos conhecimentos de construção e condição
financeira.

Figura 5 – Casa em alvenaria

Fonte: A Autora (2015)

Essa percebida mudança tem seu aspecto positivo pela introdução do que é
moderno, mas corrobora para com o esquecimento das culturas e do que é
tradicional.

5.3 CONSTRUÇÃO DE MAQUETES

Para o estudo, no ambiente escolar local, da arquitetura indígena na


comunidade Aningal, optou-se pela construção de maquetes nos modelos cônicos e
retangulares, respectivamente referentes ao malocão e às casas familiares.
35

Foi possível, por meio da dinâmica, dialogar com os alunos a fim de se


confirmarem as práticas construtivas culturais do local. Os alunos afirmaram que o
trabalho construtivo é baseado nos conhecimentos cosmológicos, e o objetivo é
aprender os mais diversos aspectos da vida coletiva que os grupos humanos têm a
respeito da natureza e do mundo.
Foi reafirmada a prática de tiragem das palhas e madeiras em noite escura,
para que durem o suficiente. Apontaram a utilização, para as estacas, madeiras de
pau rainha, pau d’arco e itaúba; para a parte superior, como caibros, linhas,
travessas e cumeeira, de madeiras como cabeça de macaco e cabeça de guariba;
para a cobertura, palhas das palmeiras buriti e inajá; e na amarração, utilizam-se
pregos e enviras.
Foram utilizados, na elaboração das maquetes, formas e materiais que eram
originalmente adotados nas construções, de fato, e isso proporcionou um contato
mais íntimo com a cultura histórica. Foram trabalhadas a teoria e a prática,
respectivamente em sala de aula e em campo.
Na Figura 6, é apresentada uma maquete desenvolvida em aula que
representa o malocão, construção já mencionada em formato cônico utilizado para
realização de reuniões, festas, assembleias e velórios.

Figura 6 – Maquete desenvolvida em aula representando o malocão

Fonte: A Autora (2015)


36

Foi apresentado todo o processo construtivo local, por um período de uma


semana, desde a retirada da madeira, os tipos de material utilizados, os
conhecimentos sobre os período de retirada da madeira, os processos para cada
etapa construtiva. Foi, também, evidenciado o aspecto ecológico, que se apresenta
justamente nos tipos de material, uma vez que o barro volta ao barro. Quando uma
casa indígena é deixada, o material se decompõe mais naturalmente prejudicando
menos o meio ambiente.
Na Figura 7, outra maquete desenvolvida em aula, representando uma casa
de morada, ainda faltando as paredes.

Figura 7 – Maquete desenvolvida em aula representando uma casa de morada

Fonte: A Autora (2015)

Colmo se percebe pelas figuras, e reafirmando o que já foi afirmado, o


processo de desenvolvimento das maquetes seguiu o processo construtivo real,
adotando-se materiais, de fato, utilizados na arquitetura da comunidade, a fim de se
representar realmente, em miniatura, a forma como tudo era feito.
As práticas pedagógicas foram desenvolvidas dentro do tema contextual
37

“identidade e cultura”, que estava no plano para ser trabalhado no primeiro bimestre
do ano letivo de 2015. A primeira atividade realizada foi a observação do malocão
pelos alunos, inclusas instruções para anotação e desenho.

5.4 REFLEXÃO SOBRE O PERCURSO DO PROJETO

Este capítulo apresenta o percurso do projeto realizado junto à comunidade


indígena investigada, de Aningal, e por meio de pesquisas bibliográficas, de campo
e documentais.
Aqui, é apresentado um texto reflexivo analisando o percurso do projeto como
um todo, com conclusões e propostas de solução para os problemas analisados e
enfrentados.

5.4.1 Motivações que levaram ao estudo

Conforme evidenciado anteriormente, o principal motivador para a escolha do


tema e dos processos realizados junto à comunidade de Aningal foi a percepção
pela perda gradativa do contato com as raízes da cultura local, o que teve início com
o processo de colonização do território de Roraima, processo que se repetiu em todo
seu espaço.
Por meio da pesquisa, constatou-se que a comunidade em questão sofreu por
consequência de não se submeter aos trabalhos forçados pelos colonizadores.
Conforme o tempo passava, foi sendo deixada à margem e, com isso, diminuindo.
Também é perceptível a tentação individual em se abandonar essas dificuldades e
ceder às facilidades de uma nova forma de se viver e conviver, o que não é visto
como problema pela pesquisadora. A questão é que, pensa-se, poderia existir um
equilíbrio, a fim de que não se perdesse no tempo o que outrora foi a essência
daquele povo.
Um aspecto bastante evidente e facilmente perceptível dessa mudança é a
arquitetura. As práticas construtivas adotadas em outros tempos vão dando lugar a
um processo mais moderno. No entanto, esse benefício carrega também o problema
de se legar ao esquecimento os conceitos e princípios que vigoravam em outro
tempo.
Assim, foi feita a escolha pela abordagem, junto aos alunos da escola local,
38

sobre a arquitetura clássica da comunidade, a fim de que não seja esquecida sua
base e estrutura, sobretudo no que diz respeito à sua ligação com as crenças e os
costumes.
5.4.2 Processos adotados

Os remanescentes da comunidade de Aningal, sobretudo suas lideranças,


manifestam o pesar pela perda dessa cultura, e se esforça na intenção de mantê-la,
ainda que em vestígios.
É inegável que uma revolução real, que se sustente, independentemente da
área ou dos objetivos, tende a ser mais efetiva quando iniciada no ambiente
educacional, principalmente em seus anos iniciais, porque é justamente aí que está
sendo formada a personalidade dos indivíduos. Assim, foi idealizado o objetivo do
presente estudo, de proporcionar aos alunos da Escola Estadual Indígena Inácio
Mandulão discussões sobre os conceitos de cultura e identidade, com uma
perspectiva voltada à valorização do ensino e aprendizagem, por meio dos
conhecimentos tradicionais, na área da arquitetura indígena, dentro dos estritos
princípios do respeito e da valorização da diversidade cultural, caracterizando o perfil
tradicional da arquitetura indígena dos povos habitantes da comunidade indígena em
estudo.
Visou-se, com o processo, entregar àqueles alunos uma percepção mais
próxima do que já foi a comunidade, das suas culturas, não com o intuito de manter
um formato de existência imutável, mas de tornar vivas e registradas, reconhecidas,
as características da cultura que representa as raízes desse povo.
Foi percebido, por meio da pesquisa observacional, que os costumes práticos
vigentes já são ensinados espontaneamente às novas gerações, a exemplo dos
trabalhos realizados em bovinocultura e ovinocultura, assim como o viveiro de
mudas de plantas nativas e exóticas.
Assim, os processos que foram vislumbrados e executados, de fato, tiveram
sua localização na comunidade acadêmica. Conheceu-se sobre a cultura histórica
da comunidade, mas a prática desenvolvida se deu por meio de dinâmica
envolvendo maquetes representativas da arquitetura originalmente adotada em
Aningal.

5.4.3 Dificuldades enfrentadas


39

Conforme foi evidenciado quando do estudo sobre a caracterização da


comunidade, a Escola Inácio Mandulão é bastante receptiva a iniciativas locais e
culturais. Por essa razão, acaba se tornando um expressivo laboratório de
experiências de execução de projetos, contribuindo, assim, para com a promoção de
conhecimento.
Essa característica em muito contribui para com a realização de projetos
como o que se apresenta neste volume, e minimiza as dificuldades encontradas no
decorrer do processo.
Assim, saindo da esfera da receptividade e da predisposição, ficou percebida
como principal dificuldade, de fato, a própria evolução tecnológica, aqui
considerando tecnologia como, principalmente, conhecimento sobre métodos e
processos construtivos e de convivência. É fato que formatos mais modernos de
construção e facilidades de vivência atribuídas à forma como a sociedade vem se
moldando de forma geral são atrativos. É esperado que as pessoas queiram viver
com menos dificuldade, com mais conforto, com maior segurança e praticidade. Ou
seja, o que se percebe não é uma resistência à manutenção da cultura mais antiga,
e sim uma predisposição a essas características facilitadoras que a forma social
moderna proporciona.
Neste sentido, não se espera que a comunidade permaneça estacionada em
um modo de vida de tempos passados, mas sim que não se esqueça de suas
origens. As dificuldades, portanto, são mais referentes à manutenção do contato
com a cultura, em si, do que à realização do projeto idealizado na escola local, este,
de fato, tendo sido bastante fácil de se realizar.
Para ele, a questão de dificuldade prática mais proeminente foi a locomoção.
Todos os processos demandaram locomoção por distâncias consideráveis, o que
reduziu as possibilidades de interação e ação constantes. Para a ação no ambiente
educacional, esta foi, talvez, a única dificuldade legitimamente enfrentada.

5.4.4 Resultados alcançados

O projeto em questão é apresentado, ao mesmo tempo, como um instrumento


que promove uma ação inicial no sentido de se colocar em evidência, junto aos
alunos da Escola Inácio Mandulão, a cultura histórica da comunidade de Aningal, e
40

de atender a um preceito bastante repetido nos Parâmetros Curriculares Nacionais


(PCNs), e aqui cabe uma breve explanação sobre esse e outros documentos oficiais
do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Os PCN são documentos oficiais do Ministério da Educação e Cultura (MEC),
publicados originalmente em 1997, e carregam o objetivo de promover reformas na
educação nacional que levassem o Brasil a um patamar de, pelo menos, menor
desvantagem educacional em relação aos países desenvolvidos (MORAES, 2005).
Os PCN abordam as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências
Naturais, História, Geografia, Artes, Educação Física e Língua Estrangeira (BRASIL,
2000).
Em complemento, foram publicados, também pelo MEC no ano de 2000, os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), que carregam
objetivos similares aos PCN, entretanto, com foco neste nível de ensino. De acordo
com os PCNEM (BRASIL, 2000), a ideia é promover a eliminação do caráter
fragmentado do ensino assim como a metodologia baseada na passagem simples
de informações, dando espaço a uma metodologia interdisciplinar e contextualizada.
Ainda, na linha dos documentos oficiais relacionados aos PCN, foram
publicadas em 2007 as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (PCN+), que
carrega cunho mais prático do que os demais, apresentando sugestões de
procedimentos pedagógicos de forma direta e detalhada quanto ao seu conteúdo,
em três documentos distintos, tratando as áreas de Ciências Humanas e suas
Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; e, Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias (BRASIL, 2007).
Nesse conjunto de documentos, é sugerido que sejam implementados no
currículo escolar temas transversais, ou seja, dirigidos a promover uma interligação
entre as disciplinas, sendo tratado em todas elas ou em um conjunto de algumas
delas (ALBRECHT, 2008).
Seguindo essa premissa, as disciplinas diretamente trabalhadas, conforme já
evidenciado, foram a geografia, em que foi contextualizado e trabalhado o conceito
de lugar e espaço; a matemática, em que foi trabalhado sobre medidas e cálculos; e
a história, em que o trabalho envolveu as historicidades do efeito da colonização do
contato entre a população nativa e o europeu.
A dinâmica adotada foi de construção de maquetes, representando a
arquitetura indígena na comunidade, a fim de se dialogar com os alunos e inserir em
41

sua formação cultural o conhecimento sobre suas próprias origens, sobretudo a


relação entre as pessoas e a natureza e o mundo, aspectos que eram, conforme
percebido por meio do que foi manifestado pelos moradores mais antigo, muito
levados em consideração na forma de se viver e construir de outrora.
Cuidou-se de utilizar, na elaboração das maquetes, formas e materiais que
eram originalmente adotados nas construções, de fato, e isso proporcionou um
contato mais íntimo com a cultura histórica.
A recepção percebida foi positiva, e, pensa-se, pode se tratar não somente de
uma forma a ser repetida de ensino, mas inclusive ampliada. As possibilidades de
combinar os conteúdos das disciplinas com a apresentação da cultura histórica é
real, e os alunos se manifestaram receptivos a conhecer de uma forma mais
concreta sobre como seu meio funcionava em tempos nos quais não estiveram
presentes.
Conclui-se que a iniciativa teve resultado positivo, e que não há aspectos
negativos que impeçam sua continuidade. Não se sabe se a pesquisadora poderá
acompanhar indefinidamente a replicação do processo, e sua continuidade depende,
em muito, da própria predisposição do corpo acadêmico local. Espera-se, no
entanto, que a iniciativa não seja abandonada, visto que gerou resultados
encorajadores.
Considera-se que o trabalho ficou visivelmente registrado na escola e na
comunidade. Não se espera que a comunidade viva paralisada e estacionada em
modos de vivência ultrapassados, mas tão somente que a cultura que representa
suas raízes não seja abandonada, que seja difundida e conhecida. Não se pretende
parar o tempo, e sim que a cultura local não seja esquecida.
42

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio das informações apresentadas no estudo, fica evidente a relação


cultural das comunidades indígenas com o meio, especificamente, para a pesquisa,
observando-se o povo Sapará, da comunidade Aningal. Tratando do objeto da
dinâmica de aula, percebe-se que as construções indígenas carregam consigo
técnicas de uma arte milenar que, historicamente falando, resiste, ainda que em
meio a obstáculos, ao tempo e que foi capaz de sobreviver aos processos de
colonização europeia. Ficou constatado que, ainda hoje, existem vestígios concretos
dessa técnica, o que está se perdendo com o tempo, aos poucos, refém da
arquitetura europeia e da evolução natural da cultura e do processo construtivo.
A cultura local cada vez mais seguindo em um processo de fusão com a
própria cultura brasileira demonstra que a capacidade do ser humano de adaptação
é uma arte da vida. No entanto, em contraposto, as bases culturais e históricas vão
se perdendo.
Os povos indígenas têm seus conhecimentos baseados na relação entre o
homem e a natureza. A exemplo da arquitetura, quando se constrói uma habitação,
sendo ela para realização de eventos como são conhecidos os famosos malocões
no estilo cônico, os processos se desencontram com os atuais, e envolvem o
reconhecimento das épocas anuais, dos elementos naturais e do legado que o
homem deixa ao ambiente.
Diante da defasagem do contato entre o povo e sua cultura histórica, a escola
é uma parceira no sentido de manter viva a memória e o conhecimento acerca das
origens da comunidade local, por meio de uma prática educacional dinâmica, que
proporcione a adoção da cultura como objeto de estudo transversal.
Texto em construção.
43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBRECHT, E. Diferentes metodologias aplicadas ao ensino de astronomia no


Ensino Médio. Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências e Matemática), Universidade Cruzeiro do Sul. São Paulo, 2008.

BRASIL, Ministério da Educação (MEC). Secretaria da Educação Média e


Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC,
2000.

BRASIL, MEC. PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares


aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 2007.

CAVALCANTI, Olendina de Carvalho. A política da memória Sapará. Manaus:


Edua, 2012.

CARRINHO, Rosana Guedes. Habitação de interesse social em aldeias


indígenas: uma abordagem sobre o ambiente construído Mbyá-Guarani no litoral de
Santa Catarina. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Centro Tecnológico. Florianópilis, SC, 2010.

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GREGOTTI, V. Território da arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1975.

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Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3581. Acesso em:
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LOCH, Silvia. Arquiteturas xoklengs contemporâneas: uma introdução à


antropologia do espaço na Terra Indígena de Ibirama. Dissertação (Mestrado em
Antropologia Social) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC,
2004. Disponível em: https://1library.org/document/zlmwrjgy-arquiteturas-xoklengs-
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45

APÊNDICE A – Roteiro de questionário / entrevista

Roteiro de entrevista para representantes da Comunidade Aningal e


Lideranças Indígenas

Entrevistados

1. Tuxauas
2. Paulo (Sapará)
3. José Nilton (Macuxi)
4. Representante do povo Wapichana

Dados pessoais

Nome:
Função:
Data de Nascimento:
Etnia:

Perguntas

1. Como é feita a escolha do local? E qual seria a melhor área para se


construir uma casa indígena?
2. Qual o tempo certo para tiragem dos materiais para a construção da casa,
como as madeiras, palhas e outros?
3. O que acontece se os materiais não forem tirados no tempo certo?
4. Quais eram as ferramentas utilizadas no passado e quais se usam
atualmente?
5. Por quanto tempo dura uma casa até ter suas primeiras mudanças?
6. Qual o modelo ou arquitetura mais utilizada? Como são chamados outros
modelos de casas?
7. Qual o material comumente utilizado?
8. Ainda existe algum ritual para passar a morar em casa nova, como uma
inauguração?
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9. Qual madeira mais resistente aos efeitos do solo?


10. Como são transmitidos esses conhecimentos aos jovens? Na escola? Em
casa? Com a participação nos trabalhos?
11. Atualmente, como estão sendo trabalhadas as casas indígenas?
12. As pessoas ainda observam a cosmologia para construir uma casa?
13. O que é feito com as casas velhas? abandonam ou ainda reformam? São
desmanchadas?
14. Existe alguma diferença ou semelhanças entre as casas dos Macuxi,
Wapichana, e Saparás? Qual?

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