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1) “Simplificar o jogo político”: tal modelo propõe que com menos agentes no jogo político torna-se
mais fácil atribuir a responsabilidade das decisões tomadas, facilitando o exercício da
accountability. Para isso exige alguns fatores, como “formação de maiorias governamentais
sólidas e uma alta capacidade de controle do poder executivo na formulação e aplicação de
políticas”. Indica-se um sistema bipartidário e voto distrital – cada eleitor tem de acompanhar
apenas um parlamentar. No entanto o modelo apresenta algumas falhas, “cidadãos que devem
escolher entre poucos candidatos têm mais chance de optar ‘corretamente’ com um mínimo de
informação, mas menos chance de encontrar alguma alternativa que se aproxime daquilo que
corresponde à sua visão de mundo e seus interesses” – ou seja, mais fácil eleger efetivamente com
menos informação, mas diminui a diversidade das opções.
2) Redução do “escopo da accountability, limitando-a, em particular, a formas de controle sobre a
corrupção”: “O papel dos cidadãos deixa de ser o de formulação da vontade coletiva para ser o
de fiscalização do Estado, a partir de um código moral compartilhado”; “São estratégias que
tornam mais fácil a efetivação da accountability, mas ao preço de rebaixar o sentido da
democracia, na medida em que abrem mão da ideia de governo popular”; “O bom funcionamento
da accountability vertical vai depender da existência institucional de sanções efetivas sobre os
representantes, da provisão de informação adequada e plural (não apenas sobre a atuação dos
governantes, mas sobre o mundo social de forma geral) e de interesse pela política disseminado
nos diferentes grupos da população”.
* Atualmente as democracias apresentam as sanções do tipo eleitoral, mas falham nos demais
quesitos. Em relação a provisão de informações “o pluralismo dos meios de informação é
limitado, seja pelos constrangimentos profissionais, seja pela pressão uniformizadora da
concorrência mercantil; ou, ainda mais importante, devido aos interesses comuns dos proprietários
das empresas de comunicação de massa, que, aliás, formam um mercado cada vez mais
concentrado” – ou seja, o a indústria midiática é um mercado demasiadamente fechado, e
monopolizado de certa maneira, somente os mais fortes e mais ricos, as empresas que possuem
mais influência permanecem no mercado, as demais são ou ‘destruídas’ ou são compradas por
essas (a informação está sujeita as impressões ‘pessoais’ de seus meios, que são limitados). Outro
fator muito importante proveniente da destruição informativa é o seu caráter desigual, “via de
regra, pessoas pertencentes aos grupos de menor poder político, como trabalhadores, mulheres ou
minorias étnicas, são também as que revelam menor interesse pela política” – uma vez que ou não
recebem as informações, ou as que recebem apresentam uma escrita muito complexa, de difícil
entendimento, impossibilitando que entendam e por conseguinte se interessem pela política,
processos e decisões a que estão sujeitos.
“Os problemas da representação política nas democracias eleitorais têm levado ao surgimento de
propostas inovadoras”, as quais buscam atingir um ou mais dos seguintes objetivos:
Todos os quatro se apoiam no seguinte fato: “A separação entre uma minoria governante (...) e a
massa governada gera vieses no processo de tomada de decisões que comprometem seu caráter
democrático e que os mecanismos formais de supervisão sobre os representantes não são capazes de
sanar”.
1) “Cerceamento da liberdade do eleitor-cidadão, já que sua escolha seria limitada por critérios
prévios de representatividade de determinados grupos ou mesmo descartada em favor de uma
seleção aleatória”.
2) “Provável redução da competência dos governantes, que levaria tanto à diminuição da efetividade
da ação governamental quanto à ampliação do poder das burocracias de Estado. (...) contra o
princípio democrático de rotação entre governantes e governados”.
3) Redução da accountability: “Na medida em que o acesso aos postos de decisão depende menos da
vontade dos governados – e mais de regras prévias de distribuição das vagas entre grupos ou
então, no caso de seleção lotérica, da sorte –, a responsividade dos governantes à vontade popular
estaria seriamente comprometida”.
Seleção aleatória: “Sorteios garantiriam a igualdade absoluta entre os cidadãos”. “Muitas dessas
propostas [sorteio] guardam contato com a ideia de democracia deliberativa (...). Os corpos de cidadãos
selecionados aleatoriamente seriam espaços de trocas argumentativas sobre as questões públicas, que
resolveriam os problemas de escala, próprios da esfera pública ampla, sem cair nos vieses da escolha
eleitoral ou meritocrática. (...) nesses espaços seria possível saber aquilo que o povo pensaria se pudesse
refletir sobre as questões” – tais espaços não têm caráter decisório, não tem poder efetivo de modificar o
status quo, possuem a função de refletir sobre as vontades dos representados e obrigar os representantes a
responderem a essas vontades.
- “Uma última vantagem da seleção aleatória seria a garantia de representatividade (no sentido mimético)
da população. Com base na lei grandes números, é possível afirmar que haveria uma proporcionalidade
aproximada dos diferentes setores no corpo governante”.
- “De todas as propostas de transformação dos mecanismos de seleção de representantes, o sorteio é a que
avança de forma mais decidida em direção aos quatro objetivos citados acima, embora ao custo de
maiores perdas de autoridade para a população comum”. “No entanto, a ausência de compromisso do
sorteado em relação àqueles que deveria" representar" torna a alternativa pouco atraente”.
Cotas eleitorais: exigem uma decisão previa sobre quais grupos deverão ser beneficiados, no entanto,
ao determinar, esse mecanismo tende a atenuar as diferenças políticas que desejava extinguir.
- “As cotas eleitorais representam uma abordagem mais moderada, mas mais factível. Elas têm impacto
pequeno, embora não nulo, no quarto objetivo (ampliação da rotatividade entre governantes e
governados), mas prometem avanços significativos no que se refere aos outros três. Ao contrário da
seleção aleatória, que levaria à melhoria da representatividade mimética dos corpos decisórios, mas cujo
procedimento inicial é a atomização dos cidadãos, as cotas estão ligadas à ideia de representação de
grupos” – solucionam, ou pelo menos tentam solucionar um problema expressivo da democracia
representativa, que é a sub-representação de grupos sociais (minorias – mulheres, negros, indígenas, etc).
- “os mecanismos de ação afirmativa são a demonstração de que a mera igualdade formal é insuficiente;
que ela perpetua, recobre e, em última análise, legitima a desigualdade substantiva. Mas a defesa de cotas
eleitorais, em particular, revela também outro fato: a valorização dos mecanismos institucionais de
representação”.
“A afirmação da relevância política dos grupos sociais leva a uma ruptura com o individualismo
abstrato que marca o pensamento liberal”.
“O conflito dessa posição [cotas eleitorais] com o liberalismo político reside na defesa do direito das
mulheres ou de outra minoria - isto é, de um grupo - a terem seus interesses representados na arena
política. Embora a filosofia liberal clássica não negue, em abstrato, a possibilidade de um interesse de
grupo (sempre redutível aos interesses de seus integrantes), ela nega que os grupos possam ter direitos. O
único sujeito de direito é o indivíduo”.
“qualquer justificativa para uma política de cotas implica o rompimento com a visão liberal-utilitarista
de formação dos interesses .Isso não significa que seja possível justificar políticas de cotas a partir de uma
compreensão simplista dos interesses compartilhados das integrantes de grupos minoritários”.
“Neste sentido, é útil o deslocamento proposto por Iris Marion Young (2000), que fala em "perspectiva
social" em vez de "interesse". O acesso das mulheres às deliberações públicas seria necessário não porque
elas compartilham das mesmas opiniões ou interesses, mas porque elas partem de uma mesma perspectiva
social, vinculada a certos padrões de experiências de vida” – ou seja, é importante que as mulheres, assim
como as demais minorias, exerçam seu direito ao exercício da deliberação pública, não porque partilham
de um interesse único e comum, mas porque advêm das mesmas dificuldades de serem ouvidos e levados
em conta. “sua abordagem é importante, pois mostra que a necessidade da presença das mulheres (como
de outras minorias) na arena política não é suprimida caso se encontrem outras formas de proteger seus
"interesses", qualquer que seja a forma pela qual eles sejam concebidos”.
“Em vez de ser uma relação entre dois interlocutores, é uma relação entre múltiplos agentes, relativa à
produção dos interesses coletivos, na qual um deles ocupa a posição especial de ‘representante’” – a
dinâmica vertical da accountability não é um diálogo entre representante e representado, mas sim uma
conversa entre diversos agentes que influenciam os interesses singulares e coletivos dos indivíduos.
“Desta forma, a reserva de vagas para minorias políticas pode ser compreendida também como uma
maneira (mas não a única) de reconstruir os mecanismos de accountability vertical e dotá-los de
efetividade, garantindo que grupos socialmente significativos estejam presentes no processo. Mas, para
isso, é preciso avançar para além da primeira dimensão da representação política (a transferência formal
de poder decisório).
“Em vez de pensar num critério com ambição universalizante, é mais interessante entender as políticas
afirmativas como reparadoras de padrões de injustiça concretos a serem identificados em cada formação
social”.
Similitude: “as decisões políticas poderiam corresponder à vontade dos cidadãos comuns porque
seriam tomadas por pessoas similares a eles”.
- “Já o sorteio, por sua lógica intrínseca, leva ao abandono completo da accountability vertical, então
substituída (e não apenas complementada) pela similitude. O sorteio reforça a similitude também na
medida em que promove a rotação nos cargos públicos. Isto é, quem exerce o poder decisório sabe que
em breve voltará à condição de cidadão comum; a posição de governante, sendo transitória, não criaria
interesses duradouros, diferenciados de sua posição enquanto integrante do povo”.
“Quando a vida política é pensada apenas em termos da promoção de interesses, como em geral se faz,
fórmulas que visam garantir a presença de determinados grupos nas esferas de poder perdem força.
Afinal, os eleitores manifestam seu interesse através do voto. Aceita a premissa do interesse individual
esclarecido, os grupos hoje marginalizados elegeriam representantes para os cargos decisórios sem
necessidade de nenhuma medida além da mera igualdade política formal, caso isso fosse realmente a
vontade de seus integrantes” – ou seja, seria levado em conta pelos eleitores somente a igualdade formal,
e não a qualificação do candidato.
“Mecanismos representativos adequados devem envolver essas três facetas” – “interesses (aquilo que
se considera necessário para agentes individuais ou coletivos alcançarem seus fins) e opiniões (valores e
princípios que fundam os julgamentos) quanto perspectivas”.
“O bom funcionamento da accountability vertical, que exige formas de empoderamento dos cidadãos
comuns, é imprescindível para que interesses e opiniões dos diferentes grupos sociais estejam presentes
nas esferas decisórias; mas as perspectivas não são contempladas desta maneira. Elas demandam presença
política; se integrantes dos diversos grupos não participam do debate, os aspectos da realidade aos quais
eles se tornaram sensíveis, por conta de suas experiências de vida, não serão levados em consideração”.