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A METAMORFOSE EM FRANZ KAFKA

Autores¹: Giovannia Elaine Santos da Silva²


Larissa Pereira Soares
Canniggia de Carvalho Gomes
Janailda Darc Ferreira
Ronaldo Júnior da Silva
Universidade Potiguar – UnP

Orientadora: Klébia Seliane Pereira de Souza³


Universidade Potiguar – UnP

RESUMO

Este trabalho é um estudo sobre A Metamorfose, novela de Franz Kafka que foi
escrita em 1912 e publicada pela primeira vez em 1915. O objetivo é mostrar os
muitos elementos da vida do autor, de suas frustrações, da falta de afeto de seu pai
e de seus relacionamentos mal resolvidos que estão presentes nessa obra, que
também apresenta a solidão e a fragilidade humana frente à evolução social e traz
elementos do fantástico da literatura. A Metamorfose possui uma atmosfera
psicológica implícita que só pode ser percebida se analisada através de uma
conexão com a biografia do autor, que será feita nesse estudo.

Palavras-chave: Franz Kafka. Novela. Análise psicológica. O fantástico.

INTRODUÇÃO

A análise do livro A Metamorfose (Die Verwandlung) revela o peso que a


personalidade pessimista e introspectiva de Franz Kafka tem em sua obra.
Personalidade essa que foi construída pela tirania paterna e foi acentuada pelo
rompimento repentino da era de ouro da beleza, a Bélle Èpoque, e pela sufocante
modernização que automatizava os homens e lhe trazia um profundo sentimento de
solidão.
A projeção de sua personalidade na obra, através da personagem Gregor
Samsa, possibilita a identificação do elemento fantástico na narrativa como
caracterizado por uma intromissão brutal do mistério no quadro da vida real.

A VIDA DE FRANZ KAFKA

Franz Kafka, FrantiŠek Kafka, nasceu em Praga, Boêmia (hoje


Tchecoslováquia) em 03 de julho de 1883, filho de um abastado comerciante judeu,
Herrmann Kafka, e de sua esposa Julie. Cresceu sob influências de três culturas: a
judaica, a tcheca e a alemã. Aprendeu alemão como sua primeira língua, contudo
era quase fluente em tcheco. Morreu em Kierling, Áustria, em 03 de junho de 1924.
Kafka se considerava incapaz nos estudos, tanto que em uma carta a Felice
Bauer, sua noiva, ele declarou que não acreditava que conseguiria concluir o ensino
médio. Indeciso sobre que carreia seguir optou pela faculdade de Química ao lado
de seu amigo Max Brod, que conhecera em 1902. Permaneceu quinze dias no
curso, mas desistiu para iniciar a faculdade de Direito. Na realidade o seu desejo era
cursar Filosofia, que por impedimento do pai não realizou. Formou-se em Direito em
1906.
Trabalhou como advogado numa companhia particular Assicurazioni Generali
e depois no semiestatal Instituto de Seguros Contra Acidentes de Trabalho. Paralelo
ao seu trabalho burocrático dedicou-se à literatura. Teve como primeiro livro
publicado Contemplação no final de 1912, depois foi publicado O Foguista em 1913.
Kafka viveu sob forte influência de seu pai que ele considerava tirano e, essa
relação conflituosa foi projetada na convivência da personagem Gregor Samsa e seu
pai em A Metamorfose.

UMA NOVELA KAFKINIANA

A Metamorfose foi publicada em 1915 e narra a tragédia de Gregor Samsa


que um dia acorda metamorfoseado em inseto monstruoso.
Apesar do tamanho, é a mais longa e mais célebre novela de Franz Kafka, ele
a escreveu no espaço de vinte dias, entre 17 de novembro e 7 de dezembro de
1912. Apenas dois meses depois de O Veredicto. A história é caracterizada como
novela, pois ao contrário do romance que é uma narrativa de grande extensão com
grande número de personagens bem desenvolvidos, a novela é uma narrativa curta
com episódios que se sucedem em arco envolvendo as personagens principais. Ela
também se caracteriza por um final não esclarecedor. A narrativa é contada por um
narrador onisciente intruso.
A Metamorfose tem como personagens: Gregor Samsa, caixeiro-viajante; sua
irmã Grete Samsa, que ele sonha em mandar pra um conservatório para se
aperfeiçoar no violino; sua mãe, uma dona de casa e asmática; e seu pai,
aposentado há cinco anos. Todo o desenrolar da narrativa acontece na casa dos
Samsa, onde antes da metamorfose de Gregor seguia uma rotina e depois do
ocorrido todos saíram de um estado de apatia para a atividade social.

A BÉLLE ÈPOQUE

Bélle Èpoque é um termo em francês que quer dizer Bela Época e foi um
período que durou um pouco mais de trinta anos, começou no final do século XX e
se prolongou até a eclosão da 1ª Guerra Mundial.
A Bélle Èpoque se caracterizou por profundas transformações culturais,
intelectuais e as novas invenções que modernizavam e causavam novos modos de
pensar e viver o cotidiano.
A cena cultural estava em efervescência com os cabarés, o cancã e o
nascimento do cinema. Mas esse período foi muito mais do que uma simples
delimitação matemática e histórica. Foi um estado de espírito que se manifestou
entre os países europeus, com inovação e paz entre eles. Foi considerada uma era
de ouro da beleza.
Porém esse estado de espírito foi repentinamente interrompido com o início
da 1ª Guerra Mundial, em 1914. Franz Kafka, que já tinha uma personalidade
introspectiva e pessimista, foi muito afetado pela guerra e isso é mostrado em suas
obras através da condição humana, que ele descreve, do homem moderno: solitário
e frágil frente às novas invenções.

ANÁLISE PSICOLÓGICA DA OBRA E DO AUTOR


A Metamorfose possui uma crítica intrínseca na narrativa. Crítica que se
aplica na reflexão da condição humana imersa na mais profunda solidão do ser e, o
personagem Gregor Samsa é o espelho dessa situação do mundo moderno.
A Metamorfose não retrata apenas a transformação de Gregor Samsa num
inseto asqueroso, mostra a situação de um jovem caixeiro-viajante que renuncia a
sua vida para sustentar a sua família que nada faz diante das problematizações
impostas pelo mundo, ela só espera num plano de fundo, enquanto Gregor está
imóvel aos seus acontecimentos diários porque ele não anseia uma mudança na sua
condição de sujeito passivo.
Gregor encontra-se num universo paralelo, passivo aos acontecimentos, e
isso se mostra na sua incapacidade de reação diante da sua condição de inseto que
ele mesmo foi co-autor, pois essa condição já era existente numa camada interna, a
metamorfose foi apenas a visibilidade do que já estava escondido. O que
surpreende é a reação da família ao acontecimento, pois ela sai da situação de
letargia e adormecimento pela acomodação de ser sustentada por Gregor com seu
trabalho de caixeiro-viajante e volta a vida ativa, ao trabalho e ao convívio social.
A história narrada possui uma atmosfera psicológica intensa que aparece de
maneira implícita nessa novela kafkiniana. Gregor Samsa é o retrato do homem que
vive um pesadelo de uma crise existencial na qual podemos notar a presença da
desesperança e do pessimismo com o futuro, características da personalidade de
Franz Kafka.
Além disso, a obra A Metamorfose mostra uma forte projeção pessoal do
autor, Kafka tinha uma personalidade construída em seus conflitos introspectivos e
na educação tirânica de seu pai, uma espécie de deus que tudo vê e tudo norteia.
Prova dessa influência paterna é um trecho de Carta ao pai em que o autor diz
“Consideras-me, desde antes, com orgulho paternal, por desconhecimento de minha
existência real (...)”, num desabafo claro ao próprio pai.
Tudo isso transparece de forma evidente em suas obras, a relação que tinha
com o seu pai, os seus conflitos internos e também as suas reflexões sociais, estas
mostradas em O Processo, que é banhada pelo impacto da 1ª Guerra Mundial e em
Um artista da fome, obra em que Kafka explicita o homem marginalizado na sua
mais plena integridade física, moral e mental. Nesta obra o autor busca tornar
acessível aos nossos olhos mo homem podado pela sociedade, o homem que “tem
fome”, que sabe que pode dar mais, porém não há ninguém que possa afirmá-lo.
Fica externada também em O Veredicto, como em A Metamorfose, a projeção
da sua relação com o pai Herrmann Kafka, que influenciou arduamente a criação de
Franz Kafka, como é possível perceber também em Carta ao pai quando o autor diz
“meus escritos tratavam de ti; neles, lamentava o que não podia lamentar sobre o
seu peito”. Carta ao pai é um registro de uma pessoa afetada pelo tiranismo
exercido sobre ela durante toda uma vida, que fica notório em “representasse para
mim todo o mistério que possuem os tiranos”.

O FANTÁSTICO EM A METAMORFOSE

No primeiro parágrafo já é possível perceber a primeira condição do


fantástico, a hesitação:

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de seus sonhos


intraquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num
inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras
como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu
ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no
topo do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se
sustinha. Suas inúmeras pernas, lastimavelmente finas em
comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam
desamparadas diante dos seus olhos.
- O que aconteceu comigo? Pensou.
Não era um sonho (...).

Gregor Samsa estava realmente transformado num inseto? Vê-se nisso mais
um elemento do fantástico: É relatado um acontecimento que não é suscetível de
ocorrer na vida, ou seja, não há registros de alguém que um dia tenha se
transformado num inseto gigantesco.
A partir desse primeiro acontecimento dá-se início a uma sequência de outros
que mostram “a intromissão brutal do mistério no quadro da vida real”. Gregor
Samsa, transformado ou metamorfoseado em enorme inseto, passa a fazer parte da
vida cotidiana de seus familiares (mãe, pai e irmã – Grete Samsa) e também passa
a fazer coisas não humanas como andar pelas paredes e teto, alimentar-se por
sucção e gostar de comida estragada.
Mas, como um gênero se define sempre em relação aos gêneros que lhe são
vizinhos, o fantástico dura apenas o tempo de uma hesitação, da personagem e do
leitor. Se o acontecimento for decidido pelo leitor como NÃO sobrenatural passa-se
do fantástico para o estranho. Se a opção do leitor for aceitar as regras daquela
natureza, entra-se no terreno do maravilhoso. O fantástico leva essa ambiguidade
até o fim.
É possível perceber em A Metamorfose essa ambiguidade entre estranho e
maravilhoso do fantástico da narrativa, pois ao chegar ao fim da narrativa ainda
existe essa hesitação, porém fica claro que o gênero presente na obra é o
fantástico-maravilhoso, isso porque a narrativa termina por uma aceitação do
sobrenatural, já que não há uma explicação lógica ou científica, em nenhum trecho,
para o fato de Gregor Samsa ter acordado metamorfoseado em inseto.
O que se pode inferir após toda essa análise é que Franz Kafka era realmente
um homem de personalidade afetada pela tirania do pai que o fez crescer com uma
introspecção, pessimismo e fez dele um homem enigmático e sombrio. Mas
provavelmente nisso está a genialidade desse autor moderno, com suas
peculiaridades estilísticas, com seu texto caracterizado por sentenças longas, com
aspereza na maneira particular de narrar. A Metamorfose que, embora tenha sido
escrita há quase 100 anos, é de uma atualidade impressionante, por tratar do
homem tão podado pela sociedade e o modernismo atuais.

REFERÊNCIAS

______________. Análise da obra “A Metamorfose” e de seu autor Franz Kafka.


Disponível em: <http://www.bicodocorvo.com.br/cultura/livros/analise-
comportamental-da-obra-metamorfose-kafka>.

______________. Bélle Èpoque. Disponível em:


<http://www.infoescola.com/artes/belle-epoque/>.
______________. Bélle Èpoque. Disponível em: <http://www.pitoresco.com.br/art-
data/belle-epoque/>.

CENCI, H. R. Análise de “A Metamorfose” (de Franz Kafka). Disponível em:


<http://www.portalliberal.terra.com.br/artigos/analise-de-a-metamorfose>.

FARINA, Renata C. B. Análise da obra de Franz Kafka “A Metamorfose”, partindo


da necessidade de se rever alguns conceitos. Disponível em:
<http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsectio/item.php?itemid=400>.

______________. Franz Kafka: Família, educação, obra, estilo literário.


Disponível em: <http://www.wikipedia.com.br>.

KAFKA, Franz. A Metamorfose. Tradução do alemão por modesto Carone. 15ª


edição. São Paulo. Editora Brasiliense, 1994.

KAFKA, Franz. A Metamorfose. UNAMA – Universidade da Amazônia. NEAD –


Núcleo de Educação a Distância.

KAFKA, Franz. Carta ao pai. Tradução do alemão por Torrieri Guimarães. São
Paulo. Martin Claret, 2002.

KAFKA, Franz. Na Colônia Penal. Tradução do alemão por Modesto Carone. 4ª


edição. São Paulo. Editora Brasiliense, 1993.

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução do alemão por Modesto Carone. 5ª edição.


São Paulo. Editora Brasiliense, 1994.

KAFKA, Franz. O Veredicto. Tradução do alemão por Modesto Carone. 4ª edição.


São Paulo. Editora Brasiliense, 1993.

KAFKA, Franz. Um Artista da Fome. Tradução do alemão por Pietro Nassetti. São
Paulo. Martin Claret, 2002.

RODRIGUES, Selma Calasans. O Fantástico. São Paulo: Ática, 1988.

TODOROV, Tzevan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva,


1992, p. 29-46.

TODOROV, Tzevan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva,


1992, p. 47-63.

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